A greve geral de junho/julho de
1917, em São Paulo – ponto de partida de um grande surto
grevista que se estenderá ao Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Pernambuco e alguns outros estados, abalando a República Velha –
é, sem dúvida, uma expressão do espírito revolucionário e do
amadurecimento da classe operária brasileira, que ingressava em
sua etapa fabril. A radicalidade e a extensão do movimento – que
chegou a controlar São Paulo por diversos dias, obrigando o
governo a abandonar a cidade – ao mesmo tempo que mostrou a
combatividade de suas lideranças anarquistas, tornou patentes os
limites das concepções anarquistas hegemônicas, incapazes de
apresentar uma alternativa política ao domínio
burguês-oligárquico. Por isso mesmo, as greves de 1917 – da
mesma forma que a insurreição anarquista de 1918 e as greves de
1919 – jogaram um importante papel no amadurecimento das
lideranças operárias que viriam a formar em 1922, sob a
influência da revolução russa, o Partido Comunista do Brasil.
Nesse trabalho, além de
abordarmos a greve de 1917 em São Paulo e no Rio de Janeiro,
examinaremos mais detalhadamente o movimento grevista no Rio
Grande do Sul, menos estudado e menos conhecido.
CAUSAS IMEDIATAS DO ASCENSO
GREVISTA DE 1917
Para entendermos o grande
ascenso grevista de 1917 é preciso, alem das suas causas de
fundo, analisar a conjuntura em que a mesma ocorreu: “O grande
movimento grevista que se alastra pelo país em meados de 1917
tem a sua causa conjuntural mais evidente no modo de inserção do
Brasil na Primeira Grande Guerra (...) o país transformara-se em
um grande fornecedor de gêneros alimentícios às populações civis
e às tropas combatentes das nações da ‘Entente’(...).”[i]Entre
1914 e 1917 as exportações brasileiras de gêneros alimentícios
aumentaram, em média, 11 vezes. No caso da carne resfriada e do
charque, esses aumentos foram de 47 e de 30 vezes,
respectivamente. Já a exportação do arroz aumentou 14 mil vezes
e a do feijão 21 mil vezes! As conseqüências disso foram o
desabastecimento e a disparada nos preços. Referindo-se a isso,
Dulles afirma: “Os preços dos gêneros alimentícios continuaram a
subir durante os seis primeiros meses de 1917. Artigos de
primeira necessidade tendiam a custar de 20 a 150 por cento mais
caro do que no ano precedente (...) O aumento do custo de vida
foi o tema dos discursos do Primeiro de Maio de 1917.”[ii]
A essa situação econômica insustentável, é preciso acrescentar
um razoável nível de consciência e organização por parte dos
trabalhadores, sob influência anarco-sindicalista, e o impacto
das primeiras notícias da Revolução da Rússia de fevereiro.
Assim, o ano de 1917 entrou
prenhe de grandes mobilizações operárias. Em 18 de abril, a
Federação Operária do Rio de Janeiro realizou uma grande
assembléia em sua sede, ocasião em que foi decidido o envio de
uma mensagem ao Presidente da República protestando contra a
eventual entrada do Brasil na guerra e sugerindo medidas contra
a crise que sacrificava os trabalhadores. No dia 1º de maio, um
grande massa de trabalhadores desfilou pelas ruas da capital
protestando contra a carestia e pedindo paz. Ainda durante o mês
de maio, irromperam diversas greves em fábricas têxteis do Rio
de Janeiro, acompanhadas de comícios, passeatas e choques com a
polícia. E, em junho de 1917, eclodiu em São Paulo - já então o
principal centro industrial do Brasil - a primeira grande greve
geral do país, que logo se estenderia para o Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul e outros estados.
A GREVE DE 1917 EM SÃO PAULO
No dia 12 de junho, iniciou a
greve dos 2.000 trabalhadores do cotonifício Rodolpho Crespi, no
bairro industrial da Mooca, na capital paulista, reivindicando
um aumento de 20%. No dia 15, os grevistas realizam uma passeata
pedindo a solidariedade de seus irmãos de classe e sofrem a
repressão policial. Rapidamente, o movimento grevista começa a
ganhar a adesão dos operários de diversas fábricas, ao mesmo
tempo que se generaliza o descontentamento entre o conjunto dos
trabalhadores. No dia 28 de junho, a “União dos Operários em
Fábricas de Tecidos de São Paulo” faz um apelo às “Ligas
Operárias” do interior do Estado, do Rio de Janeiro, do Rio
Grande do Sul e de Minas Gerais para que declarem o boicote,
impedindo que Crespi consiga atender às suas encomendas através
de fábricas fora de São Paulo. Neste mesmo dia, outra grande
manifestação operária é reprimida pela polícia montada quando se
dirigia para a Praça da Sé. No dia 6 de julho , a primeira
vitória: a firma Nami Jafet concede a seus 1.000 operários um
aumento de 20% para o dia e de 25% para a noite. O movimento se
estende como rastilho de pólvora e já são milhares de grevistas
manifestando-se nas ruas.[iii]
No dia 7, a greve atinge a Cia. Antárctica, na Mooca. No dia 9
de julho, à porta da tecelagem Mariângela do grupo Matarazzo, a
polícia dispara contra os trabalhadores e fere gravemente o
sapateiro anarquista Antonio Martínez. Em seguida são fechadas
as sedes de todas as “Ligas” e “Uniões” da cidade. A greve
atinge quase todas as categorias industriais e de serviços e
cresce a indignação proletária e os choques com as forças de
repressão.
No dia 10 de julho, morre o
operário Martínez e o “Comitê de Defesa Proletária” – formado
pelos anarquistas Edgard Leuenroth, Florentino de Carvalho,
Rodolfo Felipe, Francisco Cianci, Antônio Duarte e Gigi Damiani,
e pelo socialdemocrata Teodoro Monicelli – convida a população
de São Paulo a acompanhar o enterro. Um “mar de gente” acompanha
o cortejo fúnebre, desafiando o enorme aparato policial-militar
colocado nas ruas pelo governo. Findo o enterro, uma parte da
massa dirigiu-se para a Praça da Sé para ouvir os discursos de
protesto; outra parte da multidão, calculada em milhares de
pessoas, dirige-se para os bairros do Brás, Mooca, e Cambuci e
força o fechamento das empresas que continuam trabalhando. Os
dias 12 e 13 de julho foram de confronto aberto. e muitas vezes
armado, entre os trabalhadores e as forças da repressão, com o
surgimento de barricadas em diversos bairros operários.
Estima-se que em torno de 75 mil o número de trabalhadores em
greve. Manifestações de solidariedade chegam de todas as partes.
As informações acerca de atos de indisciplina no seio das tropas
preocupa as autoridades e os patrões:
Os 1º e 4º Batalhões da Força Pública tornaram-se suspeitos,
pois deram-se diversos casos de “insubordinação”, isto é, recusa
de praticar violências contra os grevistas (...) há deserções na
Força Pública e outros soldados alegam doença para não intervir
na repressão contra o povo trabalhador.[iv]
No dia 13 de julho, Crespi e os
demais industriais aceitam um aumento de 20% para o conjunto dos
trabalhadores. Uma comissão de jornalistas se propôs a mediar o
confronto. Depois de algumas negociações, os patrões - além dos
20% de aumento - se comprometeram a não despedir ninguém pela
greve, respeitar o direito de associação, pagar os salários a
cada 15 dias e melhorar as condições materiais e econômicas dos
trabalhadores. Já o Governo, concordou em libertar os operários
presos por motivo da greve, reconheceu o direito de reunião e
comprometeu-se com uma fiscalização rígida das normas
trabalhista e com o controle dos preços. No dia 16 de julho, os
trabalhadores aceitaram o acordo. Dia 18, “ao comício do Largo
da Concórdia aflui uma massa superior a oitenta mil almas. Um
verdadeiro oceano humano a espraiar-se pelo Largo até a rua
Bresser. Nunca se viu, na cidade, uma concentração tão numerosa,
tão comovente e tão conscientemente disciplinada.” O comício é
encerrado ao som da Internacional.[v]
A GREVE SE ESTENDE PARA O RIO DE
JANEIRO
No dia 19 de julho, o movimento
grevista se alastra para o Rio de Janeiro. Iniciado em duas
pequenas fábricas de móveis, em solidariedade aos grevistas de
São Paulo, estende-se rapidamente, sendo assumida pela Federação
Operária do Rio de Janeiro. Dele participam metalúrgicos,
trabalhadores da indústria do couro, operários da construção
civil e da indústria do tabaco, tecelões, etc. As reivindicações
básicas são a redução da jornada de trabalho, aumentos salariais
e melhores condições de trabalho. A paralisação se estende para
algumas cidades próximas. O movimento radicaliza-se e
multiplicam-se as manifestações de rua, os comícios, os assaltos
a estabelecimentos industriais, os choques com a polícia:
“Na manhã de segunda-feira 23 de julho, calculava-se que 50 mil
operários estavam em greve. No mesmo dia, cerca de 20 mil
operários metalúrgicos deixaram o serviço À noite, os alfaiates
e os entregadores de pão decidiram aderir ao movimento. No dia
24, os sapateiros fundaram a União dos cortadores de calçado
e exigiram a jornada de 8 horas, bem como aumento salarial
de 20. Os grevistas da Companhia de Tecido América Fabril
exigiram aumento de 30% e escolas para as crianças. Os operários
de outra companhia têxtil, a Fábrica de Tecidos Aliança
pediram aumento de 30% e o término dos castigos corporais.
Bandos de operários percorreram as ruas da cidade. A 24 de
julho, enquanto um grupo deles solicitava a adesão de
companheiros ao movimento paredista, a polícia investiu contra o
mesmo a golpe de espada e patas de cavalo. A multidão, revoltada
com este “ataque” policial, marchou em direção ao largo de São
Francisco, carregando uma bandeira vermelha e berrando “abaixo o
capital”. (...) Enquanto isso, outros grupos executavam os
primeiros assaltos e depredações. (...) Em 25 de julho, uma
força policial dispersou enorme aglomeração nas vizinhanças da
Central de Polícia (...) os policiais foram recebidos a pedra,
saindo ferido na cabeça o tenente que comandava o destacamento
(...) Nos últimos dias de julho, diversos acordos foram
efetuados. Os representantes dos operários das fábricas de
tecidos, maior dos grupos trabalhistas do Rio, ainda se
encontravam em negociações no dia primeiro de agosto. Quando, no
dia seguinte, entraram em acordo com o Centro Industrial do
Brasil, a “greve geral” carioca chegou ao ponto final. O acordo
estabelecia a semana máxima de 56 horas e um aumento de 10 por
cento dos vencimentos. Os problemas referentes ao dia de oito
horas, trabalho de menores e responsabilidade dos patrões nos
acidentes de trabalho seriam resolvidos por leis no Congresso
Nacional. E nenhum operário seria dispensado por tomar parte na
greve.[vi]
A greve chega ao fim na
cidade do Rio de Janeiro mas, no dia 3 de agosto, começa em
Petrópolis. Cerca de 15 mil trabalhadores paralisam,
reivindicando diminuição das horas de trabalho, melhores
salários e “providências sobre a crise” Grupos de grevistas
tentam parar a Estrada de Ferro Dona Leopoldina, mas são
impedidos pela polícia. Temeroso, o empresariado aceita reduzir
a jornada de trabalho e oferece um aumento de 10% nos salários.
Aos poucos a vida volta a normalidade.
O MOVIMENTO GREVISTA NO RIO GRANDE DO SUL
Avançando como que “em ondas”,
em 31 de julho o movimento grevista chega ao Rio Grande do Sul.
Depois de algumas reuniões furtivas, a “União Operária
Internacional”, anarquista, distribui boletins, convocando uma
reunião geral na FORGS para o dia 29, domingo:
“Na reunião, com mais de 500 pessoas, nenhum cargo
administrativo da FORGS tomou a palavra e criou-se ainda (não
elegeu-se) um órgão sob controle dos anarquistas e dos pedreiros
sindicalistas (sem a participação da diretoria da Federação). A
Liga de Defesa Popular (LDP) estabelece uma pauta de
reivindicações e a entrega aos governos municipal e estadual,
eximindo, portanto, a FORGS da responsabilidade do movimento.”[vii]
Tudo indica que essas
“precauções” foram tomadas para prevenir qualquer intervenção na
FORGS em função da greve.[viii]
Entre os integrantes da LDP encontramos o, pedreiro Luiz Derivi
e o gráfico Cecílio Villar, ambos conhecidos anarquistas e
ex-dirigentes da FORGS (não sabemos se neste momento continuavam
ou não na suas direção, por nos faltarem dados concretos sobre
isso), além de Abílio Nequete, um dos que irá participar da
fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922. Imediatamente a
“Liga” lançou uma proclamação ao povo de Porto Alegre,
divulgando as suas reivindicações:
Povo! Trabalhadores! (...) A Liga de Defesa Popular espera o
apoio do povo de Porto Alegre para obter as seguintes melhorias
(...) diminuição dos preços dos gêneros de primeira necessidade
em geral; providência para evitar o açambarcamento do açúcar;
estabelecimento de um matadouro municipal para fornecer carne à
população a preço razoável; criação de mercados livres nos
bairros operários; obrigatoriedade de venda do pão a peso e
fixação semanal do preço do quilo; a Intendência cobrar pelo
fornecimento de água 10% sobre os aluguéis cujo valor locativo
seja inferior a 40$000; compelir a Companhia de Força e Luz a
estabelecer a passagem de 100 réis, de acordo com o contrato
feito com a municipalidade; aumento de 25% sobre os salários
atuais; generalização da jornada de 8 horas; estabelecimento da
jornada de seis horas para mulheres e crianças.[ix]
PORTO ALEGRE: A CAPITAL
PARALISADA
No dia 30, a “Liga” envia, um
documento ao presidente do Estado - Borges de Medeiros - e ao
intendente municipal - José Montaury, com as reivindicações
aprovadas. Na tarde do dia 31, a “Liga” realiza um comício com 5
mil pessoas e decreta a greve geral:
Estalou finalmente a greve geral, há tantos dias
anunciada nesta cidade, e cujos prenúncios se fizeram sentir
logo após o movimento grevista que na capital da
República secundou o de São Paulo. Como era de prever, o
operariado, depois do comício realizado ontem à tarde na Praça
Senador Florêncio, onde diversos oradores pregaram a greve
geral como único meio de conseguir o decrescimento da carestia
da vida, resolveu abandonar o trabalho, tendo muitas fábricas
deixado de funcionar ontem mesmo. A agitação nas classes
operárias é extraordinária, como se pode notar, desde ontem à
tarde, na atitude exaltada de grande número de operários que, em
grupos, percorriam as ruas da cidade e estacionavam às esquinas.
A sede da Federação Operária tem estado repleta de
associados”.[x]
Paralisam as suas atividades os
calceteiros pedreiros, marceneiros, carpinteiros, tecelões,
chapeleiros, metalúrgicos, estivadores, choferes, carroceiros,
padeiros, tipógrafos, comerciários. Os motorneiros e cobradores
da Cia. Força e Luz solicitam um aumento de salários e, ao não
serem atendidos, entram em greve. Os trabalhadores da Viação
Férrea do RGS – controlada pela empresa belga Compagnie
Auxiliaire e pela norte-americana Brazil Railway –
reivindicam jornada de oito horas, semana inglesa e aumentos
salariais de 10 a 30%. Diante da resposta negativa, iniciam a
greve em Santa Maria e logo estendem o movimento a todos os
municípios, paralisando os transportes a nível estadual. Em
Porto Alegre os grevistas dominam a cidade. Zenon de Almeida -
que anos depois irá aderir ao Partido Comunista do Brasil -
edita o jornal A ÉPOCA, porta-voz da “Liga de Defesa Popular”[xi].
No dia 1º de agosto, em um
comício na Praça da Alfândega com mais de 4 mil operários, o
anarquista João Baptista Noll refere-se explicitamente à
revolução russa em andamento: “Camaradas! Que o som produzido
pelo choque do malho e da bigorna seja o eco da liberdade a
ressoar pelo mundo. (...) O povo da Rússia, dos cossacos, de
Tolstoi, Gorki e Kropotkine, depois de uma escravidão quase
infinita, conseguiu por si um regime de liberdade”[xii]
Um testemunho da época reproduz bem o clima da greve:
Invadindo e dominando todas as grandes companhias,
estabelecimentos e várias classes sociais, algumas levadas à
força, pelo temor de represálias tremendas que os grevistas
prometiam (...) esse movimento assumiu proporções desmesuradas,
paralisou totalmente a vida da cidade, sem luz nem pão, sem
leite nem carne, sem legumes nem frutas, sem bondes nem carros,
sem automóveis nem carroças. (...) grevistas que chegaram
à petulância irrisória de colocar destacamentos seus, vigilantes
e ameaçadores, em determinadas embocaduras e encruzilhadas, para
impedir que os vendedores ambulantes dos artigos imprescindíveis
de consumo diário, pudessem chegar ao mercado ou casas dos
fregueses. Houve até um simulacro caricato de governo que
expedia salvo-condutos a determinados indivíduos para poderem
transitar livremente. Dispondo de numerosa gente espalhada aqui
e acolá em grupos de catadura menos tranquilizadora, foram a
reprováveis atos de violência (...) A cidade semelhava uma praça
de guerra, preparada para o combate. Em todos os recantos
suspeitos, os pelotões de infantaria, embalados, estacionavam
previdentes: patrulhas de cavalaria cruzavam constantemente numa
atividade formidável. (...) Os comícios e assembléias operárias
eram freqüentes e numerosas, a linguagem tribunícia inflamada,
excessiva, abundantíssima; as exigências enormes; as imposições
demasiadas e inaceitáveis; a cólera exacerbada e perigosa.[xiii]
O GOVERNO E OS PATRÕES CEDEM
No dia 2 de agosto a LDP é
recebida por Borges de Medeiros que lhes comunica a decisão de
atender as reivindicações quanto à redução da jornada de
trabalho e aumento de salários de 5 a 25% para os empregados do
Estado, além de medidas de controle das exportações de arroz,
banha, batatas, feijão e farinha. As concessões do presidente do
Estado são festejadas por uma multidão de 5 mil pessoas, que
aguarda a Comissão a saída do Palácio; esta recomenda a
continuidade da greve, pois nem os patrões haviam reduzido a
jornada de trabalho e concedido aumentos salariais, nem o
governo municipal havia tomado medidas concretas para o controle
dos preços. Nesse mesmo dia aderem à paralisação a Companhia
Fiat Lux, tamanqueiros, licoreiros, canteiros, e diversas outras
empresas.
O Chefe da Polícia, Firmino Paim
Filho, pressiona para que a greve seja suspensa, alegando que as
reivindicações dos trabalhadores já haviam sido satisfeitas. O
CORREIO DO POVO do dia 3 de agosto traz a notícia do fim da
greve. Imediatamente a “Liga” distribui um Boletim desmentindo o
fim da greve e “concita aos trabalhadores que já tenham entrado
em acordo com os patrões, quanto ao aumento de salário e às 8
horas, que continuem em greve até a diminuição dos preços dos
gêneros alimentícios, do contrário o que ganharmos voltará para
os cofres dos comerciantes.” No dia seguinte, através do Ato
137, o Intendente Municipal José Montaury decretou o tabelamento
dos preços do arroz, açúcar, banha, cebola, salame, ovos,
erva-mate, leite, manteiga, massa branca, milho, fósforos,
polvilhos, pão, sal, charque, querosene, sabão e vela de sebo.
Também reeditou o Ato 107, de 1914, regulando as normas para a
venda da carne fresca.
Quanto aos patrões, pressionados
pelos trabalhadores e pelo próprio governo, concederam aumentos
de 25% e jornada de 8 horas para a maioria das categorias. No
dia 4 de agosto, a Companhia Força e Luz dá aumento a todos os
seus funcionários. Consultada a “Liga”, motorneiros e cobradores
só suspendem a greve no dia 5 de agosto, quando a própria “Liga”
divulga o seu Boletim aconselhando “a volta ao trabalho de todas
as classes que o julgarem conveniente”, ao mesmo tempo que
assegura que “as que quiserem prosseguir em greve, por não terem
conseguido seu objetivo, a Liga de Defesa e a Federação Operária
do Rio Grande do Sul hipotecam a sua solidariedade e se propõem
a tudo fazer por elas.” Um comício, realizado nesse mesmo dia,
encerra a Guerra dos Braços Cruzados. Algumas categorias
permaneceram em greve por alguns dias, até terem as suas
reivindicações atendidas. Encerrava-se, de forma vitoriosa, a
lutas do proletariado portalegrense.
FERROVIÁRIOS: UMA GREVE
ANTI-IMPERIALISTA
Já a greve dos ferroviários
enfrenta grande dificuldades. O inspetor-geral da VFRGS - Mr.
Cartwright - ameaça despedir todos os grevistas e solicita a
intervenção das tropas da 7ª Região Militar: “No dia 2 de agosto
o General Carlos Frederico de Mesquita comanda a ocupação da
Estação de Santa Maria. Em represália os grevistas arrancam
trilhos, derrubam pontes e bloqueiam a via com dormente e postes
telegráficos em vários pontos do Estado. Alguns trens passam a
circular guarnecidos por tropas. Em Passo Fundo há violentos
choques entre ferroviários e forças militares.”[xiv]
No dia 9 de agosto a greve foi interrompida sem que as
reivindicações dos trabalhadores fossem atendidas. Mas em 17 de
outubro de 1917, os ferroviários retomam a sua luta através de
uma greve ainda mais violenta e prolongada. Operários armados
invadem a estação de Santa Maria, danificam e chocam
locomotivas, paralisando completamente o tráfego. A greve se
espalha por todo o Estado, com uma violência inaudita. Trilhos
são arrancados, linhas telegráficas cortadas, pontes destruídas.
Novamente as tropas são mobilizadas e trens militares voltam a
circular.[xv]
Os ferroviários denunciam os
“patrões estrangeiros” que os exploram e não garantem um serviço
de qualidade, buscando ganhar o apoio e a simpatia do
empresariado gaúcho, insatisfeito com os serviços prestados pela
VFRGS. O governo do Estado - interessado em assumir a concessão
da Viação Férrea - sinaliza neste sentido através das páginas de
A FEDERAÇÃO, propondo a cassação da concessão à Brazil
Railway da ferrovia, e passa a trabalhar junto ao governo
federal nesse sentido. Borges de Medeiros recomenda cautela e
comedimento da Brigada Militar na repressão ao movimento Os
ferroviários em greve delegam ao governo do Estado a
intermediação junto ao Governo Federal e à Companhia, para
negociar um acordo. Em Santa Maria cresce a violência: “em
choques de rua, após comício na Praça Saldanha Marinho, no dia
21 de outubro, uma patrulha do exército atira sobre os
manifestantes: há 1 morto e 29 feridos.”[xvi]
No dia 27 de outubro a FORGS ameaça com uma greve geral no
Estado, caso as reivindicações dos ferroviários não sejam
atendidas. No dia 31 de outubro, Mr. Cartwright é exonerado e
Borges de Medeiros consegue a concessão de aumentos salariais de
10 a 15%, além da satisfação de grande parte das reivindicações
dos grevistas. Três anos depois, o governo estadual assumirá o
controle da VFRGS.
O MOVIMENTO GREVISTA CHEGA A
PELOTAS
Além da greve estadual dos
ferroviários, o movimento também se alastrou para algumas
cidades do interior. Em Pelotas, se inicia no dia 4 de agosto
com a paralisação dos motorneiros e cobradores da Companhia
Força e Luz, estivadores, choferes, curtidores, alfaiates,
sapateiros e verdureiros. Também é dirigido por um “Comitê de
Defesa Popular”. Diferentemente de Porto Alegre, o Intendente
Municipal reprime violentamente os grevistas e o movimento se
radicaliza. No dia 10 de agosto, realiza-se uma passeata dos
trabalhadores no centro da cidade, encerrada com um comício. A
repressão da policia e do 11º Regimento de Cavalaria, acaba em
um conflito de grandes proporções, com diversos feridos. Em
protesto, os grevistas concentram-se à noite na sede da “Liga
Operária”. A polícia intervém novamente e os operários resistem.
Na refrega um funcionário da Intendência municipal é gravemente
ferido - falecendo poucos dias depois - e o cavalo do próprio
chefe de polícia é abatido a tiros. Depois de muita luta os
grevistas são desalojados. Preocupado com a violência dos
conflitos, Borges de Medeiros envia para Pelotas o Chefe de
Polícia da capital com a missão de “manter a ordem assegurando o
direito de greve àqueles que nela quiserem persistir, bem como
garantir a liberdade de ação dos que não estivessem dispostos a
acompanhar esse movimento” (A FEDERAÇÃO, 13.08.1917). Em meados
de agosto a greve em Pelotas é encerrada, em troca de uma
redução nos preços dos gêneros de primeira necessidade. A onda
grevista se espraia por diversos municípios do Rio Grande do
Sul, perdurando até o mês de novembro.[xvii]
EPÍLOGO
As greves de
1917 mostraram que o movimento operário estava objetivamente
maduro, mas carecia de um direção capaz de conduzi-lo à vitória
na luta contra a exploração do capital. Como afirma Hardman:
A recusa em considerar a
organização necessária ao proletariado para a luta política
contra o Estado; a negativa em organizar a classe em partido
próprio, com vistas à tomada revolucionária do poder; o apego
absoluto à chamada “resistência anti-capitalista”, que se
traduzia na superestimação do papel do sindicato e da luta
econômica; a exaltação das formas espontâneas de luta, de ações
voluntaristas e heróicas,individualizadas e desvinculadas das
massas; enfim esses aspectos da teoria e prática dos
anarquistas, revelaram o impasse e o beco sem saída a que foi
levado o movimento operário no Brasil neste final dos anos 10.
(...) As ações do movimento anarquista não superaram a
espontaneidade economicista (...).[xviii]
A classe operária avançava ou sofreria uma derrota
histórica. E ela tratou de avançar...
NOTAS
[i] BODEA, Miguel. A Greve Geral de
1917 e as origens do Trabalhismo Gaúcho. Porto
Alegre: L&PM, S/D, p. 21.
[ii] DULLES, John W. F.Anarquistas
e Comunistas no Brasil, 1900-1935. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1977, p. 47.
[iii]
“Os bondes, a luz, o comércio e as indústrias
paralisam-se, São Paulo passa dois dias sob o controle
do Comitê de Defesa Proletária (...). As tropas da Força
Pública não controlam mais a capital (...). Campinas,
Itu, Sorocaba, etc. – ao todo 13 cidades – paralisam
suas fábricas. Do Rio, a Federação Operária ameaça tomar
atitude se o exército intervier contra os grevistas
paulistas” [CARONE, Edgard. A República Velha
(Instituições e Classes Sociais). São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1970, pp. 227-228]
[iv] DIAS, Everardo. História das
Lutas Sociais no Brasil. São Paulo: EDAGLIT, 1962,
pp. 298-299.
[vi] DULLES. Op. Cit., pp. 58-59.
[vii] SILVA JR., Adhelmar Lourenço da.
A greve geral de 1917 em Porto Alegre. In:
Revista anos 90, nº 5. Porto Alegre: Ed.
Universidade, 1996, p. 188.
[viii] Diferentemente do que sugere
SILVA JR., os relatos indicam que a “Liga” não surge a
revelia da FORGS e de suas lideranças: “Em seguida, o
Sr. Cecílio Villar comunicou aos presentes que a
Federação ia nomear uma comissão intitulada Liga de
Defesa Popular, a qual ficaria encarregada de dar os
passos necessários para melhorar a situação das classes
trabalhadoras (...) Para esse fim, seriam nomeados três
dentre os presentes, que se incumbiriam de escolher
dois membros de cada uma das associações filiadas, a
fim de construírem a referida Liga. Foram nomeados,
então, os Srs Cecílio Villar, Luiz Derivi e Salvador
Rios” (negritado nosso) [FAGUNDES, Lígia Ketzer e
outros. Memória da Indústria Gaúcha (1889-1930).
Porto Alegre: FEE, pp. 289-290]
[x] A FEDERAÇÃO, 01.08.1917. In:
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz e LUCAS, Maria Elizabeth.
Antologia do movimento operário gaúcho – 1870/1937.
Poro Alegre: Editora da Universidade/UFRGS - TCHÊ, 1992,
pp. 203-204.
[xi] “Zenon de Almeida teve papel
destacado na série de greves de 1917, integrando seu
grupo dirigente. ‘Foram greves violentas, com
depredações, incêndios e atentados à bomba’, lembra seu
filho. Durante a greve geral de 1917 (...) Zenon foi um
dos editores de A ÉPOCA, porta-voz da Liga de
Defesa Popular, entidade que assume o comando da
capital, enquanto Governo, Brigada e Polícia enfiam o
rabo entre as pernas nos seus respectivos redutos. (...)
com Geyer e Djalma, aperfeiçoou um detonador que
transformasse a dinamite em granadas de mão. Djalma,
como mecânico e ourives; Geyer, médico, com acesso a
produtos químicos; e ele, Zenon, como químico,
conseguiram um petardo que, em 1917, apavorou a Brigada,
tirando-lhe a iniciativa.” [MARÇAL. Os Anarquistas no
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Unidade Editorial,
1995, p. 38]
[xii] BODEA. Op. Cit., 36.
[xiii] PEREIRA, Miguel. Esboço
Histórico da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.[1919]
In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit.,
pp. 204-205.
[xiv] BODEA. Op. Cit., p. 34.
[xv] “Os insurretos apedrejaram
estações, quebraram vidros, dinamitaram pontes,
arrancaram trilhos, atacaram trens a tiros de
revólveres, tentaram demolir importantes obras de arte,
entraram em sérios conflitos, desrespeitaram a força
armada, autoridades e os funcionários seus dirigentes.
Não houve embaraços que não opusessem para impedir o
tráfego oficial, com maquinistas e guarnição do Exército
e Brigada Militar, que deligenciavam para não serem de
todo interrompidas as viagens dos trens, permitindo
assim o transporte de forças que deviam acudir
apressadas aos pontos de maior agitação, no intuito de
obstar às depredações constantemente praticadas pelos
tresloucados grevistas” [PEREIRA.
Op. Cit. In: PETERSEN e LUCAS. Op.
Cit., p. 206]
[xvi] BODEA. Op. Cit., p. 60. Também:
“Em Santa Maria, um destacamento de primeira linha, a
fim de se fazer respeitar e obedecer, atirou contra os
amotinados, resultando disso mortes e ferimentos e
tremenda excitação que repercutiu ao longe.”
[xvii] O relato da greve de 1917 no
Rio Grande do Sul está baseado fundamentalmente nos
trabalhos de PETERSEN. As greves..., PETERSEN e
LUCAS. Antologia..., BODEA. A greve...,
SILVA JR. A greve..., que só são citados no caso
de transcrições literais, procurando evitar o
truncamento do texto.
[xviii] HARDMAN,
Francisco Foot. Anarquistas e
anarco-sindicalismo no Brasil.
Apud SEGATTO, José Antonio. A Formação da
classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1987, pp. 85-86.