Há seis mil anos atrás, a Palestina – encruzilhada das
civilizações egípcia, babilônica, assíria e hitita, entre outras
– foi fecundada por emigrações semitas, inicialmente de cananeus
(terra de Canaã) depois de arameus e hebreus, além de povos de
origem egéia, como os filisteus (Filastin, de onde surge o nome
Palestina).
Com maior ou menor independência frentes aos grandes impérios
regionais, a Palestina foi sucessivamente dominada pelos
cananeus (ou fenícios), filisteus e judeus. Estes últimos
dominaram a Palestina por um século (1000 a 900 a.C.), além de
efêmeros reinos, em áreas restritas da Palestina (de Israel e de
Judá).
Após, a Palestina caiu, sucessivamente, sob o domínio babilônio,
assírio, persa, macedônio, romano, islâmico e otomano. Fruto
dessa atribulada trajetória, em 1880 – dos 500 mil habitantes
que povoavam a Palestina –, apenas 24 mil eram judeus (5%),
havendo amplo predomínio de populações árabe-palestinas.
Frente às perseguições de que os judeus eram vítimas,
principalmente na Europa Oriental, reuniu-se em 1897, em
Basiléia, Suíça – sob a liderança de Theodor Herzl –, o 1.º
Congresso Sionista, que aprovou a criação de um “Estado Judeu”
para acolher todos os judeus do mundo.
Para atingir os seus objetivos,
Theodor Herzl propôs às potências imperialistas européias – em
especial à Turquia, à Alemanha e à Inglaterra – transformar o
futuro Estado Judeu em um bastião da “civilização branca” contra
os povos “incivilizados”. Discorrendo sobre a criação do “Lar
Judeu” na Palestina, afirmou: “Para a Europa, constituiríamos
aí um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela
avançada da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como
Estado Neutro, em relações constantes com toda a Europa, que
deveria garantir a nossa existência.” (HERZL, Theodor. O
Estado Judeu. Rio de Janeiro: Organização Sionista Unificada
do Brasil, 1947, p. 68)
Norman Finkelstein cita opinião, no
mesmo sentido, de Haim Weizmann, primeiro presidente de Israel:
Weizmann, que cuidava das relações externas do movimento
sionista (...) argumentou que uma Palestina judaica podia
funcionar como uma guarnição regional para defender o canal de
Suez (...). Ele opunha a total devoção da população judaica ao
império britânico à instabilidade política dos árabes, cujo
movimento era de orientação antieuropeia. Da mesma forma, Vladimir
Jabotinski (...) sustentava que “se existe um posto avançado
no litoral mediterrâneo que a Europa tem uma chance de
preservar, é a Palestina, mas uma Palestina com maioria judaica.
(FINKELSTEIN,
Normam. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 74)
Em 1917, a Grã Bretanha – em função desses seus interesses no
Oriente Médio – encampou a idéia e passou a defender que a
Palestina fosse transformada na “pátria dos judeus”, ignorando
totalmente as populações árabe-palestinas que aí viviam há
milênios. Após a 1ª Guerra Mundial, como mandatária da
Palestina, a Grã-Bretanha incentivou a imigração judaica,
afrontando as populações árabe-palestinas, que aspiravam a sua
independência.
Em fevereiro de 1947, a Grã Bretanha anunciou a sua retirada da
Palestina até 15 de maio de 1948 – “lavando as mãos” pelo que
aconteceria após sua saída, em um país dilacerado pelo conflito
entre palestinos e judeus, por ela provocado – e entregou a
solução do problema às Nações Unidas. Nesse momento, os judeus –
devido a uma imigração planejada – já eram 600 mil (33%), mas os
árabe-palestinos ainda eram ampla maioria de 1,2 milhões (66%).
Em 29 de novembro de 1947, a ONU aprovou a Resolução 181,
determinando a partilha da Palestina, sem qualquer consulta ao
seu povo, o verdadeiro dono do país. Os judeus vindos de outros
continentes, apenas um terço da população, receberam 57% do
território palestino. Os árabe-palestinos, dois terços da
população e habitantes milenários da Palestina, receberam apenas
43% do seu próprio país. Jerusalém – lugar sagrado para
muçulmanos, judeus e cristãos – deveria passar à administração
da ONU.
Inconformados, os árabes afirmaram não sentir-se obrigados a
cumprir essa decisão, pois ela desrespeitava a Carta da ONU e a
autodeterminação do povo palestino. Os sionistas - que defendiam
uma Palestina puramente judia – aceitaram a partilha, vendo-a
como um primeiro passo para posterior expansão para toda a
Palestina:
O Estado judaico que no momento nos é oferecido não é o objetivo
sionista. Dentro desta área não é possível resolver a questão
judaica. Mas ele (...) consolidará na Palestina, no mais breve
prazo possível, a verdadeira força judaica, que nos conduzirá à
nossa meta histórica (...). O Estado Judaico terá um
extraordinário exército (...) não seremos impedidos de nos
estabelecer no resto do país.
(GURION, Ben. Em: FINKELSTEIN, idem, p. 70)
Na verdade, a rejeição árabe à partilha foi bastante conveniente
ao projeto sionista, como afirmou Menachen Begin, um dos
comandantes das ações terroristas do Irgun: “Minha
maior preocupação nesses meses era que os árabes pudessem
aceitar o plano das Nações Unidas. Então, nós teríamos uma
grande tragédia: um Estado judaico tão pequeno que não poderia
absorver todos os judeus do mundo”. (PALUMBO,
Michael. The Palestinian Catastrophe: the 1948 expulsion of a
people of their homeland. Londres: Faber & Faber, 1987, p.
29. Em: GATTAZ,
André Castanheira. A guerra da Palestina: da criação do
Estado de Israel à Nova Intifada. São Paulo: Usina do Livro,
2002, p. 105)
A NAKBA (“CATÁSTROFE”) E A LIMPEZA ÉTNICA SIONISTA
Tão logo a partilha foi aprovada, os sionistas prepararam-se
para ocupar o resto da Palestina. Além de numeroso armamento
conseguido nos EUA, compraram grande quantidade de armas
tchecas. Por fim apossaram-se de boa parte dos arsenais das
tropas inglesas em retirada. A essa altura, o Haganah – o
exército sionista – já contava com 50 mil homens e passou a
atuar junto com as organizações terroristas Irgun e Stern.
A questão era como se livrar das 400 aldeias e mais de 800 mil
palestinos que haviam ficado no “Estado Judeu” previsto na
partilha da ONU. Os sionistas iniciaram, então, uma série de
ações militares contra os povoados rurais palestinos. Em
dezembro de 1947, Ben Gurion determinou um “sistema de defesa
agressiva; a cada ataque árabe devemos responder com um golpe
decisivo: a destruição do lugar ou a expulsão dos residentes,
paralelamente à captura do lugar” (...) Quando estivermos em
ação (...) devemos lutar com força e crueldade. Sem permitir que
nada nos detenha”. (FLAPAN, Simha. Birth of Israel.
Em: FINKELSTEIN, idem, p. 160).
Como os palestinos não atacaram, em dezembro de 1947 foram
golpeadas as aldeias de Deir Ayub e Beit Affa. Pouco depois foi
atacada a aldeia de Khisas: “Os soldados judeus
atacaram a aldeia em 18 de dezembro de 1947 e começaram a
explodir as casas ao azar em plena noite enquanto seus ocupante
dormiam profundamente. Quinze aldeãos, cinco deles crianças,
morreram durante o ataque” (PAPPÉ, Ilan, La limpieza
étnica de Palestina. Barcelona: CRITICA, 2006, pag. 89).
A seguir, a aldeia escolhida foi Balad Al Shaykh: “O ataque
teve lugar em 431 de dezembro, durou três horas e deixou mais de
sessenta palestinos mortos.” (PAPPÉ, idem, pp. 92-93). Essas
ações se intensificaram durante janeiro e fevereiro de 1948.
Em março de 1948, os sionistas aprovaram o “Plano
Dalet”, visando a limpeza étnica da Palestina:
Em (...) 10 de março de 1948, um grupo de onze homens,
constituído por veteranos líderes sionistas e jovens oficiais
militares judeus, puseram os toques finais a um plano para
limpeza étnica da Palestina. Nessa mesma tarde, foram enviadas
ordens militares às unidades sobre o terreno para preparar a
expulsão sistemática dos palestinos de vastas áreas do país. As
ordens estavam acompanhadas de uma descrição detalhada dos
métodos que haviam de ser empregados para desalojar pela força
às pessoas: intimidação em grande escala; assédio e bombardeio
das aldeias e centros populacionais; incêndio das casas,
propriedades e bens: expulsão; demolição; e, finalmente,
colocação de minas entre os escombros para impedir o regresso de
qualquer um dos expulsos. A cada unidade foi proporcionada sua
própria lista de aldeias e bairros selecionados como alvo desse
plano geral. Com o nome em código de Plano D (Dalet em hebreu),
era a quarta e definitiva versão (...) Uma vez a decisão foi
tomada, se tardou seis meses em completar a missão.
(PAPPÉ, idem, pp. 10 e 11)
O massacre de 9 de abril de 1948, no povoado de Deir Yassin –
quando as forças do Irgun e do Stern, apoiadas
pelo Haganah, atacaram e assassinaram 254 pessoas,
homens, mulheres, crianças e velhos – é emblemático do que
aconteceu em centenas de outras aldeias palestinas, durante
esses seis meses de limpeza étnica sionista. Fahim Zaydan, que
na época tinha 12 anos e, apesar de ferido, sobreviveu, relata:
“Nos levaram um detrás do outro; dispararam a um ancião e
quando uma de suas filhas gritou, lhe dispararam também. Logo
chamaram o meu irmão Muhamad e lhe dispararam na nossa frente e
quando minha mãe, que levava a minha irmã nos braços, pois ainda
estava amamentando, se lançou sobre ele chorando, também lhe
dispararam.” (McGOWAN, Daniel e HOGAN, Matthew C.
The Saga of the Deir Yassin Massacre, Revisionism and Reality.
Em: PAPPÉ, idem, pp. 130-131). E o historiador Michael
Palumbo reproduz o testemunho do médico suíço Jacques Reynier
sobre esse massacre:
De acordo com de Reyner: “a limpeza foi feita com metralhadoras
e depois granadas de mão. Foi terminada com facas, qualquer um
podia ver isso (...). Uma bonita jovem com olhos criminosos,
mostrou-me a faca com sangue ainda pingando, ela me mostrava
aquilo como se fosse um troféu.” O comportamento dos terroristas
sionistas lembrou o médico da Cruz Vermelha de seu serviço
durante a Segunda Guerra Mundial. “Tudo o que eu pensava era nas
tropas SS que vi em Atenas”. O médico da Cruz Vermelha viu “uma
jovem apunhalar um casal de velhos sentado na entrada de sua
cabana”
(PALUMBO, Michael, Idem, p. 54. Em: GATAZ, idem, p. 112)
Participantes no massacre de Deir Yassin relatariam anos
depois:
Afirmando que “eu vi coisas terríveis acontecerem, não posso
contar tudo”, o antigo funcionário de inteligência do Bando
Stern efetivamente reconhece que (...) “não queríamos enterrar”
as dezenas de cadáveres de árabes “porque era trabalho demais e
por isso acabamos por queimá-los (...) Jogamos todos os corpos
num poço, derramamos gasolina neles e os queimamos”. (...) Um
funcionário de inteligência do Mossad (...) lembra que mais
tarde “presenciamos uma cena das mais terríveis e chocantes
(...) homens do IZL atiravam cadáveres de árabes para dentro de
uma casa do alto do telhado, enquanto ardia um gigantesco
incêndio. Parecia um crematório. (...) O fedor no ar era
insuportável.”
Outros depoimentos davam conta de “residências nas quais
famílias inteiras haviam sido fuziladas” e de “mulheres
alvejadas nos genitais” porque – explicava-se – “os combatentes
árabes se disfarçavam de mulher e os membros do IZL queriam
tirar a limpo.” (FINKELSTEIN, idem, p. 351)
Após a chacina de Deir Yassin, Menahen Beguin convocou a
imprensa para exibir com júbilo os corpos das vítimas, com o
claro objetivo de induzir os palestinos – pelo pavor – ao
abandono de suas terras e ao exílio, para preservar suas vidas.
Posteriormente, os sionistas afirmariam hipocritamente, que os
palestinos haviam abandonado suas terras “espontaneamente” e,
por isso, haviam perdido o seu direito sobre elas. Como
confessou Menahem Beguin:
(...) por todo o país os árabes (...) eram possuídos de um
pânico infinito e começavam a fugir para salvar suas vidas. Esta
fuga em massa logo se transformou em uma explosão enlouquecida e
sem controle. Dos quase oitocentos mil palestinos que viviam no
atual território do Estado de Israel, só uns cento e sessenta e
cinco mil permaneceram ali. Dificilmente se pode exagerar a
importância política e econômica desse desdobramento.
(BEGIN, Menachem. The Revolt: Story
of the Irgun. Nova York: Henry Schuman, 1951, p. 164. Em
PAPPÉ, idem, p. 356)
Muitas localidades palestinas – como Hawasa, Qastal, Khirbet,
Nasr Ed Deen, Ein az Zeitun, Qisarya, Atlit, Daliyat Al Rawha,
Qalunya, Saris, Beit Surik, Biddu, Sasa, entre tantas outras –
sofreram o mesmo tipo de atrocidades. Em relação ao ataque a
Sasa, realizado à meia-noite, o comandante sionista Moshe Kalman
declarou cinicamente: “Nos topamos com um vigia árabe que
estava tão surpreso que não perguntou ‘min hada?’, quem é?, mas
‘esh hada?’, o que é isso. Um dos nossos homens, que sabia
árabe, lhe respondeu com humor ‘hada eshf’, isto é ‘fogo’ e lhe
disparou uma rajada (...) deixamos atrás trinta e cinco casas
demolidas e entre sessenta e oitenta cadáveres.” (PAPPÉ,
idem, p.115)
Segundo André Gattaz:
(...) havia certo padrão nas operações: os homens jovens e
adultos da cidade eram levados à praça central da aldeia, onde
eram fuzilados na frente de seus parentes (...) se seguiam
alertas por parte dos sionistas para que os demais fugissem, se
não quisessem sofrer o mesmo destino. Muitas vezes lhes era
concedido apenas meia hora para deixarem suas casas, após o que
os que restassem seriam mortos. Nas marchas forçadas que se
seguiram (...) milhares de pessoas morreram, devido ao calor, às
doenças e os maus tratos por parte dos soldados. Nas aldeias
desocupadas, os israelenses passavam ao saque sistemático. (GATTAZ, idem, pp. 127-128)
Mas, os massacres não se limitaram às aldeias rurais: “outro
acontecimento de conseqüências importantes foi a ocupação
sionista das grandes cidades palestinas e a fuga da população
urbana palestina. Entre o final de abril e o dia 14 de maio de
1948, os sionistas concentraram seus esforços em Haifa, Jaffa e
Jerusalém, cidades de população mista e que haviam sido
destinadas pela ONU O Estado Árabe (as primeiras) ou à
administração internacional (Jerusalém).” (GATTAZ, idem, p.
115)
Ilan Pappé relata com detalhes os horrores a que foram
submetidos os palestinos em Haifa:
A campanha terrorista judia, que havia começado em dezembro,
inclui bombardeio pesado, fogo de franco-atiradores, rios de
petróleo e combustível acesos que baixavam pelo costado da
montanha e barris repletos de explosivos (...) que se
intensificou em abril. No dia 18 desse mês (...) comandante
britânico (...) informou que em dois dias as forças britânicas
se retirariam. (...) era o único obstáculo que impedia às forças
judias atacar (e tomar) diretamente as áreas palestinas, nas
quais ainda viviam mais de cinqüenta mil pessoas. (essa tarefa
foi entregue à brigada Carmeli (...) que estava no comando era
Mordechai Maklef (...( e as ordens que deu às tropas foram
claras e simples ‘Matai qualquer árabe que encontreis, queimai
todos os objetos inflamáveis e forçai as portas com explosivos’.
(...) Quando essas ordens começaram a ser executadas (...) a
comoção e o pavor foram tais que, sem empacotar nenhum pertence,
as pessoas começaram a deixar a cidade em massa. Movidos pelo
pânico, se dirigiram para o porto, onde esperavam encontrar um
barco ou um bote que os levasse para longe da cidade. (...)
através de auto-falantes se instou a população a se reunir na
velha praça do mercado (...) até que se pudesse organizar uma
evacuação ordenada pelo mar. (...) Os oficiais da brigada (...)
ordenaram a seus homens fixar obuses de setenta e seis
milímetros nas ladeiras que dominavam o mercado e o porto (...)
e bombardear a multidão reunida (...) quando o bombardeio
começou (...) a multidão entrou no porto (...) e dezenas de
pessoas saltaram aos botes que ali estavam atracados e dessa
maneira começou a fuga da cidade. (...) “Os homens pisoteavam a
seus amigos e as mulheres aos seus próprios filhos. Os botes que
havia no porto logo se encheram de seres humanos. O amontoamento
neles era horrível. Muitos viraram e afundaram, com todos os
seus passageiros”.
(PAPPÉ, idem, pp. 134-138)
A ocupação sionista de Jaffa, cidade de maioria árabe, vizinha a
Tel Aviv, também foi relatada pelo historiador israelense Ilan
Pappé: “Jaffa foi a última cidade a ser tomada, o que ocorreu
em 13 de maio, dois dias antes do final do mandato. (...) A área
da Grande Jaffa incluía 24 aldeias e dezessete mesquitas; na
atualidade ainda existe uma dessas últimas, mas nenhuma das
aldeias se mantém de pé. (...) cinco mil efetivos do Irgun e do
Haganah atacaram a cidade (...). Quando Jaffa caiu, seus
cinqüenta mil habitantes foram expulsos”. (PAPPÉ, idem, pp.
146-147)
Após a limpeza étnica em Haifa, Acre, Baysan, Nazaré, Lydda,
Ramle, Beersheba, Shef Aram, Safed e Jaffa – todas destinadas
pelo Plano de Partilha ao Estado Árabe – restaram poucas
localidades com alguma população árabe significativa na
Palestina, das quais logo os seus habitantes palestinos também
foram expulsos, para dar lugar aos novos imigrantes judeus.
Foi o caso da aldeia de Shaykh Muwannis – Munis, como é
conhecida hoje –, atacada pelo Irgun. Sobre as ruínas
dessa aldeia ergue-se hoje o elegante campus da
Universidade de Tel Aviv, com a qual tantas universidades de
todo o mundo e do Brasil se orgulham em manter convênios e
colaboração. Algumas casas que ali restaram foram convertidas em
sede do clube dessa “prestigiosa universidade”, cujos alicerces
se assentam sobre o sangue e a dor dos palestinos massacrados.
Denunciando essa barbárie sionista, o Ministro Thompson Flores
encaminhou ao Ministério das Relações Exteriores, desde a
Legação brasileira em Beirute, carta do Frei Martinho Penido
Brunier – que se encontrava na Palestina realizando estudos
bíblicos – na qual este relata a perseguição sionista às demais
religiões não judaicas:
(...) quero aludir, em primeiro lugar, à conduta desta guerra
pelas tropas e autoridades sionistas, sobretudo no que diz
respeito às atrocidades cometidas por eles sobre as populações
civis e indefesas; aos saques sistemáticos e metódicos de
aldeias inteiras ou de certos bairros cristãos de Jerusalém; aos
roubos, saques e vandalismos de toda espécie praticados nos
edifícios de instituições religiosas. (...) Se passarmos a falar
da maneira sionista de conduzir a guerra, temos a tristeza de
constatar que eles rivalizam com os nazistas da última guerra
mundial, a ponto de que Mr. Neville, Cônsul Geral da França
(pessoa todavia mais que insuspeita, devido a sua maior simpatia
pelo movimento sionista, antes destas hostilidades) declarou
solenemente que “28 dias de guerra e 17 dias de trégua
ensinaram-me mais sobre o nazismo do que 20 anos de regime de
Hitler” (declaração proferida no nosso Convento de Santo Estevão
no dia 27.06.48 e por mim cuidadosamente anotada). (...) Tais
abominações foram praticadas, ainda, no Convento das Freiras de
Sant’Ana de Haifa; nas Igrejas dos Gregos-Ortodoxos e dos
Gregos-Melquitas de Haifa, na Capela das Irmãs Franciscanas
Missionárias do Egito de Tiberíades, na Igreja dos
Gregos-Melquitas de Safet”.
(PENIDO BURNIER, Martinho. Legação Brasileira em Beirute,
Ofícios Enviados nº 154/194, 05.11.1948. Em GATTAZ, idem,
pp. 130-131)
Desmentindo a alegação sionista de que a expulsão da população
palestina ocorreu no contexto de uma guerra entre Israel e os
países árabes, o Ilan Pappé esclarece:
Tudo isso ocorreu antes que um único soldado árabe houvesse
entrado na Palestina (...). Entre 30 de março e 15 de maio, as
forças judias tomaram duzentas aldeias e expulsaram seus
habitantes. Este é um fato que é necessário repetir, pois
desmente o mito israelense de que “os árabes” saíram correndo
assim que a “invasão árabe” foi posta em marcha. Quase a metade
das aldeias árabes já haviam sido atacadas quando os governos
árabes finalmente decidiram (a contragosto, como sabemos) enviar
suas tropas ao país Outras noventa aldeias foram arrasadas entre
15 de maio e 11 de junho de 1948. (PAPPÉ, idem, p. 148)
As atrocidades sionistas prosseguiram durante todo o ano de
1948, sob os olhares complacentes da comunidade internacional e
da ONU: “segundo o ex-diretor dos arquivos do exército
israelense, ‘em quase todas as aldeias árabes ocupadas por nós
durante a Guerra de Independência, foram cometidos atos
definidios como crimes de guerra, tais como assassinatos,
massacres e estupros’.” (FINKELSTEIN, idem, p. 200)
Outro massacre, ainda mais terrível que o de Deir Yassin,
ocorreu em 28 de outubro de 1948, em Ad Dawayima, a cinco
quilômetros de Hebron:
No dia 28 de outubro, meia hora após a oração do meio-dia,
recorda o Mukhtar, vinte veículos blindados entraram na aldeia
desde Qubayba, enquanto, ao mesmo tempo, os soldados a atacavam
desde o flanco oposto (...). De acordo com ma rotina
estabelecida, rodearam a aldeia por três lados e deixaram o lado
oriental aberto, com o objetivo de expulsar em uma hora os seis
mil palestinos que existiam na aldeia. Quando isso não ocorreu,
os soldados saltaram de seus veículos e começaram a atirar de
forma indiscriminada nas pessoas que correram a refugiar-se na
mesquita ou fugiram para Iraq Al Zagh, uma gruta santa que havia
ali perto.. No dia seguinte, o Mukhtar aventurou-se a regressar
ao lugar, para descobrir horrorizado que os cadáveres de homens,
mulheres e crianças – entre os quais se encontrava seu próprio
pai – se empilhavam na mesquita e cobriam as ruas. Quando foi à
gruta, encontrou a entrada bloqueada por dezenas de corpos. O
Mukhtar fez um censo da população e concluiu que faltavam 455
pessoas, entre as quais em torno de cento e setenta eram
mulheres e crianças. Os soldados judeus que participaram do
massacre também se referiram às cenas terríveis que se deram na
aldeia: bebês com os crânios abertos e golpes, mulheres violadas
ou queimadas vivas em suas casas, homens apunhalados até morrer.
(PAPPÉ, idem, pp. 262-263)
O historiador sionista Benny Morris dá detalhes tétricos desse
massacre hediondo:
Um soldado que foi testemunha ocular relatou que a FDI,
capturando a aldeia “sem resistência”, inicialmente “matou cerca
de 80 a 100 árabes
[do sexo masculino],
mulheres e crianças. As crianças eram mortas quebrando suas
cabeças com paus. Não havia uma única casa sem mortos”. (...)
“Um comandante ordenou que um solapador pusesse duas mulheres
idosas em determinada casa (...) e que explodisse a casa com
elas dentro. O solapador recusou-se. (...) O comandante ordenou
então que os seus homens pusessem as mulheres lá dentro e o
horror foi cometido. Um soldado gabava-se de ter estuprado e
atirado em uma mulher. Uma mulher com um bebê recém-nascido nos
braços era usada para limpar o pátio onde os soldados comiam.
Ela trabalhou durante um dia ou dois. No fim, eles atiraram nela
e no bebê. (...) Oficiais preparados (...) se haviam
transformado em assassinos primitivos, e isso não acontecia no
calor da batalha (...) mas em conseqüência de um sistema de
expulsão e destruição. Quanto menos árabes permanecessem,
melhor. Este princípio é o motor político das expulsões e
atrocidades.” (MORRIS,
Benny. The Birth of the Palestinian Refugee Problem. Em:
FINKELSTEIN, idem, p. 152)
Ao final dessa “limpeza étnica” – que em nada ficou a dever à
sanha nazista contra os judeus e é conhecida pelos árabes como a
Nakba (“Catástrofe”) – “se havia desterrado mais de
metade da população original da Palestina (cerca de oitocentas
mil pessoas), destruído 531 aldeias e despovoado onze bairros
urbanos.” (PAPPÉ, idem, p. 11) Jerusalém Ocidental foi
ocupada por Israel e Jerusalém Oriental foi entregue à Jordânia,
cumprindo o acordo secreto entre Israel e o governante
jordaniano.
Segundo o israelense Israel Shahak, as aldeias palestinas foram
“destruídas completamente, com suas casas, seus jardins e até
com seus túmulos e cemitérios, de modo que não permaneceu
literalmente pedra sobre pedra e aos visitantes de passagem
dizia-se que ‘tudo estava deserto’.” (SAID, Edward W. A
questão da Palestina. São Paulo: Ed. UNESP, 2012, p. 17)
Frente a tanta barbárie, Yossef Weitz, Diretor do Fundo Judaico,
teve a desfaçatez de afirmar: “Fui visitar a vila de Um’ar.
Três tratores estavam terminando a destruição. Fiquei surpreso;
nada em mim se comoveu diante da visão de destruição. Nenhum
arrependimento e nenhum ódio, como se esse fosse o curso do
mundo. Queremos nos sentir bem neste mundo e não em um mundo por
vir. Queremos simplesmente viver, e os moradores daquelas casas
de barro não queriam que vivêssemos aqui. Eles não só desejam
nos dominar, como também queriam nos exterminar.” (SAID,
idem, pp. 117-118)
Através da expulsão dos palestinos, os sionistas obtiveram as
terras necessárias para a imigração massiva de colonos judeus
para o recém criado Estado de Israel e uma nova correlação
populacional. Isso não foi fruto do caso, mas o resultado de uma
política premeditada dos líderes sionistas. Segundo Benny Moore:
A Resolução da Partição havia reservado cerca de 60% da
Palestina para o Estado judaico; na maioria tratava-se de terras
que não eram propriedade de judeus. Mas a guerra (...) se fosse
vencida, como Ben Gurion enxergava as coisas, pelo menos
resolveria o problema de terras do Estado judaico. (...) “A
guerra nos dará a terra. Os conceitos de ‘nosso’ e ‘não nosso’
são apenas conceitos de tempo de paz e durante a guerra perdem
todo o seu significado. (...) No Negev, não haveremos de comprar
terras. Vamos conquistá-las.” (GURION, Ben. Citado por MORRIS,
Benny. The Birth... Em FINKELSTEIN, idem, pp. 144-145)
CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO, CONFISCO DE TERRAS, PROIBIÇÃO DE RETORNO
Concluída a “limpeza étnica” e a ocupação das terras dos
palestinos, nem por isso acabaram os seus sofrimentos. Afora os
800 mil desterrados, dezenas de milhares foram mortos ou
aprisionados pelas tropas israelenses. Prosseguiu o saque às
suas casas, o confisco de suas propriedades, a profanação dos
seus lugares sagrados. Suas liberdades de deslocamento, de
expressão ou de manifestação foram suprimidas, o que persiste
até os dias de hoje.
Em Haifa, por exemplo, os cinco mil palestinos que restaram após
a expulsão de setenta mil, foram confinados em um único bairro –
Wadi Nismas – em uma das áreas mais pobres da cidade, onde vivem
em um verdadeiro gheto, similar aos que os nazistas
criaram para os judeus quando tomaram o poder na Alemanha.
Grandes operações de “busca e captura” passaram a ser feitas,
aprisionando em campos de concentração todos os suspeitos de
tentarem retornar às suas terras ou de oporem-se à ocupação
sionista:
O jornalista Yazan AL-Saadi escreveu artigo publicado pela
versão inglesa do diário Al-Akhbar sobre a existência de pelo
menos 22 campos de concentração e de trabalho (...). Campos de
concentração cercados de torres, rodeados por arame farpado,
sentinelas nos portões, lembram aqueles famosos na Polônia.
(...) De acordo com uma nota de novembro de 1948 no diário de
David Ben Gurion (...) havia perto de nove mil prisioneiros de
guerra naquele ano. (...) Declarou um detido em Umm Khalid
entrevistado por Abu Sitta e Rempel: “Tínhamos de cortar e
transportar pedras todos os dias em uma pedreira. Refeições
diárias: uma batata na parte da manhã e metade de um peixe seco
à noite. Espancavam quem desobedecesse ordens.”
(CARTA, Gianni. Pesquisa revela campos de concentração para
palestinos após a fundação de Israel. São Paulo: Carta
Capital, 18.10.14)
Como resultado da Nakba, o Estado de Israel – que pela
partilha da ONU devia receber 57% da Palestina – apossou-se de
78%. Já o Estado Palestino, que ficaria somente com 43% de seu
próprio país, teve 21% tomados por Israel, 20,5% tomados pela
Jordânia e 1,5% pelo Egito (Faixa de Gaza).
Em conseqüência disso, mais de 900 mil palestinos passaram a
viver confinados em campos de refugiados na Cisjordânia, Faixa
de Gaza, Egito, Jordânia, Síria, Líbano, Iraque e outros países
árabes. Hoje, com seus descendentes, são mais de cinco milhões
de refugiados palestinos, espalhados por todo o mundo. Desses,
um milhão e meio vivem em 58 campos de refugiados oficiais, sob
responsabilidade da ONU.
Apesar desse terrível esbulho, a única atitude da ONU foi
aprovar, em dezembro de 1948, a Resolução nº 194, assegurando
aos palestinos o direito de retornarem às suas terras ou, se
preferirem, serem indenizados pela sua perda. Sobre o direito
dos palestinos ao seu “Estado Nacional”, nenhuma palavra...
Israel descumpriu até hoje a Resolução nº 194 da ONU, proibiu o
retorno dos palestinos expulsos e negou-se a pagar-lhes qualquer
indenização. Os que tentaram retornar foram presos ou mortos.
Como “prêmio”, Israel não sofreu qualquer sanção e foi admitido
como membro da ONU, com plenos direitos...
Se já era uma injustiça inominável entregar 57% da Palestina a
imigrantes judeus, sem qualquer consulta ao povo palestino, com
a Nakba o crime foi ainda maior: os palestinos foram
expulso de sua própria Pátria, tiveram inicialmente 78% do seu
território ocupado – o que hoje chega a quase a totalidade do
seu território – e continuam esperando, passados 70 anos, o
direito ao seu Estado Nacional.
Sem dúvida, essa luta também é nossa!
Historiador Raul Carrion
Maio de 2018