O Memorial 
				do Ministério Público nasceu em agosto de 2000 como Projeto 
				Memória. Em abril de 2003, recebeu o nome de Memorial. Uma das 
				suas primeiras tarefas foi a coleta de entrevistas para a 
				organização de um banco de história oral e para a sua 
				publicação. Nascia a coleção Histórias de Vida do Ministério 
				Público do Rio Grande do Sul. 
				
				Os 
				primeiros livros foram publicados em 2001. Com os subtítulos de 
				“Rememorações para o Futuro” e “Os alicerces da construção”. A 
				ênfase era no resgate das memórias dos membros mais antigos da 
				instituição. Através dos depoimentos, conhecemos o Ministério 
				Público das décadas de 1930 e 1940. O método escolhido foi o de 
				"histórias de vida". Segundo a professora Loiva Otero Félix, 
				responsável na época pelo projeto, esse método foi considerado 
				por ser "um caminho intermediário entre o modelo tradicional de 
				entrevista fechada, em que o entrevistado responde a um conjunto 
				de questões elaboradas de igual forma para vários entrevistados, 
				e o de entrevista aberta, em que as perguntas nascem ao sabor 
				das questões narradas" (FÉLIX, 2001, p. 33-34). 
				
				No primeiro 
				volume foram publicadas 13 entrevistas de membros que 
				ingressaram no Ministério Público entre as décadas de 1930 e 
				1950 
				
				
				
				
				[1]. 
				No segundo, foram publicados mais 13 depoimentos de ingressos 
				entre as décadas de 1950 e 1970. 
				
				O terceiro 
				volume foi publicado em 2005. Algumas alterações foram feitas. 
				Manteve-se e método de "histórias de vida". Adotou-se, todavia, 
				um viés temático. Além das perguntas a respeito das origens 
				familiares, escolaridade, opção pela carreira jurídica e 
				ministerial, elegeu-se um tema que norteou os depoimentos. No 
				terceiro volume, foi a mulher no Ministério Público. Foram 
				publicadas 16 entrevistas de mulheres ligadas à instituição: 11 
				membros, duas servidoras e três esposas de membros. Um 
				diferencial em relação aos dois primeiros volumes foi a 
				introdução da textualização. A textualização consiste na 
				transposição da linguagem oral para escrita, com supressão de 
				repetições, estruturação de frases e parágrafos, sem, todavia, 
				alterar o conteúdo da entrevista. Muitas vezes, os depoentes, 
				antes de aprovarem as entrevistas, e ao se depararem com a 
				linguagem falada, a estranham, e tendem a suprimir passagens 
				importantes ou enxertar textos escritos, alterando o teor do que 
				foi narrado. A textualização evita que isso ocorra e facilita o 
				processo de aprovação da entrevista. 
				
				O quarto 
				volume veio em 2006. O recorte temático foi a participação dos 
				membros do Ministério Público na Assembleia Constituinte de 
				1988. Foram publicadas 11 entrevistas: seis de membros do 
				Ministério Público gaúcho; quatro de membros do Ministério 
				Público paulista; e uma de um deputado constituinte. A 
				importância do tema motivou uma nova publicação, em 2008, 
				alusiva aos 20 anos da Assembleia Constituinte. Foram então 
				publicados 11 depoimentos: sete de membros do Ministério Público 
				do Rio Grande do Sul; dois de membros do Ministério Público 
				paulista; e dois de políticos cujas ações se relacionaram 
				diretamente à história institucional. 
				
				Em 2009, 
				foi publicado o sexto volume da série Histórias de Vida do 
				Ministério Público do Rio Grande do Sul. Dessa vez, o tema 
				escolhido foi a Corregedoria-Geral, já que 2009 marcou os 
				cinquenta anos de sua fundação. Foram publicadas dez 
				entrevistas, todas de ex-Corregedores-Gerais do Ministério 
				Público. 
				
				No ano de 
				2010, o tema escolhido foi a atuação dos promotores no Tribunal 
				do Júri, rememorada por dez promotores, em alguns casos que 
				marcaram a história do Rio Grande do Sul por sua repercussão 
				como o assassinato de Eliete Grimaldi por Olímpia Mena Zen em 
				1980 ou o crime da gangue da Matriz em 1986.
				
				Em 2017, a 
				coleção Histórias de Vida do Ministério Público do Rio Grande do 
				Sul está de volta com o tema “Atuação do Ministério Público na 
				Área Ambiental”. O presente volume reproduz depoimentos de 12 
				membros do Ministério Público gaúcho. As entrevistas versam 
				principalmente a respeito da atuação dos promotores na área 
				ambiental, abordando também aspectos legislativos, evolução 
				institucional, questões mais importantes, e desafios atuais.
				
				
				O termo 
				meio ambiente é, sem dúvida, um dos mais repetidos na 
				contemporaneidade. Reportagens, documentários, livros, artigos, 
				Organizações não Governamentais - ONGs -, museus, etc., são 
				dedicados ao tema. Nas campanhas políticas, no Brasil e no 
				mundo, é uma das matérias mais cobradas dos candidatos. 
				Tragédias como a recente em Mariana, Minas Gerais, nos recordam 
				das consequências de negligenciá-lo. Essa ubiquidade nos faz 
				esquecer o quão recente é a atenção dada às questões ambientais. 
				Foi na década de 1970 que a velocidade de exploração da natureza 
				e as primeiras grandes catástrofes decorrentes da utilização 
				predatória de recursos ensejaram preocupação internacional com o 
				tema 
				
				
				
				
				[2].
				
				
				A partir 
				desse momento, os ordenamentos jurídicos dos diversos países 
				passaram a dar atenção à matéria. No Brasil, de acordo com 
				Marchesan, Steigleder e Cappelli, o Direito Ambiental aparece 
				como ramo autônomo somente a partir de edição da Lei da Política 
				Nacional do Meio Ambiente em 1981. Até essa data, não havia um 
				conceito amplo de meio ambiente, sendo ele tratado “pelo direito 
				privado, através do direito de vizinhança, ou de providências 
				legais e administrativas setoriais, tomando os bens ambientais 
				de forma estanque, sem que entre eles houvesse alguma 
				concatenação” (MARCHESAN, STEIGLEDER, CAPPELLI, 2013, p. 18).
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				Antes de 
				1988, o Ministério Público exercia a autoria da ação cível e, 
				claro, também no processo penal, sendo dominus litis. 
				Nenhum problema com relação a isso. Mas houve uma transformação 
				muito importante do Ministério Público, na esfera cível. Até a 
				década de oitenta, o Ministério Público era custos legis, 
				ele era o fiscal da lei no processo civil e só atuava nas ações 
				de interesse público, seja pela natureza da lide, seja pela 
				qualidade da parte. Antes da década de 1980, um pouco antes de 
				1988, o Ministério Público era só interveniente no processo 
				civil. Falava depois das partes e falava só quando a Fazenda 
				Pública estivesse presente, ou um menor, ou em questões de 
				direito de família. Era muito restrita a atuação do Ministério 
				Público no processo civil e era uma atuação, digamos assim, 
				subsidiária no processo. Porque ele falava para verificar a 
				legalidade do procedimento e se havia alguma parte que era 
				considerada hipossuficiente, ele estava ali para zelar pelos 
				seus interesses, como no caso da curatela, da tutela do menor. 
				Essa foi uma grande transformação que aconteceu na década de 
				1980, um pouco antes da Constituição Federal. Ela começa nessa 
				lei da política nacional do meio ambiente e continua com a lei 
				da ação civil pública. Aí, Ministério Público se transforma 
				radicalmente e passa a ser protagonista de uma ação coletiva que 
				é a ação civil pública. Então ele muda muito o seu perfil, o seu 
				dia a dia; porque antes, no processo civil, ele recebia um 
				processo para dar um parecer. E aí ele se transforma enormemente 
				e passa a ser o autor, em nome de uma coletividade. 
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				Sílvia 
				Cappelli, no CAOMA, iniciou um trabalho de realização de 
				oficinas em Porto Alegre e no interior, já a partir do ano 2000. 
				Cappelli explica como eram organizadas essas oficinas:
				
				(...) o 
				Centro de Apoio buscava um parceiro público para o 
				aprofundamento de um assunto de atuação comum na gestão 
				ambiental, ou seja, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e o 
				Ministério Público, ou também, a Secretaria Municipal do Meio 
				Ambiente de Porto Alegre. O Centro de Apoio organizava todo o 
				material de legislação, doutrina e jurisprudência existente a 
				respeito daquele tema e convidava também alguns promotores mais 
				experientes na área da temática a ser debatida. Por outro lado, 
				o órgão de gestão também convidava os seus funcionários. Depois 
				nós contatávamos com a Associação do Ministério Público, com o 
				procurador-geral e levávamos em conta a divisão espacial da 
				Associação do Ministério Público para definir as regiões em que 
				nós íamos aplicar essa oficina de trabalho.
				
				A 
				promotora acentua que a cada oficina de trabalho era 
				perceptível, no Centro de Apoio, o ingresso de mais ações, havia 
				mais Termos de Ajustamento, ou seja, essas oficinas estavam 
				atingindo a sua finalidade.
				
				Vários dos 
				depoentes recordaram a importância das oficinas de trabalho. 
				Paulo da Silva Cirne recorda: “Para mim foi muito importante ter 
				aquele contato com outros colegas, receber aquelas informações, 
				o que de certa forma facilitou o meu trabalho. A partir desse 
				momento, percebi a necessidade do entrosamento entre as 
				instituições que atuam na área ambiental”. 
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				
				Observa-se, ao ler a sentença, uma perspectiva um tanto 
				reducionista por parte do magistrado, que estava analisando as 
				atividades danosas de um ponto de vista bastante pontual. Isso 
				foi corroborado nas entrevistas, no sentido de que o Ministério 
				Público se aparelhou muito mais cedo para a tutela ambiental do 
				que a magistratura. Mas isso mudou. Em 2004, Ana Maria Marchesan 
				declarou que o Poder Judiciário não havia ainda despertado para 
				a tutela dos interesses difusos (SOUTO et alli, p. 59). Doze 
				anos depois, a promotora comenta que já há muitos juízes 
				interessados e estudiosos do tema, ainda que mais na 
				magistratura federal que na estadual. Annelise Steigleder também 
				vê progresso: 
				
				Na 
				verdade, houve uma sensibilização do Poder Judiciário. De modo 
				geral, dá para dizer que eles também estão se preparando, estão 
				se qualificando. Houve uma especialização das Varas Judiciais, e 
				isso faz com que os juízes ali classificados acabem começando a 
				lidar mais com as questões ambientais. Então, eu penso que 
				melhorou muito desde quando eu entrei.
				
				
				
				
				
				
				Foram 
				instalados pontos de coleta de óleo de cozinha em vários locais 
				da cidade e a população aderiu. O termo de cooperação foi um 
				grande sucesso e modelo para ações semelhantes. 
				
				Convém 
				lembrar que a destinação dos resíduos sólidos também tem uma 
				dimensão social. Annelise Steigleder comenta o trabalho que 
				realiza há três anos relacionado a resíduos sólidos, logística 
				reversa 
				
				
				
				
				[10] 
				e inclusão social dos catadores. Steigleder ressalta que é 
				necessário um trabalho em rede com o Ministério Público do 
				Trabalho e com a Defensoria Pública para que os catadores sejam 
				incluídos não somente do ponto de vista formal, mas que possam 
				obter regularização jurídica. Isso inclui pressionar a 
				Prefeitura para que sejam firmados os termos de permissão de 
				uso, para que os convênios firmados entre o DMLU e cooperativas 
				incluam condicionantes de gestão ambiental, para evitar que 
				nessas cooperativas aconteçam danos ambientais. E também 
				trabalhar junto à Câmara de Vereadores para que produza 
				legislação adequada. Para a promotora “É muito complicado, mas é 
				bem interessante. Conseguimos tirar de uma situação de 
				invisibilidade uma população muito vulnerável”. 
				
				
				
				Outro tema 
				relevante que aparece nos depoimentos é a proteção do bioma 
				pampa. O bioma pampa ocupa uma área de 176,5 mil Km² e é 
				constituído principalmente por vegetação campestre – gramíneas, 
				herbáceas e algumas árvores. Ocupa 63% do território do Rio 
				Grande do Sul, existindo também na Argentina e no Uruguai. 
				Annelise Steigleder explica o problema relativo ao bioma pampa 
				que está sendo manejado pela Promotoria do Meio Ambiente de 
				Porto Alegre. O Código Florestal de 2012 não incluiu uma 
				proteção jurídica para campos naturais e nativos. Assim, o 
				proprietário ou possuidor rural tem dificuldades de caracterizar 
				sua propriedade no Cadastro Ambiental Rural - CAR 
				
				
				
				
				[13]. 
				O Decreto nº 52.431/15 do governo estadual, que regulamenta o 
				CAR no Rio Grande do Sul, distingue entre áreas rurais 
				consolidadas por supressão de vegetação nativa por atividade 
				pecuária e áreas remanescentes de vegetação nativa. 
				A consequência 
				da distinção 
				é a dispensa da reserva legal para os 
				imóveis rurais de até quatro módulos fiscais localizados no 
				bioma pampa. Já que o artigo 67 do novo Código Florestal 
				prescreve que, para as áreas rurais consolidadas, a reserva 
				legal será constituída com os remanescentes de vegetação nativa 
				em 22 de julho de 2008. A Promotoria do Meio Ambiente ingressou 
				com uma ação civil pública contestando essa interpretação e 
				considerando o artigo 67 do Código Florestal inconstitucional. 
				Para o MP, e para diversos pesquisadores na área, o pastoreio 
				não causa supressão de vegetação nativa. A ação, que ainda está 
				em andamento, é no sentido de que se exija a reserva legal no 
				campo, o que significaria preservar 20% da cobertura florestal. 
				Para Annelise Steigleder o decreto teve motivação econômica e 
				política com o objetivo de: 
				
				(...) 
				converter campo nativo em soja, pois hoje o plantio de soja está 
				dando muito mais dinheiro do que a pecuária. A paisagem do bioma 
				do pampa fica alterada completamente. Consequentemente, todo o 
				conhecimento tradicional associado à vida do homem do bioma, o 
				gaúcho, fica atingido, porque vai perder seu modo de vida. 
				Enfim, há muitos impactos em vários níveis.
				
				
				
				Os alagamentos e inundações são um problema grave em todo o 
				Estado. Para alguns gera incômodo em períodos de chuvas 
				intensas. Para os que habitam em áreas de risco, população pobre 
				e desassistida, representam risco de vida. Nas promotorias 
				regionais, as mais atingidas pelos alagamentos são a do Sinos e 
				a de Gravataí. 
				
				Ricardo Schinestsck Rodrigues, Promotor de Justiça Regional 
				Ambiental da Bacia Hidrográfica do Sinos, conta que quando 
				assumiu a regional a população havia elegido as inundações como 
				o principal problema. Havia um 
				plano de 
				atuação na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos que estabelecia 
				que uma das ações deveria ser o zoneamento das áreas sujeitas a 
				inundações. Elaborou-se, então, o mapeamento dos trechos 
				inferior, médio e superior da Bacia Hidrográfica do Rio dos 
				Sinos, sujeitos a alagamentos. Esse mapeamento foi apresentado 
				em outubro de 2015. Houve, segundo o promotor, resistência das 
				prefeituras, que julgavam que perderiam autonomia sobre seus 
				territórios, e do setor privado, na maioria das áreas existentes 
				entre Canoas e Esteio. Principalmente entre a BR 448 e a BR 116 
				– empresas imobiliárias que adquiriram grandes áreas para 
				construir conjuntos habitacionais e zonas industriais ou mistas. 
				Houve diversas reuniões e audiências públicas e a promotoria 
				emitiu recomendações aos municípios e aos órgãos ambientais 
				estaduais – a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a FEPAM – 
				para que suspendessem toda e qualquer nova licença que pudesse 
				interferir nessa deliberação do COMITESINOS. Ao mesmo tempo, a 
				METROPLAN começou um estudo para planejamento da gestão da 
				planície de inundação. Assim, a recomendação do MP vinculou a 
				suspensão dos atos administrativos que pudessem interferir na 
				planície de inundação à validação desse estudo. 
				
				
				
				
				Ximena 
				Ferreira transformou o tema, inundações urbanas, em objeto de 
				sua dissertação de mestrado defendida na Espanha em julho de 
				2016. Há sistemas de drenagem urbana sustentável, que estão 
				sendo adotados na Europa, de reprodução artificial de ambientes 
				naturais que foram extintos, como os banhados. Os telhados 
				verdes e pisos permeáveis já são utilizados aqui, mas seu uso 
				pode ser ampliado. Mas, segundo a promotora, há muita 
				resistência das prefeituras que trabalham com base no 
				imediatismo e sem nenhum planejamento. 
				
				Outro tema 
				que se destacou nas entrevistas foi à proteção ao patrimônio 
				cultural. Ana Maria Marchesan, autora da obra “A Tutela do 
				Patrimônio Cultural sob o enfoque do Direito Ambiental” conta 
				como o Ministério Público gaúcho se aparelhou para trabalhar com 
				a área: 
				
				E aí os 
				méritos são muito da Dra. Sílvia Cappelli como coordenadora do 
				Centro de Apoio do Meio Ambiente. Ela organizou oficinas de 
				trabalho muito legais, temáticas, sobre vários assuntos 
				ambientais, dentre eles o patrimônio cultural. Essas oficinas 
				eram muito bem preparadas antes de acontecerem. Nós, eu, a 
				Annelise Steigleder e outros colegas daqui participávamos junto 
				com colegas do interior, junto com técnicos do Instituto do 
				Patrimônio Histórico (...). Fora isso a estrutura do Centro de 
				Apoio elaborava pastas fantásticas, que eram como cartilhas do 
				patrimônio cultural, que eram o material a ser fornecido para os 
				promotores: peças, artigos de doutrina, um material muito bom, 
				até hoje uso esse material. 
				
				A 
				promotora considera que hoje o Ministério Público do RS está 
				muito mais habilitado a lidar com o patrimônio cultural, mas 
				julga que não houve avanço na sua proteção desde que começou a 
				trabalhar com a matéria: “A proteção em si eu diria que padece 
				dos problemas de recursos econômicos. Quando o Estado se 
				depaupera, essa área se fragiliza também”. Annelise Steigleder 
				aponta que o Estado faz o mínimo e o particular não tem nenhum 
				incentivo para proteger o seu patrimônio. Isso faz com que 
				muitos dos casos que chegam à promotoria sejam judicializados. 
				“Acabamos invariavelmente ingressando com ações contra o 
				proprietário, que não tem dinheiro para fazer a obra, e contra o 
				município, que também se recusa a fazer as obras emergenciais”. 
				Alexandre Saltz aponta a ausência de política pública para gerir 
				o patrimônio cultural. O promotor considera que a 
				desapropriação, que é um instrumento urbanístico de proteção ao 
				patrimônio, poderia ser utilizada caso houvesse uma política 
				nesse sentido. Ximena Cardozo Ferreira também destaca a ausência 
				de política pública e chama a atenção para a carência de 
				legislação municipal. Conta que a promotoria de Taquara já 
				tentou por duas vezes implantar legislação sobre tombamento e 
				nas duas vezes os projetos de lei encaminhados pelo Poder 
				Executivo foram derrubados pelo Legislativo. A resistência é dos 
				proprietários dos prédios e das imobiliárias. Mesmo assim, a 
				promotoria firmou um compromisso de ajustamento de conduta com o 
				município para criar um inventário dos bens culturais de 
				Taquara: “após anos de trabalho, conseguimos que a FACCAT – 
				Faculdades de Taquara – fizesse, arrolando os principais bens 
				merecedores de proteção”. 
				
				Com 
				respeito a casos de sucesso, Ana Maria Marchesan considera que 
				há mais chance quando envolvem ações que precedem qualquer 
				intervenção, uma vez que depois que os danos se consumam é muito 
				difícil revertê-los e na seara do patrimônio cultural o dano 
				muitas vezes implica na perda do bem. Também julga que há mais 
				possibilidade de um bom desfecho quando há participação da 
				comunidade. 
				
				Um caso 
				relatado por Annelise Steigleder exemplifica um caso no qual o 
				engajamento da comunidade pode gerar um desfecho favorável. O 
				cemitério São José foi, em parte, destruído, pois as lápides não 
				eram inventariadas, nem tombadas. 
				
				E aí, 
				graças ao trabalho de doutorado da professora Luísa Nitschik 
				Carvalho, de Pelotas, se conseguiu caracterizar o valor cultural 
				dos túmulos. E esse caso é especialmente interessante porque, na 
				verdade, ele não está totalmente concluído, mas, do limão, se 
				está fazendo uma limonada. Depois de tantas reuniões, tantos 
				diálogos com a CORTEL - a empresa gestora do cemitério -, 
				acabaram contratando a professora que, no âmbito da tese dela, 
				fez um inventário muito bom com relação às obras de arte 
				funerária. Ela levantou a história das famílias. (...) A 
				professora acabou sendo contratada para fazer um memorial lá. 
				Ainda está em andamento. Ela está fazendo o projeto do memorial, 
				vai fazer roteiros visitação, material didático. 
				
				Já outro 
				caso, lembrado por Ana Maria Marchesan, recentemente teve uma 
				solução negativa, apesar do amplo envolvimento da comunidade: as 
				casas de Luciana de Abreu. Em 2002 a construtora Goldsztein 
				obteve licença para demolir seis casarões da década de 1930 
				localizados na Rua Luciana de Abreu para construir um prédio de 
				seis andares. No ano seguinte, o Ministério Público ajuizou uma 
				ação civil pública para impedir a demolição que ficou suspensa. 
				A ação estava no STJ que, no final de 2016, decidiu pela 
				demolição das casas. A construtora demoliu as casas em 23 de 
				dezembro em uma ação que surpreendeu os moradores pela rapidez. 
				Apesar disso, Ana Marchesan considera o caso emblemático: “Ali, 
				para mim, foi uma lição importante no sentido de que o 
				Ministério Público deixasse de trabalhar só para a comunidade e 
				passasse a trabalhar com a comunidade. Foi um exemplo claro 
				disso”. Infelizmente, os interesses econômicos e de especulação 
				imobiliária prevaleceram. 
				
				Um dos 
				grandes problemas enfrentado pelo MP na defesa do meio ambiente 
				e na proteção da saúde de trabalhadores e consumidores é o uso 
				imoderado e inadequado de agrotóxicos em nosso país e no Rio 
				Grande do Sul. Essa questão foi mencionada nas entrevistas.
				
				
				Em seu 
				depoimento, Paulo da Silva Cirne assevera:
				
				Há sete 
				anos somos campeões mundiais. Possivelmente atingiremos em 2016 
				o oitavo título consecutivo do país que mais utiliza agrotóxicos 
				no mundo. (…) O consumo de agrotóxicos no planeta no ano de 
				2014, teve um aumento de 93%, mas no Brasil o seu crescimento 
				foi de 190%. (…) Não há razões para que esse consumo tenha se 
				elevado tanto (…) novas 'fronteiras agrícolas' abertas no país 
				nos últimos anos não justificam tal crescimento.
				
				Daniel 
				Martini, ainda que reconheça que não se pode pensar “numa 
				agricultura totalmente orgânica”, também denuncia essa 
				realidade: “O Brasil é o maior consumidor do mundo e o RS 
				consome acima da média nacional. No Brasil, se traçarmos uma 
				média (…) teremos 5 litros de agrotóxico por habitante, no ano. 
				No RS, a média sobe para 8 litros”. Martini relata que no Brasil 
				são liberados agrotóxicos que são proibidos em outras partes do 
				mundo, como o paraquat. E conclui: “o agrotóxico pode ser 
				considerado o mal do século (…) o MP deve dar atenção, não só na 
				defesa do meio ambiente, mas também na defesa da saúde das 
				pessoas. (…) Estamos nos transformando (…) em seres doentes, uma 
				geração potencialmente causadora do próprio enfraquecimento da 
				espécie”. 
				
				Certamente 
				o uso em alta escala de agrotóxicos em nosso Estado tem relação 
				com o fato do RS ter as mais elevadas taxas de mortalidade por 
				câncer no Brasil, com 327 mortes para cada 100 mil habitantes, 
				em 2013. E a previsão é de 1040 novos casos de câncer por 100 
				mil habitantes, em 2016. A pesquisadora Márcia Sarpa Campos 
				Mello ressalta que o agrotóxico mais usado no Brasil, o 
				glifosato, é proibido em toda Europa e “está relacionado aos 
				cânceres de mama e próstata, além de linfoma e outras mutações 
				genéticas. (…) o paraquat (gramoxone e outros) causa necrose dos 
				rins e morte das células do pulmão, que terminam em asfixia (…). 
				Proibido na Europa e até mesmo na China, onde é fabricado (…) 
				[é] um dos mais usados hoje no Brasil 
				
				
				
				
				[14]
				
				Segundo o 
				relatório “Um alerta sobre o Impacto dos Agrotóxicos na Saúde” – 
				da Associação Brasileira de Saúde Coletiva –
				70% dos alimentos in natura consumidos no país 
				estão contaminados por agrotóxicos. Desses, segundo a ANVISA, 
				28% têm substâncias não autorizadas. E mais de 50% dos 
				agrotóxicos usados no Brasil são banidos em países da União 
				Europeia e nos Estados Unidos.
				
				Alexandre 
				Saltz relata a sua luta contra o uso do agrotóxico FACET, da 
				BASF, que causava sérias alterações biológicas em quem o 
				utilizava: 
				
				um piloto 
				agrícola que fazia aplicações desse produto começou a ter uma 
				despigmentação na pele, ele era moreno, quase negro (…) ficou 
				literalmente branco, por causa de um produto cujo princípio 
				ativo era a quinona clorada. (…) conseguimos a liminar e a venda 
				do produto foi suspensa e depois acabou sendo proibida.
				
				Na mesma 
				linha, Paulo da Silva Cirne ressalta que o tema da saúde dos 
				trabalhadores tem grande importância na questão dos agrotóxicos: 
				“a legislação brasileira exige que os postos de saúde e os 
				hospitais façam uma notificação quando constatem que uma pessoa 
				está contaminada pelo uso de agrotóxico ou está com algum 
				sintoma de contaminação. O que se observou é um número muito 
				baixo de notificações (…), abaixo da realidade.” E relata sua 
				ação para que os profissionais de saúde – em todos os 
				atendimentos que possam ter relação com a aplicação de 
				agrotóxicos – busquem identificar os produtos aplicados, 
				“inclusive, para podermos pressionar a ANVISA para que acelere 
				alguns processos que proíbem determinados princípios ativos (…) 
				já banidos nos países mais evoluídos”. 
				
				Eduardo 
				Coral Viegas lamenta a impossibilidade de enfrentar isso com uma 
				legislação estadual mais protetiva, pois “as decisões dos 
				tribunais superiores são de que as leis estaduais não podem 
				estabelecer regramentos mais restritivos ao uso de agrotóxicos 
				do que a lei federal. Assim, se o governo federal autoriza que 
				determinado agrotóxico seja comercializado no Brasil (…) um 
				Estado não pode impedir a comercialização no seu território”.
				
				
				
				Prosseguindo em sua análise, Paulo da Silva Cirne diz que em 
				relação ao “receituário agronômico” – criado para coibir o uso 
				inadequado de agrotóxicos – o produtor rural “necessita de 
				receita e de um técnico que a assine” e “esse profissional 
				deveria visitar a propriedade rural, (…) dimensionar 
				adequadamente o tipo e a quantidade do agrotóxico para uma 
				determinada cultura”. Mas, alerta ele, “o problema é que muitas 
				vezes, o profissional que assina essa receita não vai até a 
				propriedade verificar as condições acima mencionadas. (...) Nos 
				hortigranjeiros, a situação é ainda mais grave, porque algumas 
				culturas não têm um produto específico para ser utilizado. (…) 
				em alguns casos, os produtores usam produtos inadequados para 
				aquelas culturas, (…) sobras de agrotóxicos utilizados em outras 
				plantações.” E defende a rastreabilidade total dos agrotóxicos 
				usados, possível devido às normas existentes de comercialização 
				e destinação final de seus recipientes.
				
				
				Referindo-se ao Projeto de Lei Federal nº 3.200/2015, que altera 
				a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei n º 7.802/1989), Sílvia 
				Cappelli afirma que se está tentando enfraquecer ainda mais a 
				legislação, retirando competências do IBAMA e da ANVISA. 
				
				
				Isso é uma 
				pressão articulada do poder econômico, inclusive internacional. 
				Eles são realmente muito fortes. (…) As fábricas de agrotóxicos, 
				de transgênicos e de medicamentos costumam ser as mesmas no 
				plano internacional. Daí porque essa pressão dos agrotóxicos 
				fica fácil de entender.
				
				Daniel 
				Martini complementa que o Projeto de Lei retrocede a níveis de 
				proteção inferiores à Lei 7.802, o que é inconstitucional, já 
				que em matéria de direitos fundamentais não pode haver 
				regressão. Um exemplo elucidativo é adotar a nomenclatura de 
				'defensivo fitossanitário', eliminando a nomenclatura de 
				'agrotóxico'.
				
				Já o Fórum 
				Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos – do qual 
				o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul participa – 
				denuncia que “se aprovado o PL não haverá necessidade de 
				registro de herbicidas, tais como o 2,4D, o paraquat e o 
				glifosato, por não se enquadrarem no conceito de 'defensivos 
				fitossanitários' proposto.
				
				Outro 
				grave problema que tem sido enfrentado pelo MP-RS é a mineração 
				de areia no Delta do Jacuí e no Lago Guaíba. Há cerca de três 
				anos, houve grande movimentação da imprensa condenando a 
				degradação ambiental decorrente da mineração de areia nos 
				afluentes do Guaíba. Ato contínuo – diante da importância do 
				insumo areia para a construção civil e para as obras públicas – 
				diversas empresas passaram a defender a imediata liberação do 
				Guaíba para a mineração de areia, sem qualquer estudo ou 
				zoneamento ambiental. Até um mapa que indicava as áreas 
				concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM 
				– a cada empresa apareceu.
				
				Em relação 
				a esse tema, Daniel Martini faz uma análise bastante abrangente:
				
				
				O MP 
				recomendou à SEMA que suspendesse não só a mineração, mas também 
				a pesquisa, até que seja realizado um zoneamento efetivo do lago 
				(…) A região hidrográfica do lago Guaíba concentra a parte 
				final, ou a foz, de diversos rios e bacias hidrográficas. (…) 
				pela sua característica de lago – ou seja, um ambiente lêntico, 
				um ambiente que não tem escoamento, corredeiras, enfim – é um 
				local de depósitos de sedimentos. (…) no Rio dos Sinos (…) o rio 
				mais poluído do Estado (…) encontraremos cromo hexavalente sendo 
				lançado no rio (…) um cromo que se acumula no organismo dos 
				peixes, é altamente cancerígeno e transmissível, inclusive de 
				mãe para filho pelo aleitamento materno, mesmo dez, quinze 
				vinte, trinta anos após a ingestão pela mãe. (…) O Guaíba é 
				manancial para o abastecimento público. (…) é possível que o 
				tratamento público não esteja habilitado para fazer o tratamento 
				desse elemento químico (…) [a] mineração no lago Guaíba é algo 
				que precisa ser visto com cautela (…) hoje a mineração está 
				suspensa por conta de uma ação do MP.
				
				Na referida 
				recomendação, o MPRS afirma “que eventual atividade de pesquisa 
				ou de extração de areia no Lago Guaíba pode comprometer o 
				abastecimento de água de Porto Alegre” e cita informação 
				prestada pelo DMAE, em 16 de março de 2011, segundo a qual “As 
				unidades de tratamento de água não são projetadas para atender 
				alterações severas da qualidade da água, decorrentes do 
				revolvimento de sedimentos” 
				
				
				
				
				[15].
				
				
				Sobre 
				isso, Sílvia Cappelli complementa: “A Promotoria de Porto Alegre 
				está tratando do tema (…) essa é uma questão tão importante para 
				nós, ao menos da Região Metropolitana, que foi objeto de um 
				processo criminal com prisão temporária de autoridades”.  Já 
				Anelise Stifelman manifesta que sua “maior preocupação em 
				relação a esse assunto são os impactos que a extração de areia 
				no Lago Guaíba pode provocar no Parque Estadual de Itapuã”.
				
				
				Tratando 
				do tema de uma forma geral – incluindo a mineração de areia no 
				rio Jacuí e outros afluentes do Guaíba – Alexandre Saltz comenta 
				que o MP trabalhou na questão junto com Polícia Federal e com a 
				Brigada Militar, fiscalizando as dragas no rio e os pontos de 
				venda: “Isso foi um dos motores daquela ação civil pública que 
				tramita na Vara Federal Ambiental que levou, inclusive, a 
				Justiça Federal a suspender a extração de areia no rio Jacuí por 
				muito tempo”. 
				
				Em que 
				pesem as precauções indispensáveis em uma questão de tal 
				relevância, no segundo semestre de 2016, a SEMA – pressionada 
				pelo setor da mineração – apresentou ao Comitê de Gerenciamento 
				da Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba o documento “Zoneamento 
				Ambiental para Atividade de Mineração no Lago Guaíba”, onde 
				afirma que “cessada a restrição judicial, a FEPAM formou grupo 
				de trabalho para a elaboração de Zoneamento Ambiental para 
				atividade de extração de areia no Lago”. No referido documento é 
				apresentado um mapa das áreas onde é autorizada a mineração de 
				areia no Guaíba. Tudo isso, diga-se de passagem, antes da 
				conclusão do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Rio 
				Grande do Sul.
				
				Analisando 
				esse documento, a Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA) 
				questiona: 
				
				O 
				Relatório (…) apresenta (…) informações contraditórias, 
				superficiais, desatualizadas (…). Questões fundamentais (…) como 
				o conhecimento da dinâmica das correntes, da 
				hidrossedimentologia, do perfil do subfundo, da composição 
				físico-química do sedimento, do comportamento de plumas de 
				dispersão, do impacto sobre a hidrodinâmica e as margens (...) 
				não estão suficientemente elucidadas. (…). Nesse sentido, somos 
				de parecer que o 'Zoneamento Ambiental para atividades de 
				mineração do Lago Guaíba' não tem a mínima condição de ser 
				colocado para votação no Comitê de Gerenciamento da Bacia 
				Hidrográfica do Lago Guaíba.
				
				Percebe-se 
				que o tema envolve grandes interesses econômicos, os quais não 
				devem prevalecer sobre o princípio da devida precaução.
				
				A falta de 
				acesso de boa parte da população brasileira aos serviços básicos 
				de saneamento – água tratada, coleta e tratamento de esgotos, 
				drenagem de águas pluviais, coleta e destinação de resíduos 
				sólidos –, além de causar sérios problemas de saúde pública, tem 
				tido um peso crescente na degradação ambiental. Isso decorre, 
				por uma parte, do alto grau de urbanização do Brasil – onde 
				quase 85% da população vive em áreas urbanas – e, por outra 
				parte, do baixo percentual de cobertura desses serviços.
				
				
				Referindo-se a isso, Ximena Cardozo Ferreira diz: 
				
				Temos 
				problemas decorrentes da urbanização e o maior deles na bacia do 
				Rio dos Sinos é o problema do saneamento. Temos uma deficiência 
				imensa de saneamento. Não é à toa que o Rio dos Sinos é o 
				terceiro rio mais poluído do país. (…) Em 2013, a média [de 
				esgotos tratados] da bacia era em torno de 4%. Como exemplo 
				posso citar o município de Novo Hamburgo, que atualmente tem 5% 
				de esgotos tratados (…) os maiores entraves dessa bacia são a 
				sua enorme urbanização, com pouquíssimo tratamento de esgotos, 
				uma grande deficiência de saneamento e uma forte carga poluidora 
				industrial.
				
				O que é 
				confirmado por Ricardo Schinestsck Rodrigues, que explica como 
				vem ocorrendo a contaminação ambiental na bacia do Rio dos 
				Sinos, após a mortandade de peixes de 2006:
				
				a partir 
				daquela situação de suma gravidade (…), os órgãos ambientais e o 
				Ministério Público apertaram o cerco às atividades industriais, 
				relativamente aos resíduos produzidos. (…) as atividades 
				industriais se adequaram a essa situação. (…) Hoje, (…) a 
				atividade industrial está longe de ser a que mais polui o Rio 
				dos Sinos e seus afluentes. Hoje, o que mais polui é o 
				esgotamento sanitário.
				
				Analisando 
				essa situação no Brasil, constatamos que, em 2013, somente 83% 
				da população tinha acesso à água tratada e, em relação à coleta 
				de esgotos, vemos que apenas 49% da população dispõe dela. 
				Percentual que cai para 40% se considerarmos o tratamento dos 
				esgotos. Isso que significa que mais de 100 milhões de 
				brasileiros não dispõem desses serviços. Em consequência, a cada 
				ano, só nas capitais brasileiras, são lançados na natureza 1,2 
				bilhões de m3 de esgotos, sem qualquer tratamento.
				
				Para 
				alcançar a universalização dos serviços básicos de saneamento, 
				foram previstos investimentos de 500 bilhões de reais, entre 
				2014 e 2033. Os Programas de Aceleração do Crescimento 1 e 2 
				destinaram 70 bilhões para isso. Porém, com a aprovação no 
				Congresso Nacional do Projeto de Emenda Constitucional que 
				congela por 20 anos todos os gastos da União, estados e 
				municípios (PEC241/PEC55), a meta de universalização do 
				saneamento básico foi abandonada.
				
				Comentando 
				isso, Eduardo Coral Viegas afirma que a maioria dos municípios e 
				estados não tem esgoto, só há 50% de cobertura de esgotos. E 
				esse percentual muitas vezes diz respeito apenas ao afastamento 
				do esgoto, não do tratamento até a última fase. “Depois do 
				PLANASA, houve investimentos mais pesados no PAC1 e no PAC2, mas 
				agora (…) os recursos acabaram. Vamos ficar muitos e muitos 
				anos, décadas, sem investimento na área de saneamento”. 
				
				
				Opinião 
				que é endossada por Ricardo Schinestsck Rodrigues: 
				
				o maior 
				responsável pela poluição do Rio dos Sinos e seus afluentes é o 
				esgoto doméstico. Portanto, é preciso incentivar as estações de 
				tratamento de esgoto (…). Com a ETE Luiz Hall, o percentual de 
				tratamento de esgotos nesta sub-bacia de Novo Hamburgo passará 
				de 4% para 90%. (…) A maioria das (…) obras de saneamento eram 
				provenientes do Governo Federal, dos Programas de Aceleração do 
				Crescimento e certamente vão ser congeladas. (…) Hoje nós temos 
				na região projetos para cinco estações de tratamento de esgotos, 
				que dependem de verbas federais, que certamente vão ser 
				suspensas. Em São Leopoldo, só uma delas atenderá oitenta mil 
				pessoas. Acredito que a PEC 55 vai afetar diretamente o 
				saneamento básico. Vamos ter freado o adequado tratamento dos 
				esgotos.
				
				Coral 
				Viegas também questiona a privatização dos serviços de 
				saneamento: 
				
				A 
				privatização não funciona porque acaba com o 'subsídio cruzado', 
				inviabilizando o atendimento às pequenas comunidades. No Rio 
				Grande do Sul, temos 497 municípios. Desses 497 municípios, 317 
				são atendidos pela CORSAN. Dos 317 atendidos pela CORSAN, menos 
				de 70 dão lucro; os outros dão prejuízo. Se houver abertura para 
				a iniciativa privada, ela só vai pegar a parte boa. (…) a tarifa 
				vai aumentar tanto nos municípios entregues à iniciativa 
				privada, quanto na 'carne de pescoço' que ficará com o Estado, o 
				qual terá de elevar o valor das tarifas para poder fechar as 
				contas. (…) A iniciativa privada tem como principal objetivo o 
				lucro (…) precisa reduzir despesas e aumentar receitas. No 
				saneamento, deve funcionar exatamente ao contrário. (…) Não é 
				possível pagar a universalização do saneamento e do esgotamento 
				sanitário só com a tarifa, pois (…) tem que ser módica, 
				justamente para que as pessoas tenham acesso à água e ao esgoto.
				
				E 
				Schinestsck Rodrigues complementa: 
				
				O Estado e 
				os municípios ficarão com o ônus do saneamento básico. (…) A 
				água é mercadoria lucrativa. Todo mundo vem extrair, tratar e 
				distribuir. O esgoto é subsidiado. (…) Teoricamente, o esgoto 
				deveria ser 1,7 vezes o valor da água (…). Hoje, em geral, o 
				esgoto é cobrado no máximo 70% do valor da tarifa da água (…) 
				ele é subsidiado pela água. Se passar a água para a iniciativa 
				privada, o Poder Público Municipal vai assumir um grande 
				passivo.
				
				Sem dúvida 
				o saneamento básico é uma das preocupações centrais de todos 
				aqueles que lutam por um meio ambiente saudável e uma população 
				sadia.
				
				Não por 
				acaso, todas as civilizações desenvolveram-se ao longo de 
				grandes cursos d'água. A água é fundamental para a existência de 
				qualquer atividade humana e da própria vida. Por isso, a sua 
				degradação é uma questão de extrema gravidade, como acentua 
				Daniel Martini: “em relação aos setores ambientais, eu 
				colocaria, com absoluta prioridade, a questão dos recursos 
				hídricos. A água é uma questão de sobrevivência das populações 
				como um todo”.
				
				
				Infelizmente, os rios, os lagos e o próprio mar são tratados 
				como depósitos infinitos, que se autorregenerariam 
				automaticamente. Ali são lançados os esgotos – na sua maioria 
				sem qualquer tratamento – de mais de 6 bilhões de humanos; 
				dejetos e sobras de milhões de indústrias e serviços; 
				agrotóxicos e produtos químicos utilizados na produção agrícola 
				e na pecuária; além de milhões de toneladas de lixo, geradas 
				pelo consumismo doentio e devido à dita “obsolescência 
				programada”.
				
				Assim, 
				convivemos, hoje, com um quadro de contaminação dos cursos 
				d'água em todo o mundo, o que gera a deterioração da qualidade 
				das águas do planeta e um elevado custo para torná-la passível 
				de uso humano. No Brasil e no nosso Estado o quadro não é 
				diferente. Segundo Daniel Martini, “temos, no Rio Grande do Sul, 
				três dos dez rios mais poluídos do Brasil”!
				
				No nosso 
				Estado, entre as principais causas da degradação dos cursos 
				d'água estão o lançamento de resíduos das lavouras – com elevada 
				carga de agrotóxicos –, os dejetos industriais, os esgotos in 
				natura e os resíduos sólidos (“lixo”), sem qualquer 
				tratamento prévio.
				
				Eduardo 
				Coral Viegas relata que:
				
				neste ano 
				[2016],(...) tenho trabalhado (…) com o problema do lançamento 
				no rio [Gravataí] das águas de lavoura com grande carga de 
				material em suspensão, que é o lodo das lavouras. (…) Essa água, 
				muito turva, está sendo captada pela CORSAN, que não dá conta de 
				produzir o que normalmente produz (…) tendo que reduzir em até 
				dois terços a sua produção. (…) a cada três horas era preciso 
				parar a estação de tratamento para limpar os tanques de 
				decantação. (…) 48 bairros ficaram desabastecidos em Gravataí.
				
				
				Referindo-se à alteração do gosto e do odor da água de Porto 
				Alegre, ocorrida em 2016, Ana Maria Marchesan diz o MP 
				interditou a empresa CETTRALIQ, a causadora dessa alteração de 
				gosto e odor na água. Mas os efluentes ainda estão no pátio da 
				empresa. Deseja-se não só que os resíduos sejam retirados de lá, 
				como também que a empresa indenize a sociedade pelos danos 
				causados e ressarça o DMAE que gastou mais de três milhões de 
				reais para fornecer água com a qualidade mínima. 
				
				Ximena 
				Cardozo Ferreira – abordando a grande mortandade de peixes que 
				ocorreu em 2006 no Rio dos Sinos – comenta: 
				
				era onde 
				estava localizada a UTRESA, onde se identificou que houve um 
				vazamento expressivo, que foi o determinante da mortalidade. A 
				UTRESA é uma central de resíduos industriais (...) uma OSCIP 
				(...) Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, sem 
				fins lucrativos. (…) em 2010, houve outras duas mortandades 
				menores (…). Nesses dois episódios (…) o rio estava 
				sobrecarregado de matéria orgânica, com problemas quanto ao 
				saneamento (…) mas também houve uma sobrecarga expressiva de 
				resíduos industriais.
				
				Sobre a 
				mortandade de peixes ocorrida em 2010, Alexandre Saltz afirma 
				que grande parte dos lançamentos ocorria em dias de chuva, em 
				uma medida de economia de custos para a empresa. 
				
				Mas, essa 
				contaminação não ameaça apenas nossas águas superficiais, mas 
				põe em risco, inclusive, nossas águas subterrâneas, com destaque 
				para o Aquífero Guarani, como nos alerta Eduardo Coral Viegas:
				
				
				O Aquífero 
				Guarani é um dos maiores do mundo (…) é um aquífero estratégico 
				porque abarca oito estados brasileiros, incluída toda a região 
				sul, mais o Uruguai, Paraguai e Argentina (…) não há gestão 
				integrada entre os estados brasileiros. Cada estado é 
				proprietário das águas que estão sob o seu território. (…) 
				também não há gestão integrada entre os países onde se situa o 
				aquífero. (…) A maioria dos poços, ao longo do território 
				brasileiro (…) são poços irregulares, ilegais, que não são 
				construídos de acordo com a técnica exigida, não têm prévia 
				autorização. (...). Uma vez poluída a água do subsolo, não há 
				como despoluir. (…) É diferente de um rio que, se o deixares 
				correndo por quinze dias, sem poluir, se autodepura.
				
				Em 
				decorrência de uma denodada luta do MP do RS, tanto a Lei da 
				Política Nacional de Saneamento quanto a jurisprudência da STJ 
				passaram a exigir a outorga do Poder Público para a abertura de 
				qualquer poço artesiano, não permitindo que isso ocorra onde 
				existir rede pública de água potável.
				
				Daniel 
				Martini destaca, também, a elaboração em nosso Estado de 
				legislações inovadoras e de iniciativas protetoras dos recursos 
				hídricos. A Lei Estadual nº 10.350/94, Lei da Política Estadual 
				de Recursos Hídricos, inspirou a Lei nº 9.433/97, Lei da 
				Política Nacional de Recursos Hídricos. E no Rio Grande do Sul 
				estão os dois comitês mais antigos de bacias hidrográficas do 
				país, o Comitê Sinos e o Comitê Gravataí. 
				
				Mas, 
				preocupa Coral Viegas o fato de que até hoje não tenha sido 
				instituída no Rio Grande do Sul a cobrança pela água, embora a 
				lei estadual já tenha 22 anos. Também não há Plano Estadual e há 
				um sistema muito deficitário de análise de outorgas: “Temos um 
				inquérito civil tratando da criação de agências e da 
				implementação da cobrança do uso da água”. 
				
				Como se 
				vê, há muito que fazer nessa área.
				
				Todos os 
				temas destacados são considerados prementes para os promotores 
				depoentes. Com respeito a expectativas, alguns, como Alexandre 
				Saltz, são otimistas “(...), pois, com respeito à proteção 
				ambiental hoje há um nível de consciência que não havia há 
				alguns anos atrás”. Outros, como Annelise Steigleder, são 
				pessimistas “Porque vejo que, mesmo no Ministério Público, 
				dependemos de uma determinação judicial, atuamos sempre por 
				amostragem, conseguimos identificar grandes temas e tentamos 
				atuar. Mas é claro que não conseguimos atuar na política”.
				
				
				Em termos 
				de desafios para o futuro, muitos dos entrevistados apontaram o 
				desenvolvimento do já iniciado trabalho em rede. Ximena Cardozo 
				Ferreira considera que é preciso ultrapassar o âmbito 
				institucional: “trabalhar em rede, mas não só em rede interna, 
				trabalhar em rede externa, interinstitucional, porque são 
				inúmeros órgãos envolvidos na proteção ambiental”. Ana Maria 
				Marchesan vê com otimismo a implantação das promotorias 
				regionais, mas considera que o cargo de promotor regional 
				deveria ser único e não cumulativo com outra promotoria: 
				“[deveria se]criar com um cargo de promotor específico, 
				estrutura de servidores específica para isso, lugar, tudo”.
				
				
				O reforço 
				do assessoramento técnico também é sugerido. Annelise Steigleder 
				sugere a existência de uma equipe técnica que trabalhasse em 
				conjunto com as promotorias: “Teríamos que ter condições de 
				atuar mais aparelhados, porque nós temos, diante de nós, um 
				poder econômico fortíssimo”. 
				
				Ana Maria 
				Marchesan também considera que seria interessante um trabalho 
				mais articulado com o segundo grau:
				
				O 
				Ministério Público tinha que trabalhar como um todo, como um 
				escritório de advocacia. Ter um procurador que desse 
				continuidade ao nosso trabalho. (...) Talvez a criação de 
				procuradorias especializadas em meio ambiente ou direitos 
				difusos, como já existem em outros estados, talvez ajude. Mas eu 
				ainda acho que o modelo de escritório de advocacia em que um 
				procurador trabalharia conosco, ali, para mim, seria muito 
				melhor.
				
				Aliás, o 
				trabalho conjunto, seja como ocorre na Promotoria do Meio 
				Ambiente de Porto Alegre, seja em rede ou por bacia 
				hidrográfica, é visto como uma marca de nascença e como um dos 
				grandes diferenciais da área ambiental do MP que, dentro da 
				instituição tem um alto índice de efetividade. 
				
				
				Historiadora Cíntia Vieira Souto
				
				
				Historiador Raul Carrion
				
				2017
				
				 
				
				 
				
				
				Bibliografia
				
				ANTUNES, 
				Paulo de Bessa. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas: 2016.