A maioria dos historiadores
econômicos considera que os primeiros passos da industrialização
brasileira só ocorreram entre 1885 e 1895, seguidos da expansão
industrial do início do século. Poucos dedicaram uma maior
atenção à ação empresarial de Irineu Evangelista de Sousa, o
Visconde de Mauá, em meados do século passado, em plena
sociedade escravista – algo, por isso mesmo, singular e inédito.[1]
Experiência que durou mais de trinta anos e só foi encerrada em
1878, com a falência do seu império econômico. Neste ensaio
busca-se – através do estudo da vida e da intensa atividade
industrial e financeira de Mauá – lançar algumas luzes sobre o
que foi o primeiro surto industrial no Brasil.
Que circunstâncias
permitiram que em pleno regime escravista, sem a existência uma
força de trabalho livre disponível, sem um mercado interno
forte, surgisse um empresário capitalista do porte do Visconde
de Mauá? Qual o verdadeiro significado deste homem? Será o
“nacionalista”, pintado por Nelson Werneck Sodré, em luta contra
o latifúndio retrógrado e afrontando os interesses britânicos?
Mauá não lutaria apenas com as
resistências dos latifundiários, levantadas pelos seus
representantes políticos; lutaria também contra os investimentos
britânicos que disputavam agora a renda nacional, buscando
instalar-se nas áreas mais rentáveis, sob regime de integrais
garantias, e particularmente as do transporte, marítimo e
terrestre, e a dos serviços públicos urbanos. Suas iniciativas,
por isso mesmo, vão sendo dificultadas e transferidas aos
ingleses.[2]
Ou será o empresário
associado aos ingleses de que nos fala Graham?
Embora alguns historiadores
descrevam Mauá como o primeiro financista dotado de idéias
nacionalistas e bravo combatedor da interferência estrangeira,
um estudo acurado e imparcial de documentação daquela época – e
ainda existente – nos mostra Mauá procurando entusiasticamente
auxiliar e contribuir para o aumento do poderio econômico
britânico no Brasil. (...) Acreditava firmemente na importância
dos investimentos ingleses feitos no Brasil (...) Defendeu os
interesses ingleses quando surgiram divergências com companhias
brasileiras, mesmo sabendo que as primeiras não tinham razão,
apenas, como dizia, simplesmente para preservar o “crédito do
Brasil em Londres”. (...) O que realmente o preocupava era a
modernização do país, e os meios para alcançar este objetivo,
pensava ele, encontravam-se nas mãos do homens de empresa de
diversas nacionalidades, legítimos representantes do sistema
capitalista.[3]
Ou, enfim, será o
self-made man, defensor do livre-mercado, em luta
contra o Estado - inibidor do progresso e da “modernidade”
- como nos cantam em prosa e verso, cine e vídeo os neoliberais
de hoje?
Que circunstâncias
levaram à falência o homem mais rico da América do Sul, poucos
anos antes da abolição da escravidão e da proclamação da
República? Em que sentido e até que ponto essa figura singular,
atípica, nos revela as características da burguesia brasileira
em formação?
Estas são algumas
das questões que tentamos responder no decorrer deste ensaio.
A INFLUÊNCIA INGLESA E LIBERAL
NA FORMAÇÃO DE IRINEU EVANGELISTA DE SOUSA
Irineu Evangelista
de Sousa - Barão, depois Visconde de Mauá - nasceu em 28 de
dezembro de 1813 na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do
Arroio Grande, município de Jaguarão, no atual Estado do Rio
Grande do Sul. Era filho de João Evangelista de Ávila e Sousa e
de Mariana Batista de Carvalho. Cresceu sem luxos, na pequena
estância de criação de gado que seus pais haviam recebido para
“iniciar a vida”. Em 1819, seu pai foi assassinado por motivos
não esclarecidos em uma viagem de negócios ao Uruguai, quando
Irineu tinha apenas 5 anos. Dos 5 aos 9 anos, Irineu viveu na
casa materna com a única irmã, três anos mais velha. Em vez de
mandar Irineu aprender as lides do campo com algum parente até
estar em condições de assumir o controle da estância, a mãe
decidiu ensinar-lhe a escrever e a fazer contas. O menino
demonstrou grande facilidade para esses misteres, e progrediu
rapidamente. A família pressionou Mariana para que casasse de
novo, o que acabou ocorrendo. Como o novo marido não queria
saber de filhos de outro pai em sua casa, Mariana buscou um
esposo para a filha Guilhermina – então com apenas 12 anos – e
entregou Irineu ao tio paterno José Batista de Carvalho, capitão
de longo curso que fazia viagens em seu veleiro entre o Rio da
Prata, Portugal e as Índias e trabalhava para um dos maiores
comerciantes e traficantes portugueses do Rio de Janeiro.
Assim, em 1823, com
apenas nove anos, Irineu partiu de Rio Grande em um brigue
carregado de charque, farinha de trigo e couros, com destino ao
Rio de Janeiro, onde chegou após mais de um mês de viagem. Ali,
Irineu foi entregue à João Rodrigues Pereira de Almeida, futuro
Barão de Ubá, um dos maiores comerciantes de grosso
(atacadista) do Império (que também era banqueiro, industrial e
armador, além de influente na política da capital), para
trabalhar como caixeiro em sua casa comercial. Irineu ali
permaneceu durante quatro anos, demonstrando grande capacidade e
tino comercial, tanto que com apenas 13 anos de idade tornou-se
o guarda-livros do patrão. Mas, em 1828, a forte crise econômica
atingiu inúmeras casas comerciais portuguesas, inclusive a firma
de Pereira de Almeida, levando-o à falência. Sua maior credora
era a filial no Brasil da firma inglesa Carruthers & Irmãos
- uma das maiores da praça - dirigida por Ricardo Carruthers.
Com apenas 16 anos, Irineu jogou um importante papel nas
negociações para uma solução amigável e foi contratado por
Carruthers como auxiliar de contabilidade.
Com Carruthers, Irineu aprendeu contabilidade,
aritmética e inglês, e passou a ler nos originais os autores
prediletos do novo patrão: Adam Smith, Stuart Mill, Milton,
Shakespeare. Absorveu os hábitos sóbrios e a mentalidade
capitalista dos ingleses, e aprendeu o valor do crédito para os
negócios mais amplos. Em pouco tempo tornou-se o gerente da
firma inglesa.
Aos 23 anos, quando Ricardo Carruthers decidiu aposentar-se e ir
residir na Escócia, passou a ser seu sócio. Com uma renda
assegurada de cerca de mil contos de réis, ele dirigia a
próspera firma Carruthers do Rio de Janeiro, importando da
Inglaterra ferragens, máquinas, tecidos, produtos manufaturados,
e exportando cacau, açúcar, algodão café, fumo. Seu nome
consolidou-se na praça e começou a ser conhecido também no Rio
da Prata e cercanias.
No final dos anos
trinta Irineu – simpático às idéias liberais e pessoalmente
vinculado ao Rio Grande do Sul – inicia sua participação
política apoiando de forma discreta a Revolução Farroupilha. O
historiador das Revoluções Cisplatinas, Alfredo Varela,
em carta de 1838 ou 1939, referindo-se à situação terrível dos
prisioneiros da República de Piratini na Fortaleza de Santa
Cruz, relata: “Esses 33 prisioneiros morreriam de fome e de
nudez se a mão oculta lhes não ministrasse o alimento e a
roupa, e para que aí (no Rio Grande) se saiba de quem é essa mão
oculta, cumpre-me declarar que é a do rio-grandense Irineu
Evangelista de Sousa.”[4]
E Alberto de Faria, um de seus biógrafos, afirma que “na ponta
do Curvelo, em Santa Tereza, residência de Mauá, encontravam
abrigo revoltosos foragidos (...) aí se tramou a evasão de
Onofre P. da Silveira da fortaleza de Santa Cruz.”[5]
Mas, em fins de 1842, quando aumentam as perseguições aos
revoltosos, Irineu, pressionado pelos conservadores, abjura
desse apoio e publica um artigo no Jornal do Commercio –
porta-voz da reação – afirmando não ter qualquer conexão com os
rebeldes do Rio Grande do Sul.[6]
Terminada a luta, nova reviravolta: “os gaúchos do Rio, tendo à
frente Irineu, fundaram um grêmio provisório, para assistir aos
patrícios. Foram à fortaleza, recebê-los em comissão presidida
por Irineu (...). Alugaram um prédio à rua da Imperatriz, onde
os alojaram, fornecendo-lhes, ainda aí, roupa, comida e
cigarros.”[7]
Em 1840, aos 27 anos
de idade, Irineu decide viajar para a Europa para visitar o
amigo Ricardo Carruthers. A viagem à Inglaterra, o impressiona
de forma decisiva com relação ao industrialismo inglês, que
passa a aspirar para o Brasil. Convence Carruthers a realizar
novas inversões no país. É criada em Manchester a firma “Carruthers,
De Castro & Cia” (De Castro correspondia a José Henry
Reydell de Castro, amigo de juventude de Irineu, que morava em
Manchester), tendo Irineu como o sócio comanditário. Essa firma,
durante anos, será o meio através do qual Mauá obterá os
recursos na Inglaterra para as empresas que criará no Brasil.
Outras filiais serão abertas posteriormente: “Carruthers,
Sousa & Cia.”, em Buenos Aires; “Carruthers, Dixon
& Cia.”, em Nova York. Inicia-se, então, uma nova fase na
vida do comerciante Irineu Evangelista de Sousa que logo se
tornará industrial, banqueiro e político.
ANTECEDENTES
DA DIFÍCIL INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Com a descoberta das
primeiras jazidas de ouro em 1698, Minas Gerais tornou-se o
centro econômico da colônia e o seu principal mercado
consumidor. Pouco à pouco, desenvolveram-se ali – e em menor
medida no Rio de Janeiro – incipientes manufaturas têxteis e
metalúrgicas e o artesanato em geral. A primeira reação da
metrópole veio em 1751 com a proibição do exercício do ofício de
ourives em Minas Gerais, com o pretexto de impedir o contrabando
do ouro. A Carta Régia de 1766 estendeu esta proibição à Bahia,
Pernambuco e Rio de Janeiro, mandando fechar quase duas centenas
ourivesarias. Em 1779, ao deixar o cargo de vice-rei do Brasil,
o Marquês de Lavradio alertará para a “independência que os
povos de Minas se tinham posto dos gêneros da Europa,
estabelecendo, a maior parte dos particulares, nas suas próprias
fazendas, fábricas e teares, com o que se vestiam a si e à sua
família e escravatura, fazendo panos e estopas e diferentes
outras drogas de linho e algodão, e ainda de lã”, concluindo
“que uns povos compostos de tão más gentes, em um país tão
extenso, fazendo-se independentes, era muito arriscado e podem
algum dia dar trabalho de maior conseqüência.”[8]
Temerosa de uma maior autonomia política e alarmada com a
concorrência ao comércio do Reino, a rainha Maria I, de
Portugal, editou o famoso Alvará de 1785, proibindo as
manufaturas têxteis na colônia, exceto as de panos grossos de
algodão para a vestimenta de escravos e a confecção de sacos:
Eu, a rainha (...) hei por bem
ordenar que todas as fábricas manufaturas ou teares de galões,
de tecidos ou de bordados de ouro e prata; de veludos,
brilhantes, cetins, tafetás ou de qualquer outra qualidade de
seda; de belbutes, chitas bombazinas, fustões ou de qualquer
outra qualidade de fazenda de algodão ou de linho, branca ou de
cores; e de panos baetas, droguetes, saetas ou de outra qualquer
qualidade de tecido de lã (...) sejam extintas e abolidas em
qualquer parte onde se acharem nos meus domínio do Brasil.[9]
As instruções do
Ministro Martinho de Melo e Castro ao vice-rei Luís de
Vasconcelos Souza, não deixam dúvidas em relação às intenções do
referido Alvará:
Quanto às fábricas e
manufaturas, é indubitavelmente certo que, sendo o Estado do
Brasil o mais fértil e abundante em frutos e produções da terra,
e tendo seus habitantes, vassalos desta coroa, por meio da
lavoura e da cultura, não só tudo quanto lhes é necessário para
sustento da vida, mas muitos artigos importantíssimos para
fazerem, como fazem, um extenso e lucrativo comércio e
navegação; e se a estas incontestáveis vantagens ajuntarem as da
indústria e das artes para o vestuário, luxo e outras
comodidades precisas, ou que o uso e costume têm introduzido,
ficarão os ditos habitantes totalmente independentes da sua
capital dominante; é por conseqüência indispensavelmente
necessário abolir do Estado do Brasil as ditas fábricas e
manufaturas”.[10]
É só através do
Alvará de 1º de abril de 1808 – quando a corte imperial
portuguesa se transferiu para o Brasil – que essas proibições
foram revogadas. No ano seguinte, novo Alvará concedeu “isenção
de direitos aduaneiros às matérias-primas necessárias às
fábricas nacionais, isenção de imposto de exportação para os
produtos manufaturados do país e a utilização dos artigos
nacionais no fardamento das tropas reais.” Além de “privilégios
exclusivos, por 14 anos, aos inventores ou introdutores de novas
máquinas” e a “distribuição anual de 60 mil cruzados (...) às
manufaturas que necessitassem auxílio, particularmente as de lã,
algodão, seda, ferro e aço.”[11]
Mas, logo a política
de incentivo à industrialização chocou-se com os interesses
ingleses. A carta régia de 1808, que abriu os portos brasileiros
ao comércio internacional, estabeleceu uma taxa de 24% sobre os
artigos importados. Quatro meses depois, um decreto régio
reduziu para 16% a tarifa para as mercadorias pertencentes à
portugueses ou transportadas em navios portugueses. Em resposta,
a Inglaterra exigiu um tratamento preferencial e obteve, através
do tratado de 1810, a tarifa de 15%, inferior, inclusive, à paga
pelos portugueses (que só conseguirão essa tarifa em 1818). Com
isso, o mercado brasileiro foi entregue às manufaturas inglesas,
inibindo por muitos anos o desenvolvimento industrial do país.
Ressalte-se que enquanto essas concessões eram feitas à
Inglaterra, “o açúcar e o café brasileiros, e outros artigos
similares aos produzidos nas colônias inglesas, foram proibidos
de entrar nos mercados britânicos, embora Portugal pudesse
enviar esses produtos para a Inglaterra para reexportação (...)
esta estipulação protegia os navios cargueiros e os comerciantes
ingleses.”[12]
Em 1827, esgotada a vigência do tratado de 1810 com a
Inglaterra, este é renovado por mais 15 anos em pagamento à
“ajuda” inglesa ao reconhecimento da independência brasileira.
Em 1826, a tarifa preferencial de 15% é estendida à França e, em
1928, a todas mercadorias estrangeiras, dificultando ainda mais
a industrialização do país.
A REFORMA
TARIFÁRIA DE 1844
Em 1815, pressionado
pela Grã-Bretanha, Portugal havia assinado um tratado que
proibia o tráfico negreiro em qualquer região da África ao norte
do equador. A convenção adicional de 1817 criou o direito de
visita (vistoria dos navios portugueses suspeitos de
tráfico). O tratado anglo-brasileiro de 1827, arrancado
sob forte pressão inglesa, estabeleceu que a partir de 1830 o
tráfico seria definitivamente proibido e igualado à pirataria,
tornando extensivas ao Brasil todas as cláusulas dos tratados de
1815 e 1817, entre Portugal e Inglaterra, inclusive o direito
de visita. Nada disso, porém, foi capaz de refrear o tráfico
que, ao contrário, intensificou-se, causando grandes atritos
entre o Brasil e a Inglaterra. Em resposta, o governo inglês
editou um ato majorando os direitos de entrada do açúcar
produzido nas regiões escravistas – o que atingiu diretamente os
produtos brasileiros – e intensificou a repressão aos navios
brasileiros.
É
nesse contexto que caduca, em 1844, o tratado comercial com a
Inglaterra. Apesar das pressões inglesas para a sua renovação, o
Parlamento brasileiro negou-se a fazê-lo, em represália à
sobretaxação dos nossos produtos e às demais medidas que a
Inglaterra vinha tomando contra o tráfico negreiro. A seguir,
foi aprovada a Lei Alves Branco, que elevou as tarifas de
importação para valores entre 30 a 60%. Esta Lei isentou as
indústrias “instaladas no país” de pagarem impostos sobre as
importações. Ao contrário do que alguns afirmam, a Lei Alves
Branco não possuía um caráter meramente “fiscalista” (procura de
uma maior arrecadação), mas tinha um viés conscientemente
protecionista:
Nenhuma nação deve fundar
exclusivamente todas suas esperanças na lavoura, na produção da
matéria bruta, nos mercados estrangeiros. Um povo sem manufatura
fica sempre na dependências dos outros povos e, por conseguinte,
nem pode fazer transações vantajosas, nem avançar um só passo na
carreira de sua riqueza. A indústria fabril interna de qualquer
povo é o primeiro, mais seguro e mais abundante mercado de sua
indústria. É de mister, com fé firme da indústria fabril em
grande, por meio de uma tarifa anualmente aperfeiçoada e mais a
mais acomodada ao desenvolvimento do nosso país. Não nos aterrem
os juros dos capitais e os salários tão elevados no nosso país;
defendidos por uma bem feita tarifa, os capitais aparecerão e se
acumularão; os juros e salários baixarão em tempo.”[13]
Dotado de larga
visão empresarial, Irineu logo percebeu que a nova política
tarifária abria grandes perspectivas para os negócios
industriais e bancários[14],
ao mesmo tempo que criava empecilhos para o comércio importador.
Chamou, então, Carruthers ao Brasil e o convenceu a liquidar a
empresa comercial e a investir em outros ramos de atividades.
Sem pressa, começou a desfazer-se dos seus ativos, sempre a bom
preço.
Percebendo a importância das
relações pessoais na sociedade escravista e atrasada em que
vivia, aderiu à maçonaria, adquiriu uma bela mansão no Catete e
tratou de enchê-la de convidados ilustres, estabelecendo
relações de intimidade com as pessoas mais influentes do governo
e da elite oligárquica.
A seguir, a primeira
preocupação de Irineu Evangelista de Sousa foi criar o que
considerava ser a empresa básica, a “mãe das outras indústrias,
a indústria do ferro”. Para isso, entendeu-se com o Ministro do
Império Conselheiro Joaquim Marcelino Brito, obtendo a garantia
de que lhe seria concedida a canalização das águas do rio
Maracanã para o abastecimento de água do Rio de Janeiro, caso
tivesse condições de fabricar os canos para essa obra.
Em meados de 1846, adquiriu a um
preço favorável o “Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da
Ponta de Areia”, em Niterói. A compra incluía um grande terreno
à beira mar, os telheiros que serviam de oficina, máquinas,
ferramentas e 28 escravos especializados que ali trabalhavam. No
total, pagou sessenta contos de réis, dinheiro suficiente para
comprar 5 mil sacas de café, a produção anual de uma grande
fazenda. Uma semana depois, assinou com o Ministério do Império,
encarregado da administração do Rio de Janeiro, o contrato para
canalizar o rio Maracanã com os tubos de ferro que iria
fabricar.
Encontrando grande
dificuldade para contratar no Brasil mão-de-obra especializada
para a ampliação do empreendimento, delegou a Reynell de Castro
a tarefa de conseguí-la na Inglaterra. Este, depois de percorrer
Manchester e Liverpool, conseguiu, a muito custo, um engenheiro,
um mestre maquinista, um mestre modelador, quatro caldeireiros e
seis moldadores. Foram enormes, também, os problemas
operacionais para conseguir os insumos básicos para a nascente
industria, assim como para a obtenção e manutenção dos
maquinários.
No primeiro ano quadruplicou o
capital da empresa e iniciou as obras, que progrediram a olhos
vistos. Só que os pagamentos por parte do governo não se
realizavam, mesmo já havendo passado mais de um ano. Não
encontrando resposta para os seus apelos, e sob a ameaça de
falência, diversificou a sua produção, passando a fabricar
pregos, sinos, máquinas de serrar, peças para engenhos de
açúcar, guindastes e molinetes. Passou a fazer consertos de
navios e montou uma empresa em Rio Grande para operar um
rebocador a vapor construído em seu estaleiro. Só em 1848, com a
posse de novo ministério conservador - onde tinha bons amigos -
conseguiu que lhe pagassem as obras, além de obter um empréstimo
de 300 contos de réis, a juros de 6% ao ano, com cinco anos de
carência até o pagamento da primeira prestação. A partir daí,
tudo foi mais fácil:
A fábrica da Ponta de Areia
transformou-se em uma firma sólida, que podia agora dedicar
tempo a melhorar seus produtos e a buscar novos mercados. Não
demorou muito para que dali começassem a sair algumas inovações
que seu dono julgava adequadas ao mercado brasileiro: engenhos
de açúcar completos, movidos a vapor, bem mais produtivos que os
toscos mecanismos tocados por bois e rodas d’água em uso no
país; pontes de ferro que podiam ser montadas em pouco tempo
mesmo nos rios mais largos; canhões de bronze para os navios de
guerra; navios a vapor completos; fornos siderúrgicos e bombas
de sucção. O pessoal não parava de aumentar. Em vez dos 28
escravos originais, havia agora quase 300 operários, divididos
em 5 oficinas: fundição de ferro, fundição de bronze,
acessórios, construção naval e caldeiraria. Um quarto dos
empregados era ainda de escravos, quase todos especializados
(apenas cerca de 10 eram serventes). O principal contingente de
operários era formado por brasileiros livres (cerca de um terço
do total), e o restante vinha do mundo inteiro; havia
portugueses, ingleses, suíços, espanhóis, belgas, alemães e
austríacos trabalhando em Niterói.[15]
A EXTINÇÃO DO
TRÁFICO NEGREIRO E A LEI DE TERRAS
Em 1845, o governo
brasileiro notificou à Inglaterra que a vigência do tratado de
1827 estava por caducar, incluído o direito de visita. Em
resposta, o gabinete inglês decretou em agosto de 1845 a Bill
Aderdeen, autorizando os navios ingleses a perseguir,
aprisionar e destruir barcos de países estrangeiros em águas
internacionais, desde que suspeitassem que se dedicavam ao
tráfico de escravos. Foi um duro golpe contra os traficantes
brasileiros e contra os fazendeiros escravistas do café. Os
incidentes multiplicaram-se.
Convencido da inevitabilidade do
fim do tráfico negreiro, o governo imperial tomou diversas
iniciativas legislativas para adaptar o país para à nova
realidade. Em troca da aceitação pelos grandes proprietários da
extinção do tráfico, aprovou uma nova Lei de Terras, eliminando
doações de terras e o direito de posse, assegurando aos grandes
fazendeiros as terras ocupadas por pequenos camponeses e
escravos alforriados. Ao impor como única forma de acesso à
terra a compra – e a um preço premeditadamente elevado – excluiu
as massas pobres do campo e os futuros libertos de qualquer de
acesso à terra. Quanto aos imigrantes, forçava-os a trabalharem
para os grandes proprietários por longos anos, até que pudessem
acumular o suficiente para adquirir algum pedaço de terra.
A Lei de Terras visava,
fundamentalmente, a três objetivos: 1) proibir as aquisições de
terras por outro meio que não a compra (...); 2) elevar o preço
das terras e dificultar sua aquisição (...); e 3) destinar o
produto das vendas de terras à importação de “colonos”. (...) De
tudo a quanto se propunha a Lei de 1850, somente medraram as
determinações que dificultavam o acesso à terra por meio da
posse ou da compra a baixo preço. Em suma, na sua execução
prevaleceram unicamente os dispositivos que estavam em harmonia
com o objetivo imediato da classe latifundiária: obrigar o
imigrante a empregar sua força de trabalho nas grandes fazendas
de café. (...) Esse seria o instrumento básico de que careciam
os latifundiários, já cientes da falência do escravismo, para
(...) importar trabalhadores europeus em larga escala.[16]
Em sintonia com a
Lei de Terras, foi elaborada uma legislação de colonização que
subsidiava com recursos públicos a vinda de imigrantes europeus
para substituir os escravos que não mais viriam: “Pagar o
transporte e a instalação de imigrantes com dinheiro do Estado
era uma opção cara – naquele momento o custo para colocar um
camponês europeu numa fazenda era três vezes maior que o valor
de um escravo. A ‘solução’ encontrada foi a de ratear a
diferença com toda a sociedade”[17].
Em 1849, o governo
designou uma comissão - composta pelo Ministro da Justiça
Eusébio de Queirós, Clemente Pereira, Nabuco de Araújo, Carvalho
Monteiro, Caetano Soares e Irineu Evangelista de Sousa (com 37
anos) - para elaborar o Código de Comércio do Império, outro
instrumento necessário para os novos tempos que se anteviam. Os
trabalhos da comissão se realizaram na casa do futuro Visconde
de Mauá e o projeto foi aprovado no Senado em apenas duas
sessões. Em retribuição aos serviços prestados, Irineu recebeu
do Imperador o Hábito da Ordem de Cristo, a mais alta
condecoração a que um plebeu poderia almejar. Logo a seguir foi
eleito Presidente da Comissão da Praça de Comércio do Rio de
Janeiro.
Finalmente, em
1850, no bojo de fortes pressões da Inglaterra - cuja esquadra
chegou a canhonear navios em portos brasileiros, bombardear
Paranaguá e ameaçar de fazer o mesmo no Rio de Janeiro - foi
aprovada a Lei Eusébio de Queirós, extinguindo o tráfico
negreiro. A partir daí, o enorme volume de recursos aplicado no
comércio de escravos passava a buscar novos campos de
investimento:
A necessidade de aplicação
desses capitais exigiu a promulgação de outras leis: a lei
referente à incorporação de sociedades anônimas; a lei de
organização dos bancos; a concessão de privilégios para
navegação das vias internas e de caminhos de ferro. Alves
Branco, grande amigo de Mauá, põe em marcha uma tabela,
organizada anteriormente, que completa o quadro das medidas
protecionistas preparadoras do primeiro surto industrial que o
Brasil vai conhecer. Mauá encontrara enfim ambiente propício
para desenvolver sua atividade de industrial, nova etapa que
galga com extremo entusiasmo.[18]
A INTERVENÇÃO NO PRATA: A POLÍTICA A SERVIÇO DOS NEGÓCIOS
Com o fim do tráfico
negreiro e a perda do controle da rota africana, o Brasil voltou
as suas atenções para o Prata, onde defendia a livre navegação
do rio Paraná, caminho mais rápido para Cuiabá. Ali, o ditador
argentino Rosas - intransigente opositor à livre navegação do
Paraná - invadira o Uruguai em 1843 e mantinha desde então o
bloqueio de Montevidéu por terra. A cidade definhava a olhos
vistos e só se mantinha devido aos subsídios ingleses e
franceses. Mas, em 1849, o novo governo francês suspendeu os
subsídios ao Uruguai, obrigando este a buscar o apoio brasileiro
contra Rosas. O ministro Paulino, temeroso de comprometer
oficialmente o Império, solicitou a Irineu que este fosse o
intermediário da ajuda financeira ao governo uruguaio, acenando
com uma ajuda futura aos seus negócios e com a perspectiva de
maiores ganhos a partir da modificação da situação do Uruguai.
Inicia-se, nesse episódio, a atuação do futuro Visconde de Mauá
na região do Prata, onde manterá grandes interesse econômicos
por longos anos e onde jogará importante papel político em
aliança com o Império.
O acordo secreto, com cláusulas
leoninas – entre as quais a renúncia pelo Uruguai a cerca de um
quinto dos territórios que litigava com o Brasil e o pagamento
de juros de 40% ao ano – é assinado em setembro de 1850 pelos
governos do Brasil e do Uruguai e por Irineu Evangelista de
Sousa, que se compromete a fornecer dinheiro e armas, contratar
mercenários na Europa, saldar dívidas antigas do governo de
Montevidéu, conseguir peças de artilharia e navios de guerra. O
esforço de guerra brasileiro garante generosas encomendas ao
estaleiro de Irineu na Ponta de Areia, em Niterói. A diplomacia
brasileira, agindo com grande habilidade, consegue a
neutralidade da Inglaterra, uma aliança defensiva e ofensiva com
o Paraguai, a rendição e a troca de lado de Oribe, o apoio de
Urquiza contra Rosas. Com a vitória assegurada, em outubro de
1851, o Brasil impõe novas condições ao Uruguai:
O tratado secreto foi desdobrado
em cinco outros, assinados pelos dois governos: um de aliança
permanente, que permitia a intervenção de um país no outro – e
ninguém imaginava o Uruguai intervindo no Brasil – para
assegurar governos constitucionais; um tratado de limites que
colocava a fronteira dos dois países onde o Brasil queria; um
tratado de extradição que obrigava o governo do Uruguai, onde
não havia escravidão, a prender e devolver escravos fugidos do
Brasil; um tratado de comércio e navegação que obrigava o
Uruguai a exportar sem impostos seu gado – a imposição foi feita
pelos charqueadores gaúchos, interessados em baratear o preço da
matéria-prima trazida do país vizinho – e abria a navegação do
rio da Prata a todos os países; por fim, uma Convenção de
Reconhecimento de Dívida, pela qual o dinheiro emprestado por
Irineu Evangelista de Sousa, mais os juros, se tornavam dívida
pública do país.[19]
Em fevereiro de
1852, Rosas é derrotado em Monte Caseros. Em maio, o novo
governo uruguaio, pressionado pelo Império – que ordena à
esquadra brasileira a realização de manobras ao largo de
Montevidéu e ameaça estacionar tropas onde entende que a
fronteira deve ficar, além de ocupar o território uruguaio que
julgasse equivalente ao valor dos empréstimos devidos –
reconheceu o acordo secreto de 1850 e seus adendos de 1851. A
partir desse dia, Irineu Evangelista de Sousa tornou-se
legalmente o maior credor do governo uruguaio e quase o dono da
economia pública local. Dali para a frente, terminava a fase da
sangria do bolso, já que a ajuda para a guerra se encerrara, e
começava uma outra, a da cobrança. Pelo tratado, ele tinha de
nomear um representante seu, com poderes para fiscalizar a
atuação da Alfândega e as contas do governo. Esse representante,
mais a atuação firme do embaixador brasileiro, eram sua maior
esperança de ver de volta o seu dinheiro.
O NOVO BANCO
DO BRASIL E A EXPANSÃO DOS NEGÓCIOS DE MAUÁ
A extinção do
tráfico negreiro teve conseqüências econômicas imediatas.
Enormes quantias de dinheiro, envolvidas nessa atividade ilegal,
passaram a buscar novas aplicações rentáveis e surgiram na
contabilidade nacional.[20]
Uma parte desses capitais liberados foi canalizada para as
importações, elevando a arrecadação da Alfândega entre 1850 e
1852 em mais de 40%. A alta do café também aumentou a renda com
os impostos sobre a exportação em mais de 20%. O Tesouro encheu
suas burras. Amadureciam as condições para o projeto de
Irineu Evangelista de Sousa de fundar um banco: “Reunir os
capitais que se viam repentinamente deslocados do ilícito
comércio, e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir
alimentar as forças produtivas do país, foi o pensamento que me
surgiu na mente ao ter a certeza de que aquele fato era
irrevogável.”[21]
Em 2 de março de
1851, o Jornal do Commércio publicou o aviso de uma
reunião, no pavimento superior da Praça de Comércio, para marcar
o ato de fundação de um grande banco na cidade do Rio de
Janeiro. Conforme acertado de antemão, Irineu foi aclamado
presidente da nova instituição. O capital subscrito totalizava
10 mil contos de réis, um terço do orçamento do Império para
aquele ano. A 21 de agosto de 1851, poucos meses depois de
aprovados os seus estatutos, o banco entrou em pleno
funcionamento sob o nome de Banco do Brasil[22],
ficando autorizado a emitir letras até o limite de 50% do seu
capital. Já no primeiro ano, o banco emitiu 1.500 contos em
letras.
A NAVEGAÇÃO
DO RIO AMAZONAS E A PRIMEIRA FERROVIA DO BRASIL
Solucionada questão
do Prata, o governo brasileiro voltou-se para a ocupação da
Amazônia, ameaçada pelos interesses expansionistas dos EUA que
pregavam a livre navegação do rio Amazonas.[23]
Irineu Evangelista de Sousa foi convocado para montar uma linha
de navegação no grande rio. Para isso, recebe o privilégio da
sua navegação por 30 anos e uma subvenção anual de 160 contos de
réis para a primeira linha que estabelecesse. Em fins de 1852,
estava criada a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas,
com capital de 2.000 contos. Em 1853, três linhas de navios a
vapor começaram a funcionar: Belém-Manaus, Belém-Cametá e
Manaus-Tabatinga. Após, diversas outras linhas foram criadas,
navegando 3.828 km do Amazonas e 1.320 km de seus afluentes.
Depois de um ano, a empresa começou a dar lucro.
Planejando vôos
maiores, Mauá abriu o capital da Ponta de Areia, elevado-o para
1.250 contos através da subscrição de ações (seis vezes mais que
o seu capital em 1850). Isso não só deixou a empresa mais forte[24]
como transferiu dinheiro para o seu bolso, dando-lhe condições
de investir em outros grandes projetos que tinha em mente.
Em abril de 1852,
ganhou do governo imperial uma concessão para a construção da
primeira ferrovia do Brasil, entre a Praia da Estrela e Raiz da
Serra, Petrópolis. Para viabilizá-la, formou uma empresa com um
capital inicial de 1.300 contos - a Estrada de Ferro de
Petrópolis - tendo garantia governamental de 5% de juros ao ano,
sobre o capital empregado. Um episódio pitoresco, por ocasião da
inauguração das obras de construção da ferrovia, em 1852, com a
presença do imperador e altas autoridades, expressa bem o choque
de mentalidades entre o burguês Irineu e a oligarquia
escravista:
A uma hora da tarde, em pleno
sol, todo o grupo em trajes de gala iniciou uma caminhada pelo
pasto até um ponto marcado no capim, onde os esperava o vigário
da paróquia local para dar a benção aos trabalhos. Concluída a
oração, Irineu entregou ao imperador uma pá de prata, com a qual
este cavou três vezes a terra, despejando o produto num carrinho
de jacarandá incrustado de prata. Depois passou a pá a um
ministro, que continuou a operação, repetindo em seguida o gesto
e passando o instrumento a outro ministro. Irineu, homem com a
fé nos símbolos dos maçons, exultava: todo o poder de uma
sociedade escravocrata que desprezava solenemente o trabalho
curvava humildemente a espinha ante seu valor. Para realçar
ainda mais o significado do gesto, fez questão de enfileirar
todos os operários contratados para trabalhar na obra a pouca
distância dos governantes. Com suas roupas de festa, leves,
aquilo também não deixava de ser um instrutivo divertimento para
eles: viam mãos enluvadas pegando de mau jeito a pá, rostos
muito vermelhos pelo desconforto que produziam roupas de veludo
e casacas naquele soleirão. Rompia-se assim a aura sagrada que
envolvia um poder que sempre fez questão da distância do
trabalho, que nunca quis nada que sugerisse mistura com o vulgo
– mas que parecia agora muito prosaico.[25]
A inauguração do primeiro trecho da Estrada de Ferro Mauá – a 3ª
da América Latina e a 21ª do mundo, com 14,5 km de extensão -
ocorreu em abril de 1854, com a presença da família Imperial,
ministros e convidados especiais. Na ocasião, Irineu Evangelista
de Sousa recebeu do Imperador o título de Barão de Mauá (antigo
nome do porto de Estrela).
A partir dessa primeira
ferrovia, multiplicam-se as iniciativas para a construção de
novas estradas de ferro - seja com capitais nacionais, seja com
capitais ingleses - sempre com a participação de Mauá. Entre
elas, podemos citar a Estrada de Ferro Dom Pedro II, a São
Paulo Railway, a Recife and São Francisco Railway Company,
a Bahia and São Francisco Railway Company, a Minas and
Rio Railway Company.
Em maio de 1852,
Mauá venceu a concorrência para a iluminação pública do Rio de
Janeiro e criou a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de
Janeiro, com capital de 1.200 contos. Em março de 1854, a
população da capital foi chamada às ruas para assistir serem
acesos os primeiros 637 lampiões a gás, a terça parte do total
previsto no contrato.
Irineu Evangelista de Sousa fechou o
ano de 1852 comandando empresas com um capital total de 15.750
contos de réis - incluídos os 10.000 contos do Banco do Brasil -
o que correspondia à metade de toda a produção de café e a dois
terços do imposto de importação do país, a maior fonte de renda
do governo. A expansão dos capitais sob o seu controle
aumentara, em apenas 3 anos, em cerca de 6.500%, não computados
aí os 1.000 contos investidos no Uruguai. A alavanca para toda
essa expansão era o Banco do Brasil.
MAUÁ CHOCA-SE
COM OS LIMITES DA SOCIEDADE ESCRAVISTA BRASILEIRA
Diante de tão
vertiginoso crescimento, levantaram-se as primeiras vozes de
advertência e de admoestação, principalmente dos setores mais
conservadores, temerosos da modernização do país. O próprio
Imperador preocupou-se com o crescente poder deste banqueiro. Na
fala do trono, em maio de 1853, deu o recado: era preciso criar
um banco solidamente construído o qual, obviamente, não era o de
Irineu Evangelista de Sousa. Em seguida, no Senado, o Visconde
de Itaboraí apresentou o projeto de criação de um banco oficial,
feito com o dinheiro de particulares - no total de 30 mil contos
de capital - cujo presidente seria nomeado diretamente pelo
Imperador. Na fundamentação da sua proposta, pregou contra a
concorrência entre os bancos “causa principal de quase todas as
crises comerciais”. Depois de afirmar que os bancos existentes
eram inseguros, e que só sua submissão ao governo e o fim da
concorrência entre eles remediaria a situação, propôs a
possibilidade deles se fundirem e virem a participar da fundação
do novo banco, sob o comando do governo. O resultado foi uma
corrida dos depositantes ao Banco do Brasil e ao Banco do
Comércio (criado em 1838), para retirar o seu dinheiro.
Essa situação, pegou
Irineu no contrapé: ele tinha quatro grandes investimentos em
andamento: os empréstimos ao governo uruguaio, a estrada de
ferro, a companhia de gás e a navegação do Amazonas. Todos em
fase de gastos, com perspectiva de retorno só a médio prazo.
Justo neste momento, o banco - o instrumento de captação de
capitais com que contava para financiar a conclusão de seus
projetos - era inviabilizado. Sua única base de apoio era a
fundição de Ponta da Areia, sem fôlego para tanto. Irineu foi
obrigado a capitular e acertou a entrega do banco em troca do
fornecimento pelo governo de um empréstimo de 600 contos para
salvá-lo da bancarrota.
Em julho de 1853, a
Câmara aprovou a criação do novo banco. O governo recebeu tudo:
capitais, móveis, funcionários treinados e o nome. Em troca,
assumiu o compromisso de entregar a Irineu e aos demais
acionistas dos dois bancos que se fundiram (o do Brasil e o
Comercial) 80 mil das 150 mil ações do novo banco. Em vez dos 3
cargos originais, a Diretoria foi aumentada para 15 membros,
todos remunerados com altos salários. Logo o novo Banco elevou
os juros para melhor remunerar os aplicadores, sem maiores
preocupações com o fomento das atividades produtivas[26].
Em dezembro de 1853,
Irineu renunciou à diretoria do novo banco e - quando em abril
de 1854 recebeu as suas ações - aproveitou o momento de alta
para vendê-las e reaver o seu capital. A entrada em
funcionamento, no início de 1854, da sua estrada de ferro, da
Companhia de Gás, e o início dos primeiros lucros na sua
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, reverteram a
situação crítica por que havia passado no ano anterior. Ficou
pronto para um novo ciclo de negócios.
UM PRECURSOR
DO CAPITAL FINANCEIRO EM PLENA SOCIEDADE ESCRAVISTA
Estando o espaço
creditício tradicional ocupado pelo novo banco (posto a serviço
do capital parasitário), Mauá planejou uma instituição
financeira internacional – com sede no Brasil e uma grande
agência na Inglaterra – com o objetivo de captar capitais
europeus para serem investidos em empresas brasileiras e para o
financiamento do comércio exterior do país (aproveitando-se da
diferença entre os juros internos e externos), além de
atividades de câmbio. Adiantando-se à sua época e ao seu meio,
Mauá sonhava – em meados do século passado e em plena sociedade
escravista – com um banco associado a ferrovias e a industrias,
levando o progresso econômico ao país:
Em poucos anos, uma
filial do Banco Mauá se acharia estabelecida em cada uma das
capitais das vinte províncias do Império, além de muitas outras
em localidades de alguma importância do Brasil; e, secundado
esse mecanismo de crédito com filiais em Londres e em Paris,
ficariam criados no Banco Mauá & Cia. elementos com base para
alimentarem operações de crédito e finanças, que interessariam
em grande escala ao progresso econômico do nosso país.
(...) vasto mecanismo de crédito que (...) se constituiria o
centro de todo o movimento monetário e financeiro da América
Meridional em ligação íntima com os principais centros
monetários da Europa. Realizado este pensamento, as empresas
brasileiras (...) não teriam por certo de arrastar-se
abatidas aos pés da usura desapiedada de maus elementos
financeiros da praça de Londres; 5% de garantia e não 7% seria
base suficiente para eu e meus agentes termos conseguido a
coadjuvação do capital europeu para as nossas empresas de viação
e quaisquer outras, se bem demonstrada utilidade para os
capitais a empregar, encontrariam apoio fácil e eficaz”.[27]
Essa empresa seria um grande
banco de investimentos multinacional – se os termos já tivessem
sido inventados. (...) Sua experiência brasileira tinha lhe
mostrado que as empresas industriais e de transporte dependiam
cada vez mais de financiamento, e que um banco que não tivesse
apenas a função de emprestar dinheiro a terceiros, mas
funcionasse também como gerente de grandes projetos, daria
grandes lucros. Este seria, anos mais tarde, o esquema básico do
capitalismo financeiro, que só se consolidaria na Europa na
década seguinte, e nos Estados Unidos no final do século. Mas o
projeto de Mauá, que previa inclusive a abertura de capital do
banco, e uma vasta rede de empresas de capital aberto
subordinada a ele, só se implementaria em definitivo depois da
Primeira Guerra Mundial, já no século XX.[28]
Para escapar à
legislação das sociedades anônimas, sujeitas à aprovação e
intervenção governamental, aproveitou-se de brechas na
legislação e criou em julho de 1854 – tendo como sócios alguns
brasileiros e várias empresas dedicadas ao comercio exterior, na
sua maioria inglesas e francesas – a Mauá, Mac Gregor & Cia.,
sociedade de responsabilidade limitada, formada por 182
investidores. O capital inicial seria de 30 mil contos de réis,
o mesmo do Banco do Brasil.
Como era de esperar,
logo começou um cerrado bombardeio à nova iniciativa de Mauá.
Depois de muitas marchas e contramarchas – tendo o governo
proibido a divisão do capital da Mauá, Mac Gregor & Cia.
em ações – Mauá teve que criar o novo banco com objetivos bem
mais limitados, reduzindo o seu capital para 20 mil contos e
direcionando-o fundamentalmente para a transferência de fundos
entre a Europa e o Brasil e para o mercado de câmbios.
Logo conseguiu acumular
vultuosos lucros e começou a buscar novas oportunidades para
investimentos produtivos. Afora as obras públicas, as opções não
eram muitas em um mercado consumidor restrito, onde imperava uma
política de altas taxas de juros. Em 1855, Mauá associou-se a
mais quatro empreendimentos: uma fábrica de velas e sabões, uma
empresa para explorar ouro no Maranhão, uma companhia de
transportes urbanos e uma firma para a construção de diques
flutuantes.
O ano de 1857 vai
encontrar Mauá comandando 10 empresas. Algumas estavam
consolidadas, como o banco Mauá, Mac Gregor & Cia, a
fábrica da Ponta da Areia, a Companhia de Iluminação a Gás do
Rio de Janeiro, a Companhia de Navegação do Amazonas, a
Companhia de Luz Esteárica. Outras, como a mineradora do
Maranhão, a ferrovia Santos-Jundiaí e a companhia de diques
flutuantes, ainda eram interrogações. Já a Companhia fluminense
de transportes e a ferrovia de Petrópolis estavam condenadas[29].
Mas, a política governamental de priorização da agricultura e de
altas taxas de juro - com o objetivo de transformar os
ex-traficantes de escravos em felizes rentistas ou comissários
dos produtores de café - bloqueava o campo de ação dos
empresários progressistas e as perspectivas da industrialização
do país.
Mauá volta os seus
olhos, então, para a região platina. Em julho de 1857, cria o
Banco Mauá & Cia, em Montevidéu, autorizado a emitir
bilhetes (que funcionavam como papel moeda) no triplo do valor
dos depósitos existentes. Em 1859 esse banco já conta com
agências em Salto e Paissandu; logo em Cerro Largo e Mercedes.
Em janeiro do mesmo ano, a pedido de Urquiza, abre uma sucursal
do Banco Mauá em Rosário, sede da Confederação Argentina. Este
será o primeiro estabelecimento de crédito argentino, o único
durante oito anos. Logo abrirá sucursais também em Buenos Aires
e Gualeguaichi. Mauá investe em terras e compra na cidade de
Mercedes uma enorme estância de 160 mil hectares. Desenvolvendo
uma pecuária empresarial, estimula a melhoria das raças vacum e
cavalar, importa rebanhos de carneiros para a produção de lã de
qualidade: “Em 1860, o Barão de Mauá publicou avisos na imprensa
européia oferecendo prêmios ao inventor do melhor procedimento
para carne congelada (...) Na grande exposição Universal de
Londres de 1861, Mauá concorreu com produtos nacionais e
uruguaios de suas estâncias modernizadas: lãs de seus rebanhos,
gado vacum, etc., destacando-se os produtos do Uruguai.”[30]
Dessa sua intensa atividade empresarial no Uruguai dirá Alberto
de Faria: “o Banco Mauá e Cia. e o Barão de Mauá figuravam em
tudo quanto se fazia de útil no Uruguai: diques e estaleiros
para navios (...), plantações de algodão, curtumes (...),
fábrica de gelo, plantações e moinhos de trigo (...), tijolos,
ladrilhos, etc., tudo.”[31]
Mas, as notícias no
Brasil e em outras partes do mundo não são boas. Em junho de
1857, a fábrica da Ponta de Areia é destruida por um incêndio
(segundo alguns, por uma sabotagem dos ingleses) e os prejuízos,
não cobertos por seguros, alcançam 500 contos de réis, a perda
de tecnologia e a descontinuidade da produção. Na Inglaterra,
seu sócio Reynell de Castro enterra 1.700 contos de réis em
ações da estrada de ferro Recife-São Francisco, que logo se
revelaria uma mau negócio.
Neste momento,
explode uma grave crise bancária nos Estados Unidos. O câmbio
baixa de 27 para 22,7 pence por mil réis, em 4 meses. A pedido
do ministro Sousa Franco - que luta para sustentar a o valor da
moeda nacional frente a libra, mas não tem o apoio do Banco do
Brasil - Mauá faz uma jogada arriscada. Convencido que a queda é
artificial e logo se recuperará, obtém do governo uma garantia
para até 750 mil libras, faz empréstimos em Londres no valor de
1.800 mil libras (85% do capital de todas as suas empresas), e
investe na compra de moeda nacional ao preço de 25,5 pence por
mil réis. Ao resgatar esses empréstimos em setembro de 1858, o
câmbio já retornara a 27 pence por mil réis, rendendo um bom
lucro para o seu banco.
Mas, a política protecionista do governo, iniciada em 1844,
começa a ser desmontada por pressão dos ingleses e dos setores
agrários que não viam com bons olhos o incentivo a
industrialização em um país “predestinado” para a produção
agrícola:
A comissão encarregada de
estudar a revisão tarifária, que acabou de efetivar-se em 1857,
e num sentido oposto ao que fora estabelecido por Alves Branco,
não hesitaria em formar assim o seu ponto de vista: “Uma tarifa
que encareceu com o peso de fortes direitos os instrumentos
agrários, e dificultou a sua aquisição, uma tarifa que encareceu
os gêneros necessários à subsistência da classe dos
trabalhadores, a conservação de imposto que dificultam a saída
de seus produtos, e a sua concorrência com seus similares nos
mercados exteriores, e colocam os nossos lavradores na triste
colisão, ou de abandonarem a lavoura da terra, ou de suportarem
rudes golpes por amor da indústria fabril.” (Relatório da
Comissão encarregada da revisão da tarifa em vigor que
acompanhou o projeto da tarifa apresentada pela mesma Comissão
ao Governo Imperial, Rio, 1853, p. 285)
Argumentação especiosa, sem a
menor dúvida, que refletia a resistência a uma política de
industrialização e apoio tradicional à política de preservação
dos interesses da classe dominante agrária, desejosa de defender
a sua renda, infensa à criação de condições que permitiriam o
aparecimento da burguesia. A cisão nessa classe dominante
tradicional não atingira ainda o grau que permitiria a uma de
suas frações aceitar, esposar e defender, nessa seriação
crescente, a introdução de relações capitalistas na economia
brasileira. A tradição escravista e feudal detinha o processo
inexorável. Em 1857, assim, a tarifa reabre as portas do mercado
interno: “A diminuição dos direitos recaiu, em geral, sobre os
gêneros alimentícios e instrumentos e utensílios destinados à
lavoura. As matérias-primas foram sujeitas a uma taxa de 5%,
revogando-se os privilégios concedidos às fábricas nacionais;
todos os que se dedicavam a alguma indústria, grande ou pequena,
ficavam doravante sujeitos ao mesmo regime.” (Nícia Vilela Luz:
A Luta pela Industrialização do Brasil (1808-1930),
S.Paulo, 1961, p. 24)[32]
Em 1860, através da
reforma Silva Ferraz, o governo isentou de direitos
alfandegários os materiais importados destinados à lavoura e os
navios construídos no estrangeiro, além de restringir a
circulação monetária, trazendo enormes dificuldades à produção
industrial no país. A fábrica da Ponta de Areia – que Mauá havia
acabado de reconstruir com pesados investimentos – foi
inviabilizada:
A legislação sobre artefatos de
ferro foi se modificando. Navios a vapor e alguns de vela, dos
que a Ponta da Areia conseguiria fornecer 72 nos primeiros onze
anos de sua existência, tiveram ingresso do estrangeiro,
livres de direito! Da mesma forma, entraram maquinismos a
vapor e ainda outros, de sorte que a concorrência com os
produtos similares do exterior tornou-se impossível e o
estabelecimento decaiu. (...) falharam em sua totalidade
as encomendas do governo, e o serviço particular era mínimo;
foi, portanto, preciso fechar as portas das oficinas à míngua
de trabalho.”[33]
Mauá tentou vendê-la
aos ingleses, mas o rompimento de relações do Brasil com a
Inglaterra, em 1863, devido à “questão Christie”, inviabilizou o
negócio. Assim, dezessete anos após sua inauguração, a primeira
grande indústria instalada no Brasil é liquidada[34],
causando um prejuízo de cerca de mil contos de réis. Mauá também
decidiu fechar a empresa Fluminense de Transportes e a empresa
de diques flutuantes, que não se haviam mostrado lucrativas,
além de cortar os investimentos na mineradora do Maranhão. Para
fazer caixa diante de tantos reveses, Mauá ainda precisou vender
suas ações na ferrovia Santos-Jundiai.
Como se tudo isso
não bastasse, em maio de 1862 é criado em Londres “The London
and Brazilian Bank, com capital inicial de um milhão de
libras esterlinas (o equivalente a 10 mil contos de réis), que
passaria a disputar espaços diretamente com Mauá, em um mercado
até então relativamente livre de competidores. Três meses
depois, surge o “The London and River Plate Bank”, com um
capital inicial de 600 mil libras esterlinas, para atuar nos
principais mercados do Prata, concorrendo diretamente com Mauá,
que em Montevidéu monopolizava as atividades bancárias. O cerco
ia se fechando.
Apesar dos contratos
do The London and Brazilian Bank terem chegado ao Brasil
somente em julho de 1862, já em 2 de outubro do mesmo ano o
governo brasileiro autorizava o seu funcionamento através de
decreto (a exigência de aprovação pelo Parlamento só valia para
as empresas brasileiras). No entendimento das autoridades do
país, se o banco era estrangeiro não existiam razões para
desconfianças nem se deviam criar empecilhos para a sua
instalação...
Seguramente, o
início da década de 60 – de consolidação da oligarquia
agro-exportadora do café e de expansão do imperialismo inglês[35]
– não prenunciava nada de bom para Mauá.
A FRUSTRADA
TENTATIVA DE SALVAR-SE COLOCANDO-SE SOB A BANDEIRA INGLESA
Para enfrentar o
perigo que lhe surgia com a criação do The London Brazilian
Bank, Mauá fez uma manobra surpreendente. Vendeu sua mais
lucrativa empresa – a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de
Janeiro – ao maior acionista individual deste banco e propôs a
fusão do Mauá, Mac Gregor & Cia com o The London
Brazilian Bank, para a formação de um grande banco de
caráter internacional, no qual entraria com três quintos do
capital, sem exigir qualquer participação na sua direção (e
inclusive pedia que o seu nome não constasse nele). Por sua
proposta, revolucionária para a época, o novo banco deveria
abrir agências em Paris, Lisboa e Porto, para se juntarem às
dezessete agências que ambos já tinham na América do Sul e
Europa. Em carta a seu amigo uruguaio Andrés Lamas, em 8 de
agosto de 1865, Mauá explica seus motivos para essa associação
com os ingleses:
Porque compreendi todo o alcance
da guerra injusta e desleal que me faziam é que me resolvi a pôr
meus interesses debaixo da bandeira inglesa, ficando assim a meu
ver amparados; também queria ocultar o meu nome, o que não me
foi possível (...) Estava tranqüilo quanto aos recursos na
marcha regular dos sucesso, e os resultados provavam que teria
razão - agora, antes que me possam ferir de novo, encontrarão
pela frente a bandeira inglesa.[36]
Depois de longas
negociações – em que os novos sócios exigiram a colocação do seu
nome na nova entidade financeira - que passaria a se chamar
The London Brazilian & Mauá Bank – foi acertado que Mauá
indicaria apenas um dos sete diretores, ele próprio. Em dezembro
de 1865 o novo banco é anunciado em Londres. Mauá providencia a
transferência de seus contratos e concessões, conseguindo-o
facilmente no Uruguai e na Argentina e em quase todos os
negócios brasileiros. Quanto ao London and Brazilian Bank,
comunica ao governo brasileiro a sua mudança de nome e a
continuidade de suas operações nas mesmas condições, só que com
uma nova razão social. A data do início das operações foi
marcada para 1º de janeiro de 1866.
Mas o governo brasileiro, diante da
participação de Mauá no novo banco, impôs condições: o novo
banco, apesar de constituído em Londres, precisaria organizar-se
de acordo com a lei brasileira de sociedades anônimas. Ou seja:
se os ingleses ficassem sem um sócio brasileiro, continuariam
gozando dos benefícios da lei das sociedades anônimas inglesas;
se aceitassem o sócio brasileiro, passariam a estar submetidos à
lei das sociedades anônimas brasileiras. Estava fechado o
caminho para a fusão e a situação de Mauá debilitara-se
enormemente, pois Alexandre Mac Gregor se retirou-se da parceria
que até agora mantinha com Mauá.
Dono, ainda, de uma
fortuna pessoal considerável, Mauá reuniu seus parceiros
brasileiros na Mauá, Mac Gregor & Cia e lhes propôs
liquidar esta empresa, criando em seu lugar uma nova empresa, em
que ele seria o único sócio responsável, e na qual colocaria
como garantia todos os seus bens pessoais. Se ao final de três
anos ele não conseguisse ressarcir os sócios minoritários de
todos os seus investimentos, estes teriam o direito de lhe
vender suas cotas pelo valor nominal, e elas seriam pagas com o
seu dinheiro pessoal. Assim, em vez do grande banco
internacional idealizado por Mauá, nasceu em 1º de janeiro de
1867 uma simples empresa comercial com um único sócio
responsável: Irineu Evangelista de Sousa, então com 53 anos de
idade. A Mauá & Cia nascia para diminuir, não para
crescer. Mesmo assim, os ativos da nova empresa eram enormes:
De sua mesa saíam ordens para os
diretores de dezessete empresas instaladas em seis países (...)
o barão geria bancos no Brasil, Uruguai, Argentina, Estados
Unidos, Inglaterra e França; estaleiros no Brasil e no Uruguai;
três estradas de ferro no interior do Brasil; a maior fábrica do
país, uma fundição que ocupava setecentos operários; uma grande
companhia de navegação; empresas de comércio exterior;
mineradoras usinas de gás; fazendas de criação de gado; fábricas
variadas. (...) Quando o barão resolveu, em 1867, reunir a maior
parte das empresas num único conglomerado, o valor total dos
ativos chegou aos 115 mil contos de réis. Só havia um número no
país comparável a este: orçamento do Império, que consignava
todos os gastos do governo dirigido por se vizinho, Dom Pedro
II, com 97 mil contos de réis naquele mesmo ano.[37]
Mas no final de 1869
havia findado o prazo que Mauá havia solicitado para recompor o
capital da Mauá & Cia, e o resultado financeiro tinha
sido o inverso do esperado. Em vez de melhorar, a empresa tinha
se decomposto ainda mais. Em fevereiro de 1870 é feita a reunião
dos sócios e explicado o difícil quadro. Diversos sócios pediram
o seu dinheiro de volta. Para pagá-los, Mauá hipotecou parte de
seus bens pessoais ao Banco do Brasil.
Em 1871, a subida do ministério Rio
Branco, seu amigo pessoal, lhe desanuviou um pouco a situação. A
pressão brasileira sobre o Uruguai - através do seu embaixador
em Montevidéu - lhe ajudou a colocar em ordem os seus negócios
neste país. Aqui, conseguiu renegociar os juros de sua dívida
com o Banco do Brasil, em condições mais favoráveis, e arrancou
uma autorização para vender em Londres a Companhia de Navegação
do Amazonas, com o objetivo de liquidar suas dívidas pendentes e
recompor sua fortuna pessoal. A exitosa venda, em março de 1872,
da Companhia de Gás de Montevidéu, proporcionou-lhe uma injeção
de quase meio milhão de libras no caixa da Casa Mauá. As coisas
pareciam começar a melhorar.
Mauá retomou, então,
iniciativas que marcarão época. Em 1873, criou a Companhia
Agrícola, Pastoril e Industrial – com 250 mil hectares, mais de
200 mil cabeças de gado, uma charqueada e uma fábrica de carnes
em conserva. Em 1874, foi o responsável pelo estabelecimento da
ligação telegráfica, via cabo submarino, entre o Brasil e a
Europa – cuja concessão cedeu gratuitamente aos ingleses –
inaugurada pelo Imperador D. Pedro II em 22 de junho desse ano.
Em reconhecimento, recebeu do Imperador o título de Visconde de
Mauá.
O TRISTE FIM
DE UM BURGÊS EM UMA SOCIEDADE ESCRAVISTA E DEPENDENTE
Em fins de 1874,
Mauá foi chamado às pressas à Montevidéu pois nova revolução
havia explodido, levando ao poder o caudilho colorado Varella. A
nova política monetária do governo Varella causa, em 23 de
fevereiro de 1875, uma verdadeira corrida aos bancos para trocar
os seus bilhetes por ouro. A situação deixa o Banco Mauá a
descoberto em relação a um cheque de 200 mil libras do Banco
Alemão. Em situação emergencial, Mauá solicitou um empréstimo de
300 mil libras ao Banco do Brasil, para cobrir esse cheque e ter
uma reserva de segurança. Como garantia, ofereceu as ações da
Companhia Agrícola, Pastoril e Industrial, que valiam o dobro
disso. Surpreendentemente o Banco do Brasil negou-se a
conceder-lhe o empréstimo salvador. Apesar de possuir um ativo
bem superior ao seu passivo e apesar de possuir bens suficientes
para cobrir essas 300 mil libras, Mauá fica momentaneamente
insolvente e foi obrigado, em 17 de maio de 1875, a fechar as
portas e entrar em processo irreversível de liquidação. Depois
que os peritos (do Banco do Brasil e do Tesouro Nacional)
constataram a solvência de Mauá & Cia, foi declarada sua
moratória por três anos, prazo para a liquidação de todos os
seus débitos para com os credores.
Ficava claro que nem
o capitalismo europeu em expansão – em especial o inglês – nem a
oligarquia escravista brasileira estavam dispostos a tolerar os
negócios de Mauá. Haviam-no aceito, até certo ponto, enquanto
este os servia e não os ameaçava. Agora, porém, devia ser
descartado. E o foi.
Mauá ainda tentou
resistir. Uma de suas esperanças era conseguir cobrar os valores
que o governo uruguaio lhe devia. O alheamento do Império em
relação ao problema e o caos político e econômico do país
vizinho, sacudido por sucessivas revoluções, inviabilizaram essa
solução. A outra esperança de Mauá era a cobrança da dívida de
quase 500 mil libras esterlinas que a São Paulo Railway tinha
com ele, mas a empresa inglesa exigiu que o julgamento da causa
ocorresse na Inglaterra. O Supremo Tribunal de Justiça – depois
de ter garantido a Mauá, em 1869, o direito de demandá-la no
Brasil – voltou atrás e, 8 anos depois, abdicando da soberania
nacional, adotou a tese de que só a justiça inglesa era legítima
para decidir. Só que, a essa altura, pelas leis inglesas, o
prazo para qualquer ação jurídica já havia caducado, e Mauá não
conseguiu reaver um único tostão.
Apesar de todos
esses percalços, Mauá pagou no prazo de três anos 75% dos
credores. Como ainda faltavam 25%, a sua falência foi decretada
em 1878. Mas ainda lhe restavam muitos bens pessoais, muitos
deles no exterior. Um a um, esses bens, inclusive sua casa e
seus objetos pessoais, foram por ele vendidos para pagar os seus
credores. Seis anos depois, consegue quitar o seu último débito.
Em 30 de janeiro de 1884, o Juiz Miguel Calmon pronunciou a
sentença de reabilitação comercial de Mauá, então com 70 anos de
idade.
A fim de retomar a
sua vida após a falência, tomou emprestado de seu filho Henrique
200 contos de réis e outros tantos de seus amigos Inácio
Tavares, Juan Frias e Simão Porciúncula. Com esse pequeno
capital recomeçou a vida como corretor, montando um escritório
no Rio de Janeiro e readquirindo sete mil ações da Companhia
Agrícola, Pastoril e Industrial. Passa a viver em uma casa
alugada em Petrópolis. Em 21 de outubro de 1889, aos 75 anos de
idade, morreu de “diabetes e pneumonia”.
A família de Mauá
recebeu os pêsames do Imperador. O Banco do Brasil fechou as
suas portas na Corte em sinal de luto e o mesmo fizeram inúmeras
casas bancárias no Rio e em Petrópolis.
O INDIVÍDUO
VENCIDO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS
A análise da
trajetória desse grande empresário moderno, que foi o Visconde
de Mauá, nos permite importantes conclusões sobre os primeiros
passos da industrialização brasileira.[38]
A primeira delas, é
no sentido de que o primeiro surto industrial no Brasil - em
pleno regime escravista - só foi possível devido à intervenção
econômica do Estado, através da política tarifária de Alves
Branco, posta em prática a partir de 1844. As novas taxas
alfandegárias - ainda que em grande parte de inspiração
fiscalista - acabaram com os privilégios que os ingleses
detinham desde 1810 e constituíram-se em uma proteção para a
criação de indústrias no país. Mas este incentivo à
industrialização pouco significado teria sem a abolição do
tráfico negreiro em 1850, liberando enormes quantidades de
capitais, até então aplicados nesse lucrativo negócio. Portanto,
é a conjunção dessas duas circunstâncias que irá – apesar do
meio escravista desfavorável ao desenvolvimento das forças
produtivas – propiciar a ação de Irineu Evangelista de Sousa e
alguns outros poucos pioneiros, em geral influenciados pelo
exemplo da industrialização inglesa, no sentido do
desenvolvimento de atividades industriais e bancárias no Brasil:
O fenômeno Mauá teria sido
impossível se já não houvesse capitais acumulados dentro do
Brasil e cuja disponibilidade aumentou após a cessação do
tráfico de escravos africanos. Mas o próprio Visconde não foi
mais do que um tipo de transição, ainda um capitalista inserido
na formação escravista, embora se chocasse com a estreiteza dos
seus limites para a realização de empreendimentos modernos que,
sob outro aspecto, não deixavam de prenunciar o advento do
capitalismo.[39]
É importante notar
que essa industrialização inicial não se dá contra ou em
confronto com a sociedade escravista de então[40],
apesar das contradições latentes que iriam se manifestar mais
adiante. Ao contrário, se dá em estreita aliança com suas
classes dominantes – os grandes proprietários escravistas e os
grandes comerciantes exportadores/importadores – e alavancada
pela oligarquia governante. Pois, estas novas oportunidades de
negócios que surgem, são alternativas de aplicações rentáveis
para os capitais ociosos nas mãos destas oligarquias. E,
inclusive, através da modernização dos meios de transporte e de
mecanismos mais ágeis e menos onerosos de financiamento, uma
forma de diminuir os custos da produção agrícola escravista
(especialmente cafeeira), dando-lhe uma sobrevida.
Assim, observamos
que esta burguesia - que nasce das entranhas da sociedade
escravista - está desde o seu início atrelada à classe dominante
escravista e ao seu governo, dele dependendo em tudo: da
proteção alfandegária, da garantia de fornecimento de produtos
ou serviços ao governo (único grande comprador neste mercado
quase inexistente)[41],
e da concessão de empréstimos do Tesouro, autorizados
diretamente pelo poder legislativo. Como nos diz Faoro, “A
indústria vivia, como tudo o mais, ao arbítrio do governo, maior
fornecedor de capitais e maior comprador de mercadorias. Fora do
seu calor, a atividade econômica murchava e morria.”[42]
Outra característica
desta burguesia nascente, é sua estreita vinculação e associação
com os capitais estrangeiros, no caso o capital inglês, que dava
os seus primeiros passos rumo à sua fase imperialista:
Notemos que Mauá foi banqueiro e
quase todas suas iniciativas empresariais visaram suprir
serviços públicos, como concessões do Estado em condições de
monopólio e, em vários casos, com subvenções ou empréstimos do
Estado. Foi assim que organizou empresas de transportes urbanos
e de iluminação pública a gás, companhias de navegação fluvial a
vapor, várias estradas de ferro e a comunicação por meio de cabo
submarino. Entre suas numerosas empresas, quase a única de
transformação industrial direta - o Estaleiro e Fundação Ponta
de Areia, que chegou a reunir cerca de mil trabalhadores -,
mesmo esta surgiu do projeto de fornecimento de tubos de ferro
ao Governo, com vistas à canalização das águas do rio Maracanã.
Por conseguinte, os empreendimentos de Mauá eram compatíveis com
o regime escravista e contribuíram para tornar viável seu
funcionamento, num período já de declínio. Ademais, uma vez que
dependia do Estado, empenhou-se em intensa atividade política e
teve bom relacionamento com vários gabinetes ministeriais do
Império, que o nobilitou com os títulos de barão e visconde.
Quando o Império se recusou a cobrir os débitos do Banco Mauá,
faliu. E faliu também porque, na construção da Estrada de Ferro
Santos a Jundiaí (que veio chamar-se São Paulo Railway), recebeu
uma rasteira do capital inglês, ao qual diversas vezes recorreu,
antecipando um comportamento comum à burguesia brasileira
posterior.[43]
É neste contexto que
devemos situar a intensa e contraditória atividade empresarial
de Mauá - comerciante, industrial, banqueiro, financista,
político - sua vertiginosa ascensão e sua rocambolesca queda.
Nem anjo, nem diabo: um capitalista em uma sociedade escravista,
dominada pela Inglaterra, onde, como hoje, as oligarquias
governantes concediam maiores facilidades aos capitais
estrangeiros do que aos capitais nacionais. Manipulando suas
influências no governo, ao mesmo tempo que por este era usado em
inúmeras jogadas geopolíticas. Associado aos ingleses, ao mesmo
tempo que em conflito com eles à medida que crescia e se
expandia. Adiantando-se ao seu tempo e à realidade do seu país,
Mauá aproveitou-se das circunstâncias favoráveis e construiu, em
menos de 10 anos, uma grande império empresarial e uma grande
fortuna.
Mas suas bases,
assentes em uma sociedade escravista e dependente, não eram
sólidas. Logo as oligarquias dominantes trataram de colocar um
freio a essas atividades “subversivas” ou enquadrá-las
rigidamente. O relatório da Comissão de Inquérito sobre a
situação financeira do país, criada pelo ministro Ângelo Ferraz
em 1859 – o mesmo que iniciou o desmonte das proteções
alfandegárias em 1857 – é eloqüente:
a história do mundo [...] não
apresenta outro exemplo de uma desmoralização social tão
repentina, de uma corrupção de hábitos santificados por séculos
de duração, tão assustadora como temos presenciado no Brasil de
1854 para cá [...] Antes bons negros da costa da África para
felicidade sua e nossa [...] do que finalmente empresas
mal-avisadas, muito além das legítimas forças do país, as quais
perturbando as relações da sociedade produzindo uma deslocação
de trabalho, têm promovido, mais que tudo a escassez e alto
preço de todos os víveres.[...] quanto mais não é de
lastimar que o nosso povo fosse ainda envenenado moralmente pela
introdução do detestável sistema de bancos de emissão, criaturas
do monstro - cobiça comercial! Não vimos sem grande receio a
facilidade com que os governos, Imperial e provincial, prestam
nestes últimos anos a sua garantia a várias empresas.[44]
A pressão dos
setores escravistas e dos ingleses pelo fim das tarifas
alfandegárias[45]
- que oneravam suas importações - pelo fim dos “privilégios”
para as indústrias; a transformação do Banco do Brasil - agora
sob o controle da oligarquia governante - em uma alternativa
para a aplicação rentável dos capitais parasitários, a crescente
má vontade contra essas “inovações” - que contrariavam a
tradicional “vocação agrícola” do Brasil; a falta de um mercado
de trabalho livre; tudo isso foi vulnerabilizando as posições de
Mauá e outros pioneiros:
a maioria esmagadora das
empresas criadas depois da reforma de tarifas de 1844 não
conseguiu sobreviver devido à falta de mão-de-obra qualificada,
concorrência por parte das esferas mais lucrativas de aplicação
do capital e, especialmente, devido ao enfraquecimento do
protecionismo alfandegário iniciado a partir de 1857. Em
particular, em 1858 decaíram ou foram fechadas fábricas têxteis
da capital, mesmo as que recebiam ajuda por parte do governo.
Depois da diminuição de impostos sobre a importação de navios a
vapor, de alguns tipos de veleiros e de máquinas a vapor, o
estaleiro de Mauá viu-se forçado ao conserto de navios pequenos
e em 1861 foi fechado.[46]
É nesse contexto que
inicia a derrocada de Mauá e de seu império empresarial. Dele se
conservarão inúmeras obras pioneiras – a maioria delas agora sob
controle dos capitais ingleses[47]
- e as primeiras experiências capitalistas em um solo pouco
propício. Experiências que só serão retomadas, em um novo nível,
após a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, que
abrem de fato o caminho para o desenvolvimento do capitalismo no
Brasil.
Amancebada desde o
seu início com o capital estrangeiro, subordinada à grande
propriedade da terra, dependente do governo, temerosa do povo[48],
a burguesia brasileira estará marcada desde a sua origem pela
pusilanimidade e a falta de um verdadeiro projeto nacional. Tal
qual o é hoje.
NOTAS
[1] “Irineu Evangelista de Souza -
Barão e depois Visconde de Mauá - domina a década com
trabalhos de industrial ousado, banqueiro, construtor de
ferrovias, empresário de navegação, introdutor de
inovações tecnológicas, político, diplomata. Sua ação
estende-se por todo o Brasil e mesmo áreas vizinhas,
como o Uruguai, sem falar em participações bancárias,
como as de Montevidéu, Buenos Aires, Nova Iorque, Paris,
Londres, Manchester. Nas condições do Brasil de meados
do século XIX, é quase aparição fantasmal, pois mesmo
agora seria considerado temerário. Sua biografia é a
história de um homem moderno em meio acanhado, de
industrial e financista entre agricultores e
comerciantes tímidos.” [IGLÉSIAS, Francisco. A
industrialização brasileira. São Paulo: Brasiliense,
1993., pp. 46-47].
[2] SODRÉ, Nelson Werneck. História
da burguesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967, p. 124.
[3] GRAHAN, Richard. Grã-Bretanha e
o início da modernização no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1973, pp. 210-211.
[4] VARELA, Alfredo. Revoluções
Cisplatinas. Citado por BESOUCHET, Lídia. Mauá e
seu tempo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p.
38.
[5] FARIA, Alberto de. Mauá.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933, p. 53.
[6] CALDEIRA, Jorge. Mauá:
empresário do Império. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p.172
[7] GANNS, Cláudio. A Trajetória de
um Pioneiro (Em torno da vida de Mauá). In: MAUÁ,
Visconde de. Autobiografia – Exposição aos credores e
ao público./O meio circulante no Brasil. Rio de
Janeiro: TOPBOOKS, 1998, p. 33.
[8] Relatório do Marquês de
Lavradio ao seu sucessor, vice-rei Luís de Vasconcelos e
Souza. In: LIMA, Heitor Ferreira. História
político-econômica e Industrial do Brasil. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, pp. 56-57.
[9]AZEVEDO, Carlos e ZAGO Jr.,
Guerino. Do tear ao computador – As lutas pela
industrialização do Brasil. São Paulo: Política
Editora, 1989, p. 12.
[11] LUZ, Nícia Vilela. A luta pela
industrialização do Brasil (1808 a 1930). São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1961, p.15
[12] MANCHESTER, Alan K.
Preeminência inglesa no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1973, p. 88.
[13] BRANCO, Manuel Alves. Proposta
e relatório apresentados à Assembléia Geral Legislativa
na Primeira Sessão da Sexta Legislatura pelo Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de
Janeiro: 1845, p. 34.
[14] “No decênio posterior a 1850
observam-se índices dos mais sintomáticos disto:
fundam-se no curso dele 62 empresas industriais, 14
bancos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação
a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8 de
mineração, 3 de transporte urbano, 2 de gás e finalmente
8 estradas de ferro.” [PRADO JÚNIOR, Caio. História
econômica do Brasil. 2ª ed. São Paulo, Brasiliense,
1949, p. 202]
[15] CALDEIRA. Op. Cit., pp. 191-192.
[16] GUIMARÃES, Alberto Passos.
Quatro séculos de latifúndio. São Paulo: Fulgor,
1964, pp. 120-121.
[17] CALDEIRA. Op.
Cit., p. 199.
[18] BESOUCHET. Op.
Cit., pp. 40-41.
[19] CALDEIRA. Op. Cit., p. 233.
[20] “Foi necessário esperar até a
extinção do tráfico, em 1851, para que surgisse
oportunidade semelhante à de 1808. Os capitais líquidos
retirados abruptamente do negócio permitiram,
finalmente, a melhoria nas condições de liquidez. (...)
as taxas de juros afinal entraram em queda. (...) A nova
realidade pôde ser ensaiada no Rio, com grandes obras de
Mauá, financiadas pelos capitais do tráfico captados a
juros baixos, e no Nordeste, com a venda de escravos
para o Sudeste”. [CALDEIRA, Jorge. A Nação
Mercantilista . São Paulo: Editora 34, 1999,
p.384-3875]
[21] MAUÁ. Autobiografia... Op.
Cit., p. 116.
[22] O primeiro Banco do Brasil surge
em 1808, com a vinda de D. João VI, mas só passa a
funcionar de fato no ano seguinte, sendo liquidado em
1829. Em 1833, durante a Regência, foi novamente
autorizado a funcionar, mas não conseguiu concretizar a
subscrição de ações. Ressurge em 1851, com Mauá a
frente, com o caráter de banco privado.
[23] Em 1849, o tenente Matthew Maury,
da marinha norte-americana – ao retornar de uma excursão
científica pelo rio Amazonas e tomado pela febre
expansionista que dominava o país – lançou uma cruzada
pela livre navegação do mesmo, argumentando que a
riquíssima bacia amazônica não passava de uma
continuidade da do Mississipi, que a direção dos ventos
levava todos os navios que passavam pela foz do Amazonas
diretamente aos portos do sul da União, que esse imenso
tesouro era desconhecido do Brasil e que o primitivo
governo daquele país, com sua política “japonesa”,
impedia o acesso a tais riquezas; enfim, que os bens da
terra pertenciam àqueles que fossem capazes de
aproveitá-los e a abertura do Amazonas significava para
os EUA o mesmo que a compra da Louisiana, não havendo
tempo a perder. A cruzada de Maury encontrou eco no
Brasil através das Cartas do Solitário de Tavares
Bastos. As diplomacias norte-americana e brasileira
apressaram-se em estabelecer acordos com os países
banhados pelo rio: no Peru e na Colômbia, os brasileiros
chegaram antes dos norte-americanos e negociaram acordos
de navegação pelos quais o rio só ficaria aberto à
navegação dos países ribeirinhos; na Bolívia e Equador
os emissários brasileiro chegaram atrasados, e esses
países estabeleceram acordos com os EUA, pelos quais
seus rios amazônicos ficavam abertos à navegação de
navios de quaisquer países; por fim, os representantes
de ambos países chegaram a Venezuela antes que qualquer
acordo estivesse fechado e este país não tomou nenhuma
posição. Esse quadro de disputa pela Amazônia impôs ao
Brasil a busca da sua rápida integração ao país, sob
pena de perdê-la. [FARIA. Op. Cit., pp. 197-198;
CALDEIRA. Mauá... Op. Cit., pp. 237-240]
[24] “Nesta empresa, construída de
acordo com modelos ingleses e sob a direção de
engenheiros ingleses, trabalhavam mais de mil pessoas.”
[KARAVAEV, A. Brasil, passado e presente do
“capitalismo periférico”. Moscou: Progresso, 1987,
p. 70]
[25] CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., pp. 260-261.
[26] “Encarava-se o Banco do Brasil
como uma grande caixa de descontos local que
devia realizar essas operações pela taxa mais alta
que fosse possível obter (...) qualquer operação de
finanças nem era compreendida. [MAUÁ.
Autobiografia... Op. Cit., p. 214-215]
[27] MAUÁ. Autobiografia... Op.
Cit., pp. 219-220.
[28] CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., p. 417.
[29] A estrada de rodagem União e
Industria devia alimentar e tornar rentável a estrada de
ferro Petrópolis, trazendo-lhe as cargas da província de
Minas; forçado a abrir mão dessas cargas para a estrada
de ferro D. Pedro II, Mauá afirmou: “a estrada de ferro
de Petrópolis (...) era entregue ao extermínio! Minha
opinião naquele transe doloroso na vida dessa companhia,
achando-me fora do Brasil, foi que se levantassem os
trilhos e se vendesse em hasta pública o material da
empresa”. [MAUÁ. Autobiografia... Op. Cit., p.
1127-128]
[30] ACEVEDO, Eduardo. Manual de
História Uruguaya. In: BESOUCHET.
Op. Cit., p. 102.
[31] FARIA. Op. Cit., p. 287.
[32] SODRÉ. História da... Op.
Cit., p. 115.
[33] MAUÁ. Autobiografia... Op.
Cit., p. 102-104.
[34] “daquele estabelecimento saíram
fabricados tubos de ferro para o encanamento das águas
do Maracanã. Tubos de ferro para o encanamento do
Andaraí Grande. Lampiões de ferro, canos destinados ao
fornecimento de gás para a cidade do Rio de Janeiro.
Navios utilizados pelo país nas lutas contra Oribe,
Rosas e Solano López. Navios para a navegação no Rio
Amazonas. Rebocadores a vapor para a Barra do Rio
Grande. Navios costeiros, que franqueavam toda a costa
brasileira de Manaus ao Rio Grande do Sul, concorrendo
com navios ingleses e franceses. A ponte de ferro de
Santo Amaro na Estrada de Jericó. A ponte de ferro sobre
o Rio Alcântara (...) na Província do Rio de Janeiro. A
ponte de ferro sobre o Rio Paraíba. O portão de ferro da
Quinta Imperial da Boa Vista. O navio Presidente
Dantas, que inaugurou a linha fluvial do São
Francisco, de Juazeiro até Salgado, na Província de
Minas Gerais. Máquinas para a Imprensa Nacional,
enxadas, martelos, pregos, trilhos, etc.” [BESOUCHET.
Op. Cit., p. 95]
[35] “o período de desenvolvimento
máximo do capitalismo pré-monopolista, o capitalismo em
que predomina a livre concorrência, vai de 1860 a 1870.
(...) é exatamente depois desse período que
começa o enorme ‘ascenso’ de conquistas coloniais, que
se exacerba (...) a luta pela partilha territorial do
mundo.” [LENIN. Obras Escolhidas. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1982, v.1, p. 633]
[36] MAUÁ, Visconde de. Citado por
CALDEIRA, Mauá... Op. Cit., p. 430.
[37] CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., p. 17.
[38] “A figura de Mauá aparece, nestes
estudos, não para ser posta em uma evidência ímpar (...)
Mas para caracterizar uma época. Para mostrar como foi
ele, não o criador de um ambiente, mas o produto do meio
em que viveu. (...) Tivesse sido ele uma culminância
individual e soberba única, nada teria aqui a lembrá-lo,
porque os estudos que vimos fazendo não giram em torno
de pessoas, ainda que heróicas ou sobre-humanas, para se
dirigirem aos traços da sociedade, às características da
sua formação, ao seu processo de desenvolvimento. (...)
Mauá não aparece, pois, nestes estudos, como homem
notável – que foi – mas como personificação de uma
orientação política, numa das suas faces mais
expressivas, a das iniciativas econômico-financeiras.
Ele foi, sem dúvida, o grande homem que um de seus
biógrafos admirou. Mas condicionado às peculiaridades da
sua época, que lhe foi propícia e que ele representou,
como poucos a representaram.” [SODRÉ, Nelson Werneck.
Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro:
GRAPHIA, 1998, pp. 236, 237, 240]
[39] GORENDER, Jacob. A burguesia
brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 13.
[40] Muito se tem falado de uma
postura abolicionista de Mauá. Na verdade, sua posição
sobre a questão era contraditória. Por um lado, colocava
em seus contratos de prestação de serviços público
cláusulas onde se obrigava a “não empregar o braço
escravo” e desde 1853 pregou a utilização de imigração
branca para substituir o braço escravo; nessa mesma
década, fundou colônias agrícolas no Amazonas com 600
açorianos e 500 algarvianos; nas suas estâncias do sul
colocou 500 açorianos e trouxe chineses que plantavam
chá, arroz, alfafa para suas propriedades no Uruguai; em
1872, estabeleceu 200 hindus em suas fazendas em Macaé e
outros 100 em Sapopemba. Ao mesmo tempo, era incapaz de
visualizar a incorporação dos escravos na nova ordem
social e temia uma abolição prematura, pois “a única
fonte ou mercado de trabalho que o Brasil tinha
até então conhecido era o braço africano” e “mais
dez a quinze anos de inércia e a grande lavoura, já em
decadência, se arruina à míngua de braços”.
Defendia, antes de qualquer emancipação dos escravos, a
viabilização de um substituto ao braço servil, assumindo
uma postura pragmática frente à abolição. [MAUÁ.
Autobiografia.... Op. Cit., p. 202]
[41] O próprio Mauá mostra ter
consciência disso quando – referindo-se à sua fábrica da
Ponta da Areia – afirma: “Desde que o estabelecimento
ficou montado para produzir em grande escala,
havia-me eu aproximado dos homens de governo do país em
demanda de TRABALHO para o estabelecimento industrial,
cônscio de que essa proteção era devida, mormente
precisando o Estado dos serviços que eram
solicitados, em concorrência com encomendas que
da Europa tinham que ser enviadas, e já foi dito
quanto o estabelecimento prosperou no período em que
essa proteção lhe foi dada.” [MAUÁ. Autobiografia...
Op. Cit., p. 108-109]
[42] FAORO, Raymundo. Os donos do
poder. Porto Alegre: Editora Globo, 1958, p. 219.
[43] GORENDER. Op. Cit., pp. 12-13
[44] Relatório da Comissão de
Inquérito sobre a situação financeira do país (1859).
Citado por PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução Política do
Brasil e Outros Estudos. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1971, p. 83-85.
[45] “Se, a princípio, foram os
interesses britânicos o grande obstáculo ao
estabelecimento de um protecionismo alfandegário, a
partir de meados do século XIX os seus maiores
adversários foram, dentro do próprio país, as hostes
liberais cujas doutrinas eram tão convenientes aos
interesses da lavoura monocultora que, juntamente com a
organização comercial que apoiava, dirigiam, então, os
destinos do Império.” [LUZ. Op. Cit., p.45]
[46] KARAVAEV. Op. Cit., pp. 70-71
[a data correta do fechamento da Ponta da Areia é
1863 – R.C.]
[47] Adquiridas pelos ingleses, a
Companhia de Navegação da Amazônia transformou-se na
Amazon Stean Navigation Company, a Estrada de Ferro
Petrópolis virou Leopoldina Railway, a companhia
de gás tornou-se The Rio da Janeiro Gás Company Ltd.,
a estrada de ferro Santos-Jundiaí foi absorvida pela
São Paulo Railway Co. Ltd.; já a Cia. Carris de
Ferro do Jardim Botânico transformou-se a Botanical
Garden Rail Road, primeira empresa dos EUA a
instalar-se no Brasil.
[48] Nesse sentido, a posição de Mauá,
contrária à República, é esclarecedora dos limites
políticos do “liberalismo” da nascente burguesia
brasileira: “Não desejo para meu país a liberdade e as
instituições dos outros Estados da América (...) basta a
livre manifestação e desenvolvimento do princípio legal
na esfera de ação que a Constituição lhe garantiu. Até
aí acompanho a idéia liberal; fora desse terreno, nem
uma linha. Essa causa da liberdade que se liga ao futuro
da democracia e que é a causa da América, repito,
eu não a quero para nosso país (...) se a desgraça
permitir que a negra nuvem que apenas aponta em nosso
horizonte político, sem que por hora nos inquiete,
chegasse a tomar aspecto ameaçador (...) espero e confio
que qualquer que seja a opinião que tenha na ocasião as
rédeas do poder – esteja a opinião conservadora ou a
idéia liberal representada no Governo – há de possuir a
energia e vigor precisos para em tal momento sufocar os
elementos que queiram transformar a nossa ordem social.”
[MAUÁ. Anais da Câmara, sessão de 26.01.1874. In:
FARIA, Alberto de. Mauá. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1933, pp. 470-475]