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   Porto Alegre, segunda-feira, 25 de novembro de 2024

   
A Revolução Chinesa, a construção do socialismo e as reformas econômicas pós-Revolução Cultural

Raul K. M. Carrion

1 - INTRODUÇÃO

Há quatro décadas, o “projeto econômico reformador” do Partido Comunista vem garantindo à China as mais elevadas taxas de desenvolvimento do mundo, retirando – só nos últimos 20 anos, segundo dados da própria ONU – mais de 890 milhões de chineses da pobreza.

Por isso, o estudo da exitosa experiência de construção econômica de uma nação como a China – de dimensões continentais, com uma população de mais de um bilhão de habitantes, que a cada ano está conseguindo libertar da pobreza dezenas de milhões de pessoas – é algo que interessa não só os que almejam o fim da sociedade de classes e a eliminação da exploração do homem pelo homem, mas também aqueles que buscam caminhos para romper com a subordinação neoliberal dos nossos países.

Com este estudo, quero contribuir nesse debate, examinando desde uma perspectiva militante e marxista-leninista a experiência chinesa, confrontando-a com as demais experiências de construção do socialismo e com as concepções dos clássicos do marxismo (e do próprio Mao Zedong) sobre a transição do capitalismo ao socialismo.

No mesmo diapasão, buscaremos entender como a China se insere na globalização neoliberal de forma soberana, sem subordinar-se aos interesses do capital financeiro internacional, algo vital para países como o Brasil, que precisa construir um projeto nacional-desenvolvimentista, fora da lógica neoliberal.

O centro deste trabalho são as mudanças ocorridas na China Pós-Revolução Cultural – em especial nos 25 anos que se seguiram à 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em dezembro de 1978, quando tiveram início as Reformas e a Abertura propugnadas por Deng Xiaoping – configurando o que os dirigentes do Partido Comunista da China denominam de “socialismo com peculiaridades chinesas”.

Entretanto, para tornar inteligível o tema, examinaremos, ainda que de maneira rápida, o processo revolucionário que levou o Partido Comunista da China ao Poder, as primeiras transformações econômicas na China revolucionária, o Grande Salto à Frente e os dez anos da Revolução Cultural, única forma de podermos compreender o que foi “reformado”.

A seguir, examinaremos os dois anos da transição, sob o comando de Hua Guofeng – que se inicia com o afastamento do “bando dos quatro” (em 1976) e conclui com a 3ª Sessão Plenária do Comitê Central (em 1978) – que marca a passagem do período da Revolução Cultural para o período das Reformas.

Nessa análise de décadas de Reforma e Abertura, centraremos o nosso estudo principalmente nos aspectos econômicos, ainda que atentos às questões políticas, culturais, diplomáticas e outras que tenham relevância.

Examinaremos as profundas mudanças na agricultura, na indústria, no comércio e demais serviços; a inovadora Abertura para o exterior; a reforma das estatais; a modernização cultural, científica e tecnológica; a colocação do desenvolvimento das forças produtivas como o elo principal das transformações socialistas; a concepção do “socialismo com peculiaridades chinesas”, que em sua etapa primária assume a característica de uma “economia de mercado planificada”; a luta contra as tendências liberais burguesas, cujo ápice foram os incidentes da praça Tian’anmen; e o retorno de Taiwan e Macao para a China, através da “política de um país, dois sistemas”. Ao final, faremos um pequeno balanço sobre os resultados desses anos de Reforma e Abertura, cujo saldo é extremamente positivo.

Nas conclusões, examinamos três aspectos: primeiro, tentaremos uma sistematização da teoria chinesa de transição ao socialismo, procurando compará-la com a visão dos clássicos e tentando responder se há ou não uma ruptura com ela; em segundo lugar, examinaremos se a experiência chinesa tem um caráter universal ou meramente particular; isto é, se é aplicável em outros países que buscam levar adiante as transformações socialistas e antineoliberais ou não; por fim, para onde vai a China: rumo à restauração do capitalismo – como afirmam teóricos do neoliberalismo e, mesmo, de esquerda – ou rumo à construção de uma experiência inovadora de socialismo?

A bibliografia examinada foi bastante ampla e plural Foram privilegiadas algumas obras, em especial aquelas que têm caráter de fonte primária – como os escritos de Mao Zedong, Deng Xiaoping e Jiang Zemin –, além da Breve história do Partido Comunista da China (1991) que dá a versão oficial da liderança chinesa sobre os 70 anos do PCCh e mais de 40 anos da Revolução Chinesa).

Na medida do possível, todos os nomes chineses foram adaptados para a nova grafia chinesa e os números romanos transformados em arábicos. As citações, sempre que necessário, foram traduzidas por mim.

Originalmente, este estudo foi elaborado em 2004, constituindo o meu trabalho de conclusão do curso de Especialização em História Afro-Asiática das Faculdades Porto-Alegrenses (FAPA), tendo como orientadora a Professora Analúcia Danilevicz.

Por entender que as questões chaves das Reformas na China ocorreram no período abordado pelo trabalho original (1978-2003), mantive no essencial o texto, mas por questões de espaço eliminei o capítulo sobre a Legislação Trabalhista da China – desatualizado por conta dos inúmeros avanços ocorridos desde então – e a bibliografia geral, restringindo-me à bibliografia citada. Também fiz pequenas correções no texto e nas citações, incorporando algumas ao corpo do trabalho. Ao final, agreguei um capítulo atualizando de forma breve os avanços ocorridos nos últimos anos.

2 - SISTEMA DE REFERÊNCIAS TEÓRICAS

A base teórica do nosso estudo é o marxismo-leninismo, consubstanciado em uma concepção materialista e dialética da história e da sociedade. Em particular, utilizaremos os conceitos teóricos referentes à transição entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista, da qual o socialismo é a primeira fase.

Em sua Crítica ao programa de Gotha, escrito em 1875 e publicado pela primeira vez em 1891, por iniciativa de Engels, – um dos poucos trabalhos em que Karl Marx teoriza sobre a futura sociedade comunista – ele nos alerta contra as visões simplistas que imaginam a nova sociedade surgindo como algo integralmente novo, de forma imediata, das cinzas do capitalismo: “Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista medeia o período da transformação revolucionária da primeira na segunda.”[1] Já em 1847, em seus Princípios do comunismo, Engels afirmara:

Assim como não se pode aumentar de repente as forças produtivas, assim também não se pode estabelecer o comunismo de um dia para outro. A revolução proletária só poderá, por conseguinte, transformar pouco a pouco a sociedade atual e só poderá suprimir completamente a propriedade privada quando tiver criado a quantidade necessária de meios de produção.[2]

A teoria marxista, ao mesmo tempo em que indica a necessidade de todo um período de transição entre o capitalismo e o comunismo, critica as concepções idealistas que imaginavam ser possível a eliminação, desde o início, da “lei do valor” e da produção de mercadorias:

Do que se trata aqui não é de uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, mas de uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda, em todos os seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas entranhas procede.[3]

Comentando essa passagem, Lenin nos diz: “Esta sociedade comunista, que acaba de sair das entranhas do capitalismo e que leva em todos os seus aspectos a marca da sociedade antiga, é o que Marx chama de ‘primeira’ fase ou fase inferior da sociedade comunista.”[4]

Após criticar o igualitarismo do direito burguês, que propõe tratar de forma igual os desiguais, Marx afirma:

Para evitar todos estes inconvenientes, o direito não teria que ser igual, mas desigual. Estes defeitos, porém, são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como brota da sociedade capitalista, depois de um longo e doloroso parto. (...) Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.[5]

A essa altura, é importante destacar alguns conceitos, entre os quais o de “primeira fase da sociedade comunista” (o socialismo) e de “fase superior da sociedade comunista” (o comunismo propriamente dito). Da mesma forma, a importância que a teoria marxista concede ao desenvolvimento das forças produtivas como condição para a passagem à etapa superior do comunismo, quando cada um aportará à produção e à riqueza social na medida da sua capacidade e receberá segundo a sua necessidade. Questão que Marx reforça, em uma conhecida passagem do Manifesto do Partido Comunista de 1848:

a primeira fase da revolução operária é o advento do proletariado como classe dominante, a conquista da democracia. O proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível o total das forças produtivas.[6]

Caberá a Lenin, retomar e desenvolver essas resumidas indicações de Karl Marx: historicamente tem que haver, sem dúvida alguma, uma fase especial ou uma etapa especial de transição do capitalismo ao socialismo[7], ainda mais nos países atrasados, onde “a revolução de todos os camponeses ainda é uma revolução burguesa e que sem uma série de transições, de etapas transitórias, não se pode fazer dela uma revolução socialista em um país atrasado.”[8] E prossegue:

Assim, pois, na primeira fase da sociedade comunista (à qual se costuma dar o nome de socialismo), o “direito burguês” não é suprimido por completo, mas só em parte, só na medida da transformação econômica já alcançada, ou seja, só em relação aos meios de produção. O “direito burguês” reconhece a propriedade privada dos indivíduos sobre os meios de produção. O socialismo os converte em propriedade comum. Nesse sentido – e só nesse sentido – desaparece o “direito burguês”. Entretanto, esse direito persiste em outro de seus aspectos: como regulador da distribuição dos produtos e da distribuição do trabalho entre os membros da sociedade.[9]

Fica clara a compreensão de Lenin, na esteira de Marx, de que só quando a sociedade puder passar da distribuição da riqueza social “segundo a capacidade de cada um” (socialismo) para a distribuição “conforme a necessidade de cada um” (comunismo) é que se poderá falar da extinção do “direito burguês” e alcançar a verdadeira igualdade social (que não se confunde com “igualitarismo”). Mas, para isso, é preciso um grande desenvolvimento das forças produtivas, que supere as diferenças entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, entre o campo e a cidade, e crie a abundância de bens:

a expropriação dos capitalistas originará inevitavelmente um desenvolvimento gigantesco das forças produtivas da sociedade humana. O que não sabemos, nem podemos saber, é a rapidez com que avançará esse desenvolvimento, a rapidez com que conseguirá romper com a divisão do trabalho, suprimir o contraste entre o trabalho intelectual e o manual, converter o trabalho “na primeira necessidade vital”. (...) a diferença científica entre o socialismo e o comunismo é clara. Ao que se costuma denominar socialismo, Marx chamava de “primeira” fase ou fase inferior da sociedade comunista. (...) Em sua primeira fase, em seu primeiro grau, o comunismo não pode apresentar ainda uma maturidade econômica completa, não pode aparecer ainda completamente livre das tradições ou das marcas do capitalismo. (...) Na realidade, a vida nos mostra a cada passo os vestígios do velho no novo, tanto na natureza como na sociedade. (...) Através de que etapas, por meio de que medidas práticas chegará a humanidade a este supremo objetivo é algo que não sabemos nem podemos saber.[10]

Em 1921 – quando o Estado Soviético substitui o comunismo de guerra pela Nova Política Econômica (NEP), abrindo espaço para um relativo desenvolvimento da economia camponesa, do capitalismo privado e do capitalismo de Estado, inclusive com concessões a capitais estrangeiros –, Lenin responde aos que o acusavam de retrocesso:

a expressão “República Socialista Soviética” significa a decisão do Poder dos Sovietes de levar a cabo a transição ao socialismo, mas de modo algum o reconhecimento do novo regime econômico como socialista. (...) o que significa a palavra transição? Não significará, aplicada à economia, que no atual regime existem elementos, partículas, pedacinhos tanto de capitalismo como de socialismo? (...) Enumeremos esses elementos: 1) economia camponesa patriarcal (...); 2) pequena produção mercantil (...); 3) capitalismo privado; 4) capitalismo de Estado; 5) socialismo.[11]

É importante perceber a introdução por Lenin de uma nova categoria teórica: não mais a transição do capitalismo ao comunismo (cuja primeira etapa é o socialismo)[12], mas, agora, a transição do capitalismo (ou do pré-capitalismo) ao socialismo. Aqui, Lenin desenvolve de forma criadora a teoria marxista da transição ao identificar a importância e o papel do capitalismo de Estado (agora sob a direção do proletariado) e da avançada técnica capitalista, com base na ciência moderna, na passagem do capitalismo ao socialismo:

Não é o capitalismo de Estado o que luta contra o socialismo, e sim a pequena burguesia e o capitalismo privado que lutam juntos, de comum acordo, contra o capitalismo de Estado e contra o socialismo. (...) O capitalismo de Estado é incomparavelmente superior desde o ponto de vista econômico à nossa economia atual. (...) O socialismo é inconcebível sem a grande técnica capitalista, baseada na última palavra da ciência moderna.[13]

Prosseguindo a sua análise, Lenin nos mostra como o capitalismo de Estado se dá através de “compromissos” entre o Poder Soviético e os capitalistas privados nacionais e estrangeiros:

métodos de compromisso ou de indenização aos capitalistas cultos, que aceitam o “capitalismo de Estado”, que podem aplicá-lo e que são úteis ao proletariado como organizadores inteligentes e expertos de grandíssimas empresas que verdadeiramente alcancem abastecer de produtos a dezenas de milhões de pessoas. (...) uma “indenização” que os operários devem oferecer aos capitalistas mais cultos, mais inteligentes e mais capazes desde o ponto de vista da organização, dispostos a servir ao Poder Soviético e ajudar honestamente a por em marcha a produção estatal grande e grandíssima. (...) é necessário ajudar, em certa medida, a restauração da pequena indústria, que não exige maquinaria, que não requer reservas estatais nem grandes reservas de matérias primas, de combustível e de víveres, a qual pode prestar imediatamente certa ajuda à economia camponesa e elevar suas forças produtivas. (...) “Implantando” o capitalismo de Estado sob a forma de concessões, o Poder Soviético reforça a grande produção contra a pequena, a produção avançada contra a atrasada, a produção tendo por base a maquinaria contra a produção manual (...).[14]

Em todas essas formulações de Marx, Engels e Lenin, sobre a transição do capitalismo (ou do pré-capitalismo) ao socialismo, percebe-se a visão de um processo demorado e complexo, onde coexistem diversas formas de propriedade sobre os meios de produção, onde persiste por longo tempo a produção de mercadorias e continua atuando a lei do valor. Da mesma forma, se observará uma grande semelhança entre a política econômica executadas pelo Poder Soviético, principalmente no período da NEP, e as “reformas” chinesas.

Anos mais tarde, em 1951, Stalin – em sua obra Problemas econômicos do socialismo na URSS, que procura sistematizar os ensinamentos da construção do socialismo na União Soviética – reitera a persistência do mercado e da lei do valor no socialismo, primeira etapa da sociedade comunista:

No nosso país, a lei do valor estende a sua ação, sobretudo, na circulação de mercadorias, no intercâmbio de mercadorias mediante a compra e a venda, no intercâmbio principalmente das mercadorias de consumo pessoal. (...) mas, a ação da lei do valor não fica limitada à esfera da circulação de mercadorias. Estende-se também à produção. (...) a esfera de ação da lei do valor está limitada no nosso país pela existência da propriedade social sobre os meios de produção.[15]

A título de introdução ao tema, sem aprofundar ainda a análise da “teoria chinesa da transição ao socialismo”, podemos afirmar que Mao-Zedong e os reformadores – com Deng Xiaoping à frente –, inspiraram-se na teoria marxista-leninista e em todo acúmulo da experiência soviética para colocarem os fundamentos da ação revolucionária do PCCh – seja na etapa da conquista do Poder, seja na etapa da transição socialista –, sempre preocupados em evitar as cópias mecânicas, sempre procurando ter em conta as especificidades da realidade da China: em 1938, nós dissemos que ‘toda a afirmação sobre Marxismo, desligada das características específicas da China, é apenas marxismo abstrato, marxismo no vácuo.’ Quer dizer, devemos opor-nos a toda a afirmação vazia sobre o marxismo, e os comunistas que vivem na China devem estudar o marxismo ligando-o às realidades da revolução chinesa.[16]

3 - A CONQUISTA DO PODER (1924/1949)

De início, os boxers estavam mal equipados e desorganizados, mas altamente motivados a livrar a China dos "demônios" estrangeiros.

A China entrou no século XX sob o estigma da humilhação nacional. Parte do seu território, inclusive de sua capital estava ocupada por oito potências estrangeiras – Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, França, Rússia czarista, Japão, Itália e Áustria.

Em 1900, a rebelião dos Boxers foi cruelmente sufocada por uma coligação militar dos países europeus sob o comando do exército alemão, ao qual o Imperador Guilherme II recomendara que seguissem o exemplo de Átila e “arrasem Beijing”:

Não haverá clemência e os prisioneiros não terão sorte. Cada qual que caia nas vossas mãos, cairá sob vossa espada (...) Que pela vossa obra, possa a denominação de “alemão” afirmar-se por milênios n China, tanto que nenhum chinês, com amêndoas nos olhos ou não, possa jamais ousar olhar o rosto de um alemão.[17]

O domínio estrangeiro sobre a China e a incapacidade da monarquia manchu em resistir-lhe, fizeram com que a dinastia Qing caísse no descrédito da população. O movimento republicano, liderado por Sun Yat-sen – que em 1894 fundara a “União pelo Renascimento da China” –, ganhou força e a República foi proclamada em 1911. Mas Sun Yat-sen – que representava a nascente burguesia chinesa em aliança com a pequena-burguesia urbana, ainda sumamente débeis – não conseguiu manter-se no poder e foi obrigado a renunciar, sendo substituído pelo despótico general Yuan Shikai. Esse governo fez concessões ainda maiores aos estrangeiros e a China mergulhou na anarquia, dilacerada pela luta entre os diferentes “senhores da guerra”.

A “União pelo Renascimento da China” deu origem, em 1912, ao “Partido Nacional do Povo(Guomindang), tendo como líder civil Sun Yat-sen e como dirigente militar o jovem general Jiang Jieshi. A Revolução Russa, em 1917, influenciou e impulsionou os nacionalistas chineses.

Em 4 de maio de 1919, grandes manifestações estudantis – contra a dominação estrangeira e contra o governo – sacudiram a China, congregando intelectuais, artesãos e trabalhadores, o que deu um novo impulso à luta antiimperialista.

Em julho de 1921, em Shangai, foi fundado o Partido Comunista da China (Kungchantang), tendo a sua frente, entre outros, Mao Zedong.

Sun Yat-sen formulou, nessa época, a sua doutrina das Três Políticas: “colaboração com a URSS, colaboração com o PC da China e apoio aos operários e camponeses”. Em 1923, é assinado o “Pacto Yoffe-Sun Yat-sen”, através do qual os soviéticos passaram a proporcionar assistência administrativa e militar ao Guomindang.

3.1 - A PRIMEIRA GUERRA CIVIL REVOLUCIONÁRIA (1924-1927)

Entre 1924 e 1927, varre a China uma nova vaga revolucionária – conhecida como “a grande Revolução” –, tendo por esteio a Frente Única entre o Guomindang e o
P. C. da China.

Entre 1924 e 1927, varre a toda a China uma nova vaga revolucionária – conhecida como “a grande Revolução” –, tendo por esteio a Frente Única entre o Guomindang e o Partido Comunista da China.

Em março de 1925, falece Sun Yat-sen, amigo sincero da URSS e defensor da aliança com o Partido Comunista. À medida que o tempo passava e a luta avançava, crescia no seio do Guomindang a ala anticomunista, liderada pelo Jiang Jieshi. Mas, a “Expedição do Norte” contra os caudilhos militares do norte – apoiados pelas potências imperialistas e muito bem armados – necessitava do apoio da URSS e do PC da China, o que neutralizou temporariamente as atitudes anticomunistas.

A aproximação do “Exército Nacional Revolucionário” das cidades de Shangai, Cantão e Wuhan estimulou insurreições operárias que, dirigidas pelos comunistas, ocuparam esses grandes centros urbanos.

Preocupado com o crescimento e o fortalecimento dos comunistas, Jiang Jieshi rompeu, em abril de 1927, a Frente Única com o PC da China e iniciou uma feroz repressão aos seus militantes. Só em 1927, foram mortos 40 mil comunistas, sendo que 13 mil foram executados posteriormente. Assim, a “primeira guerra civil revolucionária” terminou com a derrota das forças revolucionárias.

Batidos, os comunistas refugiaram-se em áreas do interior, para fugir ao massacre, e iniciaram uma das mais longas guerras civis dos tempos modernos, que só terminaria 22 anos depois, em 1949, com a vitória da Revolução Chinesa, dirigida por Mao Zedong.

3.2 - A SEGUNDA GUERRA CIVIL REVOLUCIONÁRIA (1927-1937)

A partir de 1927, Mao Zedong lidera os comunistas no rumo de uma nova visão que visava organizar o campesinato chinês.

Em 1º de agosto de 1927, sob a liderança de Zhu De e Zhou Enlai, ocorreu o levante de dois corpos do antigo Exército Nacional Revolucionário de Nanchang, onde encontravam-se mais de 20 mil soldados controlados ou influenciados pelos comunistas. Esse levante foi seguido de outros, como o da Colheita de Outono, em Hunan, dirigido por Mao Zedong. Em um primeiro momento a estratégia dos comunistas foi a de tomar grandes cidades, o que logo revelou-se inadequado, levando-os a derrotas.

A partir de então, sob a direção de Mao Zedong, os comunistas chineses orientaram-se no sentido de organizar bases de apoio no campo e desenvolver a luta de guerrilhas. Em abril de 1928 formou-se o “4º Corpo do Exército Vermelho de Operários e Camponeses”, que passou a combater nas montanhas de Jing Gang, na província de Jiangxi, tendo por Comissário Político Mao Zedong e por Chefe Militar Zhu De.

Beneficiando-se das condições topográficas favoráveis – “região fácil de defender e difícil de atacar” – logo as bases de apoio se multiplicaram, principalmente nas províncias de Tzian-Si, Fu-Tzian, Hunan, Hubei, Huan-si e outras, situadas na China central e meridional

A medida que as áreas liberadas se consolidavam, o poder passava às mãos de Conselhos (Soviets) de operários e camponeses, que confiscavam as terras aos latifundiários e as entregavam aos camponeses pobres. Da mesma forma, as empresas dos capitalistas estrangeiros eram confiscadas. Já os capitalistas chineses podiam manter as suas empresas e eram apoiados pelo novo poder.

Em dezembro de 1931, na cidade de Chzhui-Tzin, reuniu-se o “Primeiro Congresso dos Soviets”, estando representadas nele todas as bases revolucionárias da China. Esse congresso elegeu um governo central operário-camponês das regiões libertadas, tendo à sua frente Mao Zedong.

Entre 1930 e 1932, Jiang Jieshi organizou quatro campanhas militares contra as regiões libertadas, mas não conseguiu destruí-las. Em setembro de 1931, o Japão invadiu o nordeste da China (Manchúria), sem maior resistência do Governo de Nanquim, mais preocupado em combater os comunistas. Em 1932, foi constituído, no território ocupado pelos japoneses, o estado títere de Man-chuko, governado por Pu Yu, último imperador da dinastia manchu.

Frente aos apelos dos comunistas para a constituição de uma grande frente única para combater os japoneses, Jiang Jieshi respondeu com sua quinta campanha contra as bases revolucionárias, lançando sobre elas, em outubro de 1933, um exército de um milhão de soldados. Erros “esquerdistas” na condução da luta (sob influência de Wan Min, que abandonou a tática de guerrilhas e passou à ofensiva contra as grandes cidades e à defesa a qualquer preço dos territórios), somados à grande superioridade numérica das forças de Jiang Jieshi (as forças revolucionárias totalizavam em torno de 100 mil combatentes), forçaram o abandono das bases revolucionárias da China Central e Meridional e deram origem a “Grande Marcha”.

Em outubro de 1934, o Exército Vermelho conseguiu romper o cerco e iniciou uma grande retirada em direção ao noroeste da China, que durou um ano. Em meio a encarniçadas batalhas e sofrendo graves perdas, as unidades remanescentes do Exército Vermelho cruzaram onze províncias, percorrendo um trajeto de doze mil quilômetros. Apenas dez mil dos noventa mil guerrilheiros que iniciaram a “Grande Marcha” chegaram, em fins de 1935, à província de Shensi-Kansu, que se converteu na principal base dos revolucionários, tendo por capital Yenan.

Nesse processo, Wan Min e a sua política aventureira foram derrotados na direção do PC da China e Mao Zedong e a sua política tornaram-se hegemônicos no partido.

3.3 - A GUERRA DE LIBERTAÇÃO CONTRA O JAPÃO (1937/1945)

Em Nanjing, a barbárie japonesa extrapolou todos os parâmetros de violência, sendo assassinados 300 mil chineses: “O saque e o ‘estupro de Nanjing’ em 1937 é singularmente o episódio mais sangrento da 2ª Guerra Mundial; houve mais mortos do que em Dresden, Hiroshima ou Nagasaki. É o ‘holocausto esquecido’. Nas regiões onde a resistência é mais encarniçada, os invasores recorrem à política dos “três tudo”, isto é: “saquear tudo, matar tudo, queimar tudo”. Em seu diário, um coronel japonês anota: ‘Recebi de meu oficial superior a ordem segundo a qual toda pessoa deve ser morta’.”[18].

Em julho de 1937, as tropas japonesas passaram à ofensiva no norte da China visando a ocupação de todo o país. Em pouco tempo, tomaram Beijing, Nanjing, Tien-Tsin, Shangai e outras importantes cidades da China.

Em toda a China, “a agressão japonesa a partir de 1937 deixou cerca de 31 milhões de vítimas, entre mortos, feridos e definitivamente incapacitados.”[19]

Sob forte pressão, inclusive de seus generais, Jiang Jieshi viu-se obrigado, enfim, a aceitar a Frente Única proposta pelos comunistas para enfrentar o Japão.

Na prática, porém, as tropas do Guomindang pouco faziam contra os japoneses, que apoderaram-se de todas as províncias do litoral chinês e de todos seus centros econômicos e políticos. Quem de fato enfrentava as tropas japonesas eram o Quarto e o Oitavo Exércitos Vermelhos, secundados pelos movimentos guerrilheiros que se multiplicavam na retaguarda do inimigo. As vitórias da URSS contra as tropas japonesas no Lago Hasán (1938) e junto ao Rio Jaljin-Gol (1939) também favoreceram muito a luta das forças patrióticas chinesas.

Em 1940, as regiões libertadas pelos comunistas já abrangiam um território com uma população de 100 milhões de habitantes e as fileiras das unidades regulares do Exército Popular Libertador contavam com mais de meio milhão de combatentes. Em 1941 e 1942, os japoneses lançaram suas principais forças contra as regiões libertadas e contra o Exército Popular Libertador da China, mas sem conseguir vencê-lo. Enquanto isso, a resistência do Guomindang havia-se desfeito totalmente e Jiang Jieshi colaborava abertamente com os japoneses.

Em agosto de 1945, o exército soviético passou à ofensiva na Manchúria, destruindo as principais forças do exército japonês. O “Exército Popular Libertador da China” aproveitou as circunstâncias para lançar uma grande ofensiva, libertando 150 cidades e novos territórios na China Central e do Norte, aproximando-se de Beijing, Nanquim e Changai. Preocupados com o avanço das tropas revolucionárias, os Estados Unidos desembarcaram um exército de mais de cem mil homens em várias regiões da China e, junto com as forças do Guomindang, ocuparam Beijing, Shangai e Nanquim.

3.4 - TERCEIRA GUERRA CIVIL REVOLUCIONÁRIA (1946/1949)

Julho de 1947, tropas do Exército de Libertação do Povo avançam para a China Central.

Derrotados os japoneses, os comunistas propuseram a retirada de todas tropas estrangeiras da China e a formação de um governo de coalizão, com a participação de todos os partidos políticos.

Mas, em julho de 1946, depois de uma trégua de sete meses, os exércitos do Guomindang iniciaram seu ataque ao “Exército Popular Libertador”, no norte e no centro do país. Eram quatro milhões e trezentos mil homens do Guomindang – abastecidos pelos Estados Unidos com o que havia de mais moderno em armamentos – contra um milhão e duzentos mil homens das forças revolucionárias, precariamente armados.

Aplicando amplamente a tática de guerrilhas, em combinação com tropas regulares, o “Exército Libertador” resistiu aos ataques de Jiang Jieshi e em julho de 1947 passou à contra-ofensiva em escala nacional. Em pouco mais de dois anos, o “Exército Popular” libertou toda China Central e Setentrional e penetrou no Sudoeste, tomando Nanquim, Shangai, Hanchou e outras importantes cidades.

Nesses três anos de luta, o “Exército Popular de Libertação” chegou a contar com mais de cinco milhões de combatentes, enquanto o exército do Guomindang reduziu-se a um milhão.

Em 23 de abril de 1949, os revolucionários tomaram Nanquim, sede do governo do Guomindang. No dia 1º de outubro de 1949, foi proclamada em Beijing a República Popular da China. Jiang Jieshi e seus aliados fugiram para a ilha de Taiwan (Formosa), sob a proteção da esquadra e do exército norte-americano...

4- AS TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS INICIAIS (1949/1957)

Mao Zedong anunciando a fundação da República Popular da China em 1 de outubro de 1949.

Ao assumir o Poder, o Partido Comunista da China se deparou com um quadro de grande atraso e deterioração econômica. Em comparação ao nível da economia chinesa em 1936, o valor global da produção industrial em 1949 estava reduzido à metade, sendo que a indústria pesada havia diminuído 70% e a indústria ligeira 30%. A produção de aço, por exemplo, havia baixado para 158 mil toneladas – queda de 80% – e a de carvão caíra para 32 milhões de toneladas – redução de 48%. Na agricultura, a produção de cereais era de tão somente 113 milhões de toneladas – uma diminuição de 25% – e o algodão descendera a 444 toneladas – redução de 48%. Segundo a ONU, a renda per capita dos chineses passara a ser apenas 27 dólares norte-americanos.

 

 

4.1 - A NOVA DEMOCRACIA

Partindo da realidade de um país empobrecido, tecnologicamente atrasado, com 80% da população vivendo da agricultura e carente de terras cultiváveis, os comunistas chineses buscaram desde o início um caminho próprio para a construção do socialismo na China – de acordo com a realidade do país – expresso no conceito da Nova Democracia, onde o poder revolucionário estaria nas mãos de uma aliança entre operários, camponeses, pequena burguesia e burguesia nacional. Os inimigos do povo eram o imperialismo, os latifundiários e a burguesia monopolista e “compradora”:

O que se entende por povo? Na China, na presente etapa, se entende por povo a classe operária, o campesinato, a pequena burguesia urbana e a burguesia nacional. Dirigidas pela classe operária e o Partido Comunista, essas classes se unem, formam seu próprio Estado, elegem seu próprio governo e exercem a ditadura sobre os lacaios do imperialismo, isto é, sobre a classe latifundiária e a classe capitalista burocrática, assim como sobre seus representantes, os reacionários do Koumintang (...) A democracia se pratica no seio do povo, o qual goza das liberdades de palavra, de reunião, de associação, etc. Só o povo goza do direito eleitoral, e não os reacionários. A combinação desses dois aspectos – democracia para o povo e ditadura para os reacionários – constitui a ditadura democrática popular.[20]

Nesse mesmo artigo – escrito às vésperas da tomada do Poder, em junho de 1949 – Mao Zedong desenvolve o conceito da Nova Democracia como o caminho para a industrialização do país e uma etapa de transição ao socialismo:

Nossa tarefa atual é fortalecer o aparato do Estado Popular (...). Essa é a condição para que a China, sob a direção da classe operária e do Partido Comunista, possa transformar-se com passos seguros de país agrícola em país industrial, passar da sociedade de nova democracia à sociedade socialista e comunista (...).[21]

4.2 - A REFORMA AGRARIA E A COOPERATIVIZAÇÃO NO CAMPO

Após a conclusão da reforma agrária, o agricultor Gao Guancai e sua família examinam o novo certificado de terras no condado de Jiaxing, província de Zhejiang, em 1950. [XinhuaNet].

Por outro lado, Mao apontou a necessidade de uma socialização da agricultura estreitamente articulada ao desenvolvimento industrial (tendo por núcleo as estatais) e de um correto aproveitamento dos incipientes “elementos de capitalismo” existentes na China para acelerar a modernização econômica do país:

Sem a socialização da agricultura não pode haver um socialismo completo e sólido. A socialização da agricultura deve coordenar-se em sua marcha com o desenvolvimento de uma poderosa indústria que tenha como setor principal as empresas estatais. (...) A burguesia nacional é de grande importância na atual etapa. Ainda temos frente a nós o imperialismo, inimigo muito feroz. A indústria moderna da China ainda representa só uma parcela muito reduzida do total da economia nacional. (...) Para fazer frente à opressão imperialista e elevar a sua economia atrasada a um nível mais alto, a China deve utilizar todos os elementos do capitalismo da cidade e do campo que sejam beneficiosos e não prejudiciais para a economia nacional e a vida do povo, e devemos unir-nos com a burguesia nacional para uma luta comum. Nossa política atual é limitar o capitalismo, e não destruí-lo. (...) Devemos vencer as dificuldades, devemos aprender o que ignoramos. Devemos aprender com todos os entendidos (sejam quem forem) a trabalhar no terreno econômico.[22]

O primeiro passo foi uma ampla reforma agrária nas áreas recém liberadas (com uma população de 310 milhões de pessoas), onde as terras dos latifundiários foram confiscadas e distribuídas aos camponeses pobres, respeitando-se as propriedades dos camponeses médios e ricos. Deve-se ressaltar que nas antigas regiões libertadas, principalmente na Manchúria e Norte da China, a reforma agrária já havia sido realizada:

O resultado foi uma ampla extensão geográfica da reforma agrária na segunda metade de 1950 (...). Embora as posses dos latifundiários fossem confiscadas e redistribuídas, em muitos casos, as terras dos camponeses ricos não foram tocadas. (...) Muitas mulheres começaram a se beneficiar também com a reforma agrária porque uma lei do matrimônio, promulgada em 1950, dava às mulheres solteiras, divorciadas ou viúvas o direito de possuir terras em seu próprio nome. Incluídos também nos cálculos de redistribuição estavam os mendigos, monges, freiras, soldados desmobilizados ou feridos e emigrados de aldeias que, desempregados nas cidades, desejassem voltar para casa. (...) estima-se que no Centro da China meridional (...) cerca de 40% da terra cultivada foi desapropriada e redistribuída e que 60% da população beneficiou-se com isso de alguma maneira.[23]

A seguir, o Governo Popular procurou impulsionar milhões de camponeses individuais no sentido da socialização, seja através de “grupos de ajuda mútua no trabalho” – mantendo a economia individual –, seja através de cooperativas de produção (onde a terra era entregue sob a forma de ações). Excepcionalmente, onde os camponeses estavam de acordo e havia condições técnicas para isso, foram criadas granjas coletivas de caráter socialista, a título de experiência e de modelo. Em conseqüência, em fins de 1954 os grupos de ajuda mútua já eram cerca de 10 milhões e as cooperativas de tipo inferior totalizavam 480 mil. O número de famílias camponesas incorporadas aos grupos de ajuda mútua e às cooperativas aumentou de 21 milhões em 1951 para 70 milhões em 1954 – 19,2% e 60,3%, respectivamente, do total de famílias camponesas da China. Em meados de 1955 o número de cooperativas de tipo inferior já era de 670 mil.

Através do trabalho coletivo das massas camponesas – envolvendo mais de 20 milhões de pessoas – e com o apoio do Estado, foram realizadas obras hidráulicas colossais, removendo 1.700 milhões de metros cúbicos de terra, o equivalente à construção de 23 canais de Suez.

Desde 1953, para enfrentar a especulação e o risco de desabastecimento nas cidades, o Governo instituiu o monopólio estatal da compra e venda de cereais. Os comerciantes particulares de cereais só puderam continuar atuando como agentes do Estado para a sua venda. Logo se passou à venda centralizada do óleo comestível. Em 1954, foi implantado o monopólio da compra do algodão e da compra e venda dos tecidos de algodão.

4.3 - A SOCIALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO

Todos esses passos impulsionaram a transformação socialista da indústria e do comércio privados:

após três anos de recuperação da economia nacional, a economia capitalista privada também experimentou uma profunda reorganização e transformação. A maioria das empresas privadas se conectavam, de distintas maneiras, com a economia socialista e cooperavam com ela, e as relações de produção nas empresas capitalistas haviam experimentado mudanças em diferentes graus; essas empresas haviam deixado de ser de caráter exclusivamente capitalista privado, para converter-se em empresas de capitalismo de Estado, sob a administração do Governo Popular, vinculadas com a economia socialista e supervisionadas pelos operários. O curso do desenvolvimento da indústria privada, passando da forma inferior de capitalismo de Estado (o monopólio estatal da compra e venda de cereais, a função de processamento e ordens de compra exclusiva por parte do Estado) à forma superior (empresas mistas estatal-privadas) era, na realidade, um processo de transformação de suas relações de produção e de desenvolvimento gradual ao socialismo. (...) A partir de 1954, se começou a pôr ênfase no desenvolvimento de empresas mistas estatal-privadas, forma superior do capitalismo de Estado. (...) a gestão estatal-privada significava uma cooperação no interior das empresas, entre os elementos socialistas e capitalistas; a parte pública possuía uma considerável cota de ações e as duas partes, pública e privada, administravam em conjunto as empresas, com a parte pública no papel dirigente. (...) se praticava a distribuição dos lucros (...) em quatro partes: imposto sobre a renda para o Estado, fundos de acumulação das empresas, fundos para o bem-estar dos operários e dividendos para os capitalistas, representando estes últimos mais ou menos a quarta parte, enquanto que a maioria dos lucros das empresas ia para as mãos do Estado e dos operários, servindo basicamente ao fomento da economia nacional e a vida do povo. Isto fez com que as empresas referidas adquirissem, em distintos graus, um caráter socialista.[24]

Devido a que as empresas privadas nacionais, na sua maioria, tinham equipamentos e instalações antiquadas e uma gestão atrasada, enfrentaram grandes dificuldades, e muitas solicitaram ao Estado para serem convertidas em empresas mistas estatal-privadas. Assim, entre 1953 e 1955, as empresas mistas aumentaram de 1.036 para 3.193, e o valor da sua produção chegou a 49,6% do total das indústrias privadas (incluídas as mistas). Evidenciando a superioridade da gestão socialista, enquanto nas empresas mistas os índices de produtividade aumentaram de 100 para 314, nas empresas privadas aumentaram de 100 para 158.

O confisco do “capital burocrático” também concentrou enormes forças econômicas nas mãos do Estado e fortaleceu o setor estatal: “80% do ativo fixo das indústrias, das empresas de mineração e de transportes do país, de antes da Libertação, converteram-se em bens estatais. Os bancos de todo o país, no fundamental, também passaram a ser administrados pelo Estado.”[25] O Governo Popular investiu fortemente na construção de empresas modernas nos setores prioritários – carvão, metalurgia, mecânica, maquinaria pesada, tecidos, ferrovias.

Também a transformação socialista da produção artesanal foi empreendida pelo Governo Popular, sendo que, no final de 1956, 91,7% do total das pessoas ocupadas nesta atividade econômica já participavam de cooperativas.

4.4 - OS AVANÇOS ECONÔMICOS DOS TRÊS PRIMEIROS ANOS

Como resultado dessas profundas transformações, entre 1949 e 1952 – apesar da Guerra da Coréia – o valor global da produção agrícola e industrial aumentou 77,5%, o que significou uma taxa anual média de 21%. No mesmo período, a produção industrial cresceu 145%, a uma taxa anual de 34,8%. Quanto à produção agrícola, incrementou-se em 53,5%, a uma média de 15,3% ao ano.

Nesses mesmos três anos, o número de operários e empregados passou de oito para dezesseis milhões e seus salários médios aumentaram 70%. Já a renda dos camponeses subiu 30%.

Da mesma forma, ocorreram profundas alterações na estrutura da economia chinesa, que passou a assentar-se nos seguintes setores: economia estatal, capitalismo de estado, capitalismo privado, pequena produção individual no campo e na cidade e economia cooperativa. Em 1952, 56% da produção das indústrias modernas do país e 60% do comércio atacadista já estavam sob o controle do setor estatal. Ao mesmo tempo, o valor da produção industrial totalizava 41,5% da economia chinesa (35,5% dos quais correspondiam à indústria pesada).

4.5 - AS CONQUISTAS DO 1º PLANO QÜINQÜENAL

Trabalhadores da planta de aço Anshan Iron and Steel
Company comemoram o primeiro tubo de aço sem
costura fabricado em 1953.

O Primeiro Plano Qüinqüenal foi elaborado sob a direção de Zhou Enlai e Chen Yun em 1951, tendo sido iniciado em 1953 e concluído em 1957:

O princípio orientador e a meta fundamental do 1º Plano Qüinqüenal eram: concentrar a força principal no desenvolvimento da indústria pesada, assentar uma base preliminar para a industrialização do país e a modernização da defesa nacional; desenvolver de forma correspondente os transportes, a indústria leve, a agricultura e o comércio; formar e preparar pessoal para satisfazer as necessidades da construção; fomentar de forma metódica a cooperativização da agricultura e o artesanato; continuar a transformação da indústria e do comércio capitalistas; garantir o crescimento constante do peso específico dos elementos socialistas na economia nacional e, ao mesmo tempo, por em jogo corretamente o papel da agricultura individual, o artesanato e a indústria e o comércio capitalistas; e garantir a elevação paulatina – tendo por base o desenvolvimento da produção – do nível de vida material e cultural do povo.[26]

Esse foi o período de maior cooperação entre a China e a URSS: as 156 obras construídas com a ajuda soviética eram o núcleo da construção industrial do 1º Plano Qüinqüenal; os soviéticos, além de empréstimos, deram orientação e ajuda concreta para a localização e exploração dos recursos naturais, seleção dos locais para as empresas, desenho técnico, máquinas e equipamentos, construção e montagem e, inclusive, a formação de pessoal, prova das instalações e sua colocação em funcionamento. Três mil especialistas soviéticos foram enviados para a China e o número de estudantes e técnicos chineses que foram preparar-se na União Soviética chegou, respectivamente, a sete e cinco mil.

O ano de 1956 marca a conclusão, no fundamental, do processo de conversão da propriedade privada individual e capitalista dos meios de produção em uma das formas de propriedade socialista (cooperativada ou “de todo povo”). O ano de 1957 foi de grandes êxitos e ao final do mesmo a maioria das metas do 1º Plano Qüinqüenal havia sido cumprida com folga: “o Primeiro Plano Qüinqüenal obteve um aumento extraordinário da produção industrial de um amplo setor de bens (...). A maioria dos seus objetivos já tinha sido alcançada no final de 1956. (...) o plano foi uma realização formidável.[27]

Os capitalistas deixaram de ser donos das empresas que antes comandavam, passando a ser empregados das mesmas, conforme as suas aptidões, ao mesmo tempo que continuavam recebendo dividendos fixos durante um período de sete anos (depois prorrogados para dez anos), correspondentes a 5% do valor das ações que possuíam.

Assim, em 1956 a economia estatal já representava 32,2% da renda nacional, a economia cooperativada 53,4% e a mista estatal-privada 7,1%, totalizando 92,7%. Na produção industrial, o setor socialista chegou a 67,5% e o capitalismo de Estado a 26,9%, enquanto o capitalismo privado reduziu-se a quase zero. Nas vendas ao varejo, o comércio estatal e cooperativo de abastecimento e venda totalizou 68,3% e o comércio capitalista de Estado e cooperativo de pequenos comerciantes alcançou 27,5%, enquanto o comércio particular reduziu-se a 4,2%.

Em 1957, a produção industrial havia crescido 128,3% em relação a 1952 (18% ao ano), sendo que a fabricação de meios de produção havia aumentado 210% (25,4% ao ano) e a de artigos de consumo 83% (12,9% ao ano). Em consequência, a indústria pesada passou a representar 45% do total da produção industrial do país. A produção agrícola cresceu 25% em relação a 1952 (4,5% anuais). O nível de vida do povo também se elevou de forma persistente, sendo que consumo per capita de operários e empregados aumentou 38,5% em relação a 1952 e o dos camponeses 27,4%.

Fazendo um balanço dos grandes êxitos alcançados nesses primeiros anos de construção econômica, o Partido Comunista da China afirmou que o período de transição de industrialização socialista ainda necessitaria de mais dois quinquênios e que para levar a cabo a construção de um grande país socialista seriam necessários 50 anos.

4.6 – O 8º CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DA CHINA
 

A plenária do 8º Congresso, realizado em Pequin, contou com a participação de 1.026 delegados(as) e 107 delegados(as) suplentes..

Havia se consumado, no fundamental, a transformação socialista da China e o centro de gravidade do Partido voltava-se cada vez mais para a construção econômica e para o desenvolvimento das forças produtivas. No quadro internacional, o fato novo havia sido a realização do 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, em fevereiro de 1956, ocasião em que Kruschev assumira a direção do PCUS e denunciara os erros de Stalin, desqualificando totalmente a obra de construção do socialismo na União Soviética. Esse acontecimento causou grande perplexidade nos partidos comunistas de todo o mundo e deu origem a uma ofensiva sem precedentes do imperialismo contra o comunismo e o socialismo.

Em abril de 1956, Mao Zedong apresentou o seu informe “Sobre as dez grandes relações”, sintetizando a experiência chinesa e tirando lições das experiências negativas da União Soviética, antecipando questões que serão retomadas quando das chamadas “Reformas Econômicas” da China, após a Revolução Cultural. Mao foi enfático na defesa da necessidade de romper com a “cópia de modelos” e de integrar o marxismo à realidade chinesa:

Nossa teoria é a integração da verdade universal do marxismo-leninismo com a prática concreta da revolução chinesa. (...) Nas ciências naturais, estamos bastante atrasados e devemos fazer esforços especiais para aprender  com os demais países. Mas, também aqui a nossa aprendizagem deve ser crítica e não cega (...). No referente a todo o corrupto sistema e a todas as corruptas idéias e práticas da burguesia estrangeira, devemos boicotá-los e criticá-los de forma resoluta. Mas isso não impede que aprendamos a avançada ciência e tecnologia dos países capitalistas e o que há de científico em seus métodos para a administração de empresas. As empresas dos países industrialmente desenvolvidos operam com pouco pessoal e elevada eficiência e sabem fazer negócios. Tudo isso devemos aprender de forma conscienciosa e à luz dos nossos princípios. Rechaçar em bloco, sem fazer uma análise, a ciência, a tecnologia e a cultura dos demais países, da mesma forma que o mencionado fenômeno de transplantar sem análise tudo o que é estrangeiro, não é uma atitude marxista, é uma atitude desfavorável à nossa causa.[28]

Nesse informe, Mao Zedong busca explorar caminhos próprios para a construção do socialismo na China, diferenciando-se da experiência soviética:

não se deve tomar em consideração só um setor mas, simultaneamente, os três: o Estado, a coletividade e o indivíduo (...).preocupar-se pelas condições de vida das massas e combater a atitude burocrática de indiferença frente a suas necessidades. (...) convém falar um pouco do problema da independência de cada fábrica sob direção unificada. Pelo visto, é inadequado concentrar tudo nas mãos das autoridades centrais ou provinciais e municipais, sem deixar às fábricas um mínimo de atribuições, um mínimo de margem de manobra, nem os menores ganhos. (...) Por princípio, unificação e independência constituem uma unidade de contrários. Tanto a unificação como a independência são necessárias. (...) Cada unidade de produção deve gozar de determinada independência, vinculada com a unificação; só assim poderá desenvolver-se com maior vivacidade. (...) Também se deve tratar de forma acertada a relação entre as cooperativas e os camponeses. É preciso fixar adequadamente, nos ingressos das cooperativas, os percentuais que correspondem ao Estado, às cooperativas e aos camponeses.[29]

A fim de construir um poderoso país socialista, se requer uma forte direção central unificada, uma planificação e disciplina unificadas a escala nacional (...) ao mesmo tempo, se faz necessário pôr em pleno jogo a iniciativa local e permitir que cada localidade tenha algo que seja particular e que concorde com suas próprias condições. (...) para desenvolver a construção socialista é indispensável fazer valer a iniciativa local. Se queremos consolidar a direção a nível central, é preciso ter em conta os interesses locais.[30]

E o 8º Congresso, realizado entre 15 e 27 de setembro de 1956, afirmou em sua Resolução Final:

no nosso país foram basicamente resolvidas as contradições entre o proletariado e a burguesia, terminou no fundamental a história de milênios do sistema de exploração de classe e foi implantado no essencial o sistema socialista. (...) a contradição principal no nosso país já é a existente entre a demanda do povo de estabelecer um país industrial avançado e a realidade de um país agrícola atrasado, a existente entre as necessidades do povo de um rápido desenvolvimento econômico e cultural e a incapacidade da economia e da cultura para satisfazer tais necessidades. (...) esta contradição é, em essência, a contradição entre o sistema socialista avançado e as forças produtivas sociais atrasadas.[31]

Para resolver essa contradição, o Congresso aprovou o princípio do avanço com passo firme, garantindo o equilíbrio do desenvolvimento dos diversos ramos da economia, opondo-se, por um lado, ao conservadorismo e, por outro, ao avanço temerário. Quanto aos diversos segmentos que formavam a economia chinesa, definiu que:

na exploração industrial e comercial, o grosso da economia seria estatal e coletivo, complementado por certo percentual de economia individual. Em relação à planificação da produção, o grosso da produção industrial e agrícola seria constituído pela produção planificada, acompanhada, de forma suplementar, de uma produção livre, realizada de acordo as oscilações do mercado, mas mantida dentro do permitido pelos planos do Estado. Enquanto ao mercado socialista único, o grosso seria constituído pelo mercado estatal, complementado por certo mercado livre, dirigido pelo Estado e mantido dentro de certos limites.[32]

O ano de 1957 – durante o qual foram aplicadas as orientações do 8º Congresso – apesar de divergências quanto ao ritmo do crescimento – teve um dos melhores resultados econômicos desde a proclamação da República Popular da China.

5 - O GRANDE SALTO À FRENTE (1958/1960)

No final de 1957, surgiu dentro do Partido um clima de “entusiasmo voluntarista”, fruto dos grandes êxitos obtidos. Alguns começaram a achar que os ritmos de crescimento podiam ser bem maiores que os do 1º Plano Qüinqüenal, e o próprio Mao Zedong passou a afirmar que a crítica do 8º Congresso a um pretenso “avanço temerário” havia sido um erro.

Na 2ª sessão do 8º Congresso Nacional, em maio de 1958, Mao adotou uma posição de superestimação do papel da vontade subjetiva no processo das transformações socialistas, destacando a “rapidez” como o elo principal da consigna de “quantidade, rapidez, qualidade e economia”. Aqueles dirigentes que haviam se oposto ao “avanço temerário” – como Zhou EnLai e Chen Yun – tiveram que fazer autocrítica nessa reunião. As metas que estavam sendo elaboradas para o 2º Plano Qüinqüenal foram arbitrariamente aumentadas, a produção prevista para o aço passou de 12 para 30 milhões de toneladas e foi colocada a meta de ultrapassar a produção de aço da Inglaterra nos próximos 15 anos. Era a política do Grande Salto à Frente que ia se formando.

5.1 - CRESCIMENTO ACELERADO E COLETIVIZAÇÃO VIA AS “COMUNAS”
 

Camponeses chineses saúdam a chegada de tratores comprados por uma cooperativa de agricultores em abril de 1958, durante a campanha do Grande Salto para a Frente.

Desconsiderando o baixo nível das forças produtivas no campo, Mao Zedong passou a defender a integração da agricultura, da indústria, do comércio e das atividades militares e administrativas, através de grandes unidades de produção denominadas “comunas”, reunindo sob uma concepção igualitarista dezenas de milhares de famílias. Da mesma forma, promoveu-se uma intensa campanha de massas para fundir ferro e aço, construindo-se em todo o país milhares de pequenos altos-fornos e fornos de coqueificação. Esse processo anárquico e caótico acarretou um grande desperdício de investimentos, matérias primas e força de trabalho e uma grave desproporção na economia nacional. Para dar um exemplo, em fins de 1958 haviam sido produzidas 11 milhões de toneladas de aço, das quais somente 8 milhões eram de qualidade aceitável.

Como um ‘pernicioso legado do capitalismo’, foram proscritos os pequenos comerciantes e vendedores ambulantes, o comércio feirante e as ocupações secundárias domésticas que antes existiam nas zonas rurais”, dentro da concepção de que “quanto menos intercâmbio mercantil houver, mais perto se estará do comunismo[33], o qual, aliás, deixava de ser uma questão para um futuro longínquo.

O resultado foram fortes desequilíbrios entre os diversos setores da economia, retrocessos econômicos, redução do crescimento agrícola – aumento de apenas 1% na produção de grãos – e desabastecimento de gêneros alimentícios. Agravaram esse quadro os desentendimentos com a URSS – decorrentes da política de Kruchev –, culminando com a retirada dos técnicos soviéticos e com a paralisação, a meio caminho, de importantes projetos conjuntos.

Em dezembro de 1958, na reunião do Comitê Central, em Wuhan, Mao Zedong renunciou à Presidência do Governo – cargo que passou a ser ocupado por Liu Shaoqi – mas manteve a Presidência do Partido e da Comissão de Assuntos Militares. Mao já havia anunciado que deixaria o cargo, mas inúmeros estudiosos entendem que o momento em que isso ocorreu refletiu o seu desgaste com o Grande Salto à Frente:

O fracasso da estratégia do grande salto acirrou as diferenças internas no governo chinês. Duas linhas eram identificadas e podem ser caracterizadas da seguinte forma: de um lado, aqueles que privilegiavam o vínculo soviético, reforçando o aparelho burocrático do Estado (Liu Shaoqi e Peng Zhen) e, de outro, os maoístas, identificados pela defesa do ressurgimento do ardor revolucionário compatível às peculiaridades chinesas. Além disso, os problemas advindos da aplicação da estratégia contribuíram para o refluxo da influência de Mao Zedong, que renunciou à Presidência em 1958. Liu Shaoqi assumiu no ano seguinte, adotando algumas reformas que possibilitaram aos moderados, reformistas e pragmáticos uma ascensão política.[34]

5.2 - A RETIFICAÇÃO DO GRANDE SALTO À FRENTE (1961/1965)

O agravamento da situação levou a que, em janeiro de 1961, a 9ª Sessão Plenária do 8º Comitê Central suspendesse o Grande Salto à Frente e a criação de novas comunas. Em fevereiro de 1962, realizou-se em Beijing uma reunião ampliada da direção central do Partido, com a presença de sete mil pessoas, onde foi feita uma autocrítica sobre o Grande Salto à Frente:

Primeiro, as metas dos planos de produção foram demasiado altas e a construção básica abarcou esferas supremamente extensas, o que deu origem a uma tremenda desproporção entre os diversos ramos da economia nacional; segundo, no trabalho das comunas populares se confundiram a propriedade coletiva e a de todo o povo, e se observou o afã pela transição de uma forma à outra de propriedade, violando o princípio de “a cada um segundo o seu trabalho” e do intercâmbio de valores iguais e incorrendo em uma série de erros de “comunização” e de igualitarismo; terceiro, se tratou indevidamente de estabelecer por todo o território nacional vários sistemas industriais completos, foram descentralizados os poderes para os níveis inferiores e cresceu, com graves seqüelas, a tendência à dispersão; e quarto, se sobreestimou o ritmo de incremento da produção agrícola e se exigiu um desenvolvimento demasiado acelerado da construção, de modo que a população urbana aumentou em proporções indevidas e se agravaram as dificuldades no abastecimento urbano e a produção rural.[35]

Feitos os ajustes, ainda que perdurassem questões não resolvidas, a situação econômica melhorou e a China retomou o seu crescimento.

Em 1962, em meio ao recrudescimento da controvérsia sino-soviética e da luta contra o “revisionismo”, a 10ª Sessão Plenária do 8º Comitê Central aprovou – por iniciativa de Mao Zedong um comunicado onde se afirmava:

ao largo de todo o período da revolução proletária e da ditadura do proletariado, em toda a etapa histórica da transição do capitalismo ao comunismo (esta etapa requer várias dezenas de anos e, inclusive, um tempo mais longo), existe a luta de classes entre o proletariado e a burguesia e existe a luta entre os dois caminhos, o socialista e o capitalista.[36]

Esta opinião – que expressava a preocupação de Mao Zedong com o que ocorria na URSS e a sua busca de como impedir que tal viesse a ocorrer na China – veio a fortalecer as tendências “esquerdistas” no seio do PCCh e preparar o caminho para a Revolução Cultural, quando a tarefa central da construção socialista deixou de ser o “desenvolvimento das forças produtivas” para transformar-se na “luta de classes permanente”.

Resumindo esse período, pode-se dizer que os três primeiros anos do 2º Plano Qüinqüenal (1958-1960) foram do Grande Salto à Frente, deixando de lado o plano original e causando grandes dificuldades econômicas. Nos dois últimos anos do 2º Plano Qüinqüenal (1961-1962) foram realizados ajustes na economia nacional. Logo vieram três anos de continuação dos reajustes (1963-1965), em um período de transição para o 3º Plano Qüinqüenal (iniciado em 1966).

Tomando por base o ano de 1962 – quando se registrou o maior descenso da economia chinesa – nos três anos seguintes o valor global da produção industrial e agrícola aumentou a uma média anual de 15,7%, sendo que a produção agrícola cresceu a uma média de 11% e a industrial de 17,9%. Independentemente dos erros, foi um período de grande diversificação e ampliação da economia chinesa (indústria petrolífera e petroquímica, siderurgia, eletrificação, transporte ferroviário, etc.) e de grandes conquistas tecnológicas, como a fabricação da bomba atômica chinesa, em julho de 1964, fortalecendo a defesa nacional e colocando a China no concerto das grandes potências mundiais:

Foi uma vitória do desenvolvimento técnico científico chinês e oportunidade para o governo de Beijing declarar solenemente que “jamais, em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto a China será a primeira a lançar uma bomba atômica”. Essa declaração não foi acompanhada até hoje por nenhum país detentor da arma nuclear.[37]

6 - A REVOLUÇÃO CULTURAL (1966/1976)

Em 1966, quando começou a ser executado o 3º Plano Qüinqüenal, a China entrou em um dos períodos mais tumultuados de sua história, com a Grande Revolução Cultural, deflagrada por Mao Zedong. Preocupado com a degeneração revisionista da URSS – Mao tinha a intenção de prevenir a restauração capitalista na China:

O conflito, grosso modo, estaria assentado na disputa entre os voluntaristas (associados a Mao Zedong) e os pragmáticos (vinculados a Liu Shaoqi). Como questões de fundo, deve-se destacar as concernentes relações sino-soviéticas, bem como a crítica maoísta ao caráter capitalista das reformas empreendidas pelo Estado sob a administração dos moderados. Liu Shaoqi defendia a retomada da responsabilidade privada na agricultura, dos incentivos materiais aos operários, a formação de um corpo de profissionais na administração das indústrias, bem como medidas políticas assentadas na estabilidade e no profissionalismo, que visassem a modernização. Mao Zedong, por sua vez, continuava apostando na coletivização, no fortalecimento da moral comunista e numa maior participação operária na administração – gerenciamento das fábricas e do Estado – ressaltando a permanência do caráter revolucionário.[38]

6.1 – “CANHONEAR O QUARTEL GERAL”
 

A juventude, que ainda não estaria “contaminada pelo revisionismo”, foi mobilizada através da “Guarda Vermelha” e lançada contra os quadros superiores do Partido e do Estado, sob o lema “canhonear o Quartel Geral”, título de um dos artigos de Mao Zedong.

A primeira fase da Revolução Cultural iniciou em novembro de 1965 pela crítica à obra literária “A destituição de Hai Rui”, acusada de contra-revolucionária. Rapidamente, a crítica a essa obra estendeu-se às demais áreas da literatura, da arte, da história, da filosofia, tornando-se uma vasta campanha de crítica no campo ideológico e cultural. À frente do movimento estavam Jiang Qing (terceira esposa e secretária de Mao Zedong) e Lin Biao (ministro da Defesa Nacional), que logo começaram a fazer críticas veladas a importantes dirigentes do CC do PCCh, acusando-os de conivência com a “linha negra e anti-socialista” na área da cultura.

A segunda fase da Revolução Cultural teve início com o afastamento de Peng Zhen da Prefeitura de Beijing, em abril de 1966, com a reunião ampliada do Birô Político, em maio, e com a 11ª Sessão Plenária do 8º Comitê Central, em agosto, acontecimentos que marcam o desencadeamento em toda linha da Revolução Cultural, chamada a “criticar e repudiar aos representantes burgueses que se infiltraram no Partido, no Governo, no Exército e nos diversos Domínios culturais”.[39]

A juventude, que ainda não estaria “contaminada pelo revisionismo”, foi mobilizada através da “Guarda Vermelha” e lançada contra os quadros superiores do Partido e do Estado, sob o lema “canhonear o Quartel Geral”, título de um dos artigos de Mao Zedong. Sob o comando de Chen Boda e Lin Biao, abriu-se uma vasta temporada de “caça às bruxas”, que afastou antigos quadros partidários e levou a China à beira da anarquia:

dirigentes importantes e de todos os níveis foram sendo criticados, pressionados, humilhados e afastados, como Liu Shaoqi, Deng Xiaoping, Peng Zhen, Yang Shangkun e muitos outros. Zhou Enlai e Zhu De passaram a uma posição relativamente subalterna. À proporção que figuras de proa em torno de Mao Zedong eram afastadas, outros tipos dele se acercavam, como Lin Biao, Jiang Qing, Wang Hong Wen, Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan. O culto da personalidade de Mao Zedong, exacerbado por Lin Biao, foi levado a níveis grotescos e, como diz a Breve História, “a errônea direção pessoal, ‘esquerdista’ de Mao Zedong substituía de fato a direção coletiva do Comitê Central do Partido”.[40]

6.2 – A CRIAÇÃO DOS “COMITÊS REVOLUCIONÁRIOS”

Tendo por pano de fundo a concepção de que “a política deve estar no comando de tudo” e de que “a luta de classes tem primazia sobre a economia”, a Revolução Cultural desestabilizou o Partido, o Estado e a economia. Elogiando o movimento, Mao afirmou que “uma grande desordem sob os céus conduzirá infalivelmente a uma grande ordem sob os mesmos”.

Em janeiro de 1967, primeiro em Shanghai e logo em todo o país, os rebeldes propuseram a “tomada total do Poder” e desataram uma campanha para arrebatar o poder da direção do Partido. Disseminou-se a luta entre as distintas facções rebeldes – cada uma “mais revolucionária que a outra –, ou entre elas e os órgãos partidários ou de governo, sob a consigna “duvidar de tudo, derrubar tudo”.

Buscando dar alguma ordem ao processo de “tomada do poder”, Mao propôs a criação dos “Comitês Revolucionários” através da “triple integração”, entre os responsáveis pelas organizações revolucionárias de massas, os representantes das unidades do Exército Popular de Liberação (na localidade) e os “quadros dirigentes revolucionários”.

A institucionalização da Revolução Cultural através da constituição dos “Comitês Revolucionários”, no primeiro semestre de 1967, constitui a sua terceira fase.

A quarta fase teve início em setembro de 1967, quando Mao Zedong descarta a “ultra-esquerda”, e termina em abril de 1969, com a vitória de Mao e a realização do 9º Congresso do PCCh.

Em outubro de 1968, na 12ª Sessão Plenária Ampliada do 8º Comitê Central, 53% dos membros titulares e suplentes eleitos no 8º Congresso foram privados do direito de participar, acusados de serem “elementos antipartido”, “renegados” e “agentes secretos”. Nessas circunstâncias, foi decidido “expulsar Liu Shaoqi do Partido, para todo o sempre, e destituí-lo de todos os cargos dentro e fora do Partido”.[41]

Em 1º de abril de 1969, reuniu-se o 9º Congresso Nacional do PCCh, que referendou a linha da Revolução Cultural e afastou 70% dos membros do Comitê Central, colocando nos Estatutos que “O camarada Lin Biao é o íntimo companheiro de armas e o sucessor do camarada Mao Zedong”, afirmação inédita nos Estatutos de um Partido Comunista.

6.3 - O DESAPARECIMENTO DE LIN BIAO E O RETORNO DE DENG XIAOPING

Considerando que no fundamental estava resolvido o problema da “reconstrução do Partido”, Mao transladou o centro dos seus esforços para a “reconstrução do governo”. Para isso, convocou a 4ª Assembléia Popular Nacional e propôs a reforma da Constituição. No processo da sua convocação, Lin Biao – ansioso por assumir a Presidência do país – passou a divergir de Mao que defendia a extinção desse cargo na China:

Mao começara a ter outras idéias sobre Lin e a maneira como o ELP estava lidando com os demorados expurgos e investigações sobre cargos partidários veteranos. (...) Em março de 1970, Mao decidiu retirar o cargo de presidente do Estado, vago desde a prisão de Liu Shaoqi, do projeto de constituição, o que significava que Lin, além de não poder assumir tal posto, continuaria abaixo do premiê Zhou Enlai. (...) Segundo documentos liberados mais tarde pelo PCC, Lin Biao, levado ao desespero pelo colapso de suas ambições políticas, buscara apoio entre seus amigos mais íntimos para uma tentativa de assassinato de Mao. Impossibilitado de levar adiante seu plano, Lin entrou em pânico e fugiu do país com esposa e filho em um jato Trident. Os documentos do partido acrescentam que o avião estava indo para a União Soviética, mas não tinha combustível suficiente para a viagem; também não havia a bordo navegador ou radioperador. A queda ocorreu na Mongólia em 13 de setembro de 1971 e todos os passageiros morreram queimados.[42]

Segundo a Breve História do Partido Comunista da China, o desfecho do episódio Lin Biao– o mais ardoroso defensor do culto à personalidade de Mao Zedong – abriu os olhos de muita gente no Partido e fez o próprio Mao reavaliar alguns aspectos da Revolução Cultural. Depois desse incidente, Mao assumiu pessoalmente a política em relação aos quadros e – em estreita colaboração com Zhou Enlai – reabilitou diversos deles, como Deng Xiaoping que em março de 1973 retornou para o seu cargo de vice-primeiro-ministro do Conselho de Estado.

Em dezembro de 1973, em uma reunião da Comissão Militar, Mao Zedong propôs a revogação da condenação de diversos dirigentes e fez sua autocrítica: “Fui eu quem se equivocou ao aceitar os argumentos unilaterais de Lin Biao.”[43] Apesar de tudo isso, Mao continuou a acreditar na correção, no fundamental, da Revolução Cultural e a dizer que o unicamente os seus excessos deviam ser corrigidos.

6.4 – A APROXIMAÇAO DA CHINA COM OS ESTADOS UNIDOS
 

Nixon sendo recebido por Zhou Enlai em 1972.

O início da década de 70 se destaca, ainda, por uma política externa chinesa bastante ativa. Em julho de 1971, Henry Kissinger – Conselheiro de Nixon para Assuntos de Segurança Nacional – foi recebido pelo governo chinês e iniciaram-se negociações tendo em vista a normalização das relações entre os dois países. Em outubro desse mesmo ano, a China reconquistou o seu assento nas Nações Unidas e no Conselho de Segurança e em fevereiro de 1972, o Presidente Nixon foi recebido por Mao Zedong e ambos firmaram o “Comunicado Conjunto Chino-Norteamericano”.

Esse acontecimento – que não pode ser desligado das crescentes contradições entre a China e a URSS – levou à normalização das relações diplomáticas entre a China e o Japão, no início de 1973 e a um auge no estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e um grande número de países da Europa e do resto do mundo, assinalando a superação do relativo isolamento em que a China se encontrava desde o seu rompimento com a União Soviética.

6.5 - AS CONSEQÜÊNCIAS ECONÔMICAS DA REVOLUÇÃO CULTURAL

Apesar do processo da Revolução Cultural ter iniciado no primeiro semestre de 1966, será de 1967 em diante que se farão sentir com mais força os seus efeitos na economia, exatamente quando a turbulência se estendeu às empresas industriais, de transporte e de comunicações.

O Plano econômico de 1967 não pôde ser executado e de fato foi descartado. O Plano anual de 1968 sequer foi elaborado. Nas empresas, muitas das normas e regulamentos que haviam sido criadas no decorrer dos anos anteriores foram desconsiderados por serem vistos como medidas “revisionistas” de “controle, restrição e repressão”.

Em conseqüência, em 1967 o valor global da produção industrial e agrícola caiu 9,6% em relação a 1966 e em 1968 baixou 4,2% em relação ao ano anterior e a renda nacional diminuiu 13,3%, em comparação com 1966.

O ano de 1969 registrou uma recuperação da economia chinesa, decorrente da estabilização dos “comitês revolucionários” e da realização do 9º Congresso do PCCh. Foi retomada a atividade de planificação da economia e obtido um crescimento de 23,8%, em relação a 1968, da produção industrial e agrícola e de 19,3% na renda nacional. Em comparação com 1966, porém, praticamente não houve crescimento.

Em março de 1970, foram elaborados o Projeto de Programa do Plano de Desenvolvimento da Economia Nacional, para 1970 e o Programa do 4º Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento da Economia Nacional, viabilizando através de um grande tensionamento de forças um razoável crescimento econômico. Assim, ao final desse ano, foram alcançados os principais índices previstos no 3º Plano Qüinqüenal. Porém, esse avanço causou graves desequilíbrios entre os diversos setores da economia:

a produção de cereais e cultivos econômicos não podia satisfazer as demandas do desenvolvimento industrial e do crescimento demográfico; as indústrias de materiais e matérias primas não se adequava, às necessidades do progresso da industria de transformação; a envergadura da construção infra-estrutural era demasiado ampla, acompanhada de uma quantidade excessiva de projetos e de uma taxa de acumulação demasiado alta; os produtos baixaram de qualidade; descuidou-se da reparação de equipamentos; o número de acidentes aumentou (...) os meios de macro-controle das autoridades centrais foram em grande parte debilitados e as localidades “estenderam suas frentes de trabalho” a todos os âmbitos e se propuseram, uma após a outra, a “duplicar” a produção, com o objetivo de criar cada uma o seu próprio sistema econômico, “pequeno mas auto-suficiente” (...) a tendência ao avanço temerário na construção econômica cresceu sem cessar.[44]

Em fins de 1971, apareceu o problema do “sobre-cumprimento” do Plano previamente definido em três aspectos: o número de operários e empregados ultrapassou os 50 milhões, a soma dos salários superou os 30 bilhões de yuans e as vendas de cereais os 80 bilhões de jins. As conseqüências foram um grave desequilíbrio nas relações proporcionais da economia nacional, um grave desabastecimento no mercado e o descenso do nível de vida do povo.

Entre 1972 e 1973, o Conselho de Estado – sob o comando de Zhou Enlai – adotou uma série de medidas para reajustar a economia nacional. Mesmo sem conseguir erradicar os fundamentos esquerdistas da Revolução Cultural, que prosseguia, ao fim de dois anos de reajustes a situação econômica melhorou sensivelmente. Tanto que em 1973 a produção industrial aumentou 9,2% em relação ao ano anterior e a renda nacional cresceu 8,3%.

6.6 - OS ANOS FINAIS DA REVOLUÇÃO CULTURAL
 

Zhou Enlai em nome do Comitê Central apresenta o relatório político no décimo Congresso Nacional do PCCh em agosto de 1973.

O 10º Congresso do PCCh, realizado em agosto de 1973, manteve muitos dos erros “esquerdistas” do Congresso anterior. É verdade que alguns quadros veteranos, que haviam sido perseguidos e afastados de todas as tarefas de responsabilidade, foram reconduzidos ao Comitê Central. Em contrapartida, os principais elementos da facção de Jiang Qing foram eleitos para o CC, em número ainda maior. Tanto que, após o X Congresso, formou-se no Birô Político do Comitê Central o que mais adiante, veio a ser denominado o “bando dos quatro”, composto por Jiang Qing, Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan e Wang Hongwen.

Em janeiro de 1974, sob a orientação de Mao, o CC do PCCh lançou uma campanha para a “crítica a Lin Biao e a Confúcio”. Jiang Qin e seu grupo viram nela uma forma de conquistar a hegemonia sobre o Partido e afastarem os dirigentes da velha geração. Assim, voltaram o gume de suas críticas contra Zhou Enlai, Ye Jianying e outros.

Novamente o Partido e o Governo se viram paralisados pelas disputas e a produção industrial voltou a decair. Mao, mesmo apoiando a campanha de crítica a Lin Biao e Confúcio, compreendeu que não convinha um novo caos social de grande envergadura (“Agora, quando a Grande Revolução Cultural já alcança oito anos, convém a estabilidade. Todo o Partido e todo o Exército devem unir-se.[45]). Assim, procurou manter a situação sob o controle do Partido e inclusive admoestou Jiang Qing e outros que utilizavam dessa campanha de crítica com interesses particulares: “Deixa já de criar essas duas fábricas, a de ferro e aço e a de etiquetas, tremendas etiquetas que sem motivo algum colocas aos demais. (...) Ela não representa a mim, senão a si mesma. (...) Tenham cuidado e não cheguem a formar uma pequena fração de quatro pessoas![46]

As críticas de Mao ao grupo de Jiang Qing, a designação do trabalho rotineiro do Comitê Central do Partido e do Governo a Zhou EnLai e a nomeação de Deng Xiaoping para importantes cargos – “Deng Xiaoping é forte no político e no ideológico, é talentoso como poucos. Deve assumir três cargos: primeiro vice-primeiro ministro, vice-presidente da Comissão Militar e Chefe do Estado Maior Geral[47] –, serviram de dique às articulações do “bando dos quatro” e assegurou uma exitosa convocação da 4ª Assembléia Popular Nacional, que reuniu-se de 13 a 17 de janeiro de 1975, em Beijing.

Coroando uma longa discussão dentro do Partido e do Estado, a 4ª Assembléia aprovou uma nova Constituição, tendo como principais pontos:

a) a definição da República Popular da China como um “Estado Socialista de Ditadura do Proletariado”; b) a afirmação da supremacia do Partido sobre o exército e do Estado sobre os indivíduos; e c) a autorização das atividades privadas e a garantia à propriedade dos rendimentos do trabalho (apesar de não reconhecer a propriedade privada dos meios de produção.)[48]

No seu informe sobre o trabalho do Governo, Zhou Enlai voltou a apresentar a concepção dos “dois passos” para a construção do socialismo na China, formulada pela primeira vez em dezembro de 1964, na 3ª Assembléia Popular Nacional:

Como primeiro passo, em um prazo de 15 anos, isto é, antes de 1980, concluir a construção de um sistema industrial e um sistema de economia nacional independentes e relativamente completos; e, como segundo passo, dentro do presente século, levar a cabo, em todos os aspectos, a modernização da agricultura, da industria, da defesa nacional e da ciência e da tecnologia, colocando assim a nossa economia nos primeiros postos do mundo.[49]

Zhu De foi eleito Presidente do Comitê Permanente da Assembléia Popular Nacional que manteve Zhou Enlai como Primeiro Ministro do Conselho de Estado. Deng Xiaoping, Zhang Chunqiao, Li Xiannian, Hua Guofeng e outros oito dirigentes foram eleitos vice-primeiros ministros e a Assembléia deliberou que o Conselho de Estado tivesse como núcleo Zhou Enlai e Deng Xiaoping.

Em função do agravamento da doença de Zhou Enlai, a nova equipe teve em Deng Xiaoping seu principal dirigente. Com o apoio de outros quadros veteranos, Deng Xiaoping desenvolveu grandes esforços pelo reordenamento econômico, com o que a situação econômica melhorou rapidamente. Assim, em 1975 o valor global da produção industrial e agrícola aumentou 11,9% em relação ao ano anterior (15,1% a industrial e 4,6% a agrícola).

No início de 1975, Jiang Qing e seu grupo retomaram os ataques a Zhou Enlai e a Deng Xiaoping, utilizando para isso de opiniões emitidas por Mao Zedong em fins de 1974:

De imediato, foi lançada em todo o país uma campanha de estudo dessas opiniões. Sob a batuta do “bando dos quatro”, a imprensa publicou grande quantidade de artigos que impugnavam o “empirismo”, conclamavam a “romper com o direito burguês” e instigavam a “assaltar as aldeias fortificadas”. Eles condenaram como “empirismo” as diversas medidas implementadas no trabalho de reordenamento, com o objetivo de atacar a Zhou Enlai, Deng Xiaoping e outros dirigentes do Partido e do Estado (...) ao dar-se conta, em certo grau, da intenção maligna do “bando dos quatro” em sua oposição ao “empirismo”, Mao a criticou.[50]

Em novembro de 1975, Mao, já bastante enfermo e isolado, acolheu acusações que Jiang Qing e seu grupo fizeram contra Deng Xiaoping e o afastou da maioria de suas atividades. A China entrou novamente em um período de exacerbamento da luta ideológica e os dirigentes partidários foram convocados a estudar as últimas palestras de Mao Zedong:

Nessas palestras, Mao Zedong reafirmou uma vez mais que “a luta de classes é como a corda chave de uma rede, e tudo mais são malhas”. Disse mais: “O que faz a Grande Revolução Cultural? Justamente a luta de classes”; e a razão porque alguns quadros veteranos mostravam-se descontentes com essa “revolução” era que “ainda estavam atolados ideologicamente na etapa da revolução democrática burguesa”. “Se está fazendo a revolução socialista e, entretanto, não se sabe onde está a burguesia. Ela está justamente dentro do Partido Comunista, trata-se dos dirigentes seguidores do caminho capitalista no Partido”.[51]

Em 8 janeiro de 1976, faleceu Zhou Enlai, aos 78 anos de idade, causando grande comoção popular. Em fevereiro, Hua Guofeng foi indicado por Mao para Primeiro Ministro Interino do Conselho de Estado e Primeiro Vice-Presidente do Comitê Central do PCCh, com a responsabilidade das atividades rotineiras do CC.

Por ocasião do “Dia da Claridade” (4 de abril no ano lunar chinês de 1976), dedicado a reverenciar os antepassados, uma multidão vinda de diversas partes do país lotou a Praça Tian’anmen para homenagear Zhou Enlai e depositar no memorial aos mártires da revolução chinesa coroas de flores, estandartes, poemas, cartazes e flores. No dia seguinte, uma nova multidão reuniu-se no memorial e ao descobrir que os tributos do dia anterior haviam sido removidos pela polícia, realizaram protestos massivos que geraram tumultos e agressões durante diversos dias. Deng foi acusado de estar por traz dessas manifestações e destituído em 7 de abril de todos os seus cargos, dentro e fora do Partido:

Hua Guofeng (herdeiro direto de Mao Zedong) promoveu uma verdadeira campanha de massa contra a “reabilitação da direita”, personificada por Deng Xiaoping, que foi obrigado a deixar temporariamente a cena política. Um novo embate entre as diferentes facções iniciou-se e, em abril, o Comitê Central do PCC destituiu Deng de suas funções políticas instituindo Hua como primeiro-ministro e vice-presidente do Comitê Central. Contudo, o poder instituído de Hua era demasiado frágil, principalmente em função da popularidade dos moderados e da forte oposição à “esquerda oficial”.[52]

No início de julho, morreu Zhu De, aos 90 anos. No dia 9 de setembro, faleceu Mao Zedong, causando grande comoção popular. Poucos dias depois, iniciou-se a luta pela sucessão:

Se foi Hua Guofeng que fez o elogio fúnebre final e recebeu assim a maior atenção do público, os quatro líderes radicais da Revolução Cultural também estavam bem visíveis. Wang Hongwen presidiu as cerimônias finais e Zhang Chunqiao foi o diretor da comissão do funeral. Jiang Qing, acompanhada por seus filhos e os de Mao, ocupou lugar de destaque no funeral, e as câmaras também enfocaram Yao Wenyuan.[53]

Segundo a Breve História do Partido Comunista da China:

No dia 11 de setembro, Wang Hongwen, passando por cima (...) do Comitê Central, instalou-se em Zhonnanhai e notificou aos comitês das províncias, municípios e regiões autônomas do Partido que, sempre que se tratasse de problemas importantes, deviam informar e pedir instruções (...) Além disso, o “bando dos quatro” instruiu os seus seguidores para que acelerassem os preparativos para armar os milicianos de Shangai em respaldo à sua tomada do poder. (...) Hua Guofeng (...) tendo obtido a concordância da maioria dos camaradas do Birô Político do Comitê Central, decidiu tomar medidas resolutas. Na noite do 6 de outubro (...) ordenaram submeter à investigação Jiang Qing, Zhang Chunqiao, Wang Hongwen, Yao Wenyuan (...) Na mesma noite reuniu-se o Comitê Central (...) A reunião aprovou também a decisão de nomear a Hua Guofeng Presidente do CC do PCCh e Presidente da Comissão Militar do Comitê Central (...).[54]

Concluíam-se, dessa forma, dez anos da Revolução Cultural. A sociedade chinesa encontrava-se cansada do constante tensionamento de forças. A ciência e o ensino da China haviam sofrido sérios danos. O processo produtivo havia sofrido importantes perdas econômicas e o nível de vida do povo havia diminuído. As estruturas do Estado e do Partido estavam debilitadas. O Partido e o povo ansiavam por um novo rumo para o país.

7 - A TRANSIÇÃO PÓS REVOLUÇÃO CULTURAL (1977/1978)

Tão logo assumiu, Hua Guofeng lançou uma campanha contra os “ultra-esquerdistas” (o “bando dos quatro”) e contra os “direitistas” liderados por Deng Xiaoping, mas logo teve que se reconciliar com esses últimos, para poder governar.

Assim, o primeiro semestre de 1977 foi marcado pela estabilização da situação nacional e pela revisão das punições realizadas sob a égide do “bando dos quatro”.

7.1 - A REABILITAÇÃO DE DENG XIAOPING

Já na reunião de trabalho do Comitê Central, de março de 1977, Chen Yun colocou por escrito a necessidade da reabilitação de Deng Xiaoping e do seu retorno ao seu posto de trabalho. Wang Zhen expressou a mesma opinião. Mas será somente na 3ª Sessão Plenária do 1º Comitê Central, realizada em julho de 1977, que Deng Xiaoping será reabilitado e reassumirá os cargos de membro do Comitê Permanente do Birô Político do CC do PCCh, vice-presidente da Comissão Militar do CC, vice-primeiro ministro do Conselho de Estado e chefe do Estado Maior Geral do Exército Popular. Nessa mesma reunião, foram expulsos do Partido Wang Hongwen, Zhang Chunqiao, Jiang Qing e Yao Wenyuan.

Deng Xiaoping voltou-se ao trabalho no âmbito das ciências, da tecnologia e da educação, enfatizando que “a ciência e a tecnologia são forças produtivas” e procurando romper com a postura “esquerdista” e sectária em relação aos trabalhadores intelectuais e buscando criar estímulos para as suas atividades: “Os cientistas mandados para o campo em anos passados deveriam ser chamados de volta e designados novamente para cargos profissionais. (...) Durante 1978, um grupo preliminar de 480 estudantes chineses foi mandado a 28 países para estudar”.[55] No final de 1977 foi restabelecido o sistema de exames nas escolas, que havia sido abolido pela Revolução Cultural.

Em seguida, depois de resolver os problemas mais urgentes no terreno dos transportes, das comunicações e da produção industrial e mineira, Deng Xiaoping dedicou-se ao reordenamento das empresas, estabeleceu novas normas e regulamentos e retomou o crescimento econômico. Os primeiros resultados mostraram o acerto da nova orientação: no ano de 1977, o valor global da produção industrial cresceu 14,3% em relação ao ano anterior e pela primeira vez em dez anos 60% dos operários e dos empregados tiveram aumentos de salários.

Em agosto de 1977, realizou-se o 11º Congresso do PC Chinês que declarou o fim da Revolução Cultural e colocou como a tarefa fundamental do novo período a conversão da China em um moderno e poderoso país socialista. O novo Comitê Central elegeu Hua Guofeng como seu Presidente e Deng Xiaoping, Ye Jianying, Li Xiannian e Wang Dongxing como seus vice-presidentes:

O retorno de Deng às suas funções de vice-primeiro ministro, chefe do estado maior do exército e membro do birô político do PCC, bem como o de seus aliados (velhos quadros alijados do poder na Revolução Cultural) foi consagrado no 11º Congresso, em agosto de 1977. Esse Congresso foi marcado pela ambivalência de legitimar o poder de Hua Guofeng e, ao mesmo tempo, indicar o início do seu declínio. Apesar de evidente, a ascensão de Deng e, conseqüentemente, a vitória do seu projeto modernizador, foram resultados de uma acirrada disputa política com Hua Guofeng, na qual os elementos centrais da discussão eram concernentes às vantagens e desvantagens do processo de abertura.[56]

No primeiro trimestre de 1978, realizou-se a 1ª Sessão da 5ª Assembléia Popular Nacional. Ye Jianying foi eleito seu presidente, Hua Guofeng Primeiro Ministro do Conselho de Estado, Deng Xiaoping, e outros onze dirigente, como vice-primeiros ministros.

7.2 - AS AMBIGÜIDADES DE HUA GUOFENG E O “TODOÍSMO”
 

Plenária do 11º Congresso do PC da China, os dois
retratos na parede são de Mao e Hua Guofeng.

O 11º Congresso tinha como principal tarefa elaborar uma linha e uma orientação corretas para a nova etapa que se iniciava com o fim da Revolução Cultural, mas não foi capaz disso pelas próprias características do momento – de transição – e, principalmente, pelas debilidades e ambigüidades do principal dirigente, Hua GuoFeng:

Ainda que Hua Guofeng tivesse méritos na luta pelo esmagamento da camarilha contra-revolucionária de Jiang Qing e tivesse tentado pôr freio ao caos produzido pela “Revolução Cultural”, não chegou a esclarecer pela raiz o problema dessa revolução e, em especial, não conseguiu formar uma consciência clara sobre a relação entre dita revolução e os erros cometidos por Mao Zedong nos últimos anos de sua vida. Não tinha nem a perspicácia nem a coragem para resolver o complicado problema consistente em eliminar cabalmente o erro que implicou a “revolução cultural” e, ao mesmo tempo, defender a posição histórica de Mao Zedong e a posição do seu pensamento como pensamento guia do Partido. (...) Hua GuoFeng seguia persistindo (...) em “tomar como elo principal a luta de classes” e na “continuação da revolução sob a ditadura do proletariado”, teorias pregadas durante a “revolução cultural”. (...) Essa sua idéia se expressou em forma concentrada em duas frases que são: “devemos manter com firmeza todas as decisões tomadas pelo presidente Mao e seguir invariavelmente todas suas instruções” Na realidade, esse “todoísmo”, para chamá-lo de alguma maneira, que rechaçava qualquer análise, longe de defender a posição histórica de Mao Zedong e a autoridade de seu pensamento, as prejudicava.[57]

7.3 - “AVANÇO TEMERÁRIO BASEADO NO ESTRANGEIRO” DE HUA GUOFENG

No terreno econômico, Hua Guofeng – que não havia rompido essencialmente com a concepção da Revolução Cultural – defendia um projeto de desenvolvimento de caráter “ortodoxo”, centrado na planificação, altas taxas de acumulação, maior controle das empresas pelo Estado, maior regulamentação do trabalho e uma remuneração de forte conteúdo “igualitarista”.

Ainda que o Governo de Hua Guofeng tenha tido o mérito de tirar o país do estado de semi-paralização em que encontrava desde a Revolução Cultural, cometeu o erro do “avanço temerário”, na busca de êxitos rápidos e de altos ritmos de crescimento, de forma unilateral. Expressando a visão “esquerdista” que ainda existia no novo governo chinês, um informe do Conselho de Estado, publicado em julho de 1977, afirmava: “está se iniciando a situação de um novo salto adiante na economia nacional”.[58]

Foram propostas metas extremamente exageradas e inviáveis no âmbito da mecanização agrícola, produção de grãos, petróleo, carvão, aço e indústria química. O Programa Decenal de Desenvolvimento Econômico apresentado por Hua Guofeng no início de 1978 exigiria – só para os oito anos compreendidos entre 1978 e 1985 – investimentos equivalentes ao que havia sido investido durante os 28 anos anteriores. Para isso, os fundos de acumulação foram elevados para 36,5%, reduzindo-se os fundos para o consumo. Para tornar isso possível, Hua Guofeng introduziu tecnologias e equipamentos do exterior, tomando empréstimos em quantidade excessiva, na expectativa de pagá-los com exportações crescentes de petróleo. Os críticos desse processo passaram a denominá-lo “avanço temerário baseado no estrangeiro”:

Este “avanço” ocorreu em momentos em que a economia nacional (...) necessitava urgentemente um período de recuperação e repouso. Era como pedir a um convalescente de uma grave enfermidade que se lançasse a correr em alta velocidade; o resultado não podia ser senão o contrário do desejado. Como o “avanço temerário baseado no estrangeiro” ia em detrimento do princípio do desenvolvimento da economia nacional de forma proporcional e dava, unilateralmente, importância ao aço, ao petróleo, à indústria química e a outros setores da indústria pesada, na busca de um alto ritmo de crescimento, uma alta taxa de acumulação de fundos e uma alta quantidade de inversões, não contribuiu, obviamente, para mudar o anormal estado de desarmonia nas relações proporcionais da economia nacional, mas só serviu para agravá-lo.[59]

7.4 - “A PRÁTICA COMO CRITÉRIO DA VERDADE” E A ASCENSÃO DE DENG

Já em abril de 1977, antes mesmo de ser reabilitado, Deng Xiaoping criticou a visão existente de que todo o pensamento de Mao Zedong era uma “verdade absoluta” e a necessidade de nele distinguir o “correto” do “errôneo”, colocando a prática como o único critério da verdade. Durante o ano de 1977, Deng aprofundou em diversas ocasiões a sua crítica ao “todoísmo”, mostrando nele a persistência de idéias equivocadas. No primeiro semestre de 1978, desenvolveu-se em todo o Partido um grande debate em torno dessas questões, apesar da opinião contrária a esse debate de Hua Guofenge de Wang Dongxing.

Aos poucos, com o apoio de prestigiados quadros dirigentes – como Chen Yun, Ye Jianying, Li Xiannian, Hu Yaobang, Nie Rongzhen e outros –, as opiniões de Deng Xiaoping foram ganhando o conjunto do Partido que começava a compreender a necessidade de uma ruptura definitiva com as concepções esquerdistas da Revolução Cultural e de uma justa avaliação dos erros e acertos de Mao Zedong, rompendo com qualquer dogmatismo ou “culto da personalidade”:

Em diferentes ocasiões, puseram ênfase no princípio de buscar a verdade nos fatos (...) e reafirmaram que na construção econômica se devia atuar dentro dos limites das forças disponíveis e fazer esforços para conter e superar a tendência “esquerdista” que ainda subsistia. (...) Deng Xiaoping assinalou que se alguém se opusesse a buscar a verdade nos fatos, não restaria nada do marxismo-leninismo e do pensamento de Mao Zedong, e que isso só nos conduziria ao idealismo e à metafísica, acarretaria prejuízos ao nosso trabalho e derrotas à revolução. Portanto, pronunciou-se a favor de “eliminar as perniciosas influências deixadas por Lin Biao e o ‘bando dos quatro’, endireitar o torcido, romper as cadeias espirituais e emancipar em grande medida a nossa mente.[60]

8 - AS REFORMAS ECONÔMICAS NA CHINA A PARTIR DE 1978

8.1 - A GRANDE VIRAGEM DA 3ª SESSÃO PLENÁRIA DO 11º COMITÊ CENTRAL
 

O 11º Comitê Central do Partido Comunista da China realizou sua terceira sessão plenária em Pequim entre 18 e 22 de dezembro de 1978. Participaram 169 membros e 112 suplentes do Comitê Central. Hua Guofeng, presidente do Comitê Central do PCC, e Ye Zhenying, Deng Xiaoping, Li Xiannian, Chen Yun e Wang Dongxing, vice-presidentes, estavam presentes.

A 3ª Sessão Plenária do 11o Comitê Central do PCCh – realizada entre 18 e 22 de dezembro de 1978 – foi um momento de viragem na história da China.

Anteriormente à Sessão Plenária, ocorreu uma reunião de trabalho do Comitê Central. Nessa ocasião, Chen Yun e diversos outros dirigentes da velha geração revolucionária defenderam a necessidade da correção em diversos terrenos dos erros da Revolução Cultural e a revogação das condenações injustas.

Dessa forma, a proposta de Hua Guofeng de fazer uma discussão unicamente econômica foi superada pela proposta de Deng de priorizar uma discussão mais geral de balanço dos erros da Revolução Cultural e de retificação dos rumos da construção socialista na China.

Ao final da reunião Deng Xiaoping fez um importante discurso intitulado “Emancipar a mente, atuar em função da realidade e olhar unidos para frente”, dando as diretrizes fundamentais para a 3a Sessão Plenária.

8.1.1 - As “Quatro Modernizações” e o “Socialismo de Tipo Chinês”

Depois de quase trinta anos de aplicação de um modelo econômico de inspiração soviética, de planificação ultra-centralizada, estatização total dos meios de produção e uniformidade de distributiva, a economia chinesa carecia de agilidade e estava burocratizada. Na medida em que o nível tecnológico a eficiência econômica ficavam a desejar e as leis do mercado e do valor não eram consideradas, muitas estatais viviam em uma situação de permanente intervenção governamental. A ação governamental se confundia com a da gerência das empresas, retirando dessas qualquer autonomia de gestão. No campo, as comunas populares – onde uma elevadíssima coletivização da produção e da vida em comum convivia com um baixíssimo nível das forças produtivas – desestimulavam o empenho e a iniciativa dos camponeses. A distribuição de rendimentos orientava-se mais pelo “igualitarismo” do que pelo princípio socialista de “a cada um segundo seu trabalho”, fazendo decair a emulação socialista.

Após um amplo debate acerca dos estrangulamentos econômicos, políticos, culturais e tecnológicos que dificultavam o avanço da China, a Sessão Plenária aprovou a proposta de Deng Xiaoping de uma profunda Reforma do país, que passou a ser conhecida como a política das “Quatro Modernizações”; uma estratégia de desenvolvimento a longo prazo nas esferas econômica, política, militar e cultural, que podem ser sistematizadas nos seguintes pontos:

1) Modernização industrial: desenvolvimento concentrado em alguns setores, com prioridade para a indústria pesada; aquisição no exterior de tecnologia de ponta; regulamentação das relações de trabalho; ênfase no aumento da produtividade, com retorno aos incentivos materiais segundo o rendimento do trabalho.

2) Modernização agrícola: desenvolvimento tecnológico e mecanização acelerada; sistema de responsabilidade na produção, fixando cotas de trabalho por grupo ou família (recuo em relação à “propriedade de todo o povo” das comunas populares) e ampliação dos incentivos materiais.

3) Modernização tecnológica e educacional, pondo os princípios da eficácia e da produtividade como parâmetros fundamentais; seleção dos mais aptos e valorização do saber formal.

4) Modernização da defesa: profissionalização das Forças Armadas; modernização e sofisticação dos equipamentos; treinamento avançado.[61]

Diante dos escassos recursos disponíveis, Deng Xiaoping enfatizou a necessidade da concentração de esforços nos projetos energéticos e de transportes e na agricultura:

É preciso estabelecer uma ordem de prioridade nos projetos e não acometê-lo todos ao mesmo tempo. (...) Se há escassez de recursos financeiros e materiais, preferimos reduzir os projetos de caráter local, sobretudo os das indústrias de transformação de tipo corrente. Pouco ajuda realizar projetos desse tipo, por mais numerosos que sejam. (...) Durante os primeiros anos, é preciso empenhar-se sem vacilações nos projetos de energéticos, como o carvão, a energia elétrica e o petróleo, nos projetos de transporte, sem que se permita demora alguma. (...) o ponto de ênfase está nos energéticos e o transporte, assim como na agricultura. O desenvolvimento dessa última depende, em primeiro lugar, da política que se aplique e, em segundo lugar, da ciência. É infinito o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, assim como o papel que desempenham.[62]

As resoluções da Sessão Plenária também referendaram as consignas de “emancipar a mente e eliminar o esclerosamento ideológico”, “romper com o culto aos livros”, “partir da realidade” e considerar “a prática como o único critério da verdade”:

Só emancipando a mente e eliminando o estancamento ideológico de “esquerda” se cumpriria, no verdadeiro sentido da palavra a grandiosa tarefa histórica de transladar a modernização no centro de gravidade do trabalho de todo o Partido. O Comunicado da Sessão Plenária assinalou: “A realização das quatro modernizações exige que se elevem em grande medida as forças produtivas e pressupõe, como é lógico, mudar em muitos aspectos aquilo que nas relações de produção e na superestrutura não concorde com o desenvolvimento das forças produtivas, assim como toda forma de administração, atuação ou pensamento que resulte inadequada.[63]

No fundo, isso queria dizer que o Partido precisava romper com todo forma de dogmatismo (o “todoísmo” era uma das expressões disso) e desatrelar-se de quaisquer modelos de construção do socialismo – especialmente do modelo soviético – buscando um caminho de construção do socialismo que tivesse em conta as particularidades da China, o que depois veio a ser conhecido como “socialismo de tipo chinês” ou “socialismo com peculiaridades chinesas”: “temos reafirmado repetidas vezes a necessidade de persistir no marxismo e no caminho socialista. Mas há de ser um marxismo integrado com a realidade da China e um socialismo que corresponda à realidade do país e que tenha peculiaridades próprias da China.[64]

8.1.2 - Ampliar a democracia, reforçar a legalidade, descentralizar

Deng Xiaoping expôs a opinião de que para garantir o avanço do socialismo era indispensável a ampliação da democracia no seio do Partido e na sociedade: “a democracia é uma condição importante para a emancipação mental. (...) [sem democracia] como será possível propugnar a emancipação mental e o uso da inteligência? Como serão levadas à prática as quatro modernizações?[65] Sem debilitar a ditadura do proletariado, era essencial distinguir as contradições no seio do povo das contradições entre o povo e seus inimigos. Para garantir a democracia popular, era preciso reforçar o sistema legal socialista, de forma que as instituições e as leis tivessem caráter estável e contínuo, garantindo a todos a igualdade perante a lei.

Além de situar a questão da democracia política, Deng colocou a questão da democracia no âmbito econômico, criticou a excessiva centralização das decisões e defendeu a descentralização de forma planificada, visando favorecer o pleno desenvolvimento da iniciativa nos quatro setores, isto é, o Estado, as autoridades locais, as empresas e os trabalhadores enquanto indivíduos, indicando que o mais urgente nesse momento era ampliar os direitos autônomos das fábricas, minas, empresas e equipes de produção, para que cada um deles fizesse todo o possível para fazer valer a sua iniciativa criadora. Para isso, fazia-se necessário simplificar com energia os organismos de administração econômica nos diversos níveis, trabalhar de acordo com as leis econômicas, respeitar a lei do valor e resolver o problema da confusão entre o Partido, a administração pública e as empresas.

8.1.3 - Romper com o “igualitarismo” e instituir a remuneração segundo o trabalho

A Sessão Plenária também reconheceu a enorme importância da agricultura, base da economia chinesa. Para colocar em jogo o entusiasmo de centenas de milhões de camponeses, elevou os preços de compra dos cereais pelo Estado e reduziu os preços de venda de diversos artigos industriais de uso agrícola. Ao mesmo tempo, colocou a necessidade da superação do “igualitarismo” no campo, estabeleceu um sistema de responsabilidade na produção, fixando cotas de trabalho tendo por base o grupo ou a família, e incentivou a remuneração em função do rendimento.

Deng Xiaoping também indicou a necessidade de romper com o “igualitarismo” em todos os campos, incentivando os exemplos positivos através de maiores ganhos salariais e do desfrute de uma vida melhor:

me parece necessário permitir que uma parte das zonas do país, uma parte das empresas e uma parte dos operários e camponeses tomem a dianteira na obtenção de maiores ganhos e de uma vida melhor, graças aos melhores resultados obtidos com duros esforços. O fato que uma parte da gente tome a dianteira em viver melhor será um exemplo de incalculável força de atração, que influirá em seus vizinhos e impulsionará as pessoas de outras zonas e entidades a seguir seu exemplo. E isto, por sua vez, contribuirá para um incessante avanço ondulatório de toda economia (...).[66]

A Sessão Plenária formulou uma política de Abertura ao exterior que corrigisse os erros do “avanço temerário baseado no estrangeiro” e enfatizou a importância da ciência e da educação para a edificação socialista: “necessidade de desenvolver, baseando-se nas próprias forças e de forma ativa, a cooperação econômica com os diversos países de mundo, segundo o princípio de igualdade e benefício recíproco, fazer esforços para utilizar as tecnologias e equipamentos avançados do mundo e reforçar com energia o trabalho científico e educacional (...) [67]

8.1.4 – Eliminar o “Culto à Personalidade” e fortalecer o Partido

Para fortalecer o centralismo democrático, corrigir os desvios ocorridos e eliminar qualquer “culto à personalidade”, a Sessão Plenária enfatizou a importância da direção coletiva em todos os níveis do Partido e exigiu que os meios de comunicação e as obras artísticas e literárias elogiassem menos os indivíduos e mais as massas operárias, camponesas e de soldados, o Partido e a velha geração de revolucionários. Para preservar as normas e os regulamentos do Partido, foi eleita uma Comissão Central de Controle Disciplinar, tendo como seu primeiro secretário o veterano Chen Yun.

A Sessão Plenária também procurou fazer um balanço inicial do período mais recente da história do PCCh, principalmente da Revolução Cultural, anulando documentos errôneos, anteriormente aprovados pelo CC, e reabilitando camaradas que teriam sido injustamente condenados, atendo-se ao princípio de “buscar a verdade nos fatos e corrigir todos os erros descobertos”:

Que a correção dos erros “esquerdistas” da “Revolução Cultural” e do período anterior a ela conduzisse ou não à negação de Mao Zedong e de seu pensamento, era um problema que deixava algumas pessoas perplexas. A Sessão Plenária (...) partia da realidade histórica para fazer uma plena apreciação dos grandes méritos de Mao Zedong e assinalou que a aspiração a que um líder revolucionário estivesse isento de todo defeito e erro não concordava com o marxismo, nem com a apreciação que o camarada Mao sempre havia feito de si mesmo.[68]

A Sessão Plenária fez diversas alterações na composição do Comitê Central, no seu Birô Político e na Comissão Permanente do mesmo. Ainda que Hua Guofeng continuasse desempenhando o cargo de Presidente do Comitê Central (Hu Yaobang foi nomeado pouco depois Secretário Geral, com a responsabilidade do trabalho cotidiano do CC), Deng Xiaoping tornou-se de fato o principal dirigente do Partido.

A partir dessas alterações, o Partido envidou esforços para superar os defeitos no seu estilo de trabalho: “as principais mazelas são o burocratismo, a excessiva centralização de poderes, o patriarcalismo, o sistema de cargos vitalícios de direção e a presença de todo tipo de prerrogativas elitistas.[69] Especial atenção foi dada à política de renovação dos quadros de direção – que em nível do Comitê Central eram de idade bastante avançada – através da aposentadoria compulsória de dirigentes veteranos e da seleção e promoção de quadros jovens e de meia idade, tendo em conta a sua capacidade e fidelidade à causa socialista e ao Partido.

8.2 - O DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS COMO CENTRO

Para “tomar o desenvolvimento das forças produtivas como o elo principal” e fazer da modernização socialista o centro de gravidade do trabalho, era preciso superar as concepções “esquerdistas” acerca da relação entre a construção econômica e a luta de classes, descartando a consigna de “tomar a luta de classes como o elo principal”:

Em Março de 1979, Deng Xiaoping afirmou: “É muito baixo o nível de desenvolvimento de nossas forças produtivas e está longe de satisfazer as necessidades do povo e do Estado, e esta é a contradição principal que enfrentamos no presente período e a sua solução constitui a nossa tarefa central.” Desde logo, isso não queria dizer que daí em diante não houvesse luta de classe: “A luta de classes na sociedade socialista é algo que existe objetivamente, e não devemos nem diminuí-la, nem exagerá-la.”[70]

Não existe maior absurdo do que a gritaria do “bando dos quatro” que exaltava um “socialismo da pobreza” e um “comunismo da pobreza”, assim como sua falácia de que o comunismo é essencialmente espiritual. O que nós sustentamos é que o socialismo é a primeira fase do comunismo. Quando se constrói o socialismo em um país atrasado, durante um longo período inicial o nível de suas forças produtivas permanece inferior ao dos países capitalistas desenvolvidos e é impossível acabar por completo com a pobreza. É por isso que o socialismo pressupõe a necessidade de desenvolver energicamente as forças produtivas, eliminando passo a passo a pobreza e elevando sem cessar o nível de vida do povo. De outra maneira, como vai o socialismo vencer o capitalismo? Só na segunda fase, a fase superior do comunismo, com um alto desenvolvimento da economia e com a abundância das riquezas materiais, será possível aplicar o princípio “de cada um segundo as suas capacidades e a cada um segundo as suas necessidades”. (...) Por isso, sublinhei a necessidade de transladar resoluta e rapidamente o centro de gravidade do nosso trabalho para a construção econômica. O problema ficou resolvido na 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central, o que significou um transcendental ponto de viragem.[71]

Diante dessa revisão dos erros da Revolução Cultural, desse chamamento a tomar o desenvolvimento das forças produtivas como o elo principal, a romper com todo dogmatismo e “culto à personalidade”, a “emancipar a mente” para dar solução aos novos problemas, surgiram dentro do Partido e na sociedade chinesa pessoas que começaram a negar o papel do Partido Comunista, do marxismo e do próprio socialismo e – em nome da “democracia” e dos “direitos humanos” – passaram a defender o capitalismo e a democracia liberal.

A eclosão do “movimento democrático” foi o principal motor para o fim das disputas internas, produzindo um resultado favorável a Deng Xiaoping. (...) A democracia passou a ser caracterizada como a “Quinta Modernização”. Ao longo de 1978, o movimento se radicalizou, alastrando-se para as principais cidades do país. À causa democrática, agregaram-se questões relativas aos “direitos do homem chinês” e, no início de 1979, as contestações contra a opressão e por uma maior abertura ganharam novo vigor (a celebração da morte de Zhou Enlai, em janeiro de 1979, foi marcada por vários atos de oposição ao regime). O governo, em contrapartida, promoveu uma forte repressão(...).[72]

Em março de 1979, fazendo frente aos ventos liberalizantes, o Partido definiu os “Quatro Princípios Fundamentais” que deveriam nortear as quatro modernizações: 1) O caminho socialista; 2) A ditadura democrática popular; 3) A direção do Partido Comunista; 4) O marxismo-leninismo e o pensamento Mao Zedong.

8.2.1 - O balanço sobre o papel de Mao Zedong e os reajustes na direção do Partido

O balanço da atuação de Mão Zedong durante os diversos períodos da revolução chinesa, que havia sido iniciado na 3a Sessão Plenária, só foi concluído na 6a Sessão Plenária do 11o Comitê Central, realizada em junho de 1981, através da “Resolução sobre alguns problemas da história do PCCh”. Essa questão era, sem dúvida, um sério problema que enquanto não fosse solucionado entorpeceria o avanço no sentido das Reformas e da Abertura:

A Resolução assinalou que a história do Partido Comunista da China no período posterior à proclamação da República Popular da China era, em termos gerais, um processo em que, sob a direção do marxismo-leninismo e do pensamento de Mao Zedong, o nosso Partido conduziu o povo de todas as nacionalidades do nosso país na revolução e construção socialistas, com grandes êxitos. (...) cometemos erros, tais como nos excedermos na luta de classes, trabalhar com impaciência, avançar temerariamente na construção econômica e, até, fazer a “revolução cultural”, grave erro que durou um longo tempo e que comprometeu a situação no seu conjunto. Mas, de toda maneira, os êxitos que obtivemos durante os 32 anos ocupavam o primeiro lugar. (...) A Resolução (...) indicou que Mao Zedong foi um grande marxista, um grande revolucionário, estrategista e teórico do proletariado. Olhando o conjunto da sua trajetória, os serviços meritórios que prestou à revolução chinesa eram muito superiores às suas falhas. Seus méritos constituíam o aspecto principal e seus erros, o secundário. O pensamento de Mao Zedong era a aplicação e o desenvolvimento do marxismo-leninismo adaptado às condições próprias da China, o correto princípio teórico da revolução chinesa e a síntese de suas experiências, confirmados pela prática, representando a cristalização da sabedoria coletiva do Partido Comunista da China.[73]

Durante a discussão que precedeu a referida Resolução, muitas críticas foram feitas a Hua Guofeng, devido aos erros por ele cometidos após a derrota do “bando dos quatro”, e foi exigido um ajuste dos cargos que ele desempenhava. Por proposta do Birô Político, Hua Guofeng – que em setembro de 1980 deixara de ser o Primeiro Ministro do Conselho de Estado (cargo em que foi substituído por Zhao Ziyang) – foi afastado da Presidência do Comitê Central e da Presidência da Comissão Militar. A seguir, a 6a Sessão Plenária elegeu Hu Yaobang para a Presidência do Comitê Central, Deng Xiaoping para a Presidência de sua Comissão Militar e Hua Guofeng como vice-presidente do Comitê Central:

O enfrentamento se dava agora dentro do próprio grupo de Deng, entre os veteranos que haviam sido vítimas da Revolução Cultural (chamados de conservadores no Ocidente) e os liberais ultra-reformistas, geralmente mais jovens e ligados à emergente tecnocracia. Nesse contexto, com o afastamento de Hua Guofeng (um “maoísta”) em 1980, seu poder foi dividido entre Hu Yaobang, que ficara com o comando do Partido, e Zhao Zyiang, novo primeiro-ministro.[74]

8.2.2 - O reordenamento econômico do país (1979/1980)

Logo após a 3a Sessão Plenária, os principais dirigentes econômicos – Chen Yun e Li Xiannian – colocaram a necessidade de um período de reajuste de dois ou três anos para corrigir no fundamental o desequilíbrio proporcional entre os diversos setores da economia. Deng Xiaoping fez um chamamento para a busca de um caminho próprio para a modernização socialista da China, que tivesse em conta as particularidades do país, entre as quais a existência de uma base material pobre, uma imensa população – 80% vivendo nas áreas rurais – e pouca terra cultivável. Portanto:

devíamos atuar partindo das condições do nosso país e em consonância com as leis da economia e da natureza; devíamos trabalhar dentro dos limites da nossa capacidade, avançar segundo uma ordem de prioridades e (...) prestar atenção aos resultados reais, de modo que a produção se desenvolvesse em estreita combinação com a melhoria da vida do povo; devíamos, com base na independência e nas nossas próprias forças, desenvolver ativamente a cooperação econômica e o intercâmbio tecnológico com o exterior.[75]

Os anos de 1979 e 1980 ainda foram de reordenamento da economia, com vistas à correção dos problemas, mas com resultados ainda limitados. Será somente a partir de 1981 que a situação econômica começou a melhorar de forma rápida e as relações entre a acumulação e o consumo, entre a agricultura e a indústria, e entre a indústria leve e a indústria pesada começaram a ser resolvidas. Segundo a Breve história do PCCh:

Engels havia assinalado, há tempo, que a sociedade socialista, igual que outras, não era imutável, mas necessitava constante desenvolvimento e Reforma. (...) No passado, devido às condições históricas, foi indispensável aplicar um sistema econômico e social no qual o Estado controlava tudo, de maneira unificada, sistema que mostrou a sua eficácia em uma determinada etapa do desenvolvimento histórico. Porém, caso se continuasse aplicando-o, não só o Estado se veria incapacitado para suportar a carga excessivamente pesada, senão que se veria prejudicada a vitalidade dos diversos setores sociais em seu crescimento e desenvolvimento e surgiria uma situação de enrijecimento, o que impediria seriamente o desenvolvimento contínuo das forças produtivas. Portanto, era preciso transformar aquilo que nas relações de produção não se ajustava às forças produtivas e aquilo que na superestrutura não concordava com a base econômica, visando manter a vigorosa vitalidade do sistema socialista e evidenciar em maior medida a sua superioridade.[76]

8.2.3 - O início das Reformas e a modernização da agricultura
 

Seguindo a linha de reordanamento da economia, Deng viajou para os Estados Unidos em 1979 e visitou a fábrica de montagem da Ford em Atlanta. Nesse mesmo ano, a Ford vendeu 750 caminhões da Série F para a China.

Após a cooperativização agrícola, as forças produtivas no campo tiveram um grande incremento. Mas, nas comunas populares que era aplicado o sistema da “integração do governo e da comuna em um todo”, a gestão e a administração eram excessivamente centralizadas e levava a um forte igualitarismo na distribuição dos rendimentos. Esse sistema não punha em jogo o entusiasmo dos camponeses, contrapunha-se à enorme inversão estatal na agricultura e redundava em um ritmo bastante lento de crescimento da produção agrícola e de melhora da vida dos camponeses.

Em diversas localidades, sob a orientação do Partido, implantou-se a título de ensaio o sistema de fixação de cotas de produção com base no grupo ou na família e a fixação de cotas de trabalho com base na família. As inversões na agricultura foram aumentadas e os índices da compra centralizada passaram a ser melhor controlados. Desde que garantidas as exigências constantes no Plano Nacional, foi dada uma maior autonomia às comunas e às brigadas de produção, no sentido de decidirem sobre os seus planos de produção, tendo em conta as condições locais e as temporadas de cada região. Essa política de propiciar uma maior autonomia às unidades produtoras estimulou amplamente a o espírito criador, a iniciativa e o entusiasmo dos camponeses, o que se refletiu no crescimento da produção.

Frente à preocupação de alguns quadros do partido se isso não levaria ao abandono do socialismo, o Comitê Central emitiu em setembro de1980 a diretiva de que “o sistema de fixação de cotas de produção tendo por base a família, praticado sob a direção da equipe de produção está subordinado à economia socialista e não se afastará da via socialista (...)”.

No início de 1983, 93% das equipes de produção nas zonas rurais havia implantado o sistema de cotas de produção com base na família e de cotas de trabalho com base na família, principalmente essa última forma. Em seguida, as terras coletivas foram contratadas por longo prazo pelas famílias camponesas e a produção agrícola passou a ser gerida fundamentalmente por cada família que – garantida a sua obrigação com o Estado e os seus compromissos com a coletividade – passou a ficar com os excedentes. Constituiu-se, assim, um sistema onde a coletividade e a família camponesa mantinham uma relação contratual, tendo por base a propriedade pública da terra.

Da mesma forma que superou a prática nociva do igualitarismo, de “todos comerem por igual na mesma panela”, esse sistema também corrigiu a exagerada centralização da administração e a excessiva uniformidade nas formas de gestão:

esse sistema de responsabilidade por contrato com base na família é diferente da pequena economia privada de antes da cooperativização agrícola, pois, em lugar de negar a superioridade da economia coletiva depois da cooperativização, implica tanto a gestão unificada como a individual, combinando ambas, e põe em jogo tanto a superioridade da economia coletiva como a iniciativa dos camponeses, através da gestão familiar.[77]

Esse sistema elevou o empenho e o entusiasmo dos camponeses pelo trabalho e levou a um rápido aumento da produção e a um grande crescimento dos seus rendimentos, que em alguns lugares duplicaram ou quadruplicaram. Alguns, na China e no exterior, preocuparam-se com esse rápido “enriquecimento” dos camponeses, perguntando se isso não levaria ao capitalismo. Em entrevista ao jornalista Mike Wallace (EUA), Deng Xiaoping respondeu:

Não pode haver nem comunismo, nem socialismo da pobreza. Enriquecer-se não é delito. Mas o enriquecimento de que falamos não é o mesmo de que falam vocês. A riqueza socialista é do povo e o enriquecimento no socialismo é um enriquecimento comum de todo o povo. O primeiro dos princípios socialistas é o desenvolvimento da produção e o segundo é alcançar um enriquecimento comum. Ao permitir que algumas pessoas e zonas se adiantem a outras enquanto ao melhoramento de suas condições, o que nos propomos é alcançar com maior rapidez o enriquecimento comum. É precisamente por isso que a nossa política consiste em manter a sociedade a salvo da polarização, isto é, não deixar que os ricos se tornem mais ricos e os pobres mais pobres. Falando com franqueza, não permitiremos que surja uma nova burguesia. (...) Atualmente, no campo têm merecido elogios algumas famílias com 10.000 yuans de renda, mas essa renda não eqüivale a mais que 2.000 ou 3.000 dólares, e isso durante todo um ano. Podem ser considerados ricos? Para nós são ricos, mas que importância tem essa soma? Frente aos países desenvolvidos, a nossa renda per capita é muito baixa.[78]

Mas, “nem tudo eram flores” e também surgiram falhas no processo de implantação do sistema de responsabilidade com base na família. Em alguns lugares não foi dada a devida atenção à proteção dos bens coletivos e às obras hidráulicas nos campos de cultivo e outras instalações públicas; as terras foram divididas em parcelas demasiado pequenas, dificultando a irrigação e o uso de máquinas. À medida que esses problemas foram sendo detectados, o Partido procurou corrigi-los.

8.2.4 - Os passos iniciais da Reforma na indústria

A Reforma da estrutura econômica nas cidades era muito mais complexa que a Reforma da agricultura. O primeiro passo foi ampliar um pouco a autonomia das empresas. Para isso, uma parte das empresas do governo central e dos governos das províncias e regiões autônomas, foi entregue à administração dos municípios e implantou-se a separação da administração das empresas em relação aos governos.

Para garantir trabalho para mais de 10 milhões de jovens instruídos de todo o país, que durante a Revolução Cultural haviam sido enviados a trabalhar nas regiões rurais e nas regiões montanhosas e agora retornavam para as cidades, na busca de emprego, o Governo flexibilizou a economia e incentivou o estabelecimento de pequenas empresas individuais, por conta própria.

Criou-se, então, um contexto econômico onde coexistiam os setores coletivo, cooperativo e individual, da mesma forma que coexistiam distintas formas de propriedade e diferentes modalidades de gestão, tendo a propriedade pública e a distribuição “segundo o trabalho de cada um” como predominantes.

8.2.5 - A Abertura ao exterior
 

Implatação da zona industrial de Shekou em 1981.

As Reformas também impulsionaram a Abertura externa da China. Em julho de 1979, o Comitê Central do PCCh e o Conselho de Estado decidiram implementar políticas específicas e medidas preferenciais nas relações com o exterior às províncias de Guangdong e Fujian, devido à sua proximidade com Hong Kong e Macau, e por seus vínculos com os chineses de ultramar. Assim, foram estabelecidas zonas econômicas especiais em Shenzhen, Zhuhai e Shantou – na província de Guangdong – e em Xiamen – na província de Fujian – para a captação de capitais e tecnologia estrangeiros e a instalação de empresas multinacionais, voltadas prioritariamente para a exportação, incluindo a compra de pacotes tecnológicos e fábricas prontas. Inicialmente, adotou-se, em muitos desses empreendimentos, o processamento de matérias primas proporcionados por clientes do exterior, a montagem de peças provenientes de fora, investimentos em parceria com capitais estrangeiros, tudo com o objetivo de atrair fundos do exterior e de aprender as suas tecnologias e métodos de gestão e administração avançados:

As zonas econômicas especiais são como janelas abertas em termos de tecnologia, administração, know-how e política exterior. Através dessas zonas é possível introduzir tecnologia, obter know-how e aprender a arte da administração, o que também é um tipo de know-how. As zonas econômicas especiais serão bases para a abertura ao exterior, não somente será proveitoso no terreno econômico, como também nos permitirá ampliar a influência no exterior. Deve-se aproveitar os recursos intelectuais do exterior contratando estrangeiros para que colaborem na construção das obras prioritárias e na edificação do país nos diversos campos (...) Não há porque vacilar em gastar algum dinheiro na contratação de estrangeiros.[79]

Esses investimentos ocorreram a partir de objetivos definidos pelo governo chinês e dentro de um plano nacional de desenvolvimento. Nessas Zonas Especiais, foram introduzidas legislações próprias para permitir, dentro de certos limites, o estabelecimento de relações e de mecanismos capitalistas. Para atrair esses capitais externos, a China dispõe de um mercado interno inesgotável, uma boa infraestrutura, mão de obra especializada e barata e matérias primas em profusão. Obteve-se um êxito especial na atração de investimentos de chineses de além-mar, de Hong Kong e Taiwan, que atenderam os apelos para a reconstrução da Pátria.[80]

8.2.6 - Os resultados positivos da Reforma e da Abertura

O reajuste da economia chinesa e a aplicação da Reforma e da Abertura, rapidamente começaram a surtir efeito. De 1978 a 1982, o valor global da produção industrial e agrícola cresceu a uma taxa média anual de 7,3%, em um quadro em que as principais relações proporcionais da economia do país tendiam a harmonizar-se.

Refletindo, uma grande melhoria nas condições de vida do povo, a renda per capita dos camponeses de todo o país duplicou no ano de 1982 em relação ao ano de 1978, e a renda dos operários e empregados aumentou em quase 40% no mesmo período

8.3 - O 12º CONGRESSO E O SOCIALISMO DO TIPO CHINÊS (1982)
 

O 12º Congresso Nacional do Partido Comunista da China realizou-se em Pequim durante o período de 1 a 11 de setembro de 1982. Contou com 1.600 delegados titulares e 149 suplentes, representando 39,65 milhões de filiados.

O 12º Congresso do PCCh, realizado em setembro de 1982, teve como diretriz central a idéia da construção de um “socialismo com peculiaridade chinesas”:

A modernização do nosso país deve realizar-se a partir da nossa própria realidade. Tanto na revolução como na construção, é necessário conceder importância ao aprendizado e aproveitamento das experiências estrangeiras e ao uso das mesmas como ponto de referência. Mas a cópia e o transplante de forma mecânica das experiências e modelos de outros países, nunca nos conduzirão ao êxito. Nesse sentido temos tido muitas experiências negativas. Integrar a verdade universal do marxismo com a realidade concreta do nosso país, seguir o nosso próprio caminho e construir um socialismo com peculiaridades chinesas é a conclusão fundamental que tiramos ao sintetizar as experiências acumuladas em um longo período histórico.[81]

O 12º Congresso colocou para o PCCh a tarefa de – apoiando-se nas próprias forças – realizar passo a passo a modernização da indústria, da agricultura, da defesa nacional e da ciência e da tecnologia, para fazer da China “um país socialista altamente avançado e democrático”. Analisando esse processo, Deng Xiaoping enfatizou o caráter socialista das “Quatro Modernizações”:

Queremos tornar realidade a modernização da indústria, da agricultura, da defesa nacional e da ciência e tecnologia, mas essas quatro modernizações devem levar a qualificação de “socialista” e denominar-se “quatro modernizações socialistas”. A agilização da economia no interior e a abertura ao exterior de que estamos falando, realizam-se de acordo com o princípio de persistir no socialismo. Isso tem duas facetas importantes. Em primeiro lugar, mantém a supremacia da propriedade social; em segundo lugar, não permite a polarização entre pobres e ricos. Esse tipo de propriedade se ramifica em propriedade de todo o povo e propriedade coletiva. Na atualidade, a propriedade social representa mais de 90% de toda nossa economia. Permitimos, por outra parte, o desenvolvimento de um pequeno setor individual da economia, atraímos fundos e tecnologia de outros países, damos boa acolhida às empresas de inversão mista e à de cooperação e inclusive acolhemos de forma favorável o estabelecimento de fábricas de inversão exclusivamente estrangeira na China. Tudo isso serve como complemento para a economia socialista. Se são montadas empresas desses três tipos [empresas mistas de inversão nacional e estrangeira, as de cooperação entre a China e países estrangeiros e as de capital exclusivamente externo], os operários poderão receber salários, o Estado impostos, e uma parte dos lucros das empresas dos dois primeiros tipos irá para o Estado socialista. O mais importante é que possamos aprender dessas empresas tudo de útil de sua experiência administrativa e o avançado de suas tecnologias, para aplicá-lo ao desenvolvimento da economia socialista. (...) É possível que surja uma nova burguesia? Pode surgir um ou outro burguês, em nível individual, mas é impossível que se forme uma burguesia como classe. (...) nossa reforma mantém a supremacia da propriedade social e ao mesmo tempo, cuidamos de evitar a polarização.[82]

Foi estabelecida a meta de quadruplicar o valor global da produção industrial e agrícola em um período de 20 anos (a contar de 1981), de forma que as condições de vida do povo alcançassem um nível de vida modestamente acomodado. Os primeiros dez anos seriam para criar uma base sólida para o desenvolvimento do país. A segunda década seria de um amplo e persistente crescimento econômico.

Foram definidos os setores essenciais para o desenvolvimento econômico do país – agricultura, energia, transportes, educação, ciência e tecnologia – e aprovadas as principais orientações para a modernização socialista da China:

concentração dos investimentos na construção de obras essenciais; continuidade do melhoramento da vida do povo, à luz do princípio de “comer e ao mesmo tempo construir”; manutenção da posição dirigente do setor estatal da economia; aplicação do princípio de assegurar o papel dirigente da economia planificada e o papel auxiliar do mercado como fator regulador; e adesão ao princípio da auto-sustentação e expansão do intercâmbio econômico e técnico com o exterior. [83]

O 12º Congresso também abordou a questão do fomento da civilização socialista no terreno espiritual – da cultura e da ideologia – e do contínuo desenvolvimento da democracia socialista – para o que se impunha a necessidade da criação de um sistema legal socialista.

O Congresso elegeu o novo Comitê Central – substituindo a função de Presidente pela de Secretário Geral –, a Comissão Central de Assessoramento – formada pelos quadros veteranos, com funções consultivas e para auxiliar a seleção e promoção de quadros jovens para a direção do Partido – e a Comissão Central de Controle de Quadros. Foram eleitos Hu Yaobang para a Secretaria Geral do CC, Deng Xiaoping, Ye Jianying, Zhao Ziyang, Li Xiannian e Chen Yun para o Comitê Permanente do Birô Político. Dentro da política de renovação de quadros, Deng Xiaoping, Li Xiannian e Chen Yun já haviam deixado de ser vice-primeiros ministros, desde setembro de 1980.

No terreno político, verificou-se a implantação e o aperfeiçoamento do sistema de assembléias populares em todos os níveis e a preocupação pela legalidade socialista, através de um grande esforço pela instituição de normas legais nos diversos âmbitos da vida da nação. No final do ano de 1982, a 5ª Sessão da 5ª Assembléia Popular Nacional aprovou a 4ª Constituição da República Popular da China, fazendo profundas alterações na Constituição de 1978, entre elas a recriação do cargo de Presidente da República que havia sido abolido no período da Revolução Cultural.

Em junho de 1983, realizou-se a 1a Sessão da 6a Assembléia Popular Nacional, que elegeu Li Xiannian como Presidente do Estado, Peng Zhen como Presidente da Assembléia Nacional, Zhao Ziyang como Primeiro Ministro do Conselho de Estado e Deng Xiaoping como Presidente da Comissão Militar Central do Estado.

8.3.1 - O aprofundamento da Reforma na agricultura
 

Até 1987, 180 milhões de famílias camponesas (98% do total) já trabalhavam sob o sistema de responsabilidade por contrato na base da família, o que significava na prática a eliminação do sistema da comuna popular (“propriedade de todo o povo”).

No campo, buscou-se o aperfeiçoamento do sistema de responsabilidade por contrato, com base na família. No início de 1984, foi anunciada a prorrogação do prazo de contratação das terras pelas famílias por mais 15 anos, prazo que podia ser ainda maior nos casos de culturas com longos ciclos de produção – como árvores frutíferas, bosques, montanhas áridas e terrenos baldios.

Em outubro de 1983, foi aprovada a separação entre as funções governamentais e as funções das comunas, o estabelecimento dos governos de cantões (povoados) como órgãos de poder básico, e a instalação de Conselhos de aldeia, organizações autônomas das massas. Em fins de 1984, havia sido realizada no fundamental a separação entre as funções governamentais e as da comuna e estabelecidos 91 mil governos de cantão e 926 mil comitês de aldeia.

Até 1987, 180 milhões de famílias camponesas (98% do total) já trabalhavam sob o sistema de responsabilidade por contrato na base da família, o que significava na prática a eliminação do sistema da comuna popular (“propriedade de todo o povo”).

Em janeiro de 1985, foi suprimido o sistema de compra centralizada e de cotas de venda obrigatória ao Estado dos produtos agrícolas e ocupações secundárias. Para os produtos mais importantes – como os grãos e o algodão – foi implantado o sistema de venda por contrato, segundo os planos estatais, respeitada a autonomia dos camponeses. Tornou-se livre a venda dos produtos excedentes depois da venda contratual ao Estado (“Em 1978, menos de 6% da produção agrícola era vendida a ‘preços de mercado’; em 1992 este número chegava a 68%”). Ao mesmo tempo que os demais produtos iam sendo liberados, de forma gradual o Estado deixou de determinar planos obrigatórios de produção aos camponeses e os impostos agrícolas deixaram de ser cobrados em espécie, passando a ser cobrados em dinheiro.

Por esse caminho, o Governo procurou encaminhar a economia rural chinesa para a órbita da economia mercantil planificada e impulsionar a agricultura tradicional no rumo da mercantilização, da especialização e da modernização.

Outro grande êxito da reforma rural – que não havia sido previsto – foi a proliferação das empresas de cantão e de povoado, em conseqüência da liberação de grande quantidade de mão de obra, a partir da implantação do sistema de responsabilidade por contrato com base na família. Sob o impulso da Reforma e da Abertura, as empresas rurais de propriedade coletiva e gestão individual ou privada tiveram um desenvolvimento acelerado. Em 1987, o número de trabalhadores nas empresas de cantão e de povoado alcançou 88 milhões, e o valor dos seus produtos totalizou 50,4% do produto bruto do campo, ultrapassando o valor da produção agrícola e tornando-se um fator fundamental para a modernização e elevação dos rendimentos da população rural:

Na reforma rural, o maior avanço, que em absoluto havíamos imaginado, foi o desenvolvimento das empresas de cantão e povoado, que vêm multiplicando-se, diversificando as atividades econômicas do campo e ampliando a economia mercantil e a produção industrial de pequena dimensão. (...) Essas empresas têm aumentado o valor da sua produção a um ritmo de mais de 20% ao ano. (...) São, na sua maioria, empresas industriais, mas também existem de outros ramos econômicos.[84]

Tão logo se efetuou a reforma e a abertura e se introduziu o sistema de responsabilidade por contrato, reduziu-se o número dos que se dedicavam à agricultura. O que fazer, então, com as pessoas excedentes? A experiência dos últimos dez anos nos mostra que se pode resolver esse problema pondo em movimento a iniciativa da base e do campesinato para diversificar a exploração e desenvolver um novo tipo de empresa de cantão e de povoado. Essas empresas já absorvem 50% da mão de obra excedente no campo. Essa solução não a havíamos pensado nós, os dirigentes, sendo uma criação das entidades agrícolas de base e dos próprios camponeses.[85]

8.3.2 - A Reforma nas cidades e a “Economia de Mercado Planificada”

Após o 12o Congresso, a reforma da estrutura econômica acelerou-se em todos os terrenos. Mas o centro de gravidade das Reformas deslocou-se do campo para as cidades, fazendo com que a reforma econômica urbana deixasse de ser uma experiência piloto para transformar-se em um processo massivo.

Os excelentes resultados da Reforma no campo criaram condições favoráveis para a reforma da estrutura econômica agora tomando as cidades como o elo principal. O êxito dessa experiência levou o Partido ao entendimento de que a economia planificada e a economia mercantil não se contrapunham e que a economia socialista chinesa deveria ser, no atual estágio, uma economia mercantil planificada, tendo por base o sistema de propriedade pública:

Enquanto a que haja mais planificação ou mais mercado, não é aí onde radica a diferença essencial entre socialismo e capitalismo. Economia planificada não é sinônimo de socialismo, pois no capitalismo também há planificação; e economia de mercado tampouco é sinônimo de capitalismo, já que no socialismo também há mercado. Tanto a planificação como o mercado são mecanismos econômicos. A essência do socialismo radica na emancipação das forças produtivas, no seu desenvolvimento, na eliminação da exploração, na erradicação da polarização e na consecução final do enriquecimento comum.[86]

A partir dessa compreensão, a 3ª Sessão Plenária do 12º Comitê Central, realizada em outubro de 1984, formulou as principais diretivas para as Reformas na indústria e no comércio:

reforçar a vitalidade das empresas, tomando isso como a questão chave da reforma da estrutura econômica; instituir um sistema de planificação no qual seja aplicada de forma consciente a lei do valor e desenvolver a economia mercantil socialista; implantar um sistema racional de preços (...); separar as atribuições do governo e as das empresas (...); instaurar o sistema multiforme de responsabilidade econômica e aplicar de forma consciente o princípio de “a cada um segundo o seu trabalho”, desenvolvendo ativamente diversas formas econômicas e ampliando ainda mais o intercâmbio econômico e tecnológico, dentro e fora do país.[87]

A aplicação dessas orientações causou importantes alterações na estrutura econômica do país. Ainda que a economia pública tenha continuado sendo a dominante, desenvolveram-se múltiplos setores econômicos e modificou-se em grande proporção a estrutura homogênea de propriedade pública até então existente, que – no entender dos dirigentes chineses – não se ajustava ao nível real das forças produtivas. Em comparação com 1978 (anterior à Reforma), em 1987 o valor da produção das empresas estatais, apesar de crescer, diminuiu de 77,6% para 59,7% do total da produção industrial do país; as empresas de economia coletiva aumentaram o seu peso de 22,4% para 34,6%; e, as empresas individuais, privadas, de investimentos mistos, de cooperação, de capitais exclusivamente externos e outros setores econômicos não públicos, aumentaram de quase zero a 5,6%. No comércio varejista, a participação do setor estatal baixou de 54,6% a 38,7%, o comércio coletivo de 43,3% a 35,7% e a dos setores não públicos subiu de 2,1% a 25,6%. Em conseqüência, nas cidades e povoados de todo o país, o número de pessoas dedicadas à indústria, ao comércio e a outros negócios de gestão individual aumentou de 150 mil para 5,7 milhões.

Outra importante mudança – a partir da distinção entre as funções governamentais e as funções empresariais – foi a separação entre o “direito de propriedade” e o “direito de gestão” das empresas estatais:

Na reforma das empresas, a tarefa principal é resolver o problema de como revitalizar as empresas estatais grandes e médias. Um dos aspectos mais importantes da reforma é separar, mediante uma grande variedade de formas, o direito de propriedade do poder de gestão das empresas, a fim de pôr em jogo a sua iniciativa. (...) Na realidade, muitas das formas de gestão não são mais do que mecanismos e métodos para o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, que podem servir tanto ao capitalismo como ao socialismo.[88]

Nesse sentido, foi suprimido o monopólio das autoridades centrais sobre a definição das despesas e receitas das empresas estatais e foi concedida uma maior autonomia a seus administradores em relação à produção e à gestão. Assim, em 1987, em comparação com 1978, os lucros retidos pelas empresas estatais subiu de 3,7% a 40% do total, fortalecendo sua capacidade de autotransformação e de autodesenvolvimento. Nesse mesmo ano, 80% das empresas estatais do país já trabalhavam através de “contratos de gestão” e no seu interior aplicava-se o sistema de “responsabilidade do diretor”.

Em consequência dessas reformas, também foram alterados os controles macroeconômicos. Assim, o número de produtos industriais administrados pela Comissão Estatal de Planejamento, mediante planos obrigatórios, reduziu-se de 120 para 60 e o seu peso no valor global da produção industrial baixou de 40% a 17%; da mesma forma, os materiais de distribuição estatal diminuíram de 259 tipos a 26, e as mercadorias administradas mediante planos estatais, de 188 a 23 tipos. Quanto aos fundos destinados à produção e à construção econômica do país, os obtidos pelas finanças públicas baixaram de 76,6% a 31,2% e os captados pelos bancos aumentaram de 23,4% a 68,8%.

O conjunto dessas Reformas levou uma grande dinamização da vida econômica das cidades, mas, pela falta de um fortalecimento, em tempo hábil, dos controles macroeconômicos, gerou alguns efeitos anárquicos na produção, que tiveram que ser corrigidos. No geral, a mudança foi extremamente positiva, no sentido de uma “economia mercantil planificada, tendo por base o sistema de propriedade pública”:

Não há contradição essencial entre o socialismo e a economia de mercado. Do que se trata é de como desenvolver com maior eficácia as forças produtivas. No passado sempre praticamos a economia planificada, mas longos anos de experiência demonstram que, em certo sentido, praticar de modo exclusivo este tipo de economia limita o desenvolvimento das forças produtivas. Combinando a economia planificada com uma economia de mercado se pode emancipar ainda mais as forças produtivas e acelerar o desenvolvimento econômico.[89]

8.3.3 - A reforma educacional, científica e tecnológica

O desenvolvimento da Reforma nas cidades e no campo colocou na ordem do dia a necessidade da Reforma nos campos da ciência, da tecnologia e da educação. Em março de 1985, o Comitê Central do PCCh aprovou sua “Decisão sobre a reforma da estrutura científico-tecnológica”, propondo:

reformar o sistema de distribuição [de recursos]; abrir mercados de tecnologias; proporcionar condições de autodesenvolvimento e capacidade de serviço voluntário para a construção econômica às instituições científicas e tecnológicas; fortalecer a capacidade de assimilação e desenvolvimento tecnológico das empresas; fomentar a cooperação e a associação das instituições de pesquisa e projeto e dos centros docentes superiores com as empresas; modificar o estado de coisas caracterizado pela separação entre as instituições de pesquisa e as empresas, assim como a compartimentação no seio dos departamentos e das localidades; promover uma mobilidade racional das pessoas de valia, etc.[90]

No essencial, a Reforma foi no sentido impulsionar a mercantilização dos avanços tecnológicos e acelerar a sua materialização em capacidade de produção, com o objetivo de dar resposta às crescentes necessidades de desenvolvimento da economia mercantil socialista.

Em maio do mesmo ano, o Partido também aprovou a “Decisão sobre a reforma da estrutura educacional”, que colocou a necessidade de ampliar a autonomia dos centros docentes em seu trabalho específico; reformar o seu sistema de trabalho e de pessoal; e transformar as idéias, os conteúdos e os métodos de educação que não se ajustassem à modernização socialista. A colocação em prática da referida “Decisão” levou ao fortalecimento da empresa da educação na China.

8.3.4 – O aprofundamento da Abertura ao exterior

Após o 12º Congresso Nacional do PCCh, além de continuar impulsionando a Reforma nas cidades e no campo, foram dados grandes passos na Abertura ao exterior.

Em abril de 1983, passaram a ser aplicadas na ilha de Hainan – que possui dimensões similares à Taiwan – algumas políticas já implantadas nas zonas econômicas especiais, visando acelerar o seu desenvolvimento. Esse processo será coroado em 1988 com o estabelecimento da província de Hainam, toda ela designada como “zona econômica especial”.

Em abril de 1984, foram transformadas em “zonas especiais de abertura ao exterior” outras 14 cidades portuárias do litoral:

Abrimos ao exterior 14 cidades costeiras, todas grandes ou médias. Damos boa acolhida às inversões estrangeiras e também às técnicas avançadas de outros países, dentro das quais se encontra a administração. Abalará isso ao nosso socialismo? Ceio que não, pois no nosso país a economia socialista é o setor principal da economia nacional. A base em que se apoia a economia socialista é muito extensa e não será abalada por admitir várias dezenas ou uma centena de bilhões de dólares de inversões estrangeiras. Dessa maneira, a admissão de capitais estrangeiros constituirá, sem dúvida alguma, um importante complemento para nossa construção socialista e, desde o ponto de vista de hoje, pode-se dizer que é um complemento imprescindível. Claro, isto causará certos problemas mas, depois de tudo, os efeitos negativos serão muito menores que os positivos na utilização das inversões estrangeiras. Há algo de perigo, mas não é tão grande.[91]

Em fevereiro de 1985, essa Abertura se estendeu ao delta do rio Changjiang e do rio Pérola, e à região do triângulo formado por Xiamen, Quanzhou e Zhangzhou (ao Sul de Fujian). Formou-se, assim, uma rede de cidades abertas ao exterior, abrangendo 2 municípios diretamente subordinados ao poder central, 25 cidades subordinadas ao poder provincial e 67 distritos, totalizando uma população de 150 milhões de habitantes:

A estratégia de Pequim é transformar as regiões costeiras em centros industriais de alta tecnologia para o desenvolvimento do setor terciário, à semelhança do que ocorreu nos quatro tigres da economia asiática – Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Cingapura –, enquanto induz a criação de indústrias de trabalho intensivo no interior.[92]

Nessas regiões e zonas especiais, foram dados passos acelerados no sentido da introdução de investimentos, tecnologias e equipamentos avançados do exterior, e foi reforçada a capacidade de captação de divisas através de incentivos às exportações.

Para se ter uma idéia do ritmo desses passos, só em 1987 foram assinados em todo o país 10.350 contratos com a participação de investimentos estrangeiros, num valor total de 62,5 bilhões de dólares, dos quais 25,8 bilhões foram inversões diretas de empresários do exterior. Esse processo impulsionou a transformação técnica das empresas existentes, a renovação e a mudança de geração dos seus produtos e o reajuste das suas estruturas. Ao mesmo tempo, foram importadas uma série de novas tecnologias e desenvolvidos novos produtos, preenchendo lacunas existentes no país.

8.3.5 - O êxito no cumprimento do 6º Plano Qüinqüenal (1981/1985)

Os êxitos da Reforma e da Abertura na construção econômica podem ser medidos pelo cumprimento do 6º Plano Qüinqüenal (Plano de Desenvolvimento Econômico e Social para 1981-1985). Em comparação com 1980, o valor da produção industrial e agrícola teve um crescimento médio anual de 11% e o produto nacional bruto um crescimento de 10%. Elevaram-se a rentabilidade e a eficiência da economia nacional e as finanças governamentais alcançaram o equilíbrio. O nível de consumo do conjunto da população teve um incremento anual de 8,7%, superando em muito a média de 2,6% anuais entre 1953 e 1980.

Graças ao crescimento da produção em geral e ao aumento da produção de grãos e de algodão, o problema da subsistência elementar do povo chinês foi solucionado no fundamental. Foram suprimidas as cotas máximas para muitas mercadorias, exceto para os cereais e o azeite comestível, sujeitos à distribuição em quantidades fixadas e ao regime de racionamento.

Apesar o êxito em geral na aplicação do 6º Plano Quinquenal, também ocorreram falhas durante a sua execução, principalmente por responsabilidade do Secretário Geral Hu Yaobang que, à revelia da opinião do coletivo, impôs ritmos demasiado elevados de crescimento econômico e estímulos exagerados ao consumo para promover a produção, o que ocasionou o inflacionamento dos preços de diversas mercadorias e certa instabilidade econômica.

Quanto às relações trabalhistas, houve a preocupação com a regulamentação do trabalho, tendo sido elaboradas normas sobre a contratação e a demissão dos trabalhadores, sobre a previdência social – inclusive para os desempregados – e sobre o estabelecimento de um sistema de pensões nas estatais. No ensino, em 1985 foi instituído o ensino obrigatório de nove anos.

8.3.6 - O combate às “tendências liberalizantes” no seio do Partido

A 2ª Sessão Plenária do 12º Comitê Central, realizada em outubro de 1983, definiu quatro tarefas para a consolidação: 1) combater as ideias tanto “esquerdistas” como de direita no seio do Partido; 2) retificar o estilo de trabalho, resgatando o espírito revolucionário de “servir ao povo de todo coração” e eliminando toda busca de proveito próprio, valendo-se dos cargos e funções outorgadas pelo Partido; 3) fortalecer a disciplina e o centralismo democrático; 4) depurar das organizações partidárias todos que não se mostrassem à altura das altas responsabilidades do Partido.

Como era natural, o desenvolvimento da economia mercantil e a Abertura ao exterior trouxeram consigo uma série de facilidades para a difusão das ideias liberalizantes e estimularam o surgimento da corrupção nos aparatos partidário e estatal, exigindo medidas vigorosas para reforçar a têmpera ideológica dos militantes, em todos os níveis.

Para isso, o Partido procurou desenvolver a luta contra a contaminação ideológica, que se manifestava através da difusão de todo tipo de ideias decadentes da burguesia e de outras classes exploradoras e da disseminação da desconfiança na causa do socialismo e na direção do Partido Comunista. Ao mesmo tempo, devia prosseguir a crítica às ideias “esquerdistas” – que acusavam o Partido de estar caminhando no rumo do capitalismo:

O que desperta receio entre alguns camaradas nossos é a possível introdução de coisas nocivas e o que mais os preocupa é a eventual transformação do país em capitalista. Pode ser que alguns dos nossos camaradas veteranos tenham essa preocupação. Eles dedicaram toda a sua vida à causa socialista e comunista, de modo que lhes choca e assusta o surgimento súbito de algo que lhes parece capitalista. Em absoluto, não seremos afetados. Sem dúvida alguma, virão alguns fatores negativos; isso devemos ter em conta, mas não será difícil eliminá-los, teremos meios para fazê-lo. (...) Sempre e quando apliquemos a abertura da mesma forma que hoje, não poderá surgir uma nova burguesia entre nós (...) pois os meios de produção básicos são de propriedade estatal e coletiva, ou seja, de propriedade social. (...) Inclusive as empresas mistas de inversão nacional e estrangeira são em 50% de caráter socialista. Além disso, a maior parte dos lucros reais que essas empresas obtêm, chega para nós.[93]

Nada há a temer sempre que mantenhamos a mente lúcida. Temos vantagens, pois contamos com as empresas estatais grandes e médias e as de Cantão e povoado e, o que é mais importante, o poder político está em nossas mãos. (...) Descrever a reforma e a abertura como a introdução e o desenvolvimento do capitalismo e considerar que o perigo de evolução pacífica procede no essencial do domínio econômico, isto é deveras uma manifestação “esquerdista.[94]

Era preciso compreender que naquele momento o principal problema ideológico era retificar as tendências direitistas de liberalização burguesa que – em nome da “democracia” e do “humanismo” – combatiam o socialismo, a ditadura democrática popular, a direção do Partido Comunista e o marxismo. Porém, a luta do Partido contra os ventos liberalizantes, não conseguiu ter êxito, devido à postura passiva e ambígua de Hu Yaobang:

Este período – marcado pela deterioração da Reforma – testemunhou a alteração de forças políticas internas no Partido. Deng Xiaoping, no combate ao esquerdismo, representado pelos defensores da revolução cultural, estava associado aos elementos da direita, chamados de ultra-reformadores. No entanto, ao opor-se ao processo de liberação burguesa – fruto da abertura – ele se identificou com a esquerda, que defendia a estabilidade política para a manutenção do projeto socialista. Por essa razão, seus simpatizantes foram chamados conservadores. (...) Os conservadores eram favoráveis às críticas à Revolução Cultural, mas não aos valores socialistas. Este grupo era representado pela “velha guarda” do Partido, nomeadamente Peng Shen e Chen Yun. Por outro lado, para os ultra-reformadores o grande benefício da reforma era o aumento da qualidade de vida. Contudo, consideravam que ainda deveriam ser dados passos importantes no terreno político, passos esses identificados com a causa democrática. A democracia era considerada como a “Quinta Modernização”. Simpáticos a essas idéias eram Hu Yaobang, Secretário do Partido, e Zhao Ziyang, Primeiro Ministro, responsáveis, como se vê, pelos postos mais importantes do Partido e do governo. Tanto Hu Yobang como Zhao Ziyang chegaram ao poder com o apoio de Deng Xiaoping que, por sua vez, era mais favorável ao aprofundamento das reformas no nível econômico que no político. (...) Na medida em que as agitações políticas por uma maior abertura – nos moldes ocidentais – tomavam fôlego no país, Deng Xiaoping aproximava-se dos conservadores no terreno político, mas permanecia ao lado dos ultra-reformadores na economia.[95]

Em conseqüência desses fenômenos e da insuficiente luta ideológica no interior do Partido e na sociedade, em dezembro de 1986 ocorreram graves distúrbios estudantis, propugnando uma liberalização burguesa e envolvendo inúmeras cidades.

Em janeiro de 1987, o Birô Político convocou uma reunião ampliada, onde Hu Yaobang fez a autocrítica dos erros cometidos durante a sua atuação como Secretário Geral do Partido e solicitou ao Comitê Central que aceitasse a sua renúncia ao cargo que ocupava. A reunião fez uma séria crítica a Hu Yaobang e aceitou sua renúncia, mas o manteve como membro do Comitê Permanente do Birô Político. Para o seu lugar, foi eleito Zhao Ziyang, que havia assumido o cargo de Primeiro Ministro do Conselho de Estado em 1980.

8.4 – O 13º CONGRESSO E A “ETAPA PRIMÁRIA DO SOCIALISMO” (1987)
 

O 13º Congresso Nacional do Partido Comunista da China realizou-se em Pequim durante o período de 25 de outubro a 1º de novembro de 1987. Contou com 1.936 delegados titulares e 61 delegados especialmente convidados, representando 46 milhões de filiados.

O 13º Congresso, realizado entre 25 de outubro e 1º de novembro de 1987, sistematizou a teoria do Partido Comunista da China sobre a “etapa primária do socialismo”.

Nesse sentido, o Congresso indicou que a afirmação de que a China estava construindo a etapa primária do socialismo tinha dois significados: primeiro, que a China já era um país socialista; segundo, que ainda se encontrava na fase inicial do socialismo:

por um lado, se haviam estabelecido definitivamente o sistema econômico socialista, baseado na propriedade pública dos meios de produção, o sistema político da ditadura democrática popular e a posição hegemônica do marxismo no campo ideológico; haviam sido eliminados o sistema de exploração e as classes exploradoras; havia crescido enormemente o poderio econômico da nação e haviam se desenvolvido em considerável medida a educação, a ciência e a cultura. Por outro lado, tínhamos uma população numerosa e uma base material pobre, e o nosso país ainda estava muito atrasado em relação a outros países do mundo em termos de renda per capita. O atraso das forças produtivas determinava nas relações de produção um grau muito baixo de socialização da produção – socialização que era indispensável para o fomento da propriedade pública socialista –, um escasso desenvolvimento da economia mercantil e do mercado interno, e um sistema econômico socialista pouco maduro e imperfeito; no que se refere à superestrutura, se observava uma grave insuficiência de toda uma série de condições econômicas e culturais para o fomento de uma política democrática socialista altamente desenvolvida e, ainda, uma grande influência no âmbito social das forças decadentes do feudalismo e do capitalismo, e da força do costume – própria dos pequenos produtores –, as quais corroíam constantemente as filas dos quadros do Partido e dos funcionários do Estado. Isso demonstrava que nesse momento ainda estávamos longe de haver superado a etapa primária do socialismo.[96]

O Congresso estabeleceu três passos para o desenvolvimento econômico da China: no primeiro, o objetivo seria duplicar o produto nacional bruto de 1980, resolvendo o problema de subsistência elementar do povo; no segundo, duplicar novamente o PNB até o final do século XX, assegurando ao povo uma vida modestamente acomodada; no terceiro passo, alcançar – até meados do século XXI – o nível dos países medianamente desenvolvidos, em termos de produto nacional bruto per capita, garantindo ao povo uma vida mais ou menos folgada e consumando no fundamental a modernização do país.

Também se decidiu aplicar às empresas estatais o princípio da separação entre o direito de propriedade e o direito de gestão; ampliar a integração econômica horizontal; acelerar o estabelecimento e o fomento de um sistema de mercado socialista; aperfeiçoar o sistema de regulação macro-econômica, com ênfase na administração indireta; continuar desenvolvendo uma economia de múltiplas formas de propriedade, sob o predomínio da propriedade pública; adotar múltiplas modalidades de distribuição, tendo por conteúdo básico o princípio de “a cada um segundo o seu trabalho”.

No terreno político, o 13º Congresso procurou colocar na prática a orientação advogada por Deng Xiaoping de “rejuvenescimento da direção” em todos os níveis, elegendo para o Comitê Central 96 novos nomes (45,7% do total), dos quais a maioria era relativamente jovem ou especialistas em questões econômicas. Deng abriu mão de todos seus cargos, com exceção da presidência das comissões militares do Partido e do Estado. Em novembro de 1987, foi adotada a “Lei Orgânica dos Comitês de Vila [Aldeia]”, cujos membros são eleitos diretamente pela população, independentemente de pertencerem ou não ao Partido Comunista.[97]

8.4.1 - As dificuldades econômicas e os incidentes da praça Tian’anmen

Apesar dos avanços, persistiram debilidades na construção econômica. Na agricultura, após a grande colheita de 1984, a produção de cereais se manteve vários anos sem crescer. Na indústria, foi modificada a excessiva centralização e o controle demasiado rígido, mas descuidou-se do equilíbrio integral da economia e do aperfeiçoamento dos controles macro-econômicos. Em conseqüência, agravou-se a inflação, o desequilíbrio entre a produção e o consumo, a falta de harmonia entre diversos setores da economia, o aumento da capacidade ociosa de inúmeras empresas, a queda na produtividade em alguns setores e a diminuição das receitas públicas.

Em 1988, os índices de preços ao consumidor registraram um crescimento de 18,5%, gerando inquietude entre a população. Nessas circunstâncias, foi anunciada de forma inapropriada um ampla reforma dos preços, o que causou uma escalada de compras na segunda metade desse ano e o agravamento dos problemas econômicos. Diante desse quadro, o Partido decidiu centrar a Reforma e a construção dos anos de 1989 e 1990 no saneamento da ordem econômica.

A esse quadro de dificuldades econômicas somou-se o quadro de crise dos países do Leste Europeu e da própria União Soviética, jogando água no moinho daqueles que queriam solapar a construção do socialismo na China e a direção desse processo pelo Partido Comunista:

Não foram somente as contradições internas mas claramente também as manobras do imperialismo que alimentaram uma agitação que se prolongava de maneira interminável, apesar de todas as tentativas de mediação e de diálogo com os estudantes promovidas pela direção chinesa. Não se deve perder de vista o contexto histórico. Trata-se do período em que os Estados Unidos desenvolviam sua ofensiva final contra o ‘socialismo real’, desmembrando a URSS e a Iugoslávia. Depois de um longo período de incerteza e de tentativas de restabelecer a ordem pública pela via pacífica, a direção chinesa decide não permitir em nenhum caso ser arrastada pela derrocada geral. Deve-se dizer que, não obstante seus graves custos, essa sofrida decisão eximiu a China (e o mundo) de uma reedição, em escala muito mais ampla, da tragédia que golpeou a URSS e a Iugoslávia, e impediu que os Estados Unidos conquistassem o triunfo final que já saboreavam antecipadamente.[98]

Internamente, a luta contra a liberalização burguesa continuava paralisada, por conta da atitude passiva de Zhao Ziyang que – a revelia das opiniões do Comitê Central – passou a afirmar que a tendência conservadora de oposição à Reforma e à Abertura já supunha o mesmo perigo que a corrente ideológica da liberação burguesa, desviando assim o centro da luta ideológica do Partido. Ao mesmo tempo, as manifestações de arrivismo e de corrupção no seio do Partido e do aparelho do Estado não eram tratadas com o devido rigor, causando descontentamento nas massas e um sério prejuízo à imagem do Partido e da Ditadura Democrática Popular.

Os defensores da liberação burguesa, de dentro e de fora do Partido, aproveitaram-se dessa situação para atacar o PCCh e defender a transição ao capitalismo e a plena ocidentalização do país. Desde finais de 1988, até inícios de 1989, sucederam-se comícios e manifestações políticas de claro questionamento ao Partido e ao socialismo, principalmente em Beijing. Em abril essas manifestações levaram à ocupação da Praça Tian’anmen por milhares de pessoas. Diante dessa situação, o Secretário Geral Zhao Ziyang assumiu a mesma postura de Hu Yaobang e ao invés de se opor e resistir à liberalização burguesa, adotou uma atitude de tolerância e conivência com elas:

Uma mobilização popular multifacetada e contraditória emergia no país, especialmente como movimento contra a corrupção. Os ultra-reformistas do PCC, nucleados em torno de Zhao Ziyang, procuraram capitalizá-la em sua luta contra os reformistas moderados (“conservadores” ou “neo-autoritários) em abril de 1989, duzentos estudantes da Universidade de Beijing dirigiram-se para a Praça da Paz Celestial (Tian’anmen), na esteira da mobilização gerada com os funerais do reformista Hu Yaobang, falecido dias antes. (...) Wang Dan, também um dos dirigentes, era um jovem estudante da Universidade de Beijing, que declarou desejar “implantar um sistema político ocidental” (...) A crítica à corrupção era o que unificava a todos, pois muitos se manifestavam contra as reformas econômicas, enquanto outros as apoiavam e reivindicavam reformas políticas.[99]

No final de abril, o Comitê Central e Deng Xiaoping denunciaram publicamente o caráter anti-socialista e anti-partido dessas manifestações e conclamaram os estudante e os trabalhadores a se absterem de participar nas mesmas, o que causou o seu refluxo. Poucos dias depois, Zhao Ziyang desautorizou essas opiniões da direção do Partido e afirmou que as referidas manifestações “de nenhum modo pretendem se opor ao nosso sistema fundamental”. Esse comportamento de Zhao Ziyang, de apoio tácito aos manifestantes, levou a uma retomada das mobilizações em todo o país e ao início de uma greve de fome na Praça Tian’anmen, novamente ocupada por milhares de pessoas.

No dia 17 de maio, o Comitê Central decidiu decretar o estado de sítio na capital, o que foi efetivado a partir do dia 20. Zhao Ziyang se opôs a essa decisão e se afastou das atividades de direção, desertando de suas responsabilidades. No dia 31 de maio, em uma conversa com dirigentes do Comitê Central, Deng Xiaoping afirmou:

Uma coisa é certa e é que todos – sejam operários, camponeses, intelectuais ou estudantes – desejam a reforma. Esta vez, foram levantadas as mais variadas consignas, mas nenhuma é contrária à reforma. Porém, o que algumas pessoas denominam reforma deve ter outro nome, o de liberalização, ou seja, transformação capitalista. O eixo da sua Reforma é a transformação capitalista. A nossa reforma é diferente da sua (...) É inadmissível vacilar na luta contra a liberalização burguesa e na persistente aplicação dos quatro princípios fundamentais. (...) Persistir ou não na ditadura democrática popular, no marxismo, no socialismo e no papel dirigente do Partido Comunista é um problema fundamental.[100]

No dia 3 de junho, quando algumas unidades do exército se deslocaram para as áreas que lhes haviam sido designadas pelo Estado de Sítio, tiveram que enfrentar barricadas e a resistência armada de uma parte dos manifestantes, o que causou a morte de alguns oficiais e soldados e a destruição de diversos veículos. Na noite do dia 3 de maio, o Comitê Central, o Conselho de Estado e a Comissão Militar Central ordenaram às tropas que se encontravam acampadas nos arredores da capital para que avançassem e esmagassem a sedição contra-revolucionária. Depois de alguma resistência, na madrugada do dia 4 de junho a praça Tian’anmen foi totalmente ocupada pelas tropas responsáveis pelo Estado de Sítio e os milhares de estudantes que lá encontravam tiveram que retirar-se. Rapidamente a sublevação foi derrotada em todo o país.

Com o prolongamento do impasse e a divisão do Partido, Li Peng declarou a lei marcial em Beijing. (...) Estudantes da Escola de Artes construíram, então, uma estátua denominada “Deusa Democracia”, praticamente uma réplica da Estátua da Liberdade de Nova Iorque. Isso, mais a depredação do retrato de Mao, que se encontra na entrada da Cidade Proibida, deu aos que desejavam reprimir os pretextos necessários, além de afastar grande parte da população que simpatizava com os manifestantes (...) Num quadro de reinicio das manifestações, foram distribuídas armas aos estudantes na noite de 2 para 3 de junho. Na noite seguinte o exército recebeu ordens para desocupar a praça, sendo autorizado a revidar agressões. De fato, alguns policiais munidos apenas com sprays de gás foram feridos ou mortos, e o exército avançou sobre os manifestantes, reprimindo-os e dando fim ao episódio. Em torno de cinqüenta manifestantes foram mortos em Beijing, e aproximadamente o mesmo número no resto do país.[101]

8.4.2 - O fortalecimento da luta ideológica e o combate à corrupção e ao arrivismo

Logo após a derrota da onda de manifestações anti-socialistas e anti-Partido que culminaram nos incidentes de Tian’anmen, reuniu-se em fins de junho de 1989 a 4ª Sessão Plenária do 13º Comitê Central, com o objetivo de avaliar os acontecimentos, definir as medidas para corrigir os erros e reformular os órgãos dirigentes do Comitê Central.

Tendo em vista os graves erros cometidos por Zhao Ziyang, este foi afastado dos cargos que ocupava a frente do Partido e do Estado (mas não foi expulso do Partido), junto com outros três membros do Birô Político que apoiaram ativamente as posições errôneas de Zhao Ziyang. A seguir, a reunião elegeu Jiang Zemin para Secretario Geral – com o papel de núcleo do Comitê Central – e incluiu outros camaradas no Birô Político.

Depois de reafirmar a continuidade das Reformas e da Abertura, o Comitê Central destacou a necessidade de persistir no caminho socialista, na ditadura democrática popular, na direção do Partido Comunista e no marxismo-leninismo e pensamento Mao Zedong. Foram definidas quatro tarefas: 1) acabar completamente com a sedição, distinguindo com cuidado as contradições no seio do povo e as contradições entre o povo e os seus inimigos; 2) buscar o saneamento do ambiente econômico, perseverando na Reforma e na Abertura; 3) fortalecer o trabalho ideológico e político, lutando contra a liberalização burguesa, educando o povo no patriotismo e no amor ao socialismo e promovendo um estilo de vida simples e de trabalho duro; 4) fortalecer a construção do Partido, da democracia e do sistema legal, eliminando de forma resoluta a corrupção e os privilégios.

Nesse sentido, em julho de 1989 o Partido decidiu, entre outras medidas: 1) intensificar o trabalho de revisão e reordenamento das companhias comerciais; 2) por fim de forma resoluta na participação dos filhos dos altos dirigentes em atividades comerciais; 3) abolir a “venda especial” de certo tipo de alimentos aos quadros dirigentes; 4) rigidez na destinação de automóveis, proibindo com rigor a importação de automóveis; 5) proibir o convite para banquetes e o oferecimento de presentes à custa do erário público; 6) restringir ao máximo as visitas dos quadros dirigentes ao exterior; 7) investigar e tratar com severidade a corrupção, o suborno, a especulação e o acaparamento.

Deng Xiaoping, que há bastante tempo defendia a “aposentadoria” dos quadros veteranos, já havia pleiteado, antes da 4ª Sessão Plenária, o seu afastamento dos cargos de direção do Partido e do Estado. Finalmente, esse pedido foi aceito na 5ª Sessão Plenária (novembro de 1989), concluindo com êxito o processo de transição entre o núcleo dirigente liderado por Deng Xiaoping e o novo núcleo dirigente liderado por Jiang Zemin.

8.4.3 – O reajuste da economia e o 7º Plano Qüinqüenal (1986/1990)
 

Em outubro de 1988, a 3ª Sessão Plenária do 13º Comitê Central havia decidido realizar o saneamento e a retificação no terreno econômico, aprofundando a Reforma e a Abertura ao Exterior, devido ao sobreaquecimento detectado na produção.

Em 1988, em comparação com o ano anterior, o incremento da renda per capita nas áreas rurais e nas cidades foi, respectivamente, de 17,7% e 22,2%, muito superior aos 11,1% de crescimento da renda nacional. Também as inversões em ativos fixos elevaram-se em 23,5% e o ritmo de crescimento da indústria de transformação foi demasiado alto, ultrapassando a capacidade de fornecimento de energia elétrica, de matérias primas, de transportes e comunicações. Na agricultura, em contrapartida, por razões climáticas e pela política vigente, houve redução na produção de grãos, algodão e oleaginosas. As conseqüências foram certo desabastecimento e inflação. A turbulência política do início de 1989 e as “sanções econômicas” impostas pelas potências capitalistas ocidentais, devido à repressão aos distúrbios da praça de Tian’anmen, agravaram ainda mais os problemas.

A 5ª Sessão Plenária do 13º Comitê Central, em novembro de 1989, deliberou um período de 3 anos, ou um pouco mais, para o saneamento e retificação econômicas, reduzindo a demanda global, persistindo na austeridade financeira e creditícia, fortalecendo a agricultura e outros setores básicos e procurando harmonizar a relação entre os diversos ramos da economia. Na construção econômica era preciso persistir, a longo prazo, no princípio do desenvolvimento sustentado, estável e coordenado.

Resultado disso, em 1990 a inflação foi controlada – baixando de 18,5% para 2,1% – e se atenuou a contradição entre uma demanda superaquecida e a oferta realmente existente. Aumentaram os investimentos na agricultura, em infraestrutura e nos elos débeis da cadeia produtiva, ao mesmo tempo em que se restringiu os investimentos não produtivos (edifícios luxuosos, hotéis, salões, etc.). O produto nacional bruto, que havia aumentado 3,9% em 1989, elevou-se 5% em 1990. Também foram obtidas boas colheitas em 1989 e 1990, superando o estancamento dos quatro anos anteriores. Em 1989 e em 1990, a produção industrial teve um crescimento médio anual de 8,1%.

Apesar das sanções, o volume total das exportações cresceu 10,5% em 1989 e 18,1% em 1990, aumentando consideravelmente o peso relativo dos produtos industriais acabados (principalmente mecânicos e eletrônicos). A importação de artigos de consumo suntuosos foi colocada sob controle e melhorou a composição dos produtos importados. A Balança de Pagamentos com o exterior passou a ser superavitária e cresceram as reservas em divisas do país. Também foi criada a zona econômica especial de Pudong (Shangai) e em 1990 a primeira bolsa de valores do país, em Shanghai:

Em relação aos títulos de valor e ao mercado acionário, são coisas boas ou más? Envolvem ou não perigo? São exclusivas do capitalismo? E, pode ou não o socialismo servir-se delas? (...) Ao final das contas, se o socialismo se propõe a conquistar a supremacia sobre o capitalismo, deve atuar com audácia para assimilar ou tomar como referência todos os avanços da civilização criada pela sociedade humana, assim como todas as modalidades de gestão e métodos de administração avançados dos diversos países do mundo atual – incluídos os países capitalistas desenvolvidos – modalidades e métodos que refletem as leis objetivas da produção socializada moderna.[102]

A propriedade pública pode e deve assumir diferentes formas. Todos os métodos de administração e formas de organização que refletem as leis que governam a produção socializada devem ser utilizados com audácia. (...) O sistema de propriedade do capital por ações é uma forma de composição do capital das empresas modernas que serve para separar a propriedade da administração e elevar a eficiência da operação da empresa e do capital. O mesmo pode ser usado tanto sob o capitalismo como sob o socialismo. Não podemos dizer em termos gerais que o sistema de propriedade do capital por ações é público ou privado, porque o ponto chave reside em quem tem capacidade de controle da empresa assim organizada.[103]

Desenvolveu-se em grande escala a ciência, a tecnologia, a educação. O lançamento exitoso do satélite de telecomunicações Asiasat-1 e do foguete reforçado Changzheng-2, a construção do reator termonuclear experimental de cinco megawatts, de baixa temperatura, assim como a colocação em funcionamento experimental do trem unitário para 10 mil toneladas, mostraram que a China havia alcançado a maioridade tecnológica.

Em fins de 1989, o 7º Plano Qüinqüenal havia sido cumprido no fundamental, tendo o produto nacional bruto crescido a uma média anual de 7,8% e a renda nacional 7,5%, superando as metas do próprio Plano. A produção agrícola aumentou 4,7% ao ano e a produção industrial 13,1%. Quanto à renda per capita, elevou-se 4,1% ao ano nas cidades e povoados e 2,4% no campo.

Se tomarmos como referência o decênio 1980/1990, o produto nacional bruto cresceu a uma média anual de 9%, três vezes superior ao crescimento médio da economia mundial no período. O valor da produção industrial aumentou 289%, a produção agrícola 103%. Já a renda per capita nas cidades e povoados, cresceu 68,1%:

O poder de compra das amplas massas camponesas se ampliou, o que não só fez possível a construção de um grande número de novas moradias, como também o acesso nos lares dos agricultores comuns dos “quatro artigos de valor”, a saber, bicicleta, máquina de costurar, rádio e relógio, assim como de alguns artigos de primeira ordem. Por outra parte, o aumento dos produtos agrícolas e das ocupações secundárias, a expansão do mercado rural e a recolocação da mão-de-obra excedente do campo, deram um forte impulso ao desenvolvimento da indústria. (...) Os produtos industriais relacionados com a alimentação, roupa, moradia, transporte e de uso cotidiano, incluídos o televisor colorido, a geladeira e a lavadora se expandiram em grande proporção. O mesmo ocorreu com as lâminas de aço, o cimento e outros insumos. Foi precisamente dessa forma como interagiram e se promoveram de forma recíproca a agricultura e a indústria, o campo e a cidade.[104]

8.4.4 - O 8º Plano Qüinqüenal (1991/1995)

Em dezembro de 1990, foi aprovado o 8º Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento Econômico e Social, em combinação com o Programa Decenal 1990/2000, tendo como meta um aumento médio do produto nacional bruto de 6% ao ano, quadruplicando-o até o final do século (em relação a 1980), tendo por objetivo:

fazer que todo o povo passe do nível de uma subsistência elementar ao de uma vida modestamente acomodada; fomentar a educação, impulsionar o avanço científico e tecnológico; melhorar a administração da economia, reajustar a estrutura econômica e reforçar a construção de obras chaves, com o objetivo de criar uma base material e técnica para um desenvolvimento econômico e social sustentado de nosso país no início do próximo século; estabelecer de forma preliminar um sistema econômico e mecanismos operativos que se ajustem ao desenvolvimento da economia mercantil planificada socialista, baseada na propriedade pública, e combinem a economia planificada com a função reguladora do mercado; levar a uma nova etapa a civilização socialista no terreno espiritual, aperfeiçoando ainda mais a democracia e a legalidade socialistas.[105]

Para isso, o Partido definiu uma série de orientações: 1) manter com firmeza o caminho da construção do socialismo com peculiaridades chinesas; 2) levar adiante a Reforma e a Abertura; 3) seguir com firmeza a orientação de independência, auto-sustentação, luta dura e vida simples, laboriosidade e economia na construção nacional; 4) aplicar a orientação de fomentar a civilização tanto material como espiritual

8.5 - O 14º CONGRESSO E AS “DEZ TAREFAS” (1992)
 

O 14º Congresso Nacional do Partido Comunista da China realizou-se em Pequim durante o período de 12 a 18 de outubro de 1992. Contou com 1.989 delegados titulares e 46 delegados especialmente convidados, representando 51 milhões de filiados.

Em outubro de 1992, reuniu-se o 14º Congresso do PCCh. Em seu informe, Jiang Zemin iniciou por um balanço dos quatorze anos de Reforma e de Abertura na China:

nosso Partido desbancou categoricamente a política errônea de “tomar a luta de classes como alavanca” (...) e transferiu o centro do trabalho do Partido e do Estado para a construção econômica. (...) O sistema de responsabilidade por contrato familiar com remuneração em função dos rendimentos foi uma grande criação dos camponeses chineses. (...) Suprimiu-se a comuna popular e, em lugar de enveredar o caminho da privatização da terra, implantou-se o mencionado sistema de responsabilidade como forma principal (...) Os 800 milhões de camponeses obtiveram direitos de autonomia de exploração das terras; (...) As empresas de vilas e comarcas, surgidas com uma força fulgurante, constituem outra criação dos camponeses chineses (...) a economia socialista do nosso país é uma economia de mercado planificada com base na propriedade pública. A crescente ampliação da abertura ao exterior e o desenvolvimento acelerado da região litorânea, onde vivem 200 milhões de pessoas, impulsionaram energicamente a reforma e a abertura (...).[106]

O Congresso dedicou-se, ainda, a sistematizar a teoria do PCCh sobre a construção do “socialismo de tipo chinês”, que parte do entendimento que não existe um “modelo universal” de socialismo, a ser copiado, e que é preciso partir da realidade concreta da China – o país mais populoso do mundo, com dimensões continentais, 80% da sua população vivendo no campo e um baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas – para construir um socialismo com peculiaridades chinesas. Socialismo que ainda se encontra em sua etapa primária, subdesenvolvida, que tem como sua tarefa fundamental o desenvolvimento das forças produtivas, tendo por base uma economia de mercado socialista, a propriedade pública e o princípio de “a cada um de acordo com o seu trabalho”.

8.5.1 - Avançar na Reforma e na Abertura, implementando as “Dez Tarefas”

Por fim, o Congresso apresentou as “Dez Tarefas” principais para dar continuidade e acelerar a Reforma e a Abertura e garantir o êxito na construção econômica socialista:

  1. Primeira tarefa: “acelerar a reforma econômica, tendo como trilho o estabelecimento do sistema de economia de mercado socialista.” Essa tarefa subdivide-se em quatro: 1) “modificar o mecanismo de funcionamento das empresas estatais, especialmente as grandes e médias, empurrá-las ao mercado, reforçar sua vitalidade e melhorar sua qualidade”; 2) “acelerar o fomento do sistema de mercado (...) em especial o dos meios de produção (...) o mercado financeiro (...) os mercados de tecnologia, de serviços laborais, de informações e de bens imóveis”; 3) “aprofundar a reforma dos sistemas de distribuição e seguridade social (...) acelerar a reforma do sistema de salários e estabelecer o mecanismo de incremento regular dos salários (...) estabelecer um sistema de seguridade social para os casos de desemprego, aposentadoria, assistência médica, etc.”; 4) “acelerar a transformação das funções governamentais (...) separar as funções governamentais das empresariais”.[107]

Tratando ao desenvolvimento do mercado financeiro, Deng Xiaoping destacou a importância das finanças também no socialismo

É preciso dar maiores passos na reforma financeira. Se deve fazer com que os bancos sejam bancos no verdadeiro sentido da palavra. Até agora, nossos bancos não passam de corporações emissoras de moeda ou bodegas de dinheiro e não bancos dignos desse nome. Já que não temos suficientes conhecimentos sobre os problemas financeiros, podemos contratar especialistas estrangeiros como assessores.[108]

As finanças são muito importantes, pois constituem o núcleo da economia moderna. Basta que as finanças andem bem para que todos os demais problemas se resolvam com facilidade (...). Em outros tempos, Shanghai era um centro financeiro, onde havia liberdade de câmbio monetário. No futuro deverá ser como naquela época. Que a China alcance uma posição internacional nas atividades financeiras depende sobretudo de Shanghai.[109]

  1. Segunda tarefa: “continuar ampliando a abertura ao exterior e utilizar em maior quantidade e melhor forma os capitais, recursos, tecnologia e experiências de gestões estrangeiras”, de forma planejada, procurando direcioná-los “principalmente à infra-estrutura, à indústria básica e à transformação tecnológica das empresas, às indústrias de capital e tecnologia intensivos e, na medida apropriada, às finanças, ao comércio, ao turismo e ao setor imobiliário (...) ampliar as exportações, melhorar sua composição elevar sua qualidade e categoria e, simultaneamente, aumentar, na medida apropriada, as importações, utilizando mais recursos do exterior e introduzindo mais tecnologias avançadas.”[110]
  2. Terceira tarefa: “reajustar e otimizar a correlação entre os diversos ramos da economia, atribuindo grande importância à agricultura e acelerando o desenvolvimento das indústrias de base, da infra-estrutura e do setor terciário (...) apoiar-se firmemente na ciência, na tecnologia e na educação para impulsionar o desenvolvimento da agricultura (...) acelerar o desenvolvimento e a construção de serviços de infra-estrutura e de indústrias básicas, tais como o transporte, as telecomunicações, os recursos energéticos, as principais matérias-primas e obras hidráulicas (...) vitalizar as indústrias mecânica, eletrônica, petroquímica, automobilística e da construção civil e fazer delas os pilares da economia nacional e desenvolver, sem deixar escapar o momento, as indústrias de alta e nova tecnologia.”[111]
  3. Quarta tarefa: “acelerar o progresso científico e tecnológico, desenvolver energicamente a educação e pôr em plena função o papel dos intelectuais (...). A ciência e a tecnologia constituem a primeira força produtiva. Vitalizar a economia pressupõe, antes de tudo, vitalizar a ciência e a tecnologia (...) integração da ciência e tecnologia com a economia (...) sua transformação em força produtiva real (...) proteção da propriedade intelectual (...) Os intelectuais consistem em uma parte da classe operária que (...) como pioneiros das forças produtivas avançadas, desempenham um papel de particular importância na reforma e abertura e na modernização do país.”[112]
  4. Quinta tarefa: “fazer valer plenamente as vantagens das diversas zonas, acelerar o desenvolvimento econômico regional e promover uma distribuição geográfica racional na economia do país (...) de acordo com as características geográficas e os vínculos econômicos que lhes são inerentes, e esforçar-se por desenvolver diversas economias regionais, cada qual com suas respectivas peculiaridades.”[113]

6.    Sexta tarefa: “avançar ativamente a reforma da estrutura política (...) fomento da democracia e da legalidade socialista (...) construir uma democracia política socialista do tipo chinês e, em absoluto, não aplicar os sistemas multipartidários ou parlamentares do ocidente: a democracia que é praticada na sociedade capitalista é a democracia burguesa, que é na realidade uma democracia do capital. São só três aspectos que a caracterizam: a competição eleitoral multipartidária, a separação dos três poderes e o sistema bicameral. O nosso é um regime de assembléias populares, um regime de democracia popular sob a direção do Partido Comunista”.[114] (...) “A democracia popular é uma exigência essencial e uma propriedade inerente ao socialismo. Sem democracia e legalidade, não há socialismo, nem modernização socialista. (...) Deve-se aperfeiçoar o sistema de cooperação multipartidária e de consulta política, dirigido pelo Partido Comunista (...) fazer valer efetivamente o papel das assembléias de trabalhadores, dos comitês dos moradores urbanos e dos comitês de aldeões (...) garantir que os tribunais populares e os fiscais estejam em condições de trabalhar independentemente e sempre sujeitos às leis.”[115]

  1. Sétima tarefa: “realizar a reforma do sistema administrativo (...) reduzir de forma seletiva o seu pessoal e simplificar o seu aparato, assim como elevar sua eficiência.”[116]
  2. Oitava tarefa: “tomar o trabalho com as duas mãos e ter a mesma firmeza em ambas [na construção material e na construção espiritual], elevando assim a um novo nível a civilização espiritual socialista (...) assegurar a liberdade acadêmica, atribuir importância à integração da teoria com a prática, realizar pesquisas com espírito criador, fazer prosperar a filosofia e as ciências sociais e defender e desenvolver o marxismo (...) perseverar na orientação de ‘servir ao povo e ao socialismo’ (...) retificar com decisão as práticas mafiosas e abuso de atribuições em procura de benefícios egoístas (...) fortalecer a educação na ética social”.[117]
  3. Nona tarefa: “melhorar constantemente as condições de vida do povo, controlar estritamente o crescimento demográfico e reforçar a proteção do meio ambiente.”[118]

10   Décima tarefa: “fortalecer a construção do exército e fortalecer nosso poderio de defesa nacional, a fim de assegurar a feliz marcha da reforma e abertura e da construção econômica (...) manter inabalavelmente a absoluta direção do Partido sobre o exército.”[119]

De forma muito resumida, podemos dizer que o 14º Congresso consolidou a vitória dentro do Partido da Reforma e da Abertura preconizadas por Deng Xiaoping, concluiu com êxito a transição da 2ª geração dirigente (nucleada por Deng Xiaoping) para a 3ª geração dirigente (liderada por Jiang Zemin) – depois dos problemas com Hu Yaobang e Zhao Ziyang –, sistematizou a teoria sobre a construção do socialismo de tipo chinês e definiu as tarefas para o aprofundamento da Reforma e da Abertura, visando o estabelecimento de um “sistema de economia de mercado socialista”:

No 14º Congresso, o Partido tomou três decisões políticas de grande significado. Primeiro, aproveitar as oportunidades para acelerar o desenvolvimento; segundo, definir o estabelecimento de um sistema de economia de mercado socialista como meta da reestruturação econômica da China; e, terceiro, estabelecer a posição orientadora da teoria de Deng Xiaoping sobre a construção do socialismo do tipo chinês em todo o Partido.[120]

8.5.2 – O aprofundamento da “Modernização Socialista” (1992/1997)
 

Em 31 de dezembro de 1996, o então ministro da Indústria Metalúrgica Liu Qin, anunciou que a produção de aço da China ultrapassou 100 milhões de toneladas, tornando o país o maior produtor de aço do mundo.

Entre 1992 e 1997, foi dada continuidade no essencial à política de Reforma e de Abertura ao exterior, prosseguindo o desenvolvimento acelerado do país, tendo o PIB crescido a uma taxa média anual de 12,1%. Em conseqüência, já em 1995 a China conseguiu quadruplicar seu PIB em relação a 1980, concluindo com cinco anos de antecipação a meta definida para o “segundo passo”:

Após a 3ª plenária do 11º Comitê Central do Partido, a disposição estratégica da construção econômica do nosso país divide-se em três passos: primeiro, dobrar o PIB com base no de 1980 e resolver a questão da alimentação e abrigo do povo. Esta tarefa foi fundamentalmente cumprida. Segundo: quadruplicar o PIB em fins deste século, de forma que o povo leve uma vida modestamente confortável. E terceiro, em meados do próximo século, o PIB per capita atingirá o nível dos países medianamente desenvolvidos, o povo levará uma vida relativamente abastada e a modernização será concretizada.[121]

No comércio exterior verificou-se um boom de exportações (148,8 bilhões de dólares em 1995, 151,1 bilhões em 1996 e 182,7 bilhões em 1997), com a China passando a ter superávits permanentes (16,7 bilhões de dólares em 1995, 12,3 bilhões em 1996 e 40,3 bilhões em 1997) e acumulando sólidas reservas (139,9 bilhões de dólares em 1997).

Em 1993, o Banco Popular da China foi transformado em Banco Central e o setor financeiro estatal chinês teve um grande crescimento:

o controle do Estado dá-se em todas as áreas importantes; por exemplo, no setor bancário; aí, temos quatro grandes bancos estatais que controlam 80% de todo capital bancário existente no país, o Banco da China, o Banco da Indústria e Comércio, o Banco da Construção e o Banco agrícola; além desses quatro, temos 80 outros, dos mais importantes, de governos locais, provinciais, etc., que representam menos de 20% do capital bancário; e temos os 24 estrangeiros que chegam mais ou menos a 2% do capital bancário total.[122]

A produção de cereais chegou a 492,5 milhões de toneladas em 1997 e a produção agrícola em geral aumentou de forma constante. A obras de infra-estrutura – incluídos os projetos hidráulicos, de transporte, de telecomunicações – e as indústrias básicas – como a siderurgia e a de energia – se expandiram enormemente. O grande crescimento da economia nas regiões centrais e do oeste diminuíu, em parte, as diferenças regionais. Iniciou-se, também, a reforma das empresas estatais, buscando a sua modernização e maior eficiência.

Do total da produção industrial de 1997, o valor agregado das empresas estatais foi de 31,2%; das empresas com participação estatal foi, 5,8%; das empresas coletivas, 37,4% (somando 68,6% de empresas de propriedade social, mais 5,8% com participação estatal); das empresas mistas nacionais e estrangeiras, de cooperação e de capital exclusivamente estrangeiro, 14%; das empresas individuais, urbanas e rurais, 17,4%. Em fins de 1997, havia 696 milhões de trabalhadores na China, dos quais 147,6 milhões (21,2%) eram trabalhadores urbanos, 26,7 milhões (3,8%) eram trabalhadores individuais nas cidades e povoados e os demais se dedicavam à agricultura (75%).[123]

As condições de vida do povo também melhoraram consideravelmente: a renda per capita aumentou a uma média anual de 7,2% nas cidades e de 5,7% no campo. Em conseqüência, nesses cinco anos o número de pobres nas áreas rurais decresceu 32 milhões. O mercado não sofreu desabastecimento de mercadorias e as condições de acesso do povo aos alimentos, roupas, moradia, artigos de uso cotidiano e transporte melhoraram muito.

No terreno político, houve uma grande renovação dos quadros dirigentes do Partido e do Estado, substituindo sem traumas os quadros veteranos. Em  fevereiro de 1997, morreu Deng Xiaoping, sem que isso afetasse em qualquer aspecto a continuidade do projeto reformador por ele iniciado. Em julho do mesmo ano, Hong Kong retornou para a soberania chinesa, com júbilo de ambos lados, sem causar qualquer crise econômica na capitalista Hong Kong.

Mas, segundo a própria liderança chinesa, avessa às “euforias”, persistiram problemas, deficiências e limitações:

a qualidade e eficiência da economia nacional em seu conjunto continuam representando um problema bastante destacado e, especialmente, parte das empresas estatais carece de vitalidade; o estilo de trabalho do Partido e do Governo, a conduta social e a segurança pública, continuam abaixo das expectativas do povo, a decadência, a corrupção e o esbanjamento e desperdícios, bem como outros fenômenos indesejáveis continuam difundindo-se e crescendo, e o burocratismo, o formalismo e a falsificação constituem sérios problemas; a relação entre a receita e a distribuição deve ser racionalizada, o desenvolvimento regional desigual é evidente, parte dos residentes urbanos e rurais leva uma vida difícil e o crescimento demográfico e o desenvolvimento econômico causam sérias tensões sobre os recursos naturais e o meio ambiente.[124]

8.6 - O 15º CONGRESSO E A “ETAPA PRIMÁRIA DO SOCIALISMO” (1997)
 

O 15º Congresso do PC da China realizou-se em Pequim entre 12 e 18 de setembro de 1997. Contou com 2.048 delegados titulares e 60 delegados convidados, representando 58 milhões de filiados.

O 15º Congresso do PCCh – realizado em setembro de 1997, após a morte de Deng Xiaoping e o retorno de Hong Kong à China – enfatizou, sob a liderança de Jiang Zemin, a necessidade de defender a bandeira da “Teoria de Deng Xiaoping”, que “é o marxismo da China atual e representa uma nova etapa do desenvolvimento do marxismo na China”.

Além do esforço de sistematização da “teoria de Deng Xiaoping” e da defesa da continuidade do projeto reformador, o 15º Congresso procurou definir os eixos fundamentais da política do Partido para a “etapa primária do socialismo”:

A fase inicial do socialismo é uma etapa histórica na medida em que gradualmente poremos fim ao subdesenvolvimento e materializaremos fundamentalmente a modernização socialista; é uma etapa histórica na qual um país agrícola, em que as pessoas dedicadas à agricultura ocupam uma percentagem muito grande da população e dependem principalmente do trabalho manual, gradualmente se converterá num país industrial onde a população não rural será a maioria e em que se praticará uma agricultura moderna, além de desenvolver o setor de serviços; é uma etapa histórica em que uma sociedade com uma grande proporção de economia natural e semi-natural gradualmente se converterá em outra com uma economia voltada para um mercado bastante desenvolvido; é uma etapa histórica em que a sociedade com uma grande proporção analfabetos ou semi-alfabetizados e com uma ciência, uma tecnologia, uma educação e uma cultura atrasadas se converterá, passo a passo em outra com ciência, tecnologia, educação e cultura relativamente desenvolvidas; é uma etapa histórica em que uma sociedade onde a gente afetada pela pobreza é uma grande parte da população e as pessoas ainda têm um nível de vida relativamente baixo e se converterá gradualmente em outra, onde toda a população terá uma vida relativamente confortável; é uma etapa histórica em que uma sociedade com desenvolvimento econômico e cultural muito desigual entre as regiões se converterá em outra em que a brecha se reduzirá gradualmente (...). Este processo histórico levará pelo menos um século.[125]

Ao analisar as questões econômicas, o Congresso levantou oito pontos:

1) Reajustar e melhorar a estrutura de propriedade, mantendo a propriedade pública como dominante, mas utilizando todas as demais formas que sirvam ao incremento das forças produtivas:

O setor público inclui não somente os setores de propriedade estatal e coletiva, mas também os elementos de propriedade estatal e coletiva no setor da propriedade mista. A posição dominante da propriedade pública deve manifestar-se principalmente da seguinte maneira: os ativos públicos dominam o total dos ativos da sociedade e o setor de propriedade estatal controla os aspectos fundamentais da economia nacional e tem um papel dirigente no desenvolvimento econômico.[126]

2) Acelerar a reforma das empresas estatais, separando a propriedade da gestão, garantindo uma administração moderna e científica.

3) Melhorar a estrutura e o modo de distribuição, tendo o trabalho como fundamento; combinar a remuneração de acordo com o trabalho com a remuneração de acordo com os fatores de produção, permitindo, além do trabalho, considerar o capital, a tecnologia e outros fatores de produção na distribuição dos lucros; para coibir a polarização, aperfeiçoar o imposto de renda e criar novos tributos como sobre a herança.

4) Pôr em pleno jogo o papel do mercado e aperfeiçoar os controles macro-econômicos.

5) Fortalecer a agricultura como fundamento da economia e otimizar a estrutura econômica.

6) Implementar estratégias de prosperidade do país mediante a ciência e a educação, buscando um desenvolvimento sustentável; fortalecer o controle sobre a poluição e melhorar o ambiente ecológico.

7) Aperfeiçoar a abertura ao exterior.

8) Melhorar as condições materiais de vida da população e enriquecer a sua vida cultural.

No tocante à reforma do sistema político, o Congresso enfatizou cinco pontos:

1) Aperfeiçoar o sistema de democracia.

2) Reforçar o sistema legal.

3) Promover a reforma das instituições.

4) Melhorar o sistema de supervisão democrática.

5) Salvaguardar a estabilidade e a unidade.

O Congresso ainda se debruçou sobre a “construção da cultura socialista do tipo chinês”, “a reunificação pacífica da pátria” e “o partido comunista frente ao novo século”. Ao analisar o foco da luta ideológica, o Congresso fez uma clara flexão ao afirmar: “Devemos manter-nos vigilantes em relação às tendências de direita, mas principalmente em relação às tendências de esquerda”.[127]

O 15º Congresso reelegeu Jiang Zemin Secretário Geral do Comitê Central e Presidente da Comissão Militar do Comitê Central. Para o Comitê Permanente do Birô Político do Comitê Central, além de Jiang Zemin, foram eleitos Li Peng, Zhu Rongji, Li Ruihuan, Hu Jintao, Wei Jianxing e Li Lanqing.

Na 1ª Sessão Plenária da Assembléia Popular Nacional da China, realizada em março de 1998, Jiang Zemin foi reeleito Presidente da República Popular da China e Presidente da sua Comissão Militar Central; Hu Jintao foi eleito Vice-Presidente da RPC e Li Peng Presidente da APN.

8.6.1 – O elevado crescimento chinês no contexto da Crise Asiática

Apesar de todo o vendaval que significou a “crise asiática” de 1997, a economia chinesa continuou crescendo em ritmo elevado, como se nada tivesse acontecido: 8% em 1998 e 8% em 1999; o seu comércio internacional se ampliou ainda mais (324 bilhões de dólares em 1998 e 360,7 bilhões em 1999), os seus superávits comerciais cresceram (43,6 bilhões de dólares em 1998 e 29,1 bilhões em 1999) e as suas reservas bateram novos recordes (145 bilhões de dólares em 1998 e 157,4 bilhões em 1999).

O contraste com o crescimento da economia mundial é enorme: se em 1997 este já havia sido pequeno – apenas 4,1% –, em 1998 despencou para apenas 2%. Mesmo no dinâmico sudoeste asiático, os chamados “tigres” e “dragões”, de primeira e de segunda geração, entraram em crise: a Coréia do Sul, a Malásia e a Tailândia viram os seus PIBs diminuírem 6,5%; na Indonésia, a queda ainda foi maior, 16%:

No campo econômico, mesmo num quadro da crise das economias asiáticas e de desaceleração do crescimento da economia mundial, o PIB chinês variou a impressionantes médias anuais (97/02) de 7,7%, as maiores do planeta. Dentre outras, as causas para isso estão, por exemplo, no crescimento do investimento em C&T e Inovação em relação ao PIB, que evoluiu de 0,64% em 1997 para 1,13% em 2002. As reservas internacionais em divisas aumentaram de US$ 139,9 bilhões para 286,4 bilhões no mesmo período, cifra bastante elevada num país em desenvolvimento. Já é o 5º país do mundo em volume do comércio exterior. A taxa de desemprego permanece baixa para um país das dimensões chinesas, na casa de 4,5%, e a renda per capita da população urbana e das aldeias avançou, na média anual, em 8,6%.[128]

Esses resultados, verdadeiramente impressionantes, desmentem as opiniões daqueles que vêem no atual desenvolvimento chinês algo frágil e artificial, baseado puramente no mercado externo, uma “inserção subordinada na globalização imperialista”, que teria aumentado enormemente a dependência da China aos países capitalistas avançados e elevado a sua vulnerabilidade externa:

As exportações, crescentemente industriais (...) aumentaram rapidamente. Entre 1985 e 1996, multiplicaram-se mais de cinco vezes; na primeira data representavam cerca de 10% do PIB, na Segunda, 22% (Banco Mundial - China, 1997). A proporção subiu, mas se manteve muito abaixo dos níveis alcançados pelos tigres asiáticos. Por exemplo, a Coréia do Sul, na mesma época, superava 44%. O salto exportador coexistiu com uma retaguarda interna muito ampla. Ainda que as vendas externas tivessem agora um enorme peso relativo na economia nacional, não a satelizaram, como ocorreu com os tigres e dragões asiáticos. Também aumentaram os investimentos, mas isso se produziu com uma taxa de poupança interna elevada. (...) tratava-se de uma posição externa sólida se a compararmos com o resto dos países emergentes dessa região. Foi essa situação que atraiu enormes fluxos de investimentos diretos, sobretudo na década de 90 (3,7 bilhões de dólares em 1990, 11,3 bilhões em 1992, quase 38 bilhões em 1995), ainda que a participação de países ou grupos econômicos não-chineses tenha permanecido minoritária: em 1995 só 8% provinham dos Estados Unidos. Os outros dois grandes investidores externos, a Coréia do Sul e o Japão mantinham proporções semelhantes (Banco Mundial – China, ibid.).[129]

Nesse sentido, é importante conhecer a visão da liderança chinesa acerca da relação entre o mercado interno e o mercado externo na modernização socialista:

Persistir na ampliação da demanda interna é uma diretriz estratégica de longo alcance no desenvolvimento econômico do nosso país. A promoção da economia tomando a demanda interna como principal é determinada pela realidade fundamental do nosso país. Como um país populoso em desenvolvimento, a China tem amplos espaços para acelerar a construção econômica e elevar o nível de vida do povo. O amplo mercado interno é a nossa maior vantagem. Ante a concorrência cada vez mais acirrada no mercado internacional e as mudanças complexas na economia mundial, apoiar-se na demanda interna possibilita à nossa economia uma grande margem de operação para elevar a capacidade de resistência aos riscos econômicos internacionais. (...) Nos últimos anos, resistimos com sucesso ao impacto da crise monetária asiática, controlamos com eficácia a tendência inflacionária e mantivemos um rápido desenvolvimento econômico. Tudo isso se deve, em grande grau, à diretriz de ampliar a demanda interna.[130]

       No terreno político, o PCCh colocou o centro dos seus esforços na ampliação da democracia através das assembléias e conselhos de aldeias e a simplificação dos governos nas vilas e comarcas [cantões]:

Atualmente, deve-se priorizar a construção do sistema democrático no nível de aldeia e implementar, conforme a lei, três sistemas: primeiro, o sistema de eleição direta da comissão dos aldeões para que as massas camponesas elejam as pessoas satisfatórias para a administração dos assuntos das aldeias. Segundo, o sistema de debate dos aldeões sobre os assuntos da aldeia, todos os assuntos importantes, especialmente as questões relacionadas com os interesses vitais das famílias devem ser discutidos pelas assembléias dos aldeões ou pelos representantes eleitos pelos aldeões, em vez de ser decididos por poucas pessoas. E, terceiro, pôr em prática o sistema de transparência dos assuntos da aldeia: todos os assuntos de interesse das massas devem ser publicados periodicamente entre os aldeões e supervisionados pelas massas. (...) Os governos de vilas e comarcas também deve, transformar efetivamente as funções e simplificar seu organismo e pessoal. Agora os encargos dos camponeses são muito pesados, e um dos principais motivos disso reside na quantidade excessiva de pessoal sustentado pelos camponeses.[131]

8.6.2 – A reforma das Estatais, elo central da Reforma econômica
 

Obra representativa do investimento estatal, a represa Yangtze Three Gorges é o maior complexo hidrelétrico já construído no mundo. A construção começou em 14 de dezembro de 1994, e o fechamento do rio foi concluído em 8 de novembro de 1997, marcando a conclusão bem-sucedida da Fase I do projeto.

O PCCh sempre procurou fortalecer o papel preponderante das empresas públicas “de propriedade de todo povo” na construção da “sociedade socialista de mercado”:

Nos vinte anos entre 1978 e 1998, em média, o valor global da produção industrial das empresas estatais e das holdings estatais aumentou 8,7% ao ano, o valor total dos ativos 16,8% ao ano e o valor de impostos, 12,3%. Os setores chaves, como financeiro, ferroviário, de telecomunicações, de aviação civil, petrolífero e de energia elétrica, estão fundamentalmente sob o controle das empresas estatais; nos setores básicos, como os de energia, transporte e correios, e em importantes setores de matérias-primas e indústria de base – como os siderúrgico, petroquímico, automobilístico, mecânico e eletrônico – a economia estatal ocupa a posição dominante. A produção de importantes produtos industriais como aço, carvão e fertilizantes saltou para o primeiro lugar no mundo, e a de eletricidade, petróleo bruto e fibras sintéticas está na dianteira do mundo. Todos os produtos acima referidos são fabricados principalmente pelas empresas estatais ou pelas holdings estatais. As empresas estatais continuam sendo a fonte principal da receita financeira do Estado, 55% da qual vêm dos impostos por elas pagos (...). Ao mesmo tempo, algumas empresas carecem de flexibilidade no mecanismo operacional, sua produção e operação encontram-se numa situação difícil, com baixa rentabilidade econômica e um índice demasiadamente alto de passivos, numeroso pessoal excedente, pesados encargos sociais e vida relativamente difícil por parte de seus empregados. (...) Algumas minas encontram-se em estado difícil devido ao esgotamento dos recursos decorrente do abuso de exploração durante muitos anos (...) ao impulsionar a reforma e o desenvolvimento das empresas estatais, visamos (...) fortalecer o papel dirigente e a capacidade de controle da economia estatal. (...) Devemos empreender ativamente o trabalho e avançar com coragem, mas não podemos realizar a privatização. Trata-se de um grande princípio em que não podemos hesitar.[132]

Chamamos a atenção, nessa longa citação, para a afirmação peremptória no sentido da “não privatização das estatais”, questão considerada, inclusive, como uma questão de princípio.

Ao mesmo tempo, porém, que o Partido continuou reafirmando o papel dirigente das empresas estatais no processo da modernização socialista, nunca deixou de se preocupar com o número exagerado de estatais (e a dispersão de esforços que isso significa) e os graves problemas de burocratismo, ineficiência e baixa produtividade de algumas delas:

existem na China 79.000 empresas de propriedade estatal*, e algumas são muito pequenas, com apenas algumas dezenas de trabalhadores (...) porém, existem 500 empresas extraordinariamente grandes (...) somente 10% dessas 500 empresas, umas 50, têm prejuízos atualmente (...) em três anos tiraremos das dificuldades a maior parte delas. (“O número de estatais na China varia de acordo com os critérios. Rongji refere-se as estatais, digamos, federais. Admite-se que incluindo estatais de províncias esse número vai de 300 a 400 mil.” [nota de autoria de Haroldo Lima])[133]

Em função disso, a partir de certo momento o Partido fez da reforma das estatais o elo central da Reforma econômica: “Para estabelecer o sistema de economia de mercado socialista e integrar organicamente o sistema de propriedade pública com a economia de mercado, é necessário considerar a reforma das empresas estatais o elo central da reforma do sistema econômico[134]. Para isso, buscou revitalizar o setor estatal, concentrando os seus esforços em um número menor de grandes empresas e nos setores estratégicos, as quais passaram por transformações estruturais com o objetivo de aumentar a produtividade do trabalho, incorporar tecnologias avançadas e ganhar competitividade, tudo isso combinado com uma “gestão empresarial moderna”. Alguns exemplos são elucidativos desses ajustes:

Baogan é a maior estatal que opera com ferro e aço na China e situa-se em Shanghai. Sua primeira fase começou a operar em 1985, quando o processo de reforma já se iniciava. Sua segunda fase foi inaugurada em 1991 e, nas duas fases, trabalhavam 40.000 pessoas. A reforma encampou a idéia das corporações ou dos conglomerados, encaminhando para separar do corpo principal da siderúrgica, a partir de 1990, os departamentos que pudessem manter ligações próprias com o mercado. A oficina de lingotes deu lugar à Fundição de Baogang. Outra oficina se converteu em fábrica de processamento de Maquinaria. O setor de transporte formou a Companhia de Transporte de Baogang. E todas essas empresas passaram a funcionar com a concepção de “gestão empresarial moderna”, buscando aumentar a produtividade do trabalho, incorporar tecnologia avançada e ganhar competitividade. (...) Baogang deve se converter, em 2010, em uma transnacional estatal, que atua na indústria, no comércio e nas finanças (...).[135]

Ao mesmo tempo, o Governo não descurou de milhares de empresas estatais menores, em dificuldades, e manteve tarifas aduaneiras protetoras para viabilizar sua recuperação ou a sua transformação em “propriedade cooperativa por ações”, “propriedade por ações” ou “propriedade individual”. As reformas passaram a prever, também, a possibilidade de reorganização, associação, fusão com outras, arrendamento, operação sob contrato, cooperação por ações, falência, dissolução ou venda:

Devemos conduzir reformas padronizadas nas empresas grandes e médias de propriedade estatal de acordo com os requerimentos de ‘nítida definição das relações de propriedade, definição dos direitos e responsabilidades, separação da administração governamental na gestão das empresas e administração científica’ (...) devemos efetuar uma reorganização estratégica das empresas de propriedade estatal, administrando bem as grandes empresas, ao mesmo tempo em que adotamos uma política flexível com relação às pequenas. (...) devemos organizar grandes grupos de empresas altamente competitivas trans-regionais, inter-setoriais, de diversas formas de propriedade, e multinacionais. Devemos, também, acelerar o passo na redução do controle sobre as pequenas empresas de propriedade estatal e revigorá-las por meio de reorganização, associação, fusão, arrendamento, operação sob contrato, cooperação por ações ou venda.[136]

Para evitar mal-entendidos, é importante esclarecer que a hipótese de “venda” só se aplica às pequenas estatais, sem valor estratégico, como alternativa à sua falência ou dissolução.

De todas essas alternativas, a mais importante foi a propriedade cooperativa por ações, onde os trabalhadores de uma firma compram seus ativos em ações. Essa venda só é permitida a quem trabalha na empresa. Se o trabalhador sair da empresa, não poderá levar as suas ações, que devem ser transferidas a trabalhadores da empresa. A remuneração é feita de acordo com o princípio “a cada um de acordo com o seu trabalho”, mas também são admitidos rendimentos por participação acionária.

Entre 1993 e 1997, em Sichuam, no oeste da China, 3.700 pequenas estatais deixaram de ser propriedade exclusivamente estatal através dessa política. Surgiram diversas formas de propriedade, havendo uma alteração nos direitos de propriedade dessas empresas, que tinham no máximo 500 trabalhadores cada. A propriedade cooperativa por ações predominou e cerca de 100 mil trabalhadores tornaram-se acionistas das empresas anteriormente estatais.

É importante observar o cuidado do Governo com os trabalhadores dispensados pelo processo de reajustamento das estatais e com as medidas para enfrentar o problema:

A transferência do pessoal excedente a outros postos, a redução do pessoal, a elevação da eficiência e a execução do projeto de recolocação constituem uma importante medida para a solução da questão do pessoal excedente das empresas estatais. (...) Para julgar se é bem feita a reforma e o desenvolvimento em uma empresa, é necessário não só considerar se ela conseguiu reduzir o seu prejuízo e aumentar o seu lucro, mas também se ela zelou verdadeiramente pela ideologia, pela vida e pela recolocação do pessoal. As autoridades centrais decidiram elevar o nível de garantia da vida básica e o seguro-desemprego dos trabalhadores deslocados das empresas estatais e o nível de garantia mínima da vida dos residentes urbanos. Os departamentos financeiros centrais concederão subsídios adequados às velhas bases industriais e à região Centro-Oeste com dificuldades financeiras.[137]

Um exemplo disso é o processo de ajuste da mina nº 1 de Shanxi, que produzia 900 mil toneladas anuais de carvão, utilizando 5.000 trabalhadores. Em novembro de 1991, o seu processo de produção, sistemas de trabalho, pessoal e salários foram reformados e racionalizados. Nos seis meses seguintes, a mina havia produzido 807.000 toneladas de carvão com apenas 1.300 trabalhadores, 36,5% a mais que no mesmo período do ano anterior. A produtividade aumentou quase sete vezes. Em conseqüência, o custo do carvão baixou e a mina – que no ano anterior havia tido um prejuízo de 19 milhões de yuans – fechou o ano com um lucro de 5 milhões de yuans. O que fazer, então, com os 3.700 trabalhadores ociosos? Não despedir ninguém manteria a empresa deficitária. Um socialismo que se baseasse em empresas deficitárias mergulharia em uma profunda crise e, a médio prazo, o colapso dessas empresas ou do conjunto da economia, levaria ao desemprego de todos. Para enfrentar esse dilema, a administração criou uma corporação para organizar novas indústrias com o pessoal excedente. Assim, surgiram uma empresa de construção civil, uma fábrica de brita e areia, uma agroindústria, uma organização comercial e um setor de serviços. A estatal foi mantida, sua eficiência aumentada e os empregos garantidos.[138]

8.7 – O 16º CONGRESSO E O “TERCEIRO PASSO” DA MODERNIZAÇÃO (2002)
 

O 16º Congresso Nacional do PC da China realizou-se em Pequim entre 8 e 14 de novembro de 2002. Contou com 2.114 delegados titulares e 40 delegados convidados, representando 66 milhões de filiados.

Em novembro de 2002, realizou o 16º Congresso do PCCh, o primeiro do novo século, no contexto do “terceiro passo da modernização socialista”. Sob a direção de Jiang Zemin, o conclave avaliou positivamente a aplicação da Reforma e da Abertura no qüinqüênio anterior:

Estabeleceu-se de maneira preliminar o sistema de economia de mercado socialista. Fortaleceu-se ainda mais a economia de propriedade pública e impulsionou-se a passos sólidos a reforma das empresas de propriedade estatal. A economia individual, a privada e outras de propriedade não pública registraram um desenvolvimento relativamente veloz. Desenvolveu-se em todos os terrenos a construção do sistema de mercado, aperfeiçoou-se ininterruptamente o sistema de regulação e controle macro-econômicos e se agilizaram os passos na transformação das instituições governamentais. Com a incorporação do nosso país à Organização Mundial do Comércio, a abertura ao exterior entrou em uma nova etapa.[139]

A Abertura ao exterior havia prosseguido com grandes vantagens para a China, que ampliou enormemente o seu comércio internacional, tornou-se o principal país do mundo em atração de investimentos externos diretos, obteve sucessivos superávits na balança comercial, acumulou divisas significativas e obteve tecnologia de ponta em setores estratégicos da economia:

Mais de 85% do investimento estrangeiro na China provém de Hong Kong, Taiwan, Cingapura e Japão. (...) Segundo o jornal China Daily, nada menos que 80% dos 57,5 bilhões em investimentos estrangeiros contratados em 1992 provêm dos compatriotas de Taiwan, Hong Kong, Macau e de chineses de outros países. O poder emocional dessa ligação não pode ser subestimado. Os membros da diáspora não estão só investindo. Eles constroem hospitais, universidades e contribuem com as cidades onde nasceram, para onde retornam com o objetivo de reverenciar os ancestrais.[140]

O 16º Congresso incorporou no Programa e nos Estatutos partidários o conceito da “Tripla Representatividade”, formulado por Jiang Zemin em 2000, que significa que a ação do Partido deve guiar-se pelo desenvolvimento das forças produtivas avançadas da China, pelo progresso de sua cultura avançada e pelos interesses fundamentais das mais amplas massas populares.

Em seu informe, Jiang Zemin elencou dez pontos orientadores:

1. Persistir em tomar a teoria de Deng Xiaoping como guia e impulsionar incessantemente a inovação teórica. (...) 2. Persistir em tomar a construção econômica como a tarefa central e resolver com o método do desenvolvimento os problemas surgidos no curso do avanço. (...) 3. Persistir na reforma e na abertura e melhorar continuamente o sistema de economia de mercado socialista. (...) 4. Persistir nos quatro princípios fundamentais e desenvolver a política democrática socialista. (...) 5. Persistir em fomentar a civilização tanto no material como no espiritual e combinar a administração do país segundo a lei com a administração do mesmo pela moralidade. (...) 6. Persistir no princípio de apreciar a estabilidade acima de tudo e tratar corretamente a relação entre a reforma, o desenvolvimento e a estabilidade. (...) 7. Persistir na direção absoluta do Partido sobre o exército e seguir o caminho com peculiaridades chinesas para construir uma força seleta. (...) 8. Persistir em unir as forças suscetíveis de serem unidas e incrementar sem cessar a coesão da nação chinesa. (...) 9. Persistir na política exterior independente e de paz, salvaguardar a paz mundial e promover o desenvolvimento comum. (...) 10. Persistir em fortalecer e melhorar a direção do Partido e levar adiante a nova e grande obra da construção do Partido em todos os sentidos.[141]

No âmbito econômico e social, o 16º Congresso colocou como meta central para os próximos 20 anos a quadruplicação do Produto Interno Bruto e a construção de uma sociedade em que o povo chinês tenha uma vida “modestamente acomodada”, “onde cada cidadão deve contribuir segundo a sua capacidade, cada um ter a sua adequada colocação e todos viverem em harmonia”.

Três fenômenos, aparentemente contraditórios, foram apontados para um maior desenvolvimento teórico: 1) A unidade entre a adesão aos princípios fundamentais do marxismo e a inovação teórica; 2) A unidade entre a fidelidade às tradições do Partido e o aprendizado do espírito da época; 3) A unidade entre o fortalecimento da base classista do Partido e a ampliação de sua base de massas.

O 16º Congresso foi marcado também por uma ampla renovação da direção do Partido e do Estado e pela ascensão da “quarta geração” de líderes da revolução chinesa (a primeira foi a nucleada por Mao Zedong, a segunda por Deng Xiaoping e a terceira por Jiang Zemin). Fiel à política – instituída por Deng Xiaoping – de “aposentadoria” dos quadros mais velhos, para abrir caminho aos jovens – Jiang Zemin (74 anos), que estava a frente do PCCh desde 1989 (quando substituiu Zhao Ziyang na Secretaria Geral do Partido), renunciou e foi substituído por Hu Jintao.

Hu Jintao (...) no início dos anos 80 era um jovem integrante da Comissão de Construção na obscura e árida província de Guizhou, no noroeste do país. Sua inteligência e eficácia foram notadas pelo secretário provincial do partido que o guindou ao posto de sub-chefe da comissão, atropelando diversos postulantes. De lá, Hu passou à Liga da Juventude Comunista, em Pequim, onde permaneceu pouco tempo. Aceitou as designações para secretário-geral do partido em duas das províncias mais pobres – Guizhou e Tibete. Nesta última, decretou lei marcial em março de 89, para enfrentar uma onda de protestos. Ao fazê-lo, abriu um precedente na história da República Popular da China e se antecipou às autoridades centrais, que adotariam o mesmo procedimento três meses mais tarde em Pequim, contra a revolta de Tian’anmen. (...) Houve uma única disputa: Li Ruihuan, considerado favorável a eleições mais abertas, amplas, deveria ou não permanecer na Comissão Permanente? Ela foi resolvida em favor do novo secretário Geral: Li ficou de fora, como queria Hu.[142]

Hu Jintao, hoje com 59 anos, foi 1º Secretário da Liga da Juventude Comunista, em meados da década de 80, Secretário-Geral do Partido em Guizhou e no Tibet, membro da Comissão Permanente do Birô Político do Comitê Central e Vice-Presidente da República, desde 1998. Todos os outros membros da Comissão Permanente também se afastaram, sendo substituídos por Wen Jiabao (60), Wu Bangguo (61), Luo Gan (67), Zeng Qinghong (63), Li Changchum (58), Jia Qinglin (62), Huang Ju (64) e Wo Guangzheng (64). Jiang Zemin continuou a frente da Comissão Militar do PCCh.

Em março de 2003, quando se reuniu a 1ª Sessão da 10ª Assembléia Popular Nacional (APN). Jiang Zemin também renunciou a seu cargo de Presidente da República, continuando somente na Presidência da Comissão Militar da APN. Nessa ocasião, Hu Jintao foi eleito Presidente da República Popular da China. Para a Presidência do Comitê Permanente da APN foi eleito Wu Bangguo (que já havia sido Vice-Primeiro-Ministro na década de 90), em substituição a Li Peng.

A APN definiu as principais tarefas econômicas para o próximo período:

Dentre elas, se destacam a consecução da melhoria do nível de vida do povo como um objetivo econômico – o que soaria muito estranho na cabeça de um tecnocrata ocidental –; a necessidade premente de retificar, regulamentar e incrementar a supervisão e o controle sobre a ordem da economia socialista de mercado, colocando o setor privado da economia socialista sob a direção e indução dos interesses maiores do Estado; a realização de uma campanha pelo desenvolvimento do Oeste da China, buscando desenvolver mais rapidamente as províncias do Leste (mais desenvolvidas) e as províncias do Oeste (menos desenvolvidas), inclusive com a realização de grandes obras de infraestrutura; o enfrentamento das diferenças entre a cidade e o campo e a necessidade de melhorar o nível de renda dos camponeses, haja visto que se registra movimentos de cerca de 80 milhões de camponeses em direção às prósperas cidades da costa leste.[143]

8.8 - HONG KONG, MACAO, TAIWAN E CHINA: “UM PAÍS, DOIS SISTEMAS
 

Em 1º de julho de 1997, Hong Kong foi devolvida à China pelo Reino Unido. Hong Kong torna-se uma Região Administrativa Especial da República Popular da China sob o princípio "um país, dois sistemas".

Ainda que não seja o nosso objetivo analisar a política externa chinesa, faremos alguns rápidos comentários sobre a problemática da reunificação e sobre a política chinesa de “Um país, dois sistemas”.

Desde o início dos anos 80, o PCCh orientou sua política externa pela “luta contra o hegemonismo e em defesa da paz mundial”, buscando construir um ambiente de paz, favorável à concretização das “quatro modernizações”. Política à qual devem ser agregados os “Cinco Princípios de Coexistência Pacífica”, defendidos pela China desde a década de 50:

A China, atendo-se firmemente a sua política exterior independente e aos cinco princípios – respeito mútuo à soberania e à integridade territorial, não agressão, não intervenção de um nos assuntos internos de outro, igualdade e benefício recíproco e coexistência pacífica –, desenvolve suas relações diplomáticas e intercâmbios econômicos e culturais com os demais países; persiste na luta contra o imperialismo, o hegemonismo e o colonialismo, fortalece sua unidade com os outros povos do mundo, apóia as nações oprimidas e os países em desenvolvimento em sua justa luta pela conquista e a salvaguarda da independência nacional e pelo fomento da economia nacional, e trabalha para defender a paz mundial e promover a causa do progresso da humanidade.[144]

Tendo por Norte essas esses princípios, a China procurou nos anos 80 enfrentar a tarefa histórica da reunificação da pátria, o que implicava, inicialmente, o retorno à soberania do Estado chinês de Hong Kong e Macao. Era necessário estabelecer negociações com os governos da Inglaterra e de Portugal e resolver intrincados problemas, como o fato da existência do sistema capitalista em Hong Kong e Macao e do sistema socialista na China.

Para isso, Deng Xiaoping – então à frente do governo e do Partido – propôs a política de “Um país, dois sistemas”, que significava no essencial a aceitação da existência, dentro da China reunificada, de dois sistemas sociais coexistindo por um longo período. Assim, quando a China recuperasse a sua soberania sobre Hong Kong e Macao, estabeleceria em ambos os territórios Regiões Administrativas Especiais, com alto grau de autonomia, onde está assegurado por 50 anos a manutenção do sistema capitalista de produção: “Em um grande país socialista como este, permitir a algumas pequenas regiões particulares a aplicação do sistema capitalista não será prejudicial, e sim favorável, para o desenvolvimento da causa socialista no seu conjunto.[145]

Com base nessa política, em dezembro de 1984, após dois anos de negociação, os governos chinês e britânico assinaram em Beijing a “Declaração Conjunta sobre o Problema de Hong Kong”, definindo o retorno de Hong Kong à soberania chinesa no dia 1º de julho de 1997. De maneira similar, em abril de 1987, China e Portugal firmaram em Pequim a “Declaração Conjunta sobre o Problema da Macao”, estipulando que Macao retornaria a ser território chinês a partir de 20 de dezembro de 1999. Ambas reintegrações ao território da China já ocorreram, sem qualquer trauma na transição ou prejuízo no terreno econômico.

Cabe notar que esta unificação – principalmente com Hong Kong e futuramente com Taiwan – foi sendo construída sobre bases econômicas sólidas, tendo em vista o grande incremento das relações comerciais e os pesados investimentos diretos, que criaram laços cada vez mais estreitos entre as suas economias:

É importante salientar (...) a cada vez mais estreita imbricação do que alguns autores chamam de “triângulo de crescimento da China meridional” ou de “Área Econômica Chinesa”, que inclui as novas “regiões administrativas especiais” de Hong Kong e de Macau, assim como Taiwan. Com a incorporação de Hong Kong, o território da China aumentou 0,01% e a sua população 0,5%, mas o seu PIB cerca de 20% em dólares correntes (e quase 5% em paridade de poder aquisitivo. Com Taiwan, seria mais um aumento em torno de 40% (ou de quase 10%). (...) Os vínculos entre a República Popular, Hong Kong e Taiwan cresceram aceleradamente como conseqüência da abertura chinesa. Das exportações de Taiwan, a porcentagem destinada a Hong Kong passou de menos de 10% em 1980 para mais de 20% em 1993, ultrapassando em 1995 as que se dirigiam aos Estados Unidos. Desde 1995, uma manobra administrativa permite contornar a proibição de laços comerciais diretos pela criação bastante artificial de um porto off-shore em Taiwan, teoricamente fora do seu território aduaneiro. (...) Algo semelhante passou com as exportações de Hong Kong, onde o mercado chinês superou o norte-americano no início dos anos 90. A China, que exportava porcentagens similares para Hong Kong e para o Japão em 1980, enviava mais de 40% do total ao enclave inglês em 1992, contra pouco mais de 10% ao Japão. (...) Resumindo, a crescente interconexão de Taiwan, Hong Kong e a República Popular pelo comércio e os investimentos mútuos fazem surgir, independentemente das tensões políticas recorrentes, um gigante econômico que supera amplamente as cifras que correspondem apenas à China. A maior parte dos investimentos “estrangeiros” na China provém de Hong Kong e, em muito menor escala, de Taiwan. Por outro lado, a China Popular já é o primeiro investidor exterior em Hong Kong há vários anos.[146]

Essa mesma política – de “Um país, dois sistemas” – está sendo proposta para a reunificação de Taiwan:

Como uma região administrativa especial, Taiwan gozará de um alto grau de autonomia, terá independência judicial e não requererá a autorização de Beijing para as sentenças de última instância; poderá manter o seu exército e os interesses das autoridades taiwanesas e das partes pertinentes, assim como do povo de Taiwan, serão garantidos de maneira efetiva.[147]

Hong Kong e Macao já voltaram a fazer parte na China. Falta unicamente que Taiwan o faça para que o antigo sonho da reunificação da China se torne realidade.

9 - OS GRANDES ÊXITOS DA CHINA REFORMADA

Um balanço objetivo dessas décadas transcorridas desde o início das Reformas na China, nos permite perceber enormes êxitos econômicos, sociais, político e diplomáticos.

Em conseqüência da Reforma e da Abertura e do novo modelo de Economia Socialista de Mercado, a China é o país que mais cresce no mundo há quatro décadas, de forma ininterrupta e a uma taxa média de 9% ao ano. Por essa razão, em 1995 havia quadruplicdo o seu Produto Interno Bruto em relação a 1978. Em 2003 – segundo matéria da revista VEJA –, o seu PIB já era estimado em US$1,2 trilhões, ao câmbio oficial.[148]. Porém, como o custo de vida de vida na China era cinco vezes inferior ao dos Estados Unidos, o seu PIB real (em valores equivalentes) subiria para US$ 6 trilhões, tornando-se, em valores absolutos, a segunda economia do mundo, atrás somente do EUA (então com um PIB de US$10,4 trilhões) e a frente do Japão (US$3 trilhões):

estimar a ordem de grandeza da economia chinesa é difícil. À primeira vista, não chega a ser impressionante: convertida pela taxa de câmbio é de menos de US$ 1 trilhão (...). Mas, segundo estimativas usadas pelo insuspeito serviço de informações americano (CIA), o custo de vida na China é cinco vezes menos que nos Estados Unidos – ou seja, um yuan compra cinco vezes mais do que o câmbio sugere. Aluguéis, produtos básicos e serviços públicos são subsidiados pelo Estado e extremamente baratos. Levando isso em conta, (...) a economia chinesa salta para US$ 4,9 trilhões (metade da americana ) e é a segunda do mundo – 70% maior que a do Japão - com renda per capita de US$ 4.000, comparável à média dos países latino-americanos.[149]

O Governo chinês prevê um crescimento anual de 7,2% nas duas primeiras décadas desse século e de 5,4% entre 2030 e 2050. Para isso tem um grande programa de investimentos em infra-estrutura (energia, telecomunicações, transportes, saneamento) e de desenvolvimento do Oeste da China. Segundo o economista Jorge Beinstein, “um recente documento do FMI chega à conclusão de que se a China e os Estados Unidos continuarem crescendo às taxas médias das últimas três décadas (respectivamente 8,5% e 2,4% ao ano), a China vai superar os Estados Unidos no ano 2007, a partir do qual passaria a ser a primeira potência econômica global.”[150]

Entre 1978 e 2002, o comércio exterior chinês cresceu 30 vezes, passando de US$ 20,6 bilhões para US$ 622,2 bilhões. Em 2002, a China exportou US$ 325,6 bilhões (22,3% a mais que em 2001), tendo um superávit comercial de US$ 27,8 bilhões e tornando-se o 4º exportador mundial, atrás somente dos EUA, Alemanha e Japão. Seus superávits comerciais somaram US$ 220 bilhões entre 1995 e 2002 (US$ 43,6 bilhões em 1998). Em março de 2003, a China já acumulava US$ 310 bilhões em reservas. Suas exportações passaram a ser crescentemente industriais (37% em 1995), inclusive de alta tecnologia (20% de suas exportações, contra 19% da União Européia e 32% dos EUA).[151]

No alvorecer do terceiro milênio, a China passou a ostentar de índices macroeconômicos invejáveis: assim, em 2002 o índice geral de preços ao consumidor baixou 0,8% em relação ao ano anterior (os preços diminuíram 1% nas cidades e 0,4% nas áreas rurais); a taxa de juros real foi de 6% ao ano (para empresas); sua dívida externa limitou-se a 15% do PIB e a sua receita fiscal em 2002 foi de US$ 210 bilhões (17,5% do PIB).

Por sua estabilidade – econômica e política – pelo dinamismo da sua economia, pelo seu imenso mercado interno, por sua mão-de-obra qualificada e barata, por sua política de Abertura ao exterior, a China é, há anos, um dos países que mais recebe Investimentos Externos Diretos. Já em 2002 assumiu o primeiro lugar – desbancando pela primeira vez os EUA –, com um total de US$ 52,7 bilhões (US$ 46,8 em 2001). Desses, 70% foram inversões na indústria eletrônica e de telecomunicações. Das 500 maiores empresas do mundo, 416 têm investimentos diretos no país e estima-se que nos últimos anos ocorreram investimentos estrangeiras em valor superior a US$ 400 bilhões: “Em 1999 e 2000, os IED desceram do patamar de 45 bilhões de dólares para o de 40 bilhões, voltando ao anterior e ainda superando-o, com um recorde de 46,8 bilhões em 2001. O total dos anos 1979-2001 chegou assim a cerca de 400 bilhões (...) O êxito parece inquestionável e a locomotiva continua a todo vapor.[152]

Na virada do milênio, a China já era a terceira potência espacial do planeta, o segundo maior produtor de eletricidade do mundo, consumia 40% de toda a produção mundial de cimento e 25% da produção mundial de aço (sendo o seu maior produtor); dominava 30% do mercado mundial de confecção e de têxteis (70% das máquinas têxteis exportadas, em 2002, no mundo, tiveram por destino a China) e tornou-se a maior produtora de cereais do planeta. Enfim, passou a ser um gigante da economia mundial, com um potencial de crescimento ainda inexplorado.

Também a agricultura chinesa teve grandes avanços. Em 1997, apesar dos problemas climáticos, a produção de cereais atingiu 492,5 milhões de toneladas de grãos, 62% mais do que em 1978 (em 1996 haviam sido 505 milhões de toneladas). A de algodão chegou a 4,3 milhões de toneladas Só em 1997 foram reflorestados 4,2 milhões de hectares. A produção de carne atingiu 53,5 milhões de toneladas e a de produtos aquáticos 35,6 milhões de toneladas. As empresas de Cantão e Povoado contribuíram para a urbanização e industrialização rurais, sendo responsáveis por cerca de 60% do valor agregado da produção rural em 1997, absorvendo 130 milhões de trabalhadores.

Mas os avanços foram não são só econômicos, refletindo-se em uma melhoria significativa das condições de vida do povo chinês. Segundo o relatório “Um mundo melhor para todos”, assinado pelos presidentes do FMI e do Banco Mundial, e divulgado pela ONU e pela OCDE:

a China, “que não seguiu a orientação do Fundo”, foi o país que mais reduziu a pobreza entre 1990 e 1998, As cifras do Relatório são eloqüentes. “o número de pobres na China diminuiu de 360 milhões para 210 milhões. No mundo, no mesmo período, a redução foi de 1,3 bilhão para 1,2 bilhão”. Significa que a China retirou da faixa de pobreza mais gente – 150 milhões de pessoas – entre 1990 e 1998, do que todo o restante do mundo junto, onde esse número chegou a 100 milhões.[153]

E até a tendenciosa revista VEJA é obrigada a reconhecer os avanços sociais da China:

Os ritmos chineses são alucinantes. Em dez anos eles elevaram o padrão de vida de 270 milhões de pessoas, ou 20% de sua população, que saiu da miséria quase absoluta para um padrão razoável de vida. Desse grupo, nada menos que 65 milhões de pessoas atingiram os padrões de classe média, que compra automóveis, telefones celulares e assinam televisões a cabo.[154]

Nessa mesma edição da revista VEJA, em depoimento concedido a Ariel Kostman e Chrystiane Silva, o brasileiro Luiz Cabral – dono de oito escolas de inglês em Pequim e Shanghai – afirma em tom de espanto: “Quando fui a China pela primeira vez, pensei que ia encontrar um país com muita gente pobre, todos andando de bicicleta. Levei um choque. O que vi foram pessoas com carro novo, telefone celular. Elas parecem contentes com o desenvolvimento”.[155] Manifestação que traduz bem o nível de desinformação em relação à China a que os meios de comunicação, com raras exceções, submetem a nossa população.

Segundo Viktor Sukup:

todos os observadores concordam que o nível de vida do chinês médio melhorou substancialmente, especialmente entre os agricultores. Não só a comida é hoje relativamente abundante, mas também bicicletas, os aparelhos de televisão e outros itens estão agora muito acessíveis à massa camponesa. A eletrificação, indicador essencial da eliminação da pobreza, seria hoje comparável à dos países mais adiantados, chegando a 98-99% da população. A fome (...) parece ter desaparecido.[156]

Muitos outros índices – nos terrenos da habitação, da educação, da saúde, da cultura, da ciência, da tecnologia – poderiam ser apresentados. Mas não é esse o objetivo desse capítulo, que pretende, unicamente, dar uma idéia geral dos grandes avanços já obtidos pela China Socialista com as Reformas e as enormes perspectivas que ela ainda tem pela frente.

11 – CONCLUSÕES

11.1 -  A TEORIA CHINESA DE TRANSIÇÃO AO SOCIALISMO

Tendo por base as formulações dos líderes do PCCh sobre a construção do socialismo na China, tentaremos sistematizar, resumidamente, a “teoria do socialismo do tipo chinês”.

Em primeiro lugar, uma de suas principais marcas – desde os tempos de Mao Zedong – é a aversão ao dogmatismo, pugnando pela aplicação criadora do marxismo à realidade concreta da China, “tomando a prática como o único critério para comprovar a verdade, emancipando a mente, buscando a verdade nos fatos e respeitando a iniciativa das massas”.[157] Visão integralmente dentro da tradição marxista-leninista, que sempre afirmou que “o marxismo não é um dogma, e sim um guia para a ação” e que “só existe verdade concreta.”

Portanto, não existe um “modelo universal de socialismo” a ser copiado. É preciso partir da realidade singular da China – o país mais populoso do mundo, com dimensões continentais, com 80% da população vivendo no campo e com um baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas – para construir “um socialismo com peculiaridades chinesas.”

Para Marx, o socialismo será construído “sobre a base de um alto desenvolvimento das forças produtivas” pois para chegarmos à etapa comunista – “onde cada um aportará segundo as suas capacidades e receberá de acordo com suas necessidades” – é preciso edificar uma sociedade da abundância, onde as necessidades básicas de todos estejam supridas.

A construção do socialismo, em um país atrasado como a China, requer toda uma época histórica – de ao menos cem anos – e se encontra hoje em sua “etapa primária”.

Como não existe um “socialismo da pobreza”, nem um “comunismo da pobreza”, a questão chave durante toda a etapa socialista é o mais impetuoso desenvolvimento das forças produtivas. Sem negar a continuidade da luta de classes no socialismo, o elo principal tem de ser a construção econômica e o critério básico para avaliar qualquer medida é se ela contribui ou não para um maior desenvolvimento das forças produtivas.

O atraso das forças produtivas determina relações de produção com um grau muito baixo de socialização da produção, socialização que é indispensável para o fomento da propriedade pública socialista. Por isso, na etapa primária do socialismo, a economia deve apoiar-se em “múltiplas formas de propriedade dos meios de produção”, de maneira a guardar correspondência com o baixo nível das forças produtivas, inclusive utilizando (dentro de certos limites) os aportes da propriedade privada nacional e estrangeira, desde que “assegurado o predomínio da propriedade social”, nela incluída a “propriedade de todo povo” (estatal). Toda e qualquer “queima de etapas” nesse terreno desestimulará os camponeses e os trabalhadores em geral, dificultando um avanço mais rápido das forças produtivas:

No que se refere à estrutura da propriedade, predominará a propriedade pública, incluída a do povo e a coletiva, no entanto, servirá de complemento o setor privado e de capitais externos, de modo que esses distintos regimes de economia se desenvolvam conjuntamente por longo tempo (...). Quanto ao sistema de distribuição, deve prevalecer a remuneração conforme a contribuição de cada um, complementado por outros métodos de remuneração, para o qual deve-se ter em conta tanto a eficiência como a eqüidade. (...) O planejamento estatal é uma das mais importantes formas do macro-controle econômico.[158]

Da mesma forma, a distribuição da riqueza e a remuneração do trabalho deverão guiar-se pelo princípio de “a cada um de acordo com o seu trabalho”, rompendo com as práticas igualitaristas, que só atrasam o desenvolvimento das forças produtivas. Em forma complementar, na etapa primária do socialismo podem ser utilizadas outras modalidades de distribuição, inclusive os dividendos de ações de empresas ou cooperativas.

Como é impossível que todos progridam ao mesmo tempo e de forma parelha, é necessário estimular algumas regiões e algumas pessoas para que atinjam a prosperidade antes que outras, de maneira que com o seu exemplo impulsionem os demais, criando uma grande emulação pela prosperidade comum. Aqui, porém, é preciso impedir a polarização, isto é, que alguns fiquem cada vez mais ricos e outros cada vez mais pobres. Para impedir isso, cabe ao Estado criar políticas fiscais sobre os lucros e sobre as heranças.

O essencial é garantir a propriedade pública dos principais meios de produção, nos setores estratégicos da economia, evitar a polarização e manter com firmeza o controle do poder político pela classe operária e seus aliados, através da direção do Partido Comunista e da Ditadura Democrática Popular. Aliás, se equivoca quem pensa que os riscos da restauração do capitalismo advém essencialmente do domínio da economia. Na verdade, eles nascem principalmente nos âmbitos político e ideológico. Por isso, zelar pela saúde política e ideológica do Partido Comunista e do Estado de Democracia Popular é o que realmente conta.

Assim como o socialismo herda determinadas forças produtivas do capitalismo, também herda determinados mecanismos de funcionamento da economia e determinados métodos e técnicas administrativas ou organizacionais. Não é pelo fato de elas terem sido criadas pelo capitalismo que as torna “intrinsecamente más”:

Para acelerar o desenvolvimento econômico do nosso país, devemos liberar ainda mais nossa mente e acelerar a reforma e a abertura, sem ficar presos mentalmente nas polêmicas abstratas sobre se isso ou aquilo é classificado como socialista ou capitalista. Pará ganhar superioridade sobre o capitalismo, o socialismo deve assimilar e tomar de forma audaz como referência o que há de mais avançado em matéria de métodos de gestão e administração nos demais países do mundo – incluídos os países capitalistas desenvolvidos –, que refletem as leis gerais da moderna produção socializada e da economia de mercado. Devem e podem ser utilizados pelo socialismo fundos, recursos, tecnologia e talentos do exterior, assim como o setor privado da economia, que desempenha um proveitoso papel complementar. Isso, com o poder estatal nas mãos do povo e a presença de uma poderosa economia de propriedade pública, não prejudicará o socialismo, mas redundará em benefício ao seu desenvolvimento.[159]

Sob esse prisma é que deve ser examinado o falso antagonismo entre planificação e mercado. Na verdade nem a planificação é intrínseca ao socialismo, nem o mercado é intrínseco ao capitalismo. Assim como a planificação existe tanto no socialismo como no capitalismo, o mercado existe tanto no capitalismo como no socialismo. A prática inclusive já demonstrou – na experiência do socialismo do século passado – que o planejamento exagerado só leva ao enrijecimento da economia, ao refreamento do desenvolvimento das forças produtivas e à ineficiência produtiva. Da mesma forma, o livre mercado absoluto tem como conseqüência a extrema polarização entre a riqueza e a pobreza e a anarquia na produção, o que se expressa nas crises periódicas e na estagnação prolongada em que vicejam os países capitalistas, avançados ou não.

Impõe-se a construção de uma economia de mercado planificada, tendo por base a propriedade pública dos meios de produção, com a tarefa central de propiciar o desenvolvimento acelerado das forças produtivas, eliminar a exploração e evitar a polarização, tendo por objetivo a prosperidade comum. Assim, na etapa primária do socialismo, devem ser utilizados esses dois mecanismo para controlar a economia: o planejamento macroeconômico e o mercado, “cabendo ao Estado regular o mercado e a este orientar as empresas”.

Da mesma forma, é preciso aprender a utilizar outros mecanismos econômicos criados pelo capitalismo, como os bancos e as sociedades por ações. Estas, na sua essência, significam a separação dos direitos decorrentes da propriedade do direito de gestão. Mecanismo, aliás, que a maioria das empresas modernas utiliza para transferir a sua administração a profissionais capacitados.

Porque esse mecanismo não pode ser utilizado pelo socialismo? Com esse objetivo, os comunistas chineses procuraram separar a administração das empresas estatais da direção governamental, obtendo excelentes resultados. Isso contraria o marxismo? Ou, ao contrário, resgata a essência do marxismo que – ao tratar da extinção do Estado no comunismo – nos diz que o Estado se extinguirá no dia em que o “governo das pessoas” for substituído pelo “governo das coisas”? O que é esse “governo das coisas” senão a auto-administração econômica na sociedade comunista avançada, que não mais necessita de um órgão de coerção política – “para governar as pessoas”, como o Estado? Não será essa uma experiência inovadora, que caminha exatamente no sentido contrário da frustrada experiência soviética, de crescente fortalecimento do Estado, cada vez mais centralizador?

Coerentes com essa visão, os chineses têm procurado valorizar a ciência da administração capitalista – considerada também uma importante força produtiva – entregando a gestão “micro-econômica” (das empresas) a profissionais e técnicos, separando-a da gestão “macro-econômica”, exercida pelo Estado. A preocupação fundamental passa a ser o fortalecimento da função regulatória e planejadora do Estado, que se dá basicamente no campo macroeconômico.

Para concluir esse ponto, gostaríamos de dizer que, no nosso entender, a “teoria do socialismo do tipo chinês” não representa uma ruptura com o marxismo e sim uma tentativa de desenvolvimento do marxismo a partir da experiência prática. Se ela terá êxito ou não é algo que nesse momento está pendente de respostas práticas e teóricas.

11.2 - O ALCANCE INTERNACIONAL DA EXPERIÊNCIA CHINESA

Aqui, a primeira questão que devemos examinar é se o “caminho chinês para o socialismo” tem caráter puramente específico, singular, irrepetível – decorrente das particularidades da China, do seu povo, da sua história e da sua cultura – ou se ao mesmo tempo nos proporciona ensinamentos e orientações de caráter universal, principalmente para a construção do socialismo nos países dependentes e atrasado, mas também nos países capitalistas avançados.

Por tudo o que já foi dito no decorrer desse trabalho, estamos convencidos que a experiência chinesa engloba tanto ensinamentos específicos à realidade chinesa, como ensinamentos de caráter universal. Ou seja, incorpora avanços teóricos importantes na concepção marxista da transição do capitalismo ao socialismo e deste ao comunismo. Expressão disso são as reformas econômicas que vêm sendo implementadas no Vietnã e em Cuba, com ótimos resultados, cuja inspiração nas Reformas chinesas é inegável.

Um segundo interrogante, que também nos parece importante tentar responder, é quais os ensinamentos que podemos retirar da experiência chinesa para os países que tentam romper com o neoliberalismo – ainda que nos marcos de uma sociedade capitalista – e buscam construir um novo modelo de desenvolvimento econômico soberano e inclusivo.

Também aqui a nossa resposta é positiva: a experiência chinesa de realização de uma ampla reforma agrária e de crescimento econômico com distribuição de renda; de grandes investimentos em cultura, ciência e tecnologia; de apoiar-se essencialmente no mercado interno e na poupança interna; de atrair capitais externos produtivos em áreas de alta tecnologia, definidas prévia e soberanamente pelo Estado Nacional; de combinar a existência de um mercado regrado com o planejamento estratégico pelo Estado; de combinar investimentos em indústrias de alta tecnologia (que utilizam pouca mão-de-obra) com o investimento em empresas de uso intensivo de mão-de-obra; de impulsionar a iniciativa e a criatividade das massas trabalhadoras; devem ser levadas em conta por todos que buscam construir um projeto econômico alternativo ao neoliberalismo imperante.

Por fim, também nos parece importante estudar com muita atenção a experiência chinesa de inserção soberana no mercado internacional e inclusive de associação com o capital internacional em condições bastante favoráveis, com transferência de tecnologia. Os ensinamentos daí advindos podem ser úteis não só para os países em transição para o socialismo, como também para aqueles que – nos marcos do capitalismo – tentam romper com o funesto modelo neoliberal.

11.3 – PARA ONDE VAI A CHINA?

A ninguém mais é permitido ignorar, na atualidade, a exitosa e original experiência chinesa. Mas, a partir daí, toda unanimidade desaparece.

Alguns, “à esquerda”, afirmam que para isso a China abandonou a “ortodoxia” marxista e o caminho construção do socialismo, adotando o modelo capitalista e se submetendo aos ditames do capital financeiro internacional.

Outros, à direita, repetem quase o mesmo, acrescentando – em tom de triunfo – que isso comprova a superioridade do capitalismo sobre a “utopia socialista”. Só não explicam porque o “seu capitalismo” não dá certo no resto do mundo e vive uma profunda crise estrutural, sincrônica, seja nas metrópoles imperialistas – Estados Unidos, Europa e Japão –, seja no resto do mundo “emergente” ou “subdesenvolvido”.

Portanto, a primeira questão que requer uma resposta é a elucidação do sentido das transformações sociais e econômicas em curso na sociedade chinesa – caracterizada pelos comunistas chineses como “socialismo com peculiaridades chinesas” –, buscando esclarecer o sentido “socialista” ou “capitalista” dessas mudanças.

O acúmulo que temos do estudo das experiências soviética e chinesa de construção do socialismo, assim como das concepções teóricas dos clássicos do marxismo sobre a transição do capitalismo ao comunismo (passando pela etapa socialista), nos dão a convicção de que as transformações sociais e econômicas em curso na sociedade chinesa apontam no sentido de transformações socialistas – de um forma original e extremamente audaciosa – e não no sentido do retorno ao capitalismo. Ainda que o resultado da luta e a definição de quem vencerá a quem – o capitalismo ou o socialismo – não esteja de antemão decidido. O que, aliás, é da natureza de todo processo de transição.

Uma segunda questão, associada à anterior, é a problematização da “teoria chinesa de transição ao socialismo”, identificando suas “continuidades” e “rupturas” com o marxismo-leninismo, com a visão soviética tradicional e com o “maoísmo”.

Como já dissemos, entendemos que a teoria chinesa de transição ao socialismo não se constitui em uma ruptura com o pensamento marxista clássico. Ao contrário, bebe criativamente em suas fontes originais. Ao mesmo tempo, porém, sistematiza em forma crítica a experiência soviética – inspirando-se inclusive na Nova Política Econômica (NEP), implementada por Lenin. Mais, busca tirar lições da derrota do socialismo na União Soviética e nos países do Leste Europeu, assim como do fracasso da Glasnost e da Perestroika (ainda que as tenha precedido). Tampouco significa um ruptura com o “maoismo”, aqui identificado com a produção teórica de Mao Zedong desde a década de 20 (apesar dos seus equívocos durante o Grande Salto Adiante e na Revolução Cultural). Mas representa, isso sim, uma ruptura com as concepções de Mao durante a Revolução Cultural.

Quaisquer que sejam os percalços que o futuro reserve para a revolução chinesa – que, junto com as revoluções russa, vietnamita, cubana, coreana, e tantas outras, faz parte do enorme patrimônio de experiências dos povos de todo o mundo, em sua luta pela emancipação política, econômica e social –, uma coisa é certa: a experiência de transição para o socialismo sai extremamente renovada e enriquecida pelas Reformas da China pós-Revolução Cultural!

CONCLUSÃO

            Tendo em vista o objetivo central desse estudo – o de examinar as reformas de  Deng Xiaoping, que alteraram os rumos da construção socialista na China – e sem pretender fazer uma “atualização geral’ (desnecessária) do texto, achei importante agregar um pequeno capítulo de “conclusão”, para atualizar alguns dados sobre os grandes avanços econômicos e sociais que a China teve no último período.

            Assim, podemos constatar que após 70 anos da vitória da Revolução Chinesa e 40 anos das “Reformas”, a China passou da 120º PIB mundial para o 20º PIB, em 1978, e – de acordo com o critério de paridade do poder de compra – para o 1º PIB, em 2013. Em 2018, segundo esse critério, sua economia representou 18,7% do PIB Mundial, contra 15,1%% dos EUA (dados da UNAM). Entre 1950 e 1977, teve um crescimento anual médio de 5%, que saltou para 9,8%, entre 1978 e 2015. Em contrapartida, os EUA cresceram a uma media anual de 3% de 1950 a 1980, caindo para 2,7%, entre 1980 e 2015. Em 2017, a China contribuiu com 30% do crescimento global.

            A China tornou-se a maior potência manufatureira e a maior potência comercial do mundo, com saldos permanentes na balança comercial, acumulando quatro trilhões de dólares em reservas internacionais, as maiores reservas do mundo, equivalentes a mais de 30% do total. Em 2015, só de janeiro e outubro, a China exportou 1,86 trilhões USD e importou 1,37 trilhões USD, tendo um saldo favorável de 490 bilhões USD. Tanto na produção industrial como nas exportações, o peso dos produtos de alta tecnologia e alto valor agregado tem aumentado mais rapidamente (em 2017 as exportações chinesas de baixa tecnologia foram de apenas 29%)

            Segundo a Oxford Economics, desde 2001 – quando ingressou na OMC – o valor agregado produzido na China cresceu a uma taxa anual média de 12,8%, ante 1,9% do Japão, 1,8% da Alemanha, 1,4% dos EUA e 0% do Reino Unido. Fruto disso, a China responde hoje por 27% do valor agregado da manufatura global – 1,7 vezes mais que os EUA, 2,8 vezes mais que o Japão e 4,4 vezes mais que a Alemanha. Em 2014, uma comparação os setores secundário e terciário da economia (os principais na China de hoje) nos mostra que 42,6% do valor agregado total foi produzido nas indústrias e 48,2% nos serviços. E grande parte do setor de serviços cumpre funções produtivas de apoio ao setor industrial. Fica claro porque a China é hoje a “fábrica do mundo”.

A China também construiu um amplo e sólido sistema financeiro que – à diferença dos sistemas financeirizados, rentistas e especulativos do ocidente capitalista – é um poderoso instrumento a serviço da produção e da economia nacional. Quatro grandes bancos nacionais controlam 80% do capital bancário do país e outros 80 bancos menores – distritais ou locais – detém outros 18%, restando 2% nas mãos de bancos privados, principalmente estrangeiros. Através da ação desse sistema financeiro público, dos mecanismos de controle macroeconômico em mãos do Estado (câmbio, juros, moeda, investimentos públicos, alocação de mão-de-obra, disponibilidade de infra-estrutura e matérias-primas, etc.) e da predominância estatal nos setores econômicos estratégicos, é perfeitamente possível dirigir a economia no rumo de um crescimento virtuoso. Isso tem garantido grande estabilidade da moeda, com inflação reduzida, fazendo com que o Yuan já seja a 5ª moeda internacional, atrás do dólar, euro, libra e yen.

Ao contrario do que muitos pensam, apesar da importância que a China dá aos investimentos estrangeiros e ao comércio internacional – até por sua carência de matérias primas e insumos –, o motor decisivo do seu dinamismo econômico é a sua poupança interna e o seu imenso mercado nacional, formado por 1,4 bilhões de pessoas, com crescente capacidade aquisitiva, o qual, em 2015, foi responsável por 66% do crescimento econômico. Mais que isso, a China está deixando de ser um país meramente importador de capitais para tornar-se também um país exportador de capitais. Tanto que, em 2014, os investimentos produtivos estrangeiros na China foram de 120 bilhões USD, ante investimentos diretos da China no exterior de 103 bilhões de dólares. Entre 2017 e 2022, a China prevê captar investimentos de 600 bilhões de dólares e investir no exterior 750 bilhões de dólares.

Os investimentos em Educação e Ciência & Tecnologia são enormes. A cada ano as universidades chinesas – que são sete entre as dez melhores dos BRICS (as três primeiras) – diplomam a cada ano mais de sete milhões de jovens. E até 2020 a China estará aplicando 2,5% do seu PIB em Pesquisa & Desenvolvimento. Não por acaso a China é líder mundial em tecnologia 5G (10 anos à frente dos demais) de comunicações, está extremamente avançada nos terrenos de Big Data e Inteligência Artificial. Há anos os seus super-computadores têm conquistado o 1º lugar em velocidade e desempenho. A China domina o ciclo completo da energia nuclear, da tecnologia espacial, construiu o maior radiotelescópio do mundo, envia sondas espaciais à Lua (inclusive sua face encoberta) e brevemente lançará sua estação espacial. O progresso técnico-científico responde hoje por 60% do aumento da produção. É nesse enorme avanço tecnológico da China que devemos buscar as causas da chamada “guerra comercial” de Trump contra a China, que são muito mais tecnológicas do que comerciais.

Enormes são os seus investimentos em infra-estrutura energética, de transportes e comunicação. Além de ter a maior Hidroelétrica do mundo – a das “Três Gargantas”, com 22.500 MW –, a China é líder mundial em geração e transmissão de energia elétrica e deverá aplicar, entre 2016 e 2020, 102 bilhões de dólares em energia eólica, modalidade que já ocupa o terceiro lugar em sua matriz energética, acima da energia nuclear. A China também tem desenvolvido fortemente a geração de energia solar. No âmbito dos transportes, possui a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo (20 mil km) e vem interligando o país inteiro através de moderníssimas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Percebe-se nos últimos anos um claro direcionamento dos investimentos em direção ao interior da China, buscando diminuir as distâncias econômicas e sociais entre as áreas litorâneas e o oeste do país

O seu Projeto de integração intercontinental “Nova Rota da Seda” (Cinturão e Rota) abrange 65 países, que totalizam 62% da população mundial, 30% do PIB e 75% dos recursos energéticos do Planeta. Fala-se em investimentos da ordem de um trilhão de dólares! Da mesma forma, a articulação do BRICS e o recém constituído Banco do BRICS posicionam a China como o mais dinâmico ator geopolítico dos dias de hoje no mundo

            Nesse seu vertiginoso processo de crescimento econômico – principalmente após as “reformas” – a China dobrou a cada década o seu PIB, garantindo grandes avanços sociais, retirando – segundo John Ross, do Instituto para Estudos Financeiros Chongyang da Universidade de Renmin da China – 890 milhões de chineses da pobreza (rendimentos abaixo de 3,2 dólares/dia), enquanto que no mesmo período o número de pobres no mundo aumentou 275 milhões.

Em conseqüência, a China foi o país onde mais cresceu no mundo a expectativa de vida de sua população, passando de 35 anos, em 1949, para 67 anos em 1978, último ano pré-reforma. Já de 1978 a 2017, a expectativa de vida aumentou para 76,4 anos. Também a desigualdade – medida pelo índice de Gini – decresceu enormemente, sendo hoje de 0,40 (2018). Da mesma forma houve uma melhoria constante do nível de vida dos trabalhadores e da população em geral, sendo que atualmente os salários médios chineses já são superiores ao pagos na América Latina e a renda per cápita já atingiu 16.000 dólares PPA (ainda inferior à norte-americana). Tomando os atuais ritmos de crescimento de ambas as economias, estima-se que o PIB per cápita chinês superará o dos EUA em 2045.

            O 13º Plano Qüinqüenal (2016-2020) – diante do quadro internacional de profunda crise do sistema capitalista e de crescente protecionismo – decidiu reduzir de forma planejada os índices de crescimento econômico da China, por um tempo, para em torno de 7% ao ano (o que ainda é extremamente alto), sacrificando a velocidade pela qualidade e maior harmonização da economia. Mesmo assim, o objetivo é duplicar o PIB e as receitas dos trabalhadores até 2020.

            No terreno da soberania nacional e da defesa nacional, a China passou – nesses últimos 70 anos – da situação de uma nação semi-colonial, repartida entre as principais potências imperialistas, com seu povo humilhado e espoliado (não esqueçamos os cartazes nos parques dizendo “proibida a entrada de cães e chineses”) à condição uma nação soberana – que já recuperou Hong Kong da Inglaterra e Macau de Portugal, sempre de forma pacífica – que é a terceira maior potência militar do Planeta, com elevada capacidade dissuasória nuclear, preparada para enfrentar, inclusive, ataques cibernéticos ou espaciais. Aqui é importante referir que a China tem reiterado, em alto e bom tom, que luta pela paz e não possui qualquer objetivo de expansão territorial ou de domínio econômico pela força e a sua declaração solene – desde que dominou a tecnologia nuclear – de que nunca será a primeira, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, em utilizar armas nucleares.

            Sem dúvida, o “socialismo com características chinesas” – que ainda se encontra em sua “etapa primária” – tem garantido grandes conquistas ao povo chinês e demonstra de forma evidente a sua superioridade sobre o decrépito capitalismo financeirizado, em sua etapa neoliberal. É fundamental, para todos aqueles que lutamos pela superação da sociedade capitalista de exploração e opressão, estudarmos com atenção a experiência chinesa – sem qualquer espírito de “cópia” – buscando extrair dela aqueles ensinamentos que possam ter validade universal.

NOTAS

[1] MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas, Vol 2 Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1961, p. 223.

[2] ENGELS, F. Princípios do Comunismo. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1987, p.29.

[3] Idem, p. 215.

[4] LENIN, V. I. O Estado... Op. Cit., p. 377.

[5] MARX, Karl. Crítica... Op. Cit, pp. 216-217.

[6] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista.. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas, Vol 1. São Paulo: Editora Alfa-Omega, s/d, p. 37.

[7] LENIN, V. I. O Estado... Op. Cit., pp.371.

[8] LENIN, V. I. A revolução proletária e o renegado Kautsky. In: LENIN, V. I. Obras Escogidas, Vol.3. Moscou: Ediciones en Lenguas Extranjeras, s/d, p.1351.

[9] Idem, p. 378.

[10] Idem, pp. 380-383.

[11] LENIN, V. I. Acerca del impuesto en especie. In: LENIN, V. I. Obras Escogidas, Vol. 3. Moscú: Ediciones en Lenguas Extranjeras, s/d, p.627.

[12] “É necessário compreender quais são os caminhos, os métodos, os recursos, os elementos intermediários , necessários para a passagem das relações pré-capitalistas ao socialismo.” (LENIN, V. I. Sobre... Op. Cit., p. 645.

[13] Idem, p. 630.

[14] Idem, pp. 634-635, 639, 642.

[15] STALIN, José. Problemas económicos del socialismo en la URSS. In: ZEDONG, Mao e STALIN, José. La construcción del socialismo en la URSS y China. Buenos Aires: Pasado y Presente, nº 65, 1976, pp. 148, 152.

[16] TSETUNG, Mao. Contra o estilo de clichê do Partido. In: TSETUNG, Mao. Obras Escolhidas. - Tomo III [1941-1945. São Paulo: Editora ALFA-OMEGA, 1979, p. 91.

[17] LOSURDO, Domenico. A esquerda, a China e o imperialismo. In: Revista Princípios, nº58. São Paulo: Editora Anita, 1999, p. 23-24.

[18] LIMA, Haroldo, PEREIRA, Duarte e CABRAL, Severino. China, 50 anos de República Popular. São Paulo: ANITA Garibaldi, 1999, p.8.

[19] LOSURDO, Domenico. Op. Cit., p. 24.

[20] ZEDONG, Mao. Sobre a Ditadura Democrática Popular. In: Obras Escogidas de Mao Tse-Tung - 4o Tomo (1945-1949). Madrid: Editorial Fundamentos, 1974, pp. 432.

[21] Idem, pp. 432-433.

[22] Idem, pp. 434, 435-436.

[23] SPENCE, Jonathan D. Em busca da China Moderna - Quatro séculos de história. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 491.

[24] SHENG, Hu et all - Oficina de investigación de la História del Partido, subordinada al CC del PCCh. Breve História del Partido Comunista de China. Beijing: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1994, pp.560, 562.

[25] Idem, pp. 509-510.

[26] Idem, pp. 519-520.

[27] SPENCE, Jonathan D. Op. Cit., p. 514.

[28] ZEDONG, Mao Sobre diez grandes relaciones. In: Obras Escogidas de Mao Tse-Tung - Tomo 5 [1949-1957]. Madrid: Editorial Fundamentos, 1978, pp. 330-331.

[29] Idem, pp. 314-316.

[30] Idem, 318-319.

[31] PARTIDO COMUNISTA DA CHINA. Resolução do 8º Congresso Nacional do Partido Comunista da China acerca do informe político. Apud: SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 592-593.

[32] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 594.

[33] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 629.

[34] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Porto Alegre: Novo Século, 2000, p. 18.

[35] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 673-674.

[36] Idem, pp. 699.

[37] LIMA, Haroldo. Mao Zedong na história da China. In: Revista Princípios, nº42. São Paulo: Editora Anita, 1996, p. 49.

[38] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., p. 19.

[39] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 734-735.

[40] LIMA, Haroldo. Mao Zedong... Op. Cit., p.50.

[41] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 764.

[42] SPENCE Jonathan D. Op. Cit., pp. 579-580.

[43] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 791.

[44] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 785-786.

[45] Comitê Central do PCCh. Circular de 11 de Outubro de 1974. Apud: SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 811.

[46] ZEDONG, Mao. Reunião do Burô Político do Comitê Central (17.07.1974). Apud: SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 810-811.

[47] ZEDONG, Mao. Conversações com Zhou Enlai e Wang Hongwen (23.12.1974). Apud: SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 812.

[48] “Em 1974, Zhou Enlai, em função de problemas de saúde (câncer) deixou o poder. Deng Xiaoping assumiu, organizando uma verdadeira ofensiva dos moderados contra os radicais. Os primeiros conquistaram importantes vitórias com a tomada do controle do exército por Deng e com a convocação da 4ª Assembléia Nacional Popular em janeiro de 1975.” [VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., p. 58]

[49] ENLAI, Zhou. Informe à 1ª Sessão da 4ª Assembléia Popular Nacional. Apud: SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 813.

[50] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 818-819.

[51] Idem, p. 821.

[52] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., p. 59.

[53] SPENCE, Jonathan D. Op. Cit., p. 607.

[54] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 826-827.

[55] SPENCE, Jonathan D. Op. Cit., p. 612.

[56] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., p. 60-61.

[57] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 839-840.

[58] Idem, p. 841.

[59] Idem, pp. 842-843.

[60] Idem, p. 845.

[61] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., p. 61-62.

[62] XIAOPING, Deng. Preparar en el primer decenio un buen terreno para el segundo. In: XIAOPING, Deng. Textos Escogidos - Tomo 3 (1982/1992).Beijing: Ediciones em Lenguas Extrangeras, 1994, pp 22- 23.

[63] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 849.

[64] XIAOPING, Deng. Socialismo con peculiaridades chinas. In: XIAOPING, Deng. Textos...Op. Cit., p. 72.

[65] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 849.

[66] XIAOPING, Deng. Discurso na 3a Sessão Plenária do 11o Comitê Central. Apud SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 851-852.

[67] Comunicado da 3a Sessão Plenária do 11o Comitê Central. Apud SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 852.

[68] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 854.

[69] Idem, p. 867.

[70] Idem, p. 855.

[71] XIAOPING, Deng. Consagrarnos a la construcción nacional. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., pp. 16-17.

[72] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., p. 64.

[73] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 859-860.

[74] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., p. 69.

[75] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 870.

[76] Idem, p. 871.

[77] Idem, p. 875.

[78] XIAOPING, Deng. Entrevista con Myke Wallace. In: XIAOPING, Deng. Textos Op. Cit, p. 181-182.

[79] XIAOPING, Deng. Aprovechar los recursos intelectuales del exterior y ampliar la Apertura. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., p. 39.

[80] XIAOPING, Deng. Manejar bién las Zonas Económicas Especiales. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., p. 60.

[81] XIAOPING, Deng. Discurso de apertura del 12o Congresso Nacional del PCCh. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., pp. 8-9.

[82] XIAOPING, Deng. La Reforma, camino imprescindible. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., pp. 147-148.

[83] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 880-881.

[84] XIAOPING, Deng. Es necessário acelerar la reforma. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., pp. 248.

[85] XIAOPING, Deng. Hay que partir de la realidad. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., pp. 260-261.

[86] XIAOPING, Deng. Puntos essenciales de conversaciones sostenidas en Wuchang, Shenzhen, Zhuhai y Shanghai. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., p. 386.

[87] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 887.

[88][88] XIAOPING, Deng. La reforma de las empresas y la reforma financiera. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., p. 202.

[89] XIAOPING, Deng. No hay contradicción fundamental entre el socialismo y la economia de mercado. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., p. 156.

[90] SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 890. SHENG, Hu et all. Op. Cit., p. 890.

[91] XIAOPING, Deng. Socialismo con... Op. Cit., p. 74.

[92] DRUMMOND, Carlos. Viagem à Grande China. São Paulo: Editora Página Aberta, 1994, p. 45.

[93] XIAOPING, Deng. Intervención em la 3ª Sesión Plenária de la Comisión Central de Asesoramiento. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., p. 100.

[94] XIAOPING, Deng. Puntos esenciales... Op. Cit., p. 386, 389.

[95] RODRIGUES, Gabriela. As Reformas implementadas pelo Estado Chinês e pelo Partido Comunista da China (1978/1997). Porto Alegre: Dissertação de Mestrado, IFCH-UFRGS, datilografada, 2001, p. 94.

[96] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 904-905.

[97] RODRIGUES, Gabriela. As Reformas... Op. Cit., p.98.

[98] LOSURDO, Domenico. Op. Cit. p.32.

[99] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., pp. 72-73.

[100] XIAOPING, Deng. Formar un promisorio colectivo dirigente que pratique la reforma. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., p. 305-308.

[101] VIZENTINI, Paulo e RODRIGUES, Gabriela. Op. Cit., pp. 74.

[102] XIAOPING, Deng. Puntos essenciales... Op. Cit., p. 386-387.

[103] ZEMIN, Jiang. Manter no Alto a Grande Bandeira da Teoria de Deng Xiaoping para Impulsionar em todos os Sentidos a Causa da Construção do Socialismo de Ripo Chinês Rumo ao Século XXI - Informe ao 15º Congresso do PCCh (12.09.97). In ZEMIN, Jiang. Textos... Op. Cit., p. 222.

[104] XIAOPING, Deng. Puntos essenciales... Op. Cit., p. 389-390.

[105] SHENG, Hu et all. Op. Cit., pp. 942-943.

[106] ZEMIN, Jiang. Acelerar a Reforma, a Abertura e a Modernização e Conquistar Maiores Vitórias Para a Causa do Socialismo do Tipo Chinês - Informe ao 14º Congresso Nacional do PCCh (12.10.92). In: ZEMIN, Jiang. Reforma e Construção da China. Rio de Janeiro: Record, 2002, pp. 30-32.

[107] ZEMIN, Jiang. Acelerar... Op. Cit., pp. 46-47.

[108] XIAOPING, Deng. La reforma de las... Op. Cit., p. 203.

[109] XIAOPING, Deng. Visita de inspeción a Shanghai. In: XIAOPING, Deng. Textos... Op. Cit., pp. 377-378.

[110] ZEMIN, Jiang. Acelerar... Op. Cit., pp. 48-49.

[111] ZEMIN, Jiang. Idem, pp. 49-50.

[112] ZEMIN, Jiang. Idem, pp.51-52.

[113] ZEMIN, Jiang. Acelerar... Op. Cit., pp. 53-54.

[114] XIAOPING, Deng. Es necesario... Op. Cit., p. 250.

[115] ZEMIN, Jiang. Acelerar... Op. Cit., pp. 54-55.

[116] ZEMIN, Jiang. Idem, p. 56.

[117] ZEMIN, Jiang. Idem, pp. 57-58.

[118] ZEMIN, Jiang. Idem, p. 59.

[119] ZEMIN, Jiang. Ibidem, pp. 60.

[120] ZEMIN, Jiang. Manter... Op. Cit., pp. 206-207.

[121] 13º CONGRESSO NACIONAL DO PCCh. Apud: ZEMIN, Jiang. Reforma... Op. Cit., Nota 1, p. 253.

[122] GUIXIAN, Li. Conversações com a delegação do PCdoB na China (junho de 2000). Apud: LIMA, Haroldo. Embandeirada com o socialismo, a China entra no século XXI. In: Revista Princípios, nº59. São Paulo: Editora Anita, 2001, p. 25.

[123] CHINA: hechos y cifras 1998. Beijin: Editora Nueva Estrella, 1998, pp. 60-64.

[124] ZEMIN, Jiang. ZEMIN, Jiang. Manter... Op. Cit., p. 209.

[125] ZEMIN, Jiang. Idem, p. 216.

[126] ZEMIN, Jiang. Idem, p. 221.

[127] ZEMIN, Jiang. Idem, p. 218.

[128] CARMONA, Ronaldo. China Socialista se prepara para o século XXI. http://www.vermelho.org.br/diario/. Acesso: em: 2 jan. 2004, p. 2.

[129] BEINSTEIN, Jorge. Op. Cit., p. 172-173.

[130] ZEMIN, Jiang. Algumas Questões nos Trabalhos Econômicos da Atualidade. In: ZEMIN, Jiang. Reforma... Op. Cit, p. 427.

[131] ZEMIN, Jiang. Continuar Promovendo a Reforma Rural Segundo o Sistema de Economia de Mercado Socialista. ZEMIN Jiang. Reforma... Op. Cit. pp. 280-281.

[132] ZEMIN, Jiang. Consolidar a Confiança, Aprofundar a Reforma e Criar um Nova Situação de Desenvolvimento das Empresas Estatais. (12.08.99)  In: ZEMIN Jiang. Reforma... Op. Cit., pp. 310-311, 322-323.

[133] RONGJI, Zhu. Pequim Informa, nº 14, abril de 1998. Apud: LIMA, Haroldo. As estatais e o caminho socialista da China.. In: Revista Princípios, nº53. São Paulo: Editora Anita, 1999, p. 54.

[134] ZEMIN, Jiang. Consolidar... Op. Cit., p. 312.

[135] LIMA, Haroldo. As estatais...Op. Cit., p. 53.

[136] ZEMIN, Jiang. Manter... Op. Cit., p.223.

[137] ZEMIN, Jiang. Consolidar... Op. Cit., p. 318.

[138] LIMA, Haroldo. A propósito do Socialismo na China. In: Revista Princípios, nº28. São Paulo: Editora Anita, 1993, pp. 32-33.

[139] ZEMIN, Jiang. Construir en todos los sentidos una sociedad modestamente acomodada y abrir nuevas perspectivas para la causa del socialismo con peculiaridades chinas – Informe al 16º Congreso del PCCh. (08.11.2002). Datilografado, pp. 2-3.

[140] DRUMMOND, Carlos. Viagem... Op. Cit., pp. 21, 78.

[141] ZEMIN, Jiang. Construir... Op. Cit., pp. 6-9.

[142] MARTINS, Antônio. A Quarta Geração e seu desafio. www.portalpopular.org/mundo 2003/china/china-03.htm em 4 abr.2003.

[143] CARMONA, Ronaldo. China... Op. Cit., p. 3.

[144] CONSTITUTION OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA. Preamble. In:  www.chinatoday.com , p. 2 Acesso em: 01 Jan. 2004.

[145] SHENG, Hu et al. Op. Cit., p. 960.

[146] SUKUP, Viktor. China frente à globalização: desafios e oportunidades. In: Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília: IBRI, 2002, pp. 98-99.

[147] SHENG, Hu et al. Op. Cit., p. 960, p. 961.

[148] ALCÂNTARA, Eurípedes. As ambições do Planeta China. In: Revista VEJA.. São Paulo; Editora Abril, 22.10.03, p.124.

[149] COSTA, Antônio Luiz Monteiro Coelho da. O Xadrez Chinês. In: Revista Isto É. São Paulo: Editora Três, 25.04.01, p. 80.

[150] BEISNTEIN, Jorge. Op. Cit. p. 177.

[151] ALCÂNTARA, Eurípedes. Op. Cit., p. 124.

[152] SUKUP, Viktor. Op. Cit., p. 101.

[153] LIMA, Haroldo. Embandeirada... Op. Cit., p. 23.

[154] ALCÂNTARA, Eurípedes. Op. Cit., p. 127.

[155] KOSTMAN, Ariel e SILVA, Chrystiane. Cobras e dólares. In: Revista VEJA.. São Paulo: Editora ABRIL, 22.10.2003, p. 133.

[156] SUKUP, Viktor. China... Op. Cit., p. 88.

[157] ZEMIN, Jiang. Acelerar... Op. Cit., p. 36.

[158] ZEMIN, Jiang , Idem, p. 45.

[159] ZEMIN, Jiang. Acelerar a Reforma, a Abertura e a Modernização e Conquistar Maiores Vitórias para a causa do Socialismo do Tipo Chinês. In: ZEMIN, Jiang. Reforma... Op. Cit., p. 43.