Os
marxistas vulgares – partindo da premissa de que na história os
fatores econômicos são determinantes – concluem erroneamente que
a consciência social é mero reflexo da economia e dela
decorrente.
Da
mesma forma – visto que “a teoria nasce da prática” e “a prática
é o critério da verdade” – concluem que a teoria é uma
decorrência imediata da prática, ignorando a importância que os
fundadores do materialismo histórico e dialético sempre deram à
investigação científica da essência dos fenômenos e das
concatenações internas de todas as coisas. O que não nos é
proporcionado de forma direta pela prática. Marx nos ensina,
inclusive, que “se aparência e essência coincidissem, toda e
qualquer ciência seria supérflua”. E João Amazonas complementa:
“é a teoria que generaliza a experiência, que revela as leis
objetivas em atuação”.
Ao
contrário dessa visão mecanicista e ingênua, os grandes
pensadores marxistas dedicaram grande parte de suas vidas ao
desenvolvimento da teoria revolucionária, sempre vinculando a
prática à teoria e a luta prática à luta teórica. Não por acaso,
a obra de Marx e Engels ocupa dezenas de volumes. O mesmo pode
ser dito em relação a Lenin e a outros renomados marxistas.
E não
se pense que essa enorme produção se deu em momentos de “folga”
ou de calmaria da luta de classes. O Manifesto Comunista
foi elaborado às vésperas da grande vaga das revoluções de 1848.
Fruto de mais de 10 anos de investigações, Marx lançou em 1867 –
quatro anos antes da Comuna de Paris – o Livro 1 de O Capital
e dedicou praticamente o resto de sua vida a complementação
dessa obra. Caberá a Engels organizar e publicar os Livros 2 e 3
d’O Capital, após a morte de Marx.
Já o
livro As duas táticas da socialdemocracia, de Lenin, foi
escrito no contexto da revolução de 1905. Três anos depois,
enfrentando a onda contrarrevolucionária que lhe seguiu, Lenin
escreverá Materialismo e Empiriocriticismo, atualizando e
desenvolvendo o materialismo dialético, frente às novas
descobertas da física e da Teoria da Relatividade. Nele,
combateu o idealismo filosófico, que ressurgia com força e dizia
que o marxismo estava superado. Da mesma forma, Lenin publicará
em 1917 – às vésperas da revolução de outubro – O
imperialismo, fase superior do capitalismo e O
Estado e a Revolução, armando o proletariado russo para a
conquista do poder.
Certamente os nossos “praticistas” estarão pensando que Marx,
Engels e Lenin ou não tinham nada para fazer ou eram grandes
“teoricistas”, descompromissados com as lutas concretas...
Ao
contrário, o problema é que Marx compreendia a importância da
consciência dos homens na luta transformadora e sabia que “o
que difere a mais engenhosa abelha do mais comum dos homens é
que tudo que este faz passa antes pelo seu pensamento.” Além
disso, sabia que “os pensamentos da classe dominante também
são, em todas as épocas, os pensamentos dominantes (...) a
classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é
também a potência dominante espiritual”.
Tendo
em vista que são os homens que fazem a história, a crítica
teórica à ideologia burguesa dominante – capaz de conquistar
inclusive da mente dos explorados – é decisiva para o avanço da
revolução.
Por
essa razão, Engels afirmará em 1994 – referindo-se à luta do
proletariado alemão – que
“pela
primeira vez desde que existe o movimento operário, a luta se
desenvolve em forma metódica em suas três direções combinadas e
relacionadas entre si: teórica, política e econômico-prática
(resistência aos capitalistas). Nesse ataque concentrado, por
assim dizer, residem precisamente a força e a invencibilidade do
movimento alemão.”
Lenin, quase 30 anos depois, endossará essas
palavras de Engels, afirmando que “sem teoria revolucionária
não pode haver também movimento revolucionário. (...) Engels
reconhece na grande luta da socialdemocracia não duas formas (a
política e a econômica) – como se faz entre nós – mas três,
colocando ao seu lado a luta teórica.”
João Amazonas, diante da crise do socialismo,
dirá no final do século XX: “Prescindir da teoria ou rebaixar
o seu papel é uma forma de descartar o socialismo (...) das três
formas de luta de classes – econômica, política e teórica –, a
que se referia Engels, precisamente a luta teórica ganha maior
dimensão nos dias de hoje (...) nas condições atuais do mundo e
do nosso país, a frente teórica adquire importância
sobressalente, de primeiro plano.(...) salta à vista a
extraordinária importância que assume a luta teórica (...) sem
superar essa crise, não haverá revolução socialista,
proletário-revolucionária, em nenhuma parte do mundo.”
E referindo-se aos que reduzem a luta teórica a
qualquer debate de ideias e se dispõem a tratar unicamente os
problemas mais candentes do dia a dia, João Amazonas adverte: “Há
companheiros que dizem (...) que agora é só cuidar dos problemas
atuais (...) tal opinião não faz mais do que repetir Berstein,
que dizia que o objetivo é nada e o movimento é tudo. Movimento
sem uma teoria que ilumine o caminho não leva a coisa alguma.”
Concluo perguntando: há, por acaso, contradição
entre destacar a existência dessas três formas da luta de
classes e a defesa que o PCdoB faz da necessidade de acumularmos
forças nas frentes institucional, de massas e da luta de ideias?
Penso eu não, desde que tenhamos claro que a luta política não
se reduz à atuação institucional e que nem toda a luta de ideias
é uma luta teórica. Enfim, que compreendamos que a luta
política, a luta de massas e a luta teórica são tarefas de todos
os comunistas!
Historiador Raul Carrion
Novembro de 2018