Na segunda metade do século
XIX, a Palestina – junto com a atual Síria, Líbano e Jordânia –
fazia parte da “Grande Síria”, encruzilhada de civilizações,
onde um comércio florescente e intercontinental convivia com uma
agricultura atrasada e semifeudal. Em 1852, a população de
origem judaica que ali existia não passava de 12 mil pessoas e
em 1880 chegava a 24 mil (4,8%), em uma população de 500 mil
pessoas.
O movimento sionista –
responsável pela criação do Estado de Israel na Palestina –
surgiu no final do século XIX, entre judeus asquenazes, oriundos
principalmente da Europa Central e Oriental, sem qualquer
relação com a Palestina. Os sionistas reivindicavam um
território para estabelecer um Estado Judeu, no qual fosse
garantida de forma permanente uma maioria judaica, apesar de
almejarem que a sua população fosse exclusivamente judia.
Em 1882, o pioneiro do sionismo, o judeu
russo Leon Pinsker, propôs: “A meta de nossos presentes
esforços deve ser não a ‘Terra Santa’, mas uma terra nossa.
Não precisamos nada além de um grande pedaço de terra para
nossos irmãos pobres, que deverá permanecer de nossa propriedade
e da qual nenhum estrangeiro possa nos expulsar.”[1]
E o “pai do sionismo”, o judeu
austro-húngaro Theodor Herzl, no seu livro “O Estado Judeu”
(1896), também se limitou a reivindicar “a soberania de um
pedaço da superfície terrestre”[2].
Em relação à localização geográfica desse “Estado Judeu”, propôs
duas alternativas: “Devemos preferir a Palestina ou
Argentina. A Sociedade [“Society of Jews”] aceitará o que
lhe derem (...). A Argentina é um dos países naturalmente mais
ricos da terra, de uma superfície colossal (...). A Argentina
teria interesse em ceder-nos um pedaço de território”.[3]
Quando os ingleses ofereceram a Uganda para o projeto
sionista, Herzl assumiu a defesa dessa alternativa, inclusive
fazendo-a aprovar no 6º Congresso Sionista, apesar da forte
contestação daqueles que propunham a Palestina. Também foram
cogitados o Texas e a ilha de Chipre
É importante esclarecer isso,
para que se saiba que o discurso sobre a “ligação eterna dos
judeus com a Palestina” não existia na origem do movimento
sionista. Só muito depois, quando obtiveram o apoio britânico
para a instalação do Estado Judeu na Palestina, é que os
sionistas adotaram em seu discurso o apelo bíblico para o
“retorno à Terra Santa”.
Para atingir seus objetivos, os sionistas
propuseram às potências imperialistas europeias – em especial ao
Império Otomano, Alemanha e Inglaterra – transformar o futuro
Estado Judeu em um bastião da “civilização branca” contra os
povos “incivilizados”: “Para a Europa, constituiríamos aí um
pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada
da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como Estado Neutro,
em relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir a
nossa existência.”[4]
Comentando essa aliança de
fato entre o sionismo e o imperialismo britânico, Shlomo Sand
chama a atenção para a importância que a Palestina passou a ter
para os ingleses após a construção do Canal de Suez:
A rota para a Ásia
distante agora estava aberta e as regiões circunjacentes ao
portal marítimo – Egito e Palestina – emergiam como objetivos
estratégicos da máxima importância. (...) A ideia sionista (...)
de assentar judeus na Palestina apresentou-se como um meio de
(...) estabelecimento de um ponto de apoio imperial no Oriente
Médio. Afinal de contas, os judeus eram um aliado natural da
Grã-Bretanha. (...) George Gawler (...) esboçou um plano para
“restaurar os judeus em sua terra”, basicamente para criar uma
zona tampão segura para os britânicos entre o Egito e a Síria.
(...) Winston Churchill e muitos outros estadistas britânicos
estavam convencidos de que a restauração dos judeus na Palestina
garantiria aos britânicos uma base de operação segura por lá
(...).[5]
Iniciada a 1ª Guerra Mundial,
os sionistas propuseram às autoridades inglesas um acordo: os
sionistas trabalhariam para que os Estados Unidos entrassem na
guerra em aliança com a Inglaterra e, em contrapartida, a
Inglaterra apoiaria a criação do Estado Judeu na Palestina:
[William] Yale sublinha que que em 1916
“as perspectivas dos aliados eram pouco promissoras” e cita as
declarações de um líder sionista, segundo as quais os sionistas
trataram de convencer aos dirigentes britânicos de que “o melhor
e talvez o único modo (e estavam certos) de induzir o presidente
dos Estados Unidos a entrar na guerra era garantir a cooperação
dos judeus sionistas, prometendo-lhes em troca a Palestina (...)
Uma vez que os sionistas fizeram a sua parte, contribuindo por
todos os meios para a entrada na guerra dos Estados Unidos, a
Declaração Balfour de 1917 não foi senão a confirmação pública
do pacto secreto entre ‘cavaleiros’ de 1916”.[6]
O ex-secretário britânico
para as colônias, Lord Cavendish, confirmou esse acerto: “O
objetivo [da declaração Balfour] era ganhar a simpatia dos
judeus influentes e das organizações judias do mundo inteiro
para o bloco aliado [...e] pode-se dizer que as negociações com
os sionistas [...] tiveram de fato um efeito notável para
adiantar a intervenção do governo dos Estados Unidos na guerra”.
Igualmente o ex-Primeiro-Ministro Lloyd
George referiu-se a esse acordo: “Os líderes sionistas nos
fizeram uma promessa definitiva de que se os aliados se
comprometiam a facilitar a criação de um Estado para os judeus
na Palestina, eles fariam todo o possível para fomentar a
simpatia e o apoio dos judeus de todo o mundo à causa dos
aliados. E cumpriram a sua palavra”.[7]
Em novembro de 1917, após o
acerto com os sionistas, o Ministro do Exterior britânico James
Balfour tornou pública uma carta ao Barão de Rothchild – a
chamada Declaração Balfour – onde dizia que “O governo
de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento de um
Lar Nacional para o povo judeu na Palestina e empregará todos os
seus esforços para facilitar a realização desse objetivo”.
Como todos sabem, na divisão
do botim da 1ª Guerra Mundial, a França recebeu da Liga das
Nações os mandatos sobre o Líbano e a Síria satisfazer o Xerif
Abdullah El Hussein, aliado dos ingleses. Ao adotarem a
Declaração Balfour e o sionismo como balizas para a ação da
Mandatária na Palestina – sem qualquer consulta à população
árabe, que ali vivia há milênios –, a Liga das Nações e a
Inglaterra escancararam as portas da Palestina para a ocupação
sionista:
Artigo 2. O Mandatário
será responsável em colocar o país sob as condições políticas,
administrativas e econômicas que assegurem o estabelecimento do
lar nacional judeu (...). Artigo 6. A Administração da Palestina
(...) deve facilitar a imigração judaica sob condições
desejáveis e deve encorajar, em cooperação com a agência judaica
referida no Artigo 4, o assentamento de judeus na terra,
incluindo terras do Estado e terras desocupadas não requisitadas
para propósitos públicos (...).[8]
A seguir, Balfour elaborou,
uma rigorosa legislação anti-imigração, que dificultou aos
judeus perseguidos na Europa emigrarem para a Grã-Bretanha.
Poucos depois, os Estados Unidos também criaram uma legislação
anti-imigração (Lei Johnson-Reed), que fechou as portas da
América do Norte aos judeus, que vigorou de 1924 a 1948.
As restrições colocadas por essas duas
legislações – que bloquearam a emigração dos judeus perseguidos
pelo nazismo para a Inglaterra e os EUA – foram decisivas para
viabilizar a criação do Estado de Israel. Quando tiveram início
as perseguições aos judeus na Alemanha nazista, os sionistas se
opuseram à liberalização dessa legislação restritiva: “(...)
nesta época houve um debate sobre a liberalização das leis de
emigração nos Estados Unidos. Os sionistas se opuseram à
liberalização com o argumento de que essa não era a solução para
eles. Queriam uma solução política, não puramente humanitária;
quer dizer, queriam um Estado.”[9]
“Morris Ernst, enviado internacional de Roosevelt para os
refugiados, relata (...) que enquanto trabalhava para quem fugia
de Hitler encontrasse um refúgio seguro, ‘(...) destacados
líderes judeus me censuraram, desprezaram e acabaram me atacando
como se fosse um traidor. (...) me acusaram abertamente de
ajudar a liberalização da imigração [nos Estados Unidos] com o
propósito de minar o sionismo político’.”[10]
Segundo Alison Weir – que
pesquisou em profundidade essa questão – os sionistas
dificultaram ao máximo qualquer alternativa de refúgio para os
judeus perseguidos que não fosse a Palestina; a criação do
Estado Judeu era mais importante do que proteger os judeus:
Diversos historiadores
documentaram que os sionistas sabotaram as tentativas de
encontrar lugares seguros para os refugiados judeus que fugiam
da Alemanha nazista, com o objetivo de convencer o mundo que os
judeus só podiam estar seguros em um Estado judeu. (...) O
historiador israelense Tom Segev afirma: “(...) eles [os
sionistas] esperavam que ‘os momentos de agitação e angústia’
abrissem oportunidades históricas sem precedentes: em concreto,
que aumentassem a emigração para a Palestina. Ben-Gurion
confiava em que a vitória dos nazis se converteria em ‘um fértil
impulso para o sionismo’.” (...) Inclusive, houve certa
conivência entre os sionistas e os líderes nazistas. (...)
Alguns líderes sionistas idealizaram o que mais tarde veio a ser
conhecido como o “acordo de transferência’
[“Há’avara” em
iídiche], um pacto firmado com os
nazistas em [25 de agosto de] 1933, em virtude do qual os
judeus que quisessem ir para a Palestina podiam transferir para
lá o seu capital. Como parte do acordo, estes sionistas
rechaçaram o boicote que estava sendo realizado contra a
Alemanha. (...) Tom Segev explica que o acordo “se baseou nos
interesses complementares do governo alemão e o movimento
sionista: os nazis queriam os judeus fora da Alemanha; os
sionistas queriam que se instalassem na Palestina.”[11]
Iván Gómez Avilés diz que os
sionistas priorizaram a criação do Estado Judeu e não o resgate
dos judeus perseguidos pelo nazismo:
(...) por terrível que pareça, o
objetivo principal dos sionistas não foi resgatar aos judeus da
Europa, mas criar um Estado Judeu na Palestina. (...) os
sionistas estabeleceram um rígido sistema hierárquico para os
candidatos a emigrar, dando prioridade a destacados membros do
sionismo, a judeus com posses econômicas ou, na sua falta, a
homens e mulheres jovens e sãos, dispostos a cultivar a terra, a
empunhar uma arma e capazes de procriar. (...) Ralph Shoenmann
proporciona um dado assombroso no seu livro A história oculta do
sionismo: “Entre 1933 e 1935, a Organização Sionista Mundial
rechaçou dois terços dos judeus alemães que pediram um
certificado de imigração.” (...) Se o verdadeiro objetivo do
sionismo tivesse sido resgatar os judeus europeus, não teriam
sido criadas tais limitações e os certificados teriam sido
concedido por ordem de chegada. O mesmo aconteceu com o Acordo
Há’avara que unicamente garantia a emigração de judeus com
recursos para dessa forma financiar o projeto de colonização
sionista da Palestina. (...) Acordo Há’avara que requeria contar
com um patrimônio líquido de ao menos 1000 libras para poder
emigrar para a Palestina, uma autêntica fortuna para a época.[12]
Ao mesmo tempo que favorecia
a emigração de judeus europeus para a Palestina, Balfour
descartava a autodeterminação palestina:
(...) na Palestina nós não
propomos nem mesmo realizar a consulta dos desejos dos atuais
habitantes do país (...). As quatro principais potências estão
comprometidas com o sionismo e o sionismo, certo ou errado, bom
ou ruim, está arraigado na longa tradição, nas necessidades
presentes, nas esperanças futuras, de importância muito mais
profunda do que o desejo e as inclinações dos 700 mil árabes que
habitam essa terra antiga. Em minha opinião, isso está certo.[13]
Em 1920, depois da intensa imigração
judaica, organizada pelos sionistas, dos 760 mil habitantes da
Palestina, apenas 80 mil (10,5%) eram judeus.[14]
Isso comprova que o número de judeus que vivia na Palestina era
muito reduzido, ao mesmo tempo que desmascara o mito sionista de
que se tratava de “uma terra sem povo, para um povo sem terra”.
Como não podia deixar de ser, logo
começaram a ocorrer atritos entre as crescentes levas de colonos
judeus estrangeiros e as populações árabes locais: “Já no
final da década de 1920, o descontentamento entre a população
árabe-palestina levou a inúmeros conflitos com os assentamentos
sionistas. A aquisição em massa de terras pelos judeus provocara
a expulsão de dezenas de milhares de camponeses palestinos de
suas terras. Segundo um relatório britânico, em 10% das vilas,
um terço das famílias não possuía terras e outras 40%
possuíam-nas em quantidade insuficiente para a sobrevivência.”[15]
Mostrando que os palestinos tinham plena
clareza dos objetivos sionistas na Palestina, em 1922 uma
delegação árabe enviou uma resposta ao White Paper
(Relatório Branco) de Winston Churchill, onde denuncia que “a
intenção de criar a pátria judaica é provocar o desaparecimento
ou a subordinação da população, da cultura e da língua árabe.”[16]
Em 1931, apesar da intensa imigração
promovida pelos sionistas, a população judaica na Palestina não
passava de 175 mil pessoas (17%), em mais de um milhão de
habitantes. Entre 1932 e 1938,a perseguição nazistas aos judeus
– combinadas com as restrições à emigração para os EUA e a
Grã-Bretanha – fizeram com que mais de 200 mil judeus fossem
para a Palestina, expulsando um número cada vez maior de
palestinos de suas terras.[17]
Em novembro de 1935, uma
delegação de cinco partidos palestinos apresentou ao Alto
Comissário Arthur Wauchope as reivindicações dos palestinos:
criação de um governo democrático e de um parlamento com
representação proporcional; proibição da venda de terras a
judeus estrangeiros; imediata suspensão da imigração, visto que
a população judaica já passava de 30%.
Inicialmente os ingleses
aceitaram a criação de um Conselho Legislativo proporcional,
mas, diante da pressão dos sionistas, que não aceitavam ficar em
minoria (ou seja, negavam-se a aceitar um Estado democrático),
arquivaram a proposta.
Com isso, os árabes
entenderam que o caminho do entendimento estava fechado.
A REVOLTA PALESTINA DE
1936-1939 E O TERRORISMO SIONISTA
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Insurgentes árabes em 1936. |
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Em abril de 1936, os partidos
nacionalistas criaram o Alto Comitê Árabe. Pouco depois,
estalou uma greve geral, com o apoio do referida Comitê, até que
as reivindicações dos palestinos fossem aceitas, em especial a
interrupção da imigração de judeus, a suspensão da venda de
terras a eles e a substituição do mandato britânico por um
governo eleito pela população palestina. Essa greve durou sete
meses, ganhando contornos de uma revolta geral contra ingleses e
judeus, inclusive com choques armados. O exército britânico
trouxe reforços da Inglaterra, Egito e Malta, para sufocar a
ferro e fogo o levante, e ainda contou com o apoio do Haganah
(exército clandestino sionista) na luta contra os
palestinos. Tudo isso fez com que a greve fosse encerrada em
outubro de 1936, tendo sido mortos 8 ingleses, 80 judeus e
centenas de palestinos.
Com a derrota da greve e dos
grupos guerrilheiros que surgiram dela, as principais lideranças
palestinas foram executadas ou presas e todo o seu armamento foi
perdido, debilitando a resistência árabe. Em contrapartida, o
Haganah e as milícias criadas nos assentamentos sionistas –
treinadas e armadas pelos ingleses – se fortaleceram e passaram
a estocar armas e explosivos, preparando-se para o seu objetivo
de criar um Estado exclusivamente judaico.
Referindo-se a isso, “Richard Crossman,
membro do Comitê Anglo-Americano, definiu a Agência Judaica, que
administrava os interesses e negócios sionistas na Palestina,
como ‘um Estado dentro do Estado, com seu próprio orçamento,
gabinete secreto, Exército e, sobretudo, serviço de
inteligência. É a organização mais eficiente e dinâmica que eu
já vi e não tem medo de nós [os britânicos]’’.”[18]
Frente à radicalização da
luta entre palestinos e judeus –, o que fortaleceu o
nacionalismo árabe –, se debilitou o domínio inglês em todo o
Oriente Médio e a Inglaterra passou a discutir, a partir de
1937, a divisão da Palestina em um Estado judeu e um Estado
árabe. Em 1939, para contentar os árabes e poder contar com o
seu apoio na guerra que se aproximava, a Câmara dos Comuns
britânica aprovou o chamado “Livro Branco” que previa a
independência condicional da Palestina após dez anos e limitava
a imigração de judeus para a Palestina em 15 mil a cada ano,
durante os cinco anos seguintes (1939 e 1944), o que
evidentemente não foi respeitado, visto que nesse período
entraram clandestinamente na Palestina 150 mil judeus a mais do
que o previsto.
Nessa época, foram formados
diversos grupos terroristas sionistas. O primeiro deles foi o
Irgun (Organização do Exército Nacional), saído em 1938 do
Haganah. O Irgun notabilizou-se pela colocação de
bombas nos populosos mercados árabes das principais cidades da
Palestina, buscando criar um clima de terror entre os árabes,
para inibir qualquer resistência ao projeto sionista e forçá-los
a abandonar a Palestina, abrindo caminho para a vinda de novos
imigrantes judeus:
Shapira
[historiadora sionista ortodoxa] informa
que, durante a revolta árabe de 1936-39, o Irgun Zvai Leumi
entregou-se a um “uso incontido do terrorismo”; “indiscriminados
morticínios em massa de velhos, mulheres e crianças”; execução
de judeus ‘”suspeitos de passarem informações, muito embora
algumas dessas pessoas fossem totalmente inocentes”; “extorsão
de fundos e atos de roubo (...) na comunidade judaica para
financiar suas ações”; “ataques contra os britânicos, sem
qualquer consideração pelos possíveis ferimentos infligidos aos
passantes, e o assassinato a sangue frio de britânicos.”[19]
David Ben Gurion justificaria essas ações
afirmando que “sou partidário da transferência forçada
[dos árabes], não vejo nada imoral nisso.”[20]
E Yossef Weitz, um dos ideólogos do sionismo, reforçou essa
opinião: “A transferência não serve só a uma meta, reduzir a
população árabe; serve também a um segundo objetivo, em nenhum
sentido menos importante: obter terra atualmente cultivada pelos
árabes e liberá-la para a sua colonização pelos judeus.”[21]
Em seu 22º Congresso Mundial, os sionistas aprovaram a exigência
de um Estado Judaico em toda a Palestina.
Frente à política inglesa de
limitar a imigração judaica e reprimir os atos terroristas, os
sionistas passaram a ter os ingleses também como alvos,
realizando atentados contra policiais e militares ingleses. Ao
mesmo tempo, iniciaram uma maior aproximação com os Estados
Unidos, buscando tê-los como aliados alternativos.
Com o início da 2ª Guerra
Mundial, estabeleceu-se uma trégua informal entre o Irgun
e os ingleses. Não concordando com isso, Abraham Stern e a
maioria dos militantes do Irgun afastaram-se dele e
criaram o grupo Lutadores pela Liberdade de Israel – mais
conhecido como Stern Gang – que retomou os atos
terroristas contra árabes e ingleses. Em 1943, chegou à
Palestina Menahem Begin, que reorganizou o Irgun e passou
a competir com o Stern em brutalidades e em atos
terroristas.
Em 22 de julho de 1946 o
Irgun explodiu o King David Hotel, em Jerusalém, matando 91
pessoas – ingleses, árabes e judeus – e deixando 41 feridos. O
Irgun, de Menahem Begin, também foi o responsável pelo
assassinato, em 6 de novembro de 1944, de Lord Moyne, Ministro
Britânico para o Oriente Médio, e, em 17 de setembro de 1948, do
Conde Folke Bernadotte, encarregado pela ONU de ser o seu
Mediador Especial na Palestina. Anos depois, o terrorista
Menahem Begin foi eleito Primeiro Ministro de Israel e sob seu
governo ocorreu o massacre criminoso de Sabra e Chatila.
A DIVISÃO DA PALESTINA SEM
QUALQUER CONSULTA AO POVO PALESTINO
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Em 29 de
novembro de 1947, ONU aprovou a Partilha da
Palestina. |
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Em fevereiro de 1947,
enfraquecida pela guerra que recém findara, a Grã-Bretanha
anunciou que se retiraria da Palestina até 15 de maio de 1948.
Lavando as mãos pelo que pudesse ocorrer após a sua saída, em um
país dilacerado pelo conflito entre palestinos e judeus,
provocado exatamente por ela. A Inglaterra repassou, então, a
solução do problema para as Nações Unidas.
Nesse momento, a população
árabe na palestina era de 1,2 milhões (66%) e a de judeus de 600
mil (33%). Em seguida ao anúncio britânico, cinco Estados
membros da ONU – Egito, Iraque, Arábia Saudita, Líbano e Síria –
propuseram uma sessão especial da Assembleia Geral da ONU, para
deliberar sobre “o término do Mandato britânico na Palestina
e a declaração da sua independência”, o que não foi aceito.
Em maio de 1947, foi formado
o Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP),
com a tarefa de apresentar à Assembleia Geral uma proposta de
solução para o problema palestino. Dos 11 países que o formavam,
nenhum era árabe! Ao final dos seus trabalhos, sete membros do
UNSCOP propuseram a partilha da Palestina em dois Estados
independentes, com Jerusalém sob uma administração
internacional, e três defenderam um Estado federativo palestino,
tendo Jerusalém como capital. Em 31 de agosto, o UNSCOP
apresentou o seu relatório à Assembleia Geral da ONU. Em
setembro, foi constituída uma Comissão mais ampla para
examinar mais detidamente o relatório proposto. Com 25 votos a
favor, 13 contra e 17 abstenções – portanto com menos de 50% dos
votos –, a referida comissão aprovou a partilha da Palestina em
dois Estados independentes.
Agora faltava a votação da
Assembleia Geral, prevista para o dia 26 de novembro, que
necessitava uma maioria de dois terços dos votantes para ter
validade. Diante das dificuldades para obter os votos
necessários para a sua aprovação, o presidente Osvaldo Aranha,
brasileiro, adiou por duas vezes a votação, dando mais tempo ao
lobby sionista para obter os votos que faltavam.
André Gattaz relata:
A pressão estadunidense foi
brutal:
Stephan Fernandes Houat
complementa:
Finalmente, a deliberação
ocorreu em 29 de novembro de 1947, e a partilha da Palestina foi
aprovada com 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções, sem
qualquer consulta ao povo palestino, o verdadeiro dono do país.
Lamentavelmente, a então União Soviética
também votou a favor da partição da Palestina “por razões de
sua política internacional, pois os partidos comunistas do
Oriente Médio apoiavam a criação do Estado de Israel”.[26]
Os palestinos solicitaram
levar essa questão à Corte Internacional de Justiça, mas esse
direito lhes foi negado, por 21 votos contra 20.
UMA RESOLUÇÃO CONTRÁRIA AO
DIREITO INTERNACIONAL E À CARTA DA ONU E SEM LEGITIMIDADE
Por absurdo que pareça, a
Resolução nº 181 que aprovou a partilha destinou 57% do
território palestino, incluindo as terras mais férteis, aos
judeus, vindos de outros continentes, que somavam apenas um
terço da população e detinham apenas 5,7% das terras. Já os
árabes – habitantes milenários da Palestina, que totalizavam
dois terços da população – receberam apenas 43% da área do seu
próprio país, exatamente a parte com mais dificuldade de acesso
à água. Quanto à cidade de Jerusalém – lugar sagrado para
cristãos, judeus e muçulmanos – deveria ficar sob a
administração da ONU, compartilhada por árabes, judeus e
cristãos.
A resolução recomendava: “a)
Que o Conselho de Segurança tome as medidas necessárias
previstas no plano para a sua execução; b) Que o Conselho de
Segurança considere como ameaça contra a paz, ruptura de paz,
ato de agressão (...) toda tentativa tendente a modificar pela
força o regramento previsto pela presente resolução”.
Da mesma forma, recomendou a criação de
dois Estados e a definição de um estatuto especial para
Jerusalém, que ficaria sob administração da ONU: “Os Estados
independentes árabe e judeu assim como o Regime internacional
particular previsto pra a cidade de Jerusalém (...) começarão a
existir na Palestina dois meses depois de finalizada a evacuação
das forças armadas da Potência mandatária e, em todo o caso, o
mais tardar em 1º de outubro”.[27]
Inconformados com a Resolução
181, os países árabes declararam que não se sentiam obrigados a
cumprir essa decisão, uma vez que ela contrariava o princípio da
autodeterminação dos povos, incluída na carta da ONU. Já os
sionistas, apesar de aspirarem um Estado puramente judeu em toda
Palestina, aceitaram taticamente a Partilha, vendo-a um primeiro
passo para sua posterior expansão para o resto da Palestina.
Ben-Gurion foi explícito nesse sentido:
O Estado judaico que no
momento nos é oferecido não é o objetivo sionista. Dentro desta
área não é possível resolver a questão judaica. Mas ele
efetivamente pode servir como
uma etapa decisiva no caminho para maior concretização do
projeto sionista. Ele consolidará na Palestina, no mais breve
prazo possível, a verdadeira força judaica que nos conduzirá à
nossa meta histórica (...) O Estado judaico terá um
extraordinário exército – não tenho dúvida de que nosso exército
será um dos melhores do mundo – e por isso estou convencido de
que não seremos impedidos de nos estabelecer no resto do país
(...).[28]
Na verdade, a rejeição árabe à partilha foi
conveniente ao projeto sionista, como confessou Menachen Begin,
um dos líderes das ações terroristas do Irgun: “Minha
maior preocupação nesses meses era que os árabes pudessem
aceitar o plano das Nações Unidas. Então, nós teríamos uma
grande tragédia: um Estado judaico tão pequeno que não poderia
absorver todos os judeus do mundo”.[29]
Além dos já referidos
subornos, pressões e chantagens – que por si só invalidam a sua
aprovação – a Resolução 181 foi contrária ao Direito
Internacional e à própria Carta da ONU, além de ilegítima, por
diversas razões, entre as quais destacamos:
1)
A Resolução 181 violou
a Carta da ONU que, entre os seus princípios, garante o direito
à autodeterminação dos povos.
2)
A Resolução 181 violou
o art. 22 do Pacto da Liga das Nações, que anteriormente havia
reconhecido a independência do povo palestino.
3)
A ONU não possuía
qualquer soberania sobre a Palestina, não podendo, portanto,
privar o povo palestino da sua independência.
4)
As resoluções da
Assembleia Geral da ONU – diferentemente das resoluções do
Conselho de Segurança (que nunca tomou qualquer decisão sobre o
assunto) – não são obrigatórias para os Estados membros. Assim,
a resolução só poderia ser uma “recomendação”, sem qualquer
caráter vinculativo, não tendo o poder de criar dois novos
Estados.
5)
A ONU ignorou o
Direito Internacional e incorreu na “negação de justiça” ao não
aceitar o pedido dos países árabes de fazer uma consulta ao
Tribunal de Justiça Internacional sobre a sua competência nessa
questão, retirando a validade jurídica da Resolução 181.
6)
A Resolução 181, ao destinar aos judeus 57% do território da
Palestina e apenas 43% aos árabes-palestinos, foi de tal forma
parcial e benéfica aos judeus e de tal forma contrária e
prejudicial aos árabes-palestinos, que perdeu qualquer
ilegitimidade. Não bastasse isso, “a parte da Palestina
assignada aos árabes palestinos era preponderantemente
montanhosa, desértica e improdutiva, enquanto que a maior parte
da fértil faixa costeira, desde Acre, ao norte, até Islud, ao
sul, foi destinada ao Estado Judeu.”[30]
A “CATÁSTROFE” (NAKBA)
E A LIMPEZA ÉTNICA SIONISTA
Tão logo a Partilha foi
provada, os sionistas prepararam-se para ocupar o resto da
Palestina. Além de numeroso armamento conseguido nos EUA – com o
apoio do Presidente Harry Truman –, compraram volumosos
carregamentos de armas tchecas. Por fim, as tropas inglesas, em
retirada, deixaram que os sionistas se apossassem de boa parte
dos seus arsenais. A essa altura, o Haganah já contava
com 50.000 homens e passou a atuar em conjunto com as
organizações terroristas Irgun e Stern.
Um dos problemas a resolver era o que fazer
para eliminar as 400 aldeias e os mais de 800 mil palestinos que
haviam ficado no território destinado ao “Estado Judeu” definido
na partilha da ONU. A Resolução da ONU dizia que eles teriam
todos os seus direitos respeitados. Os sionistas iniciaram,
então, uma série de ações militares contra os povoados rurais
palestinos. Em dezembro de 1947, Ben Gurion determinou a adoção
do que ele chamou de “defesa agressiva; a cada ataque árabe
devemos responder com um golpe decisivo: a destruição do lugar
ou a expulsão dos residentes, paralelamente à captura do lugar”.
(...) Quando estivermos em ação (...) devemos lutar com força e
crueldade, sem permitir que nada nos detenha”.[31]
Como os palestinos não realizaram qualquer
ataque, em dezembro de 1947, os israelenses investiram contra as
aldeias de Deir Ayyub e Beit Affa. Pouco depois,
foi atacada a aldeia de Khisas: “Os soldados judeus atacaram
a aldeia em 18 de dezembro de 1947 e começaram a explodir casas
ao azar, em plena noite, enquanto seus ocupantes ainda dormiam
profundamente. Quinze aldeãos, cinco deles crianças morreram
durante o ataque.”[32]
A seguir, a aldeia escolhida foi Balad al Shaykh: “O
ataque teve lugar em 31 de dezembro, durou três horas e deixou
mais de sessenta palestinos mortos”.[33]
Essas ações se intensificaram em janeiro e fevereiro de 1948.
Em março de 1948, a liderança
sionista aprovou o “Plano Dalet”, tendo por meta a limpeza
étnica da Palestina:
Em (...) 10 de março de
1948, um grupo de onze homens, constituído por veteranos líderes
sionistas e jovens oficiais militares judeus, puseram os toques
finais a um plano para a limpeza étnica da Palestina. Nessa
mesma tarde, foram enviadas ordens militares às unidades sobre o
terreno para preparar a expulsão sistemática dos palestinos de
vastas áreas do país. As ordens estavam acompanhadas de uma
descrição detalhada dos métodos que haviam de ser empregados
para desalojar pela força às pessoas: intimidação em grande
escala; assédio e bombardeio das aldeias e centros
populacionais; incêndio de casas, propriedades e bens; expulsão;
demolição; e, finalmente, colocação de minas entre os escombros
para impedir o regresso de qualquer um dos expulsos. A cada
unidade foi proporcionada sua própria lista de aldeias e bairros
selecionados como alvo desse plano geral. Com o nome em código
de Plano D (Dalet em hebreu), era a quarta e definitiva versão
(...). Uma vez que a decisão foi tomada, se tardou seis meses em
completar a missão.[34]
O massacre de 9 de abril de 1948, no
povoado de Deir Yassin – quando forças do Irgun e
Stern, apoiadas pela Haganah, atacaram e
assassinaram 254 pessoas, homens, mulheres, crianças e velhos –
é emblemático do que aconteceu em centenas de outras aldeias
palestinas, durante esses seis meses de limpeza étnica sionista.
Fahim Zaydan, que na época tinha doze anos e, apesar de ferido,
sobreviveu, relata: “Nos levaram, um detrás do outro;
dispararam a um ancião e quando uma de suas filhas gritou, lhe
dispararam também. Logo chamaram meu irmão Muhammad e lhe
dispararam na nossa frente e quando minha mãe, que levava a
minha irmã nos braços, pois ainda estava amamentando, se lançou
sobre ele chorando, também lhe dispararam.”[35]
O historiador Michael Palumbo relata o testemunho do médico
suíço Jacques de Reynier, que chegou ao final do massacre de
Deir Yassin:
(...) “a limpeza foi feita
com metralhadoras e depois granadas de mão. Foi terminada com
facas, qualquer um podia ver isso”. O médico suíço ficou
particularmente chocado por uma das terroristas que segurava uma
faca. “Uma bonita jovem com olhos criminosos, mostrou-me a faca
com sangue ainda pingando, ela me mostrava aquilo como se fosse
um troféu.” O comportamento dos terroristas sionistas lembrou o
médico da Cruz Vermelha de seu serviço durante a Segunda Guerra
Mundial. “Tudo o que eu pensava era nas tropas SS que vi em
Atenas”. O médico da Cruz Vermelha viu “uma jovem apunhalar um
casal de velhos sentados na entrada de sua cabana.”[36]
Um soldado, que participou do
massacre de Deir Yassin, relatou, anos depois:
(...) um soldado “pegou
dois árabes, amarrou-os de costas um para o outro, pôs um ‘dedo’
de dinamite entre suas cabeças, atirou contra a dinamite e as
cabeças explodiram’ (...) ”não queríamos enterrar” as dezenas de
cadáveres de árabes “porque era trabalho demais” e por isso
acabamos por queimá-los (...). Jogamos todos os corpos num poço,
derramamos gasolina neles e os queimamos.” (...) “presenciamos
uma cena das mais terríveis e chocantes (...) homens do IZL
atiravam cadáveres de árabes para dentro de uma casa do alto do
telhado, enquanto ardia um gigantesco incêndio. Parecia um
crematório. (...) O fedor no ar era insuportável.” Outros
depoimentos davam conta de “residências nas quais famílias
inteiras haviam sido fuziladas” e de mulheres alvejadas nos
genitais” porque – explicava-se – “os combatentes árabes se
disfarçavam, de mulheres e os membros do IZL queriam tirar a
limpo.”[37]
Após a chacina de Deir Yassin,
Menahen Begin enviou mensagem as tropas sionistas
parabenizando-as pelo massacre: “Aceitem minhas felicitações
por esta esplêndida ação de conquista. (...) Em todas as partes,
igual que em Deir Yassin atacaremos e aniquilaremos o inimigo.
Deus, Deus, tu nos elegeste para a conquista.”[38]
Em seguida, convocou a imprensa para exibir, com júbilo, os
corpos das vítimas, com o claro objetivo de levar os árabes –
através do pavor – ao abandono de suas terras e à busca do
exílio para preservar suas vidas.
Comentando o terror psicológico que Israel
implementou para forçar a fuga dos palestinos, André Gattaz nos
diz: “Um oficial da Haganah que escreveu sobre os métodos
usados pelos judeus, Leo Heiman, relatou que jeeps com
alto-falantes transmitiam ‘sons de horror’, como gritos, choro e
lamúrias das mulheres árabes, o som de sirenes e de alarmes de
incêndio e a voz sepulcral de um locutor que, em árabe,
exortava: ‘Salvem suas almas, vocês que são crentes! Corram para
salvar a vida!’”[39]
Posteriormente, os sionistas afirmariam, hipocritamente, que os
palestinos haviam abandonado suas terras “espontaneamente” e,
por isso, haviam perdido o seu direito sobre elas.
Alguns anos depois, Menahen
Begin diria com cinismo:
(...) por todo o país os
árabes (...) eram possuídos de um pânico infinito e começavam a
fugir para salvar suas vidas. Esta fuga em massa logo se
transformou em uma explosão enlouquecida e sem controle. Dos
quase oitocentos mil palestinos que viviam no atual território
do Estado de Israel, só uns cento e sessenta e cinco mil
permanecem ali. Dificilmente se pode exagerar a importância
política e econômica desse desdobramento.[40]
Muitas outras localidades palestinas – como
Hawassa, Qastal, Khirbet, Nasr ed Deen, Ein az Zeitun, Qisarya,
Atlit, Daliyat Al Rawha, Qalunya, Saris, Beit Surik, Biddu,
Sasa, entre tantas outras – sofreram o mesmo tipo de
atrocidades. Em relação ao ataque a Sasa, realizado à meia
noite, o comandante sionista Moshe Kalman declarou cinicamente:
“Nos topamos com um vigia árabe que estava tão surpreso que
não perguntou ‘min hada?’, quem é?, mas ‘esh hada?’, o que é
isso? Um de nossos homens que sabia árabe lhe respondeu com
humor ‘hada eshf’, isto é fogo e lhe disparou uma rajada (...)
deixamos atrás trinta e cinco casas demolidas e entre sessenta e
oitenta cadáveres.”[41]
Segundo André Gattaz:
(...) havia certo padrão
nas operações: os homens jovens e adultos da cidade eram levados
à praça central da aldeia, onde eram fuzilados na frente de seus
parentes. A isto seguiam-se alertas por parte dos sionistas para
que os demais fugissem se não quisessem sofrer o mesmo destino.
Muitas vezes era-lhes concedida apenas meia hora para deixar
suas casas, após o que os que restassem seriam mortos. Nas
marchas forçadas que se seguiram, em que mulheres, crianças e
idosos eram levados às fronteiras pelos soldados israelenses,
milhares de pessoas morreram devido ao calor, às doenças e aos
maus tratos por parte dos soldados. Nas aldeias desocupadas, os
israelenses passavam ao saque sistemático.[42]
As notícias desses massacres levavam os
habitantes das aldeias vizinhas a fugir espavoridos antes mesmo
da aproximação das tropas sionistas. Mas estes não se limitaram
aos vilarejos rurais: “Outro acontecimento de consequências
importantes foi a ocupação sionista das grandes cidades
palestinas e a fuga da população urbana árabe. Entre o final de
abril e o dia 14 de maio de 1948, os sionistas concentraram seus
esforços em Haifa, Jaffa, e Jerusalém, cidades de população
mista e que haviam sido destinadas pela ONU ao Estado árabe (as
primeiras) ou à administração internacional (Jerusalém).”[43]
O Historiador judeu – não
sionista – Ilan Pappé relatou com detalhes os horrores a que
foram submetidos os palestinos em Haifa:
A campanha terrorista
judia, que havia começado em dezembro, incluiu bombardeio
pesado, fogo de franco-atiradores, rios de petróleo e
combustível acesos que baixavam pelo costado da montanha e
barris repletos de explosivos (...) se intensificou em abril. No
dia 18 desse mês (...) comandante britânico (...) informou que
em dois dias as forças britânicas se retirariam (...) era o
único obstáculo que impedia às forças judias atacar (e tomar)
diretamente as áreas palestinas, nas quais ainda viviam mais de
cinquenta mil pessoas. As portas se abriam de para em par para a
expulsão dos árabes de Haifa. Essa tarefa foi entregue à brigada
Carmeli, uma das melhores unidades do exército judeu (...) quem
estava no comando era Mordechai Maklef (..) e as ordens que deu
a suas tropas foram claras e simples “Matai a qualquer árabe que
encontreis, queimai todos os objetos inflamáveis e forçai as
portas com explosivos.” (...) Quando essas ordens começaram a
ser executadas (...) a comoção e o pavor foram tais que, sem
empacotar nenhum pertence, as pessoas começaram a deixar a
cidade em massa. Movidos pelo pânico se dirigiram para o porto,
onde esperavam encontrar um barco ou um bote que os levasse para
longe da cidade. (...) Às primeiras horas do amanhecer do dia 22
de abril, a população começou a chegar em massas ao porto (...)
Através de alto-falantes se instou na população a reunir-se na
velha praça do mercado (...) até que se pudesse organizar uma
evacuação ordenada pelo mar. (...) Os oficiais da brigada (...)
ordenaram a seus homens fixar obuses de setenta e seis
milímetros nas ladeiras que dominavam o mercado e o porto (...)
e bombardear a multidão reunida (...) alvo fácil para os
atiradores judeus. (...) quando o bombardeio começou (...) a
multidão entrou no porto (...) e dezenas de pessoas saltaram aos
botes que ali estavam atracados, e dessa maneira começou a fuga
da cidade. (...) “Os homens pisoteavam a seus amigos e as
mulheres aos seus próprios filhos. Os botes que havia no porto
logo se encheram de seres humanos. O amontoamento neles era
horrível. Muitos viraram e afundaram com todos os seus
passageiros.[44]
A ocupação sionista de Jaffa, cidade de
maioria árabe, vizinha a Tel Aviv, também é descrita por Ilan
Pappé: “Jaffa foi a última cidade a ser tomada, o que ocorreu
em 13 de maio, dois dias antes do final do mandato. (...) A área
da Grande Jaffa incluía vinte e quatro aldeias e dezessete
mesquitas; na atualidade ainda existe uma dessas últimas, mas
nenhuma das aldeias se mantém de pé. (...) cinco mil efetivos do
Irgun e da Haganah atacaram a cidade (...) Quando Jaffa caiu,
seus cinquenta mil habitantes foram expulsos com a ‘ajuda’ de
mediadores britânicos”.[45]
E até o historiador sionista Dan Kurzman teve que reconhecer a
barbárie desatada: “Com a vitória completa, os soldados do
Irgun (...) começaram o saque Inicialmente eles entravam nas
lojas e selecionavam itens específicos de joalheria ou roupas
para suas mulheres e namoradas, mas logo estavam saqueando as
lojas abandonadas, carregando tudo o que fosse móvel, de móveis
a geladeiras. O que não era móvel – janelas, máquinas pesadas,
lustres – eles quebravam em um frenesi de destruição.”[46]
Após a limpeza étnica em
Haifa, Acre, Baysan, Nazaré, Lydda, Ramle, Beersheba, Shef Aram,
Safed e Jaffa – todas destinadas pelo Plano de Partilha ao
Estado Árabe –, restaram poucas localidades com alguma população
árabe significativa na Palestina, das quais logo os seus
habitantes palestinos também foram expulsos, para dar lugar aos
novos imigrantes judeus. Foi o caso da aldeia de Shaykh Muwannis
(Munis, como é conhecida hoje), atacada pelo Irgun. Sobre
as ruínas dessa aldeia, ergue-se hoje o elegante campus
da Universidade de Tel Aviv, com a qual tantas universidades no
mundo se orgulham de manter convênios e colaboração. Algumas
poucas casas que ali restaram foram convertidas em sede do clube
dessa “prestigiosa universidade”, cujos alicerces se assentam
sobre o sangue e a dor dos palestinos massacrados.
Atormentado por tanta barbárie, Aharon
Zisling, do Mapam, afirmou “que ‘eu não conseguia dormir à
noite. (...) Judeus também têm cometido atos nazistas’ (...). Um
respeitado funcionário sionista, Yosef Nahmani observou (...):
‘como foi que eles chegaram a este grau de crueldade, como
nazistas? (...) o co-líder do Mapam, Meir Ya’ari, declarou que
’muitos de nós estamos perdendo nossa imagem [humana]’.”[47]
Em despacho da Legação
brasileira em Beirute, o ministro Thompson Flores encaminhou ao
Ministério das Relações Exteriores correspondência do Frei
brasileiro Martinho Penido Burnier – que se encontrava na
Palestina realizando estudos bíblicos – em que este relata as
pouco conhecidas perseguições às demais religiões que não a
judaica:
(...) quero aludir, em
primeiro lugar, à conduta desta guerra pelas tropas e
autoridades sionistas sobretudo no que diz respeito às
atrocidades cometidas por eles sobre as populações civis e
indefesas; aos saques sistemáticos e metódicos de aldeias
inteiras ou de certos bairros cristãos de Jerusalém; aos roubos,
saques e vandalismos de toda espécie praticados nos edifícios de
instituições religiosas. (...) Se passarmos a falar da maneira
sionista de conduzir a guerra, temos a tristeza de constatar que
eles rivalizam com os nazistas da última guerra mundial, a ponto
de que Mr. Neville, Cônsul Geral da França (pessoa todavia mais
que insuspeita, dada a sua maior simpatia pelo movimento
sionista, antes destas hostilidades) declarou solenemente que
“28 dias de guerra e 17 dias de trégua ensinaram-me mais sobre o
nazismo do que 20 anos de regime de Hitler” (declaração
proferida no nosso convento de Santo Estevão, no dia 27/06/48 e
por mim cuidadosamente anotada). (...) Tais abominações foram
praticadas ainda no Convento das Freiras de San’Ana, de Haifa;
nas Igrejas dos Gregos-Ortodoxos e dos Gregos-Melquitas de
Haiffa, na Capela das Irmãs Franciscanas Missionárias do Egito,
de Tiberíades, na Igreja dos Gregos-Melquitas de Safet (...).[48]
Desmentindo o mito sionista
de que a expulsão da população palestina ocorreu no contexto de
uma guerra entre Israel e os países árabes, o historiador
israelense Ilan Pappé esclarece:
Tudo isso ocorreu antes
que um único soldado regular árabe houvesse entrado na Palestina
(...) Entre 30 de março e 15 de maio, as forças judias tomaram
duzentas aldeias e expulsaram seus habitantes. Este é um fato
que é necessário repetir, pois desmente o mito israelense de que
“os árabes” saíram correndo assim que a “invasão árabe” foi
posta em marcha. Quase a metade das aldeias árabes já haviam
sido atacadas quando os governos árabes finalmente decidiram (a
contragosto, como sabemos) enviar suas tropas ao país. Outras
noventa aldeias foram arrasadas entre 15 de maio e 11 de junho
de 1948.[49]
A RETIRADA INGLESA E A
PROCLAMAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL
Em 14 de maio de 1948, sem esperar a
partida dos ingleses, Ben Gurion – líder da Agência Judaica –
proclamou a fundação do Estado de Israel – reconhecido 11
minutos depois pelo presidente Henry Truman, dos EUA. Os países
árabes vizinhos – a maioria de caráter feudal ou semifeudal –,
em reação à limpeza étnica em andamento[50]
e pressionados por seus povos, decidiram a enviar a Palestina um
pequeno número de voluntários, mal treinados e mal armados, que
foram facilmente derrotados pelos israelenses. O exército
jordaniano, o único que poderia fazer frente aos sionistas,
omitiu-se na luta por conta de um acordo secreto com Israel,
visando apoderar-se da Cisjordânia. Segundo Ilan Pappé:
Israel aproveitou-se dessa
“guerra” com os países árabes para “posar de vítima” e ocupar
todo o território palestino, com exceção da Cisjordânia –
entregue à Jordânia – e de Gaza, que ficou sob controle egípcio.
As atrocidades sionistas prosseguiram
durante todo o ano de 1948, sob os olhares complacentes da
comunidade internacional e da ONU: “segundo o ex-diretor dos
arquivos do exército israelense, ‘em quase todas as aldeias
árabes ocupadas por nós durante a Guerra de Independência, foram
cometidos atos definidos como crimes de guerra, tais como
assassinatos, massacres e estupros’.”[52]
Outro massacre, ainda mais terrível que o de Deir Yassin,
ocorreu em 28 de outubro de 1948, em Ad Dawayima, a cinco
quilômetros de Hebron:
No dia 28 de outubro, meia
hora após a oração do meio-dia, recorda o mukhtar, vinte
veículos blindados entraram na aldeia desde Qubayba enquanto, ao
mesmo tempo, os soldados a atacavam desde o flanco oposto (...)
desde os blindados, os soldados usaram suas armas automáticas e
obuses até abrir passo na aldeia em um movimento semicircular.
De acordo com a rotina estabelecida, rodearam a aldeia por três
lados e deixaram o lado oriental aberto com o objetivo de
expulsar em uma hora os seis mil palestinos que existiam na
aldeia. Quando isso não ocorreu, os soldados saltaram de seus
veículos e começaram a atirar de forma indiscriminada nas
pessoas, que correram a refugiar-se na mesquita ou fugiram para
Iraq AL Zagh, uma gruta santa que havia ali perto. No dia
seguinte, o mukhtar aventurou-se a regressar ao lugar para
descobrir horrorizado que os cadáveres de homens, mulheres e
crianças – entre os quais se encontrava seu próprio pai – se
empilhavam na mesquita e cobriam as ruas. Quando foi à gruta,
encontrou a entrada bloqueada por dezenas de corpos. O mukhtar
fez um censo da população e concluiu que faltavam 455 pessoas,
entre as quais em torno de cento e setenta eram mulheres e
crianças. Os soldados judeus que participaram do massacre também
referiram às cenas terríveis que se deram na aldeia: bebês com
os crânios abertos a golpes, mulheres violadas ou queimadas
vivas em suas casas, homens apunhalados até morrer. (...) Nesse
período, militares israelenses de todas as patentes e idades e
com todo tipo de formação mataram de forma selvagem e impiedosa
milhares de palestinos. Apesar das volumosas provas contra eles,
nenhum desses israelenses foi julgado por crimes de guerra.[53]
O historiador sionista Benny
Morris fornece detalhes tétricos desse massacre:
Um soldado, que foi
testemunha ocular relatou que as FDI, capturando a aldeia “sem
resistência”, inicialmente “matou cerca de 80 a 100 árabes [do
sexo masculino], mulheres e crianças. As crianças eram mortas
quebrando suas cabeças com paus. Não havia uma única casa sem
mortos.” Os árabes restantes foram então enclausurados em casas,
“sem comida nem água”, enquanto a aldeia era sistematicamente
arrasada. “Um comandante ordenou que um solapador pusesse duas
mulheres idosas em determinada casa (...) e que explodisse a
casa com elas dentro. O solapador recusou-se. (...) O comandante
ordenou então que seus homens pusessem as mulheres lá dentro e o
horror foi cometido. Um soldado gabava-se de ter estuprado e
atirado numa mulher. Uma mulher com um bebê recém-nascido nos
braços era usada para limpar o pátio onde os soldados comiam.
Ela trabalhou durante um dia ou dois. No fim, eles atiraram nela
e no bebê. O soldado que fez seu relato como testemunha ocular
concluía que oficiais preparados (...) se haviam transformado em
assassinos primitivos, e isso não acontecia no calor da batalha
(...) mas em consequência de um sistema de expulsão e
destruição. Quanto menos árabes permanecessem, melhor. Este
princípio é o motor político das expulsões e atrocidades.[54]
Ao final dessa limpeza étnica – que em nada
ficou a dever à sanha nazista e que é conhecida pelos árabes
como Nakba (“Catástrofe”) –, “se havia desterrado mais
de metade da população original da Palestina (cerca de
oitocentas mil pessoas), destruído 531 aldeias e despovoado onze
bairros urbanos.”[55]
Jerusalém Ocidental foi ocupada por Israel e Jerusalém Oriental
foi entregue à Jordânia, cumprindo o acordo secreto entre Israel
e o governante jordaniano. Posteriormente, Jerusalém Oriental
foi tomado por Israel.
O professor israelense Israel Shahak relata
que essas aldeias palestinas foram “destruídas
completamente, com suas casas, seus jardins e até com seus
túmulos e cemitérios, de modo que não permaneceu literalmente
pedra sobre pedra e aos visitantes de passagem dizia-se que
‘tudo estava deserto’.”[56]
Diante de tanta destruição,
Yossef Weitz, Diretor do Fundo Judaico, afirmou com cinismo:
Fui visitar a vila de
Um’ar. Três tratores estão terminando a destruição. Fiquei
surpreso; nada em mim se comoveu diante da visão de destruição.
Nenhum arrependimento e nenhum ódio, como se esse fosse o curso
do mundo. Queremos nos sentir bem neste mundo e não em um mundo
por vir. Queremos simplesmente viver, e os moradores daquelas
casas de barro não queriam que vivêssemos aqui.
Eles não só desejam nos dominar, como também queriam nos
exterminar.
[57]
Através da expulsão dos
palestinos, os sionistas obtiveram as terras necessárias para a
imigração massiva de colonos judeus para o recém-criado Estado
de Israel e uma nova correlação populacional. Isso não foi fruto
do acaso, mas o resultado de uma política premeditada dos
líderes sionistas, sob o olhar complacente da ONU. Segundo Benny
Moore:
A
Resolução da Partição havia reservado cerca de 60% da Palestina
para o Estado judaico; na maioria tratava-se de terras que não
eram propriedade de judeus. Mas a guerra (...) se fosse vencida,
como Ben-Gurion enxergava as coisas, pelo menos resolveria o
problema de terras do Estado judaico. (...) “A guerra nos dará a
terra. Os conceitos de ‘nosso’ e ‘não nosso’ são apenas
conceitos de tempo de paz e durante a guerra perdem todo o seu
significado. (...) No Negev, não haveremos de comprar terras.
Vamos conquistá-las.”[58]
Como resultado da Nakba,
o Estado de Israel – que pela Partilha das Nações Unidas
receberia 56,5% da Palestina – apossou-se de 78%. Já o Estado
Palestino – que ficaria com somente 43% do seu próprio país –
deixou de existir, tendo 21,5% sido tomados por Israel, 20,5%
pela Jordânia (através de acordo secreto com Israel) e 1,5% pelo
Egito (que assumiu a Faixa de Gaza). Em consequência, mais de
900 mil palestinos passaram a viver confinados em campos de
refugiados na Cisjordânia, Faixa de Gaza, Egito, Jordânia,
Síria, Líbano, Iraque e outros países árabes. Hoje, com seus
descendentes, são mais de cinco milhões de refugiados
palestinos, espalhados por todo mundo. Desses, um milhão e meio
vivem em 58 campos de refugiados oficiais, coordenados pela
UNRWA.
Referindo-se a este processo de
desapossamento e matança do povo palestino, o historiador
israelense Tom Seguev afirmou: “Israel
nasceu do terror, da guerra e da revolução, e a sua criação
exigiu certa dose de fanatismo e crueldade.”[59]
CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO,
CONFISCO DE TERRAS, PROIBIÇÃO DE RETORNO
Concluída, em fins de 1948, a
limpeza étnica e a ocupação de suas terras, nem por isso acabou
o martírio dos palestinos. Afora mais de quinze mil mortos
durante a Nakba, outros dez mil foram aprisionados pelas
tropas israelenses. Prosseguiram os saques às suas casas, o
confisco de suas terras, a profanação de seus lugares sagrados.
Sua liberdade de deslocamento, expressão ou manifestação foi
suprimida. Em Haifa, os cerca de cinco mil palestinos que
restaram, após a expulsão de quase setenta mil, foram confinados
em um único bairro – Wadi Nisnas – em uma das zonas mais pobres
da cidade, onde passaram a viver em um gheto, similar aos
que os nazistas criaram para os judeus durante a II Guerra
Mundial.
Grandes operações de “busca e
captura” passaram a ser realizadas, aprisionando em diversos
campos de concentração todos os suspeitos de serem refugiados
que retornavam aos seus lares ou de serem opositores da
ocupação. Segundo matéria da Revista Carta Capital, de outubro
de 2014:
Ali, as
torturas, os espancamentos, a violação de mulheres e os
assassinatos eram comuns. Em 1950, Muhammad Nimr AL Khatib –
sobrevivente do massacre de Tantura – denunciou: “Os
sobreviventes do massacre de Tantura foram encerrados em um
curral que havia perto. Durante três dias ali estiveram sem
comida e logo os colocaram em uns caminhões. Ordenaram-lhes que
sentassem em um espaço impossível e lhes ameaçaram disparar. Não
lhes dispararam, mas lhes golpearam as cabeças e o sangue lhes
saía aos borbotões por todas as partes.”[61]
ELIMINAÇÃO DA MEMÓRIA
PALESTINA
Os sionistas imediatamente buscaram apagar
em toda parte a memória palestina. Além de arrasarem e
transformarem em escombros as milenares aldeias palestinas,
expulsando os seus habitantes, alteraram os nomes de todos os
acidentes geográficos e denominações locais: “Os funcionários
precisaram mudar seu nome por um patrônimo geralmente tirado de
denominações bíblicas (...) A hebraização não alcançou apenas os
humanos; quase todas as novas localidades construídas receberam
um nome hebraico antigo (...) para apagar em definitivo o nome
árabe local (...)”.[62]
Ben Gurion afirmou com hipocrisia: “Somos obrigados a remover
os nomes árabes por razões de Estado. Assim como não
reconhecemos a propriedade árabe da terra, também não
reconhecemos sua propriedade espiritual e seus nomes.”[63]
Em 1969, referindo-se à
destruição pelos sionistas da sociedade árabe-palestina, Moshe
Dayan confessou com desfaçatez:
Viemos para este país que já estava ocupado por árabes e estamos
estabelecendo aqui um Estado hebraico judeu. Em áreas
consideráveis do país
[a área total era cerca de
6%] adquirimos terras de árabes. Aldeias judaicas foram
construídas no lugar das aldeias árabes. Você nem ao menos sabe
o nome dessas aldeias árabes, e eu não o culpo, porque esse
atlas geográfico nem existe mais. Nahal [povoado do próprio
Dayan] surgiu no lugar de Mahalul; Gevat surgiu no lugar de
Jibta; [o kibutz] Sarid surgiu no lugar de Haneifs; e Kefar
Yehoshua surgiu no lugar de Tell Shaman. Não há um único lugar
neste país que não tivesse antes uma população árabe.[64]
Essa política sionista de “apagar” a
memória palestina prossegue até os dias de hoje. Em 2009, “o
ministro da Educação de Israel, Gideon Saar, decidiu excluir do
currículo escolar a narrativa palestina sobre o conflito entre
israelenses e palestinos. De acordo com as instruções do
ministro, a explicação sobre a Nakba (catástrofe), termo usado
pelos palestinos para descrever a criação do Estado de Israel,
será retirada dos livros escolares.” Segundo o ministro, “O
sistema de educação não deve contribuir para abalar a
legitimidade do Estado.” Dez dias antes, o ministro dos
Transportes, Israel Katz, já havia decidido alterar a grafia dos
nomes das cidades do país em todas as placas de trânsito: “As
placas, que eram escritas em três idiomas – hebraico, árabe e
inglês – passarão a mostrar apenas os nomes hebraicos das
cidades (...) Jerusalém – passará a ser chamada apenas de
Yerushalaim (...) o nome árabe – al-Quds – e o nome inglês –
Jerusalem – deixarão de constar das placas de trânsito.”[65]
O impressionante em tudo isso
é a omissão da ONU e do “ocidente democrático”, sob a liderança
dos Estados Unidos. Apesar da Resolução da Partilha prever ao
final do Mandato inglês a presença das Nações Unidas para
supervisionar a aplicação de seu plano de paz e garantir a
criação de dois Estados distintos – um judeu e outro árabe –,
impedindo qualquer tentativa de um ou outro lado de confiscar os
bens e as terras dos cidadãos do outro Estado, na verdade a ONU
omitiu-se completamente diante da expulsão dos palestinos de
suas terras e de seu país pelos sionistas.
Sua única atitude foi votar, em dezembro de
1948, a Resolução nº 194, determinando que “Os refugiados que
desejarem devem ter permissão para retornar aos seus lares o
mais rápido possível e de viver em paz com seus vizinhos, e
devem ser pagas indenizações a título de compensação pelos bens
daqueles que decidirem não regressar aos seus lares e por todo
bem perdido ou danificado, uma vez que, em virtude dos
Princípios do Direito Internacional, tal perda ou dano devem ser
reparados pelos governos ou autoridades responsáveis.”[66]
Nenhuma palavra ou atitude da ONU sobre o direito do povo
palestino de ter o seu próprio Estado – conforme rezava a
Resolução 181 da ONU – no território onde vivia há milênios.
Israel não só ignorou essa resolução da ONU
– assim como todas as demais que se seguiram –, como impediu
esses refugiados de retornarem às suas propriedades e aldeias,
declarou-os “ausentes” e confiscou as suas terras, sem qualquer
indenização, entregando-as a colonos judeus. Assim, através da
chamada Lei de Propriedade dos Ausentes (1950), os judeus
apropriaram-se de 40% de todas as terras privadas árabes.
Segundo Shlomo Sand, “(...) ‘ausentes’ – [passou a ser]
uma classificação legal aplicada não só aos refugiados
externos, mas a muitos árabes palestinos que permaneceram em
Israel como cidadãos e que por isso vieram a ser referidos pela
paradoxal expressão ‘ausentes presentes’ (...)”[67]
Da mesma forma, os sionistas
transferiram a totalidade das terras estatais do Mandato
Britânico da Palestina para o “Estado Judeu”. A maioria dos
kibutz – que são vistos pelos desinformados e pelos ingênuos
como um exemplo de “socialismo” e de “solidariedade humana” –
foram instalados sobre terras esbulhadas e neles nenhum
palestino foi aceito. Edward Said
nos conta como isso acontecia:
Consideremos como exemplo
o destino de Umm al-Fahm (...) Antes de 1948, a vila possuía 140
mil dunams [1 dunam equivale a
cerca de 4.000 m2] e 5 mil habitantes. (...) A
melhor parte das terras foi confiscada por vários decretos
legais, entre eles a “Lei da Terra, Seguro e Indenização” de
1953. A maior ironia talvez seja que os dois kibutzim
socialistas – Megiddo e Givat Oz – foram construídos em terras
árabes confiscadas. O que sobrou foi transformado em um moshav,
isto é, uma cooperativa agrícola.[68]
O Historiador sionista Benny
Morris tentou justificar esse esbulho:
“Esta terra é tão pequena que não há
espaço para dois povos. Dentro de cinquenta ou cem anos, haverá
apenas um Estado entre o mar e o Jordão. Este Estado deve ser
Israel.” (...) Morris considera que o “terrível erro” de
Ben-Gurion em 1948 foi não ter “concluído o trabalho” e
expulsado “cem por cento” dos árabes palestinos; que atualmente
os palestinos israelenses constituem um “perigo vital” e uma
“bomba-relógio”; e que idealmente “os árabes acabarão indo
embora” (...)“este acabará sendo um problema estratégica para as
forças de segurança”. (...) os palestinos são “um povo doente e
psicótico”. Recusam-se a admitir que “os judeus têm direito à
Palestina” (...) este “direito” (...) não poderia ser realizado
sem a expulsão dos árabes palestinos: “Era necessária a remoção
de uma população. Sem a expulsão de uma população não teria sido
criado um Estado judaico. (...) Eu aceito moralmente a
construção do Estado Judeu” [Depois,] Numa entrevista
incrivelmente dissimulada Morris negou suas próprias afirmações
já reproduzidas em papel impresso (...).[69]
Os sionistas, ao mesmo tempo
que impediram o retorno dos palestinos expulsos, criaram a
Lei do Retorno, que permite aos judeus de todo o mundo
emigrarem para Israel e obter de imediato a sua cidadania, ainda
que sejam cidadãos plenos em seus países e não sofram qualquer
perseguição ou discriminação. O objetivo é impor a supremacia
numérica dos judeus sobre os árabes, nos territórios
conquistados para o “Lar Judeu”. Em consequência disso, no ano
de 1950, mais de 900 mil palestinos viviam confinados em campos
de refugiados na Cisjordânia (ocupada pela Jordânia), na Faixa
de Gaza, na Síria, no Líbano, no Egito, no Iraque e em outros
países do Golfo. Considerando os seus descendentes, os
refugiados palestinos em todo o mundo alcançam hoje mais de
cinco milhões de pessoas – das quais 1,5 milhões vivem em 58
campos oficiais de refugiados da UNRWA – sem direito a retornar
à sua Pátria.
Apesar do reiterado
desrespeito a todas as resoluções da ONU, esta não estabeleceu
até hoje qualquer sanção contra Israel, limitando-se a criar um
Organismo de Ajuda e Trabalho das Nações Unidas para os
Refugiados Palestinos (UNRWA), que – cada vez com menos
recursos – presta alguma assistência às populações refugiadas
palestinas.
Mesmo descumprindo sistematicamente todas
as resoluções da ONU sobre a Palestina – Israel foi admitido em
1949 como Estado membro das Nações Unidas, através da resolução
273, que hipocritamente afirma: “Considerando a declaração
através da qual o Estado de Israel aceita, sem reserva alguma,
as obrigações que emanam da Carta das Nações Unidas e se
compromete a observá-las (...) a Assembleia Geral decide admitir
Israel na Organização das Nações Unidas.”[70]
Já o Estado Palestino –
também previsto na Resolução 181 da ONU – segue ocupado por
tropas israelenses e por centenas de milhares de colonos judeus,
que se adonaram de suas melhores terras. E aguarda até hoje o
seu reconhecimento como Estado independente e soberano!