Relembrar para que nunca
mais se repita
A primeira pergunta que
devemos fazer-nos quando examinamos os 21 anos do regime militar
no Brasil é por que rememorar? Por óbvio, para educar as antigas
e as novas gerações sobre o que ocorreu nesse triste período da
nossa história, para evitar a sua repetição. Mas como evitar? Só
há um caminho: removendo suas causas de fundo – o sistema social
excludente e injusto que existe em nosso país, o autoritarismo e
o militarismo.
Para isso é preciso apontar
os crimes da ditadura, mas – ainda mais importante – identificar
os seus verdadeiros mandantes. Pois o regime militar não foi
criação de "homens maus". Foi criação de um sistema de
exploração em crise que, para manter-se, precisou assumir uma
forma totalitária e repressiva. Expressão disso é a participação
de prestigiadas multinacionais e proeminentes líderes
empresariais no financiamento e na sustentação da ditadura e de
seus aparelhos de repressão e tortura – como a Operação
Bandeirantes. Sistema econômico e social que, enquanto não for
superado definitivamente, gerará novos monstros.
Denunciar as atrocidades do regime militar é necessário. Mas,
mais necessário ainda, é resgatar a resistência do nosso povo –
em especial da juventude brasileira – e mostrar o seu papel na
derrota da ditadura.
Tenho pena dos "arrependidos", dos que renegam a luta contra o
regime militar – em nome de erros reais ou fictícios. Nós, que
participamos de forma ativa, desde o início, dessa resistência,
devemos orgulhar-nos de tê-lo feito.
No dia 9 de abril, o AI-1
suspendeu as garantias constitucionais por seis meses,
estabeleceu eleições indiretas para presidência da República e
deu ao presidente indicado pelo "Comando Revolucionário" o poder
de decretar o Estado de Sítio. Foram suspensos os direitos
políticos, por dez anos, de 378 pessoas – incluídos três
ex-presidentes, seis governadores, quatro ministros do STF, dois
senadores, 63 deputados federais, 300 deputados estaduais,
inúmeros juízes e desembargadores.
Milhares de opositores ao regime foram presos e torturados.
Diversos foram assassinados ou "desaparecidos". Cinco mil
Inquéritos Policiais-Militares foram instaurados, envolvendo 40
mil pessoas. Ao longo do tempo, foram indiciadas, com base na
Lei de Segurança Nacional, 13.752 pessoas, das quais 7.367 foram
levadas ao banco dos réus. Dezenas de milhares tiveram que se
exilar ou entrar na clandestinidade. Dez mil funcionários
públicos foram demitidos. O expurgo nas Forças Armadas atingiu
112 oficiais, dois mil marinheiros e 800 outros integrantes das
três armas.
Houve a intervenção em 452
sindicatos, 43 federações e três confederações. A Central Geral
dos Trabalhadores (CGT), o Pacto da Unidade de Ação (PUA) e as
intersindicais foram todas fechadas e proibidas. Inúmeras
lideranças sindicais foram demitidas e presas.
A União Nacional dos
Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundários
(UBES) tiveram a sua sede, na Praia do Flamengo, incendiada, e
foram proibidas. Seus dirigentes, perseguidos e caçados pelos
órgãos de repressão. O mesmo ocorreu com as ligas camponesas e
suas lideranças.
Para não deixar dúvidas sobre
seus propósitos, os generais – que já haviam destituído o
presidente legitimamente eleito pelo povo e rasgado a
Constituição – revogaram de imediato a Lei de Remessa de Lucros,
diminuíram de 30% para 15% os impostos sobre as mesmas e
assinaram um "Acordo de Garantia de Investimentos" com os
Estados Unidos, obrigando o Brasil a pagar quaisquer danos às
empresas norteamericanas instaladas no país. Os decretos de João
Goulart relativos à Reforma Agrária e à desapropriação das
refinarias privadas foram anulados. As jazidas de ferro, cujas
concessões haviam sido canceladas, foram devolvidas à Hanna
Corporation, que ainda recebeu um porto no estado do Espírito
Santo.
Montagem do Estado militar
e institucionalização da repressão
Conscientes de que, após os
primeiros momentos de repressão, era preciso
institucionalizá-la, tornando-a "legal", os militares e civis
golpistas trataram de criar todo um arcabouço teórico, jurídico
e institucional para a perenização da ditadura.
I. Teoria da Segurança
Nacional: inicialmente, fizeram da "Teoria da Segurança
Nacional", formulada pela Escola Superior de Guerra, a teoria do
Estado brasileiro, tendo por centro quatro ideias básicas: 1) O
mundo encontrava-se dividido em dois blocos – o soviético e o
norte-americano – e era necessário o alinhamento automático do
Brasil com os Estados Unidos; 2) A democracia civil era
demasiado frágil para os desafios que se punham diante dela; 3)
O papel das Forças Armadas era o de enfrentar os inimigos
internos, mais do que os externos; 4) O fortalecimento do Poder
Nacional dependia da modernização do latifúndio, da formação de
fortes grupos monopolistas nacionais e de sua aliança com as
potências ocidentais. Concepções que norteiam todo o período do
regime militar.
II. Militarização do poder:
houve uma hipertrofia e militarização do poder Executivo; além
do general-presidente, foram criados seis ministérios militares
e o Conselho de Segurança Nacional. Inúmeros outros ministérios
passaram a ser ocupados por militares e 18 mil oficiais – da
reserva ou da ativa – passaram a ocupar cargos remunerados na
administração direta, empresas estatais, autarquias, empresas
mistas ou grupos privados. Toda e qualquer autonomia dos estados
e municípios foi eliminada, e se impôs a mais profunda
centralização econômica na União.
III. Expansão das Forças
Armadas e mudança de seus objetivos: estas tiveram um aumento de
160%, passando de 114 mil para mais de 300 mil homens. As
polícias estaduais foram militarizadas e colocadas sob o comando
do Exército. A prioridade absoluta das Forças Armadas passou a
ser a "segurança interna" (apenas 6% do currículo da ESG tratava
da defesa das fronteiras nacionais).
IV. Montagem da máquina de
espionagem e repressão: o primeiro passo foi a criação do
Sistema Nacional de Informações (SNI) – transformado em 1974 em
Ministério –, que chegou a ter à sua disposição 300 mil
informantes e um milhão de colaboradores. Chegou a "fichar" 250
mil cidadãos. Em cada ministério foi criada uma Divisão de
Segurança e Informações (DSI), e em todos os órgãos
governamentais, autarquias e empresas públicas foi criada uma
Assessoria de Segurança e Informações (ASI). Após transformar os
antigos Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) em
centros de repressão e tortura dos opositores ao regime, este
fortaleceu ou criou inúmeros serviços de segurança e centros de
repressão e tortura – como o CIE, E-2, CISA, A-2, CENIMAR, M-2,
DOI-CODI, S-2 das PMs, entre outros. A "Operação Bandeirantes" –
financiada por grandes empresas, como o grupo ULTRA, a Ford e a
GM – notabilizou-se como o mais terrível centro clandestino de
torturas do país.
V. Montagem da estrutura
"legal" da ditadura: foram extintos todos os partidos existentes
e permitida a criação de apenas dois: a Aliança Renovadora
Nacional (ARENA) – com os apoiadores do regime militar – e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – a oposição consentida.
As eleições para presidência da República e para os governos dos
estados passaram a ser indiretas. Os prefeitos de capitais, de
municípios considerados de segurança nacional e com estações
hidrominerais passaram a ser nomeados. Foi criada a figura da
"sublegenda" partidária – cujos votos se somavam para efeito do
quociente partidário –, com o claro intuito de abrigar na ARENA
as distintas facções rivais que apoiavam o regime. A
Constituição de 1946 foi substituída pela "constituição
outorgada" de 1967, seguida pelas leis de "Segurança Nacional",
de "Imprensa", "Antigreve", etc.
VI. Castração do Legislativo:
além da ameaça permanente de cassação do mandato dos
parlamentares – o que foi feito em diversas ocasiões – e do
fechamento do Congresso e das Assembleias Legislativas a
qualquer momento – o que aconteceu por quatro vezes –, os
legislativos foram privados de várias atribuições, entre elas a
de modificar o orçamento proposto, e tiveram suas CPIs limitadas
e restritas ao prédio do Congresso. A criação dos "decretos-lei"
e dos "decretos secretos" diminuiu ainda mais o papel dos
legislativos.
VII. Subordinação do
Judiciário: a cassação de inúmeros juizes, o fim da
inamovibilidade e vitaliciedade dos juizes, a ampliação do
número de membros dos tribunais – para possibilitar ao regime
militar a nomeação de juízes da
sua confiança –, o julgamento
de civis pela Justiça Militar, o permanente desrespeito das
normas legais da própria ditadura (84% dos presos eram mantidos
incomunicáveis e 12% fora dos prazos legais), fizeram do
Judiciário um simulacro em nosso país.
VIII. Uso indiscriminado do
terror contra a oposição: dezenas de milhares de brasileiros
passaram pelas prisões e sofreram torturas; mais de dez mil
foram exilados e 128 banidos do país. Quase 500 foram mortos –
muitos nas torturas ou com requintes de crueldade, como a degola
dos guerrilheiros do Araguaia – ou simplesmente "desapareceram".
Tamanha violência era motivada não só pela busca de
"informações", mas também tinha o objetivo de criar um clima de
"terror" que desanimasse qualquer resistência.
Institucionalização da
repressão aos movimentos populares
Devido ao seu maior nível de
organização e luta – o que se comprovou nas primeiras ações de
resistência à ditadura –, os movimentos sindical e estudantil
enfrentaram uma ação planejada do governo ditatorial, com o
objetivo do seu desmantelamento e da criação, nesse âmbito, de
movimentos "pelegos" de apoio ao regime.
Só entre 1964 e 1979, mais de
cinco mil trabalhadores foram presos; dez mil foram banidos ou
expulsos da vida sindical; ocorreram 1.565 intervenções,
dissoluções ou anulação de eleições em entidades sindicais (70%
dos sindicatos com mais de cinco mil sócios e 38% dos sindicatos
entre mil e cinco mil sócios sofreram intervenção). Até 1971, 30
mil sindicalistas foram treinados pelo ICT e pelo IADESIL –
entidades ligadas ao sindicalismo norte-americano – no Brasil e
nos Estados Unidos para se contrapor aos "subversivos".
Nas eleições sindicais passou
a ser exigido um "atestado ideológico", fornecido pelo DOPS,
cabendo ao Ministério do Trabalho a aceitação ou não da
inscrição das chapas. Foi feito um grande esforço com o objetivo
de descaracterizar os sindicatos como órgãos de luta dos
trabalhadores e para transformá-los em entidades de caráter
assistencialista, voltadas ao atendimento médico e dentário e às
atividades de lazer. Por exigência dos capitais estrangeiros, a
estabilidade no emprego após dez anos de trabalho – que havia
sido essencial para a criação de um movimento sindical forte –
foi substituída pelo FGTS.
Através da "Lei Suplicy"
foram extintas a União Nacional dos Estudantes, as Uniões
Estaduais dos Estudantes, as Federações Universitárias e os
Centros Acadêmicos, e criada uma nova estrutura atrelada ao
Ministério da Educação – DNE, DEEs, DCEs, DAs. Da mesma forma,
foi extinta a União Brasileira de Estudantes Secundaristas e os
Grêmios Estudantis foram colocados sob a tutela das direções das
escolas. Os estudantes responderam mantendo suas entidades
históricas – como a UNE, a UBES – na clandestinidade, ao mesmo
tempo em que nos níveis inferiores buscaram colocar as entidades
instituídas pela ditadura nas mãos de lideranças legítimas.
Diante das crescentes mobilizações estudantis, o governo militar
promulgou o Decreto-Lei nº 477, determinando a expulsão dos
estudantes envolvidos em atividades "subversivas" e, com o
Decreto-Lei nº 464, impôs o "jubilamento" (afastamento
definitivo) dos estudantes que tivessem um aproveitamento
escolar inferior ao definido, o que, na maior parte das vezes,
vitimava aqueles que participavam ativamente das lutas
estudantis.
A repressão à
intelectualidade e à liberdade de imprensa
A repressão nas universidades
não se limitou aos estudantes. Em abril de 1964, o ministro de
Educação e Cultura, Flávio Suplicy de Lacerda, instituiu as
comissões especiais de investigação sumária, com o objetivo de
expurgar das universidades os professores "subversivos".
Em setembro de 1964, foram
dispensados, exonerados ou aposentados 17 professores da UFRGS –
entre eles Ernani Maria Fiori, Cláudio Accurso, Temperani
Pereira, Luiz Carlos Pinheiro Machado, Demétrio Ribeiro, Edvaldo
Paiva, Cibilis da Rocha Viana, Ajadil de Lemos, Ápio Antunes e
Antônio de Pádua da Silva.
Em outubro de 1964, os
expurgos chegaram à Universidade de Brasília: 15 professores
foram sumariamente demitidos. No dia seguinte, 223 professores
(90% dos efetivos) demitiram-se em solidariedade aos expurgados.
Em abril de 1969, foram aposentados compulsoriamente três
professores da USP, entre eles, Florestan Fernandes. Diante dos
protestos da comunidade docente, o próprio Reitor e outros 23
professores foram demitidos.
Os protestos de professores e
alunos no Rio Grande do Sul, diante dessas arbitrariedades,
levou a uma nova onda de expurgos na UFRGS. Em agosto de 1969,
foram aposentados ou exonerados 14 professores, entre os quais
Gerd Bornhein, Ernildo Stein, João Carlos Brum Torres, Leônidas
Xausa, Joaquim Felizardo e Carlos Fayet. Em outubro do mesmo
ano, outros seis professores da UFRGS foram aposentados por
terem manifestado solidariedade aos expurgados: Carlos de Britto
Velho, Victor de Britto Velho, Carlos Cirne Lima, Dionísio
Toledo, Reasylvia Kroeff de Souza e Maria da Glória Bordini.
Ainda em 1969, outros quatro professores se demitiram em
solidariedade para com os colegas expurgados, entre ele o prof.
Antônio Cheuiche, que viria a ser Bispo Auxiliar de Porto
Alegre.
Entre tantos renomados
intelectuais e artistas perseguidos, presos e/ou exilados pelo
regime militar, podemos citar ainda Paulo Freire, Celso Furtado,
Josué de Castro, Oscar Niemeyer, Mário Schenberg, José Leite
Lopes, Milton Santos, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Caetano
Veloso, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Edu Lobo, Mario
Lago, Dias Gomes e Paulo Gracindo.
Mas não cessaram aí as
medidas destinadas a eliminar do ensino e da cultura do país as
ideias progressistas. A disciplina de História foi substituída
pelas disciplinas de "Educação Moral e Cívica" e "Organização
Social e Política Brasileira", nos moldes do pensamento
militarista dominante. As disciplinas de Filosofia e Sociologia
foram eliminadas dos currículos escolares, por serem
"subversivas". Os Acordos MEC-USAID e a "reforma universitária"
imposta pelo regime militar geraram uma educação acrítica,
fragmentada, tecnicista, autoritária e colonizada. O
congelamento das vagas nas universidades públicas incentivou a
expansão acelerada do ensino privado.
O ataque à cultura e à
liberdade de pensamento se expressou, ainda, na censura a cerca
de 500 filmes, 450 peças teatrais, 200 livros, 100 revistas, mil
letras de músicas, 12 novelas de TV e 20 programas de rádio. À
medida que avançava a luta contra a ditadura, os principais
jornais do país – mesmo os conservadores – passaram a sofrer
censura prévia. A perseguição a jornalistas e a artistas se
ampliou, obrigando muitos ao exílio. Alguns foram presos e
mortos. Ao mesmo tempo, foi um período de grande difusão da
cultura norte-americana no nosso meio e de criação de grandes
monopólios nos meios de comunicação – apoiados pelo regime
militar – do que a Rede Globo é o maior exemplo. Heranças que a
democratização do país e o tempo ainda não apagaram.
As primeiras ações de
resistência ao regime militar (1964-1968)
Já em 1964 surgiram as
primeiras mobilizações estudantis em defesa de suas entidades e
da autonomia universitária, assim como protestos de intelectuais
e religiosos progressistas. A derrota do regime militar nas
eleições de 1965, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, levou ao
Ato Institucional nº 2, que extinguiu os partidos existentes,
instituiu eleições indiretas para a presidência da República e
deu poderes ao ditador de plantão para fechar o Congresso a
qualquer momento.
As primeiras manifestações de
rua contra o regime militar ocorreram em 1965, encabeçadas pelos
estudantes – por mais vagas nas universidades públicas, contra o
aumento do preço das refeições nos restaurantes universitários,
contra os acordos MEC-USAID, contra o Decreto-Lei 477. Em Porto
Alegre, a tradicional "Passeata dos Bixos" (calouros)
transformou-se em uma criativa manifestação contra o regime
militar.
O AI-3, em fevereiro de 1966,
impôs eleições indiretas para os governadores e o AI-4 criou o
Colégio Eleitoral e os decretos-lei por decurso de prazo,
restringiu a autonomia dos estados e delegou ao Congresso
mutilado os poderes de Assembleia Constituinte para aprovar a
constituição outorgada pelos generais.
Apesar de proibida, a UNE
realizou, em julho de 1965, em São Paulo, seu 27º Congresso, que
reorganizou a entidade. Em julho de 1966, em Belo Horizonte,
realizou o seu 28º Congresso, onde lançou o "Movimento Contra a
Ditadura" e marcou para 22 de setembro o "Dia Nacional de Luta
contra a Ditadura". Nessa data, ocorreram grandes manifestações
em Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e
Brasília.
No campo oposicionista, os
setores "conciliadores" passaram a defender a não-radicalização
da luta e uma aliança com os setores mais "brandos" da ditadura,
para combater a "linha dura". Já os setores mais consequentes
propunham a ampliação e a radicalização da luta contra o regime
militar. Em março de 1967, Costa e Silva – da "linha dura" –
sucedeu Castelo Branco como ditador de plantão.
A partir de 1967, o movimento
sindical também começou a dar sinais de reanimação. O "Movimento
Intersindical Antiarrocho" (MIA) realizou diversos atos em
defesa dos salários em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em
outros estados. As comemorações não-oficiais do 1º de Maio se
multiplicaram. Chapas de oposição passaram a disputar a direção
dos sindicatos com os pelegos. Ainda em 1967, a UNE realizou o
seu 29º Congresso, em São Paulo, articulando as lutas estudantis
em todo o país.
Mas o primeiro grande
movimento de massas contra a ditadura ocorreu em 1968. Em 28 de
março, foi assassinado - em uma manifestação no Rio de Janeiro -
o secundarista Edson Luís. As mobilizações estudantis em todo o
país, em protesto pela sua morte, culminaram, em junho de 1968,
na "Passeata dos Cem Mil" – reunindo estudantes, artistas,
intelectuais, religiosos, líderes sindicais e políticos –, em
uma grande manifestação contra a ditadura. O 1º de Maio da Praça
da Sé, em que as autoridades foram corridas do palanque pelos
trabalhadores; as greves metalúrgicas de Osasco/SP e de
Contagem/MG; a paralisação dos canavieiros de Pernambuco; tudo
isso expressava o crescente isolamento do regime militar.
Acuada, a ditadura respondeu com o recrudescimento da repressão
e a fascistização do regime. Em outubro de 1968, o 30º Congresso
da UNE, em Ibiúna/SP, é descoberto, e 1.240 estudantes são
presos pelos órgãos de repressão do regime.
A luta contra o fascismo
(1969-1974)
Em 13 de dezembro de 1968,
sob o pretexto de que um pronunciamento do deputado Márcio
Moreira Alves havia sido desrespeitoso às Forças Armadas, o
regime militar editou o AI-5, fechando o Congresso Nacional por
tempo indeterminado, além de seis Assembleias Legislativas e
dezenas de Câmaras Municipais.
Foram cassados os direitos
políticos de 4.877 opositores – entre eles 110 deputados
federais, seis senadores, um governador, 161 deputados
estaduais, 22 prefeitos, 22 vereadores e três ministros do STF.
O AI-7, em fevereiro de 1969, suspendeu as eleições em todos os
níveis, em todo o país. A Lei de Segurança Nacional e a
Constituição incorporaram a pena de morte, o banimento, a prisão
perpétua, a ampliação dos prazos de incomunicabilidade dos
presos e a suspensão do habeas corpus. As torturas e os
assassinatos generalizaram-se. Em outubro de 1969, Costa e
Silva, vítima de uma trombose, foi substituído pelo general
Garrastazu Médici.
Com o AI-5 e o
recrudescimento da repressão, os espaços institucionais de luta
reduziram-se ao mínimo. A oposição legal foi calada. A euforia
do milagre econômico, com base no endividamento acelerado,
anestesiou momentaneamente amplos setores da população.
Mesmo assim, nas eleições de
1970, 46% dos eleitores protestaram anulando o seu voto, votando
em branco ou abstendo-se. Ações armadas urbanas, realizadas por
grupos "foquistas", se multiplicaram, mas, desligadas das
massas, acabaram sendo aniquiladas pela repressão.
Em abril de 1972, na
confluência dos estados do Pará, Goiás e Maranhão, surgiram as
"Forças Guerrilheiras do Araguaia" – após seis anos de
preparação –, um processo de guerrilha rural inspirado nas
experiências da China e do Vietnã, sob a direção do PCdoB.
Depois de três grandes operações militares das Forças Armadas –
que mobilizaram mais de 20 mil homens das três armas e
utilizaram desde o confinamento das populações civis até a
tortura generalizada e a degola –, a guerrilha do Araguaia
acabou sendo derrotada, em fins de 1974.
Mas o "milagre econômico" já
havia terminado, em consequência da crise da dívida externa e da
crise do petróleo. Crescia o isolamento social do regime, cada
vez mais sustentado somente na força das armas. A resistência ao
regime, ainda que derrotada, não fora em vão.
Da "abertura" ao fim do
regime militar (1974-1985)
O general Ernesto Geisel, que
assumira em 1974, percebeu o isolamento da ditadura e tentou –
através do que chamou de "distensão política" lenta, gradual e
segura – ampliar sua base de apoio. Buscava, na verdade,
institucionalizar o regime, dando-lhe uma sobrevida.
Nas eleições de 1974, essa
"abertura política" sofreu o teste das urnas. Em um clima de
relativa liberdade, o MDB e a ARENA apresentaram suas propostas
em programas de TV de grande audiência. O MDB obteve 14,5
milhões de votos contra apenas 10,1 milhões da ARENA, elegendo
16 dos 21 senadores e a maioria das Assembléias Legislativas de
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Amazonas e
Acre.
A partir de então, o avanço
da luta contra a ditadura tornou-se irresistível e o regime
perdeu o controle da chamada "abertura". As bandeiras da
"Anistia", da "Constituinte" e do "Fim dos Atos de Exceção"
centralizaram a luta. Nem a "Lei Falcão", nas eleições de 1976,
nem o "Pacote de Abril de 1977" – que fechou o Congresso
Nacional, cassou inúmeros parlamentares, criou os senadores
"biônicos", aumentou o número de deputados federais dos pequenos
estados, cancelou as eleições de governadores e ampliou o
mandato presidencial para seis anos – conseguiram detê-la.
Nas eleições de 1978, o MDB
fez 18,5 milhões de votos contra 13,6 milhões da ARENA, mas,
devido ao "Pacote de Abril", só elegeu oito senadores, contra 36
da ARENA (incluídos os biônicos). As lutas operárias de 1978 e
1979, a conquista da Anistia em 1979, o profundamento da crise
econômica da ditadura, as dissensões no seio dos militares, a
grande campanha das "DIRETAS JÁ" são alguns dos acontecimentos
que culminaram na redemocratização do país em 1985, os quais não
tratamos neste ensaio, voltado ao relato dos crimes da ditadura,
por falta de espaço.
Conclusão
O regime militar, que durante
21 anos massacrou o povo brasileiro, ampliou a concentração da
terra, incentivou a monopolização da economia, concentrou renda
e atrelou o país ao grande capital internacional, foi fruto de
um sistema de exploração e de opressão que, enquanto não for
definitivamente superado, causará a infelicidade da nação.
O fim da ditadura militar não
se deveu à bondade dos generais, ao espírito democrático das
nossas elites ou aos conciliadores de sempre. Deveu-se, isso
sim, à luta destemida do nosso povo – nas ruas, nas escolas, nos
campos, nas fábricas, na cultura e na arte –, em especial da
nossa juventude. Os sacrifícios da sua resistência, mesmo quando
erraram, não foram em vão.