Em dezembro de 1994, Itamar Franco assinou a Medida Provisória
794 – sucessivas vezes reeditada por FHC –, regulamentando o
art. 7º, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, que trata
da "participação nos lucros ou resultados" (já prevista
nas Constituições de 1946 e de 1967).
Essa MP, em sua última versão, define a participação
nos lucros "como instrumento de integração entre o capital e
o trabalho e como incentivo à produtividade", e determina
que "toda empresa deverá convencionar com seus empregados,
por meio de comissão por eles escolhida, a forma de participação
daqueles em seus lucros ou resultados". Mas não define
qualquer prazo que obrigue as empresas a negociarem, qualquer
punição no caso delas se negarem a fazê-lo, ou qualquer forma de
controle dos trabalhadores sobre esses lucros ou resultados...
Os sindicatos são excluídos das tratativas e
reduzidos a meros guarda-livros: “O instrumento de
acordo celebrado será arquivado na entidade sindical dos
trabalhadores”. O que é inconstitucional, afrontando o art.
8º, incisos III e VI, da Constituição Federal. Quanto à comissão
de negociação, escolhida pelos empregados, não tem estabilidade,
ficando totalmente à mercê da empresa!
A Justiça do Trabalho é afastada do processo,
através da criação da “mediação” e da “arbitragem de
ofertas finais”, com “força normativa, independentemente
de homologação judicial.” O que também fere o art. 114 da
Constituição, além de não prever alternativas no caso de impasse
na escolha do mediador ou árbitro.
São excluídos pela MP os trabalhadores das “empresas
públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e
controladas e demais empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a
voto.” Nesses casos a participação “observará diretrizes
específicas fixadas pelo Poder executivo.”
Em contrapartida, para favorecer o patronato, a MP
determina que essa participação nos lucros “não substitui ou
complementa a remuneração devida a qualquer empregado, nem
constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou
previdenciário, não se lhe aplicando o princípio da
habitualidade.” Isto é, não se incorpora ao salário. O que
permitirá às empresas reduzirem os salários em carteira ao
mínimo (única parcela sobre a qual incidirão os direitos
trabalhistas e previdenciários), pagando o resto dos salários
como participação nos lucros, sem encargos sociais!
Analisando essa questão, o DIEESE alerta: “Outro problema é
que os ganhos de participação passem a ter um peso significativo
em relação aos salários recebidos, implantando-se, desta forma,
o sistema de salários fixos e variáveis. Neste caso, a
remuneração dos trabalhadores sofrerá variações de acordo com a
situação econômica das empresas, ou seja, haverá uma
transferência dos riscos dos empresários para os trabalhadores,
sem que a responsabilidade da gestão (decisões da empresa) seja
também transferida. (...) A introdução do salário variável
também contribui para desonerar a folha de pagamentos dos
encargos trabalhistas, dificultando o financiamento dos sistemas
de seguridade social.”
[1]
Exatamente o que querem os neoliberais, como Sérgio Amada Costa,
diretor da Trevisan Auditores e Consultores: “Nos anos 90, a
tendência é a remuneração fixa aliada à remuneração variável
(...) E tal prática só é viável quando se alivia as empresas dos
encargos trabalhistas e previdenciários.”
[2]
Do ponto de vista tributário, “para efeito de
apuração do lucro real, a pessoa jurídica poderá deduzir como
despesa operacional as participações atribuídas aos empregados
nos lucros ou resultados”, cabendo aos trabalhadores pagarem
o imposto integral sobre esses valores.
“PELA ÁRVORE SE CONHECEM OS FRUTOS”...
A
origem dessa proposta também é esclarecedora. Ela foi
apresentada no dia 18 de dezembro de 1995 ao Ministro Ciro Gomes
pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de S.Paulo – Paulo
Pereira da Silva, da Força Sindical – e pelo presidente
do Sindicato da Micro e Pequena Industria de S.Paulo – Joseph
Couri – como "uma forma dos trabalhadores vestirem a camiseta
da empresa."
[3]
Também é bom lembrar que já tramitavam no Congresso
Nacional inúmeros projetos de lei – todos da lavra de políticos
conservadores –, tratando da participação dos empregados nos
lucros e no capital das empresas. O mais antigo desses é o
do Senador Roberto Campos ("Bob Fields"), do ex-PDS/MT (1983).
Seguem-lhe os projetos do Senador Edison Lobão, do PFL/MA
(1989); do Deputado Maluly Neto, do PFL/SP (1989); do Senador
Pedro Simon, do PMDB/RS (1991); do Deputado Jonas Santos Neves,
do PL/ES (1992); do Deputado João Faustino, do PSDB/RN (1994). É
sintomático que inexista qualquer projeto neste sentido de
iniciativa de congressistas de esquerda...
Essa
iniciativa do governo teve calorosa acolhida nos principais
meios de comunicação do país e nos setores mais perspicazes do
empresariado. O Diretor
da Camargo Correia – Florindo Pinato Neto – festejou a medida
“que há muito já deveria ter sido criada como parte de
uma estratégia empresarial.”
[4]
Sendo seguido pelo consultor de empresas de Belo Horizonte,
Paulo Matos: “terá um impacto positivo sobre a produtividade,
a qualidade e, obviamente, os lucros do balanço.”
[5]
Já o presidente da Federação das Associações Comerciais do Rio
Grande do Sul, Carlos Biedermann, “considerou a exclusão dos
sindicatos das negociações um avanço.”
[6]
E o advogado patronal Octavio Bueno Magano destacou que esta MP
“constitui remédio certo para as empresas desejosas de
conceder benefícios aos seus empregados sem se sujeitarem às
pesadas incidências das contribuições sociais” e aplaudiu a
criação da “mediação e arbitragem, pondo-se assim de
escanteio a Justiça do Trabalho.”
[7]
UMA QUESTÃO ANTIGA NO MOVIMENTO OPERÁRIO
Este
tema não é novo para o movimento operário: “O primeiro ensaio
registrado é o da compania de seguros francesa La National, de
Paris, no ano de 1820, anterior ao britânico da granja de lord
Walscourt (1832). Segue em 1827 Leclaire, um sapateiro do Yonne.”
[8]
E "já em 1874 a Associação Alemã de Política Social, que
agrupava aos economistas e se propunha a elaborar medidas de
'política social', se pronunciou pela participação dos operários
nos lucros empresariais."[9]
Em 1917 foi sancionada na França a primeira lei de participação
nos lucros e no capital, com caráter facultativo, concedendo
vantagens e isenções fiscais às empresas que a adotassem.
Na
Grã-Bretanha desenvolveu-se o sistema de Copartnership
(1919), de participação dos trabalhadores nos lucros.
Catherin Webb, sua ativa propagandista, defende o sistema
afirmando que ele “estimula o zelo e melhora o trabalho em
qualidade e quantidade; (...) convertido em co-proprietário, o
empregado enxerga a empresa e o capital desde um ponto de vista
novo; (...) o afasta das visões classistas e dos métodos
combativos, como as greves e as sabotagens; (...) constitui,
finalmente, um instrumento eficaz de conciliação dos interesses
do capital, do trabalho e do consumidor.”
[10]
Em
1928, o "CÓDIGO SOCIAL DE MALINAS", da Igreja Católica,
afirmava: "A porção de salário correspondente a maior ou
menor prosperidade da empresa pode ser fixada e paga ao final do
exercício e na proporção da quantidade do lucro líquido. Em vez
de pagamento em dinheiro, pode transformar-se em ações da
empresa. À medida que se criam as ações de trabalho, pode
reembolsar-se um número igual de ações de capital".[11]
E o
"MANUAL DO CÍRCULO OPERÁRIO", editado no Brasil em 1940, pregava
"favorecer o aperfeiçoamento da produção e maior rendimento
do trabalho e conseguir a participação progressiva dos técnicos,
empregados e operários não só na marcha e gestão da empresa como
na parte dos lucros e benefícios".
[12]
A
Alemanha também madrugou nesta questão: “Iniciou com as leis
de 22 de janeiro de 1934 [editadas pelos nazistas] e 10 de abril
de 1946 (...) e adquiriu forma definitiva com a lei de 14 de
novembro de 1952.”
[13]
Uma recente obra de propaganda sobre a Alemanha alardeia: "Corresponde
à ordem econômica da República Federal da Alemanha que o maior
número possível de seus cidadãos participem da propriedade dos
meios de produção. A esse objetivo serviram as emissões das
'ações populares' dadas por ocasião da privatização parcial de
empresas públicas (p.ex. a Volkswagen em 1962). (...) Uma outra
forma de participação no patrimônio produtivo (...) é uma
espécie de participação nos lucros. O assalariado tem uma
participação no lucro anual que ele, contudo, não recebe como
pagamento. Ao contrário, ele às vezes deixa esta quantia à
disposição da empresa, junto de outros adicionais, como
acionista velado".
[14]
Não é preciso dizer que todas essas formas de
participação não visam a eliminação da exploração
capitalista, mas exatamente a manutenção da escravidão
assalariada!...
O PONTO DE VISTA MARXISTA SOBRE O ASSUNTO
No
PRINCÍPIOS DE ECONOMIA POLÍTICA, de Lapidus e Ostrovitianov
(1928), o problema já é abordado: "Assinalemos também o
sistema da participação dos operários nos lucros. Neste sistema,
o operário recebe no fim do ano, além do salário, uma soma de
dinheiro complementar representando, na aparência, a parte do
lucro abandonada pelo capitalista aos operários. Não é difícil
compreender o mecanismo desta participação nos lucros: o
capitalista quer obter dos seus operários um trabalho assíduo e
os interessar, assim, em favor da empresa. Ele se esforça,
também, por suscitar neles a convicção de que os seus interesses
coincidem com o do patrão. É claro que esta participação nos
lucros não é mais que um ardil e só prejudica os operários."[15]
No seu
conhecido FUNDAMENTOS DE ECONOMIA POLÍTICA, Nikitin afirma:"Também
se pode classificar o esquema de participação nos lucros entre
os sistemas exploradores dos salários. O uso desse esquema eleva
a intensidade do trabalho, atrasa o desenvolvimento da
consciência de classe dos operários, desune-os e estorva-lhes a
luta contra os capitalistas. O esquema de 'participação nos
lucros' gera a ilusão de que os operários têm interesse no
aumento dos lucros da empresa capitalista."
[16]
E o
MANUAL DE ECONOMIA POLÍTICA: CAPITALISMO (Editorial Progresso)
complementa: "A propaganda burguesa se vale desses sistemas
para difundir na classe operária a ideologia da colaboração com
a burguesia, da harmonia de classes na sociedade capitalista. Na
prática, os recursos que se distribuem entre os operários em
nome da 'participação nos lucros' não são parte do lucro mas do
salário dos operários. (...) Porquanto estes pagamentos de
participação contribuem à elevação da rentabilidade da produção
capitalista e se liberam de todo imposto, levam em última
instância ao aumento dos lucros capitalistas, e não à sua
diminuição."
[17]
E sobre
a participação no capital da empresa: "Uma das variedades
contemporâneas do mito da 'democratização do capital' é a
política do 'salário de inversão', cuja essência é a retenção
forçosa de uma parte do salário, em troca da qual se entregam
títulos (...) dos patrões. Além disso, se faz propaganda da
idéia da transformação dos operários em proprietários."
[18]
Concluindo: "Os fins apologéticos desta campanha supunham que
quanto mais amplo fosse o reconhecimento que obtivesse a 'ação
popular', tanto mais rapidamente se lograria desarraigar da
população as idéias sobre a luta de classes, sobre a necessidade
de passar à propriedade coletiva e sobre o socialismo. (...)
'democratização do capital' orientada a substituir a luta de
classes por uma 'associação' entre a classe operária e a
burguesia".
[19]
A “ECONOMIA POLÍTICA” DESSA PSEUDO-PARTICIPAÇÃO...
Afinal, o que significa – desde um ponto de vista
teórico e de princípios – essa tão apregoada "participação nos
lucros e no capital"?
Ora, a mais-valia é o valor excedente não pago
produzido pelo operário. É o resultado da exploração da classe
operária (o trabalho vivo) pelos capitalistas. O lucro é a forma
transmutada da mais-valia, tomada em relação ao capital global
investido na produção. O capital (o trabalho morto acumulado
pelo capitalista) é o valor que, através da exploração do
trabalho assalariado, produz mais-valia.
Portanto, propor aos operários a "participação nos
lucros das empresas" é propor aos operários a participação nos
resultados da sua própria exploração e da exploração dos demais
operários. É "interessar" o operário no aumento da taxa de
mais-valia, no aumento da sua exploração, em troca de eventuais
migalhas. É ajudar a burguesia a mascarar o processo de
exploração capitalista. É atrasar a formação da consciência
socialista da classe operária.
Propor aos operários a "participação no capital das
empresas" é propor aos operários iludirem-se que também são
capitalistas – mascarando a contradição fundamental, no
capitalismo, entre burgueses e proletários. É "interessar" os
operários na intensificação da acumulação do capital (fruto de
sua própria exploração) e na manutenção da escravidão
assalariada...
Por tudo isso, é evidente que essas duas bandeiras
ilusórias se contrapõem à luta contra a exploração capitalista e
pelo Socialismo. E, exatamente por isso, nunca fizeram parte do
ideário dos operários de vanguarda e do movimento sindical
classista!
Aliás,
é um declarado defensor e propagandista da participação nos
lucros quem o confessa com cândida sinceridade: “Para os
sindicatos, o contrato de trabalho clássico é tema básico de
suas atividades. Costumam ver na sua atenuação pelo contrato de
parceria (...) não uma reforma social progressista, mas uma
hábil manobra patronal para tirar as massas trabalhadoras da sua
influência, submetendo-as aos pontos de vista empresariais.
Tanto mais pensam assim, quanto mais ouvem dizer que a
participação e o contrato de parceria são o caminho direto para
acabar com a luta de classes. (...) o temor operário de que um
aumento da produtividade ponha em perigo a política de pleno
emprego é outra razão poderosa de sua atitude. Em geral os
sindicatos (...) vêem algo de ‘antisindical’ nesta instituição,
certamente receando que, a longo prazo, debilite a dinâmica
sindical. Não carecem totalmente de razão quando desconfiam que
pagarão um alto preço por essa conquista pois, afinal de contas,
não é muito o que se poderá distribuir por esse método. (...) Em
definitivo, para o trabalhador a participação obrigatória e
coletiva significa o risco de ver debilitados os seus
sindicatos, a provável ameaça ao pleno emprego e um trabalho
mais intenso, em troca de alguns modestos ingressos adicionais.”
[20]
A PRÁTICA DA “PARTICIPAÇÃO” NOS LUCROS A PARTIR DA MP 794
Em primeiro lugar, é preciso registrar a grande
dificuldade em se obter dados globais sobre o assunto. Tanto os
Tribunais Regionais do Trabalho, como as DRTs, as Federações ou
o DIEESE, dispõem de informações fragmentárias e incompletas,
visto que a própria MP determina o arquivamento dos acordos
somente nos sindicatos.
Informações obtidas no DIEESE informam sobre 90
negociações por empresa em São Paulo (77 das quais em
metalúrgicas), 1 no Espírito Santo (Papel e Papelão) e 1 no Rio
Grande do Sul (Souza Cruz). Em Minas temos conhecimento do
acordo com a FIAT AUTOMÓVEIS. No Rio Grande do Sul também foram
feitos diversos acordos em empresas metalúrgicas em Porto
Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Charqueadas, Horizontina. Não
temos quaisquer dados sobre o Rio de Janeiro e outros Estados.
Nesses acordos, sempre à revelia da Justiça do
Trabalho, ocorrem negociações à margem dos sindicatos ou com sua
participação. A quase totalidade se deu em nível de empresa,
raramente em nível de categoria. Algumas dessas empresas já
possuíam acordos de participação anteriores à MP 794, tendo
simplesmente se adequado à mesma.
Foram
realizados acordos tanto de participação nos lucros, como de
participação nos resultados ou, até, como “cobertura” para
prêmios ou abonos emergenciais: “De parte dos empresários,
uma tentativa de reduzir o descontentamento da base com abonos
não incorporados aos salários e isentos de encargos sociais.”
[21]
A seguir, faremos uma análise concreta de alguns
acordos firmados.
O ACORDO DA SOUZA CRUZ
Este acordo, firmado em 15/05/95 entre a Unidade de
Beneficiamento de Fumo da multinacional Souza Cruz e o Sindicato
dos Trabalhadores do Fumo e Alimentação de Santa Cruz do Sul
(RS), começa restringindo o universo dos beneficiados somente
aos mensalistas da unidade fabril, excluindo os “contratados
com prazo determinado” - que são a maioria no período da
safra - “a categoria dos empregados denominados ‘Executivos’,
dos empregados vinculados à area de Produção Agrícola, bem como
dos empregados vinculados à area de Vendas”. É fácil
imaginar o grau de divisão entre os trabalhadores, gerado por
essa discriminação, e suas conseqüências a longo prazo para a
luta sindical...
Também “não terão direito a receber o pagamento
da participação nos lucros ou resultados os empregados que se
encontrarem nas seguintes situações: em gozo de licença;
afastamento (doença/acidente)”; No caso de afastamento pelo
INSS, considera-se do 16º dia em diante. Os 15 dias anteriores
são contados no absenteísmo total da Unidade. Ou seja, para não
perder sua participação, o trabalhador é induzido a abrir
mão de seus direitos à licença maternidade/paternidade e a
trabalhar mesmo doente ou acidentado.
A dita participação, limitada a 1,26 salários base
de cada empregado, depende de critérios de assiduidade,
produtividade e qualidade da produção. Um deles refere-se ao
número mensal de acidentes de trabalho ou trajeto (perda de 20
pontos se houver mais de 4 acidentes no mes), “considerados
não apenas os ocorridos com os empregados contratados por prazo
indeterminado, mas também com aqueles empregados contratados por
prazo determinado, vez que, em relação a estes, são os primeiros
responsáveis pelo treinamento, acompanhamento quanto ao uso de
Equipamentos de Proteção Individual - EPI’s e cumprimento das
normas de segurança.” Ou seja, os “safristas” não têm
direito à participação, mas os acidentes ocorridos com eles
pesam contra a participação dos que a ela fazem jus. Não é
dificil prever o grau de pressão dos “mensalistas” sobre os
“safristas”, além da indução para mascarar os acidentes de
trabalho, com graves riscos para a integridade física dos
trabalhadores.
Evidentemente que esse não é um tipo de acordo de
participação que deva ser imitado...
ACORDO DA FIAT AUTOMÓVEIS
Firmado em 16/10/95 entre a Fiat Automóveis e o
Sindicato dos Metalúrgicos de Betim e Igarapé, com vigência para
o ano de 1995, este acordo tem muito mais o caráter de um abono
emergencial vinculado a dois critérios: a assiduidade
de cada trabalhador no período de 16 de outubro a 31 de dezembro
(peso 30), e a produção global de veículos nos meses de outubro,
novembro e dezembro (peso 70). Em caso da pontuação máxima, a
participação será de 80% do salário nominal, até o
máximo de R$ 2000, garantido um mínimo de R$1000.
Só que nesse acordo o Sindicato teve o cuidado de
excluir do cálculo de assiduidade as faltas previstas no art.
473 da CLT e por motivo de maternidade, aborto, paternidade,
acidente de trabalho, doença, casamento, morte do sogro ou
sogra, sindical ou atestado pediátrico (nos limites previstos
pela Convenção Coletiva).
Além disso, “considerando que da atual diretoria
do sindicato dos trabalhadores 13 membros são empregados da Fiat
Automóveis e foram por seus companheiros eleitos, a eles
competirá compor a comissão de negociação para definir com a
Empresa e o Sindicato (...) as condições para participação nos
resultados de 1996.” Ou seja, não só o Sindicato foi parte
ativa nas negociações como a própria comissão de negociação foi
formada por seus diretores de fábrica.
ACORDO DA CP ELETRÔNICA
Esse acordo foi feito diretamente entre a empresa CP
Eletrônica e seus empregados. O Sindicato dos Metalúrgicos de
Porto Alegre – sua base – foi mantido totalmente à margem das
negociações. Procurado para “arquivar” o referido acordo,
negou-se a fazê-lo, pois sua exigência para que isso ocorresse
foi ter acompanhado a eleição da comissão de empregados e o
processo de negociação.
A CP
Eletrônica já possuía anteriormente um programa de participação
nos lucros: “a empresa registrou um expressivo crescimento
depois que o programa foi adotado em 1987. No ano anterior, cada
funcionário proporcionou um lucro de US$ 20 mil. Em 1994, o
valor foi 4 vezes maior [80 mil dólares]. ‘Não houve automação
para proporcionar esse aumento, então o crescimento foi
resultado da motivação’, diz Pôrto”
[22],
o satisfeito diretor presidente da empresa! “A faixa salarial
na empresa varia de R$ 250,00 a R$ 2,5 mil. No ano passado, cada
empregado recebeu 1,7 salário a mais.”[23]
Por esses dados é fácil calcular o quanto aumentaram a taxa de
lucro e a taxa de mais-valia a partir da implantação da
participação nos lucros...
Segundo o acordo assinado, os valores da
participação são calculados mensalmente – tendo por base
a diferença entre um faturamento mínimo, previamente ajustado, e
o faturamento efetivo – aplicados no mercado financeiro e
rateados semestralmente. Pela fórmula matemática definida, se
houver uma diferença de 20% para mais entre o faturamento mensal
efetivo e o mínimo previamente ajustado, os trabalhadores
receberão um acréscimo de 14% em seus salários. Ou seja, nem
sequer o percentual em que aumentaram a produção! Essa
participação tem o “sentido de se constituir em instrumento
de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à
produtividade”.
O acordo não prevê qualquer garantia de emprego para
comissão de negociação dos empregados…
A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E NOS RESULTADOS E O
SINDICALISMO CLASSISTA
Significa, tudo isso, que devemos simplesmente nos
opor a essa Medida Provisória e lutar contra a participação nos
lucros ou resultados?
Entendemos que a questão não é tão simples. Em
primeiro lugar, por que o assunto não é de fácil compreensão
para as amplas massas trabalhadoras, que tendem a ver nesta
participação uma maneira de melhorar sua vida. Em segundo lugar,
por que a MP deixa brechas para emendas que ajudem a desmascarar
o seu caráter ilusório e demagógico.
Assim, não é dificil mostrar que a determinação dos
lucros de uma empresa é uma tarefa impossível se não for
acompanhada da participação dos trabalhadores na gestão desta
empresa (também prevista na Constituição, mas não tratada pela
MP) e da total abertura das suas contas para os trabalhadores (o
que nunca será aceito pelos empresários). Também é sabido que as
empresas usam dos mais variados subterfúgios contábeis para
mascarar os seus lucros e, assim, não pagar impostos ao governo
e dividendos aos seus acionistas (quanto mais para seus
trabalhadores).
Portanto, é perfeitamente plausível acentuar, ao
invés da participação nos lucros, a participação nos resultados
– prevista na Constituição e na própria MP – independente da
existência de lucros, através da definição de índices de
produtividade, qualidade, metas e prazos, perfeitamente
mensuráveis e quantificáveis. De forma exigir que qualquer
aumento da produtividade – seja pela introdução de novas
máquinas ou métodos, seja pela maior eficiência da mão-de-obra –
se reflita em ganhos para os trabalhadores.
Essa,
aliás, é a orientação da CUT: “A CUT priorizará acordos
coletivos de seus sindicatos filiados que estabeleçam a
‘Participação dos Trabalhadores nos resultados’ da empresa”.[24]
Posição enfatizada por Luiz Marinho, vice-presidente dos
metalúrgicos do ABCD: “Só negociamos acordos sobre
participação nos resultados, nunca nos lucros. Lucro o
empresário pode esconder. Mas resultados, como, por exemplo,
total de faltas ou peças produzidas, o trabalhador tem controle.”
[25]
Por fim, além das emendas "educativas" no sentido da
participação dos trabalhadores na gestão das empresas, da
transparência da contabilidade, de critérios precisos de
participação nos resultados das empresas, é necessário exigir a
participação dos sindicatos das negociações, rompendo com a
lógica de acordos a nível de empresa, com a pulverização das
negociações, e com a marginalização dos sindicatos. Da mesma
forma é preciso garantir a participação do Judiciário.
Em quaisquer circunstâncias, o fundamental é
desmistificar o caráter ilusório da chamada participação nos
lucros ou nos resultados, mostrar o seu papel na intensificação
da exploração da mão-de-obra assalariada, na manutenção da
opressão capitalista!
Assim, agindo com firmeza de princípios, mas ao
mesmo tempo com flexibilidade, seremos capazes de derrotar as
manobras conservadoras e neoliberais, e educar a classe operária
e o conjunto dos trabalhadores para a luta pelo Socialismo.
Único caminho para conquistarmos uma nova vida para os
trabalhadores e a verdadeira participação a todos os níveis!
Raul Carrion - Sindicalista, Vereador pelo PCdoB em P.Alegre
1996
[1]DIEESE.
Participação dos Trabalhadores nos lucros e
resultados das empresas. São Paulo, 1995, p. 6
[2]COSTA,
Sérgio Amad. Participação nos lucros ou nos
resultados. Jornal “O Estado de São Paulo”, 06/02/95
[3]Jornal
“O Estado de São Paulo”, 30/12/94
[4]PINATO
NETO, F. As vantagens da divisão de lucros nas
empresas. Jornal “O Estado de São Paulo”, 09/03/95
[5]MATOS,P.
Uma Lei Inovadora. Revista “Exame”, 02/08/95, p.
138
[6]Jornal
“Correio do Povo”, 05/02/95
[7]MAGANO,
Otavio Bueno. Participação em lucros. Jornal “O
Estado de São Paulo”, 03/02/95
[8]DE
CASTRO, C.B. Cogestión y Participación en las
ganancias: política de participación. Buenos
Aires:Eudeba, 1974. p.87
[9]DIVERSOS.
Economía Política no-marxista actual: un análisis
crítico. URSS: Editorial Progreso, 1981. p. 658
[10]DE
CASTRO, C.B. Op. Cit. p. 32
[11]CONCI,
C. Los Pontifices Romanos y la Cuestion Social.
Buenos Aires: Tipografia Pio IX, 1934. p. 247-248
[12]Confederação
Nacional de Operários Católicos. Manual do Círculo
Operário. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1940. p. 45
[13]DE
CASTRO, C.B. Op. Cit. p. 108
[14]DIVERSOS.
A Alemanha de hoje. Bonn: Lexikon-Institut
Bertelsmann, 1983. p. 274
[15]LAPIDUS,I
e OSTROVITIANOV, K. Princípios de Economia Política.
Rio de Janeiro: Editorial Calvino, 1944. p. 158
[16]NIKITIN,
P. Fundamentos de Economia Política. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967. p. 86
[17]DIVERSOS.
Economia Política - Capitalismo. Moscou:
Editorial Progreso, 1980. p. 221
[19]DIVERSOS.
Economía Política no marxista actual: un análisis
crítico. Moscou: Editorial Progreso, 1981. p.659-662
[20]DE
CASTRO, C. B. Op. Cit. p. 129-131
[21]Jornal
“O Estado de São Paulo”, 14/08/95
[22]Jornal
“Zero Hora”, 21/01/96
[23]Jornal
“Zero Hora”, 21/01/96
[24]CUT.
Participação dos Trabalhadores nos Resultados das
Empresas: a proposta da CUT. São Paulo, 1995. p. 2
[25]Jornal
“Folha de São Paulo”, 07/08/95