O
capitalismo vive hoje uma profunda crise estrutural decorrente
da implementação das políticas neoliberais em escala mundial.
Cada vez mais os ônus dessa crise vem sendo jogado sobre os
ombros dos trabalhadores – que vêem seus empregos eliminados,
seus direitos surrupiados, seus salários reduzidos – e sobre as
costas dos países mais fracos.
Na Europa, a “troika” impõe políticas recessivas e anti-povo,
sem qualquer respeito à democracia e à soberania das nações –
como ocorreu na Grécia. Ao mesmo tempo, crescem as provocações e
as agressões militares dos EUA e da OTAN contra os povos e os
países que resistem aos seus planos de dominação, o que coloca
na ordem do dia com redobrada força a luta pela paz.
Contraditoriamente, apesar dessa profunda crise demonstrar a
incapacidade do capitalismo em dar qualquer solução aos
problemas da humanidade – e, ao contrário, só agravá-los –, o
mundo não gira à esquerda e sim à direita. A xenofobia, o
racismo, o machismo, as discriminações, a intolerância
religiosa, a violência, não cessam de crescer. Na Europa
Ocidental, a social-democracia assume o ideário neoliberal e a
direita fascista cresce em toda parte. Nos países
ex-socialistas, prevalece o anticomunismo e não há a perspectiva
de uma retomada socialista nem a curto, nem a médio prazo.
Mesmo na América Latina – onde as forças anti-neoliberais
obtiveram nos últimos anos importantes avanços – observamos uma
contra-ofensiva do imperialismo e das forças reacionárias, com o
objetivo de varrer do mapa qualquer experiência progressista.
Honduras, Paraguai, Argentina, Brasil e Equador já tiveram seus
processos revertidos. Venezuela se encontra sob fogo cerrado do
imperialismo e das forças de direita.
No seio de boa parte da classe operária, dos trabalhadores, da
juventude e da intelectualidade progressista, prevalecem a
confusão e a falta de alternativa em relação ao capitalismo. Nos
campos da Filosofia, da História, das Ciências Sociais, da
Economia, da Política, etc., ganham força o idealismo, o
irracionalismo e o obscurantismo.
Impõe-se aos marxistas examinar essa realidade com acuidade e
sem concessões. È indiscutível que vivemos, desde algum tempo,
um quadro de defensiva estratégica do pensamento e das lutas
revolucionárias, o que se iniciou com o progressivo abandono do
socialismo na URSS – a partir de meados dos anos 50 do século
passado –, se aprofundou com a “Perestroika” e a “Glasnost” e
teve o seu desenlace na derrocada do Leste europeu e na
restauração do capitalismo na União Soviética, na virada dos
anos 90.
Essa derrota estratégica da revolução mundial refletiu, por um
lado, a estagnação e a dogmatização do marxismo; por outro,
deflagrou uma crise até hoje não superada do pensamento
revolucionário marxista. Referindo-se a isso, João Amazonas
afirmou, em 1992, em seu Informe Político ao 8º Congresso do
PCdoB:
instalou-se uma
crise de certa profundidade no movimento marxista-leninista.
Crise no campo da teoria, da Filosofia, da própria concepção de
socialismo (...) A crise instalada no socialismo corrói a luta
do povo por um futuro melhor, enfraquece o impulso combativo dos
trabalhadores (...) priva o movimento de massas do fator
consciente, que é o motor da ação conseqüente: ‘sem teoria
revolucionária – disse Lenin – não há movimento revolucionário’.
A superação dessa crise é questão decisiva para a
retomada da ofensiva contra o capitalismo (...) Lamentavelmente,
ainda é débil a luta contra a crise do marxismo, que apresenta
maior complexidade por envolver o socialismo no poder e abarcar
o conjunto do movimento revolucionário. (...) pouca atenção, no
plano teórico, às deformações verificadas na construção do
socialismo (...) Não se poderá vencer a crise sem desenvolver a
teoria, o que significa atualizar o marxismo (...). São muitos
os problemas a enfrentar, entre os quais a elaboração da
experiência adquirida nesses muitos anos de luta de classes e de
vigência do socialismo, a sistematização dos elementos novos que
serão incorporados à teoria do marxismo-leninismo. (...) É
tarefa árdua que requer esforço persistente de pesquisa e
elaboração científica (...) Devemos preparar-nos, os
revolucionários de todo o mundo, para cumpri-la no mais breve
prazo. (...) O combate pela superação da crise do marxismo é a
grande tarefa histórica da atualidade.[1]
Bem antes, já em 1981, atento à estagnação e ao dogmatismo que
prevaleciam no pensamento marxista – João Amazonas havia
afirmado que “Nas condições atuais do mundo e do nosso país,
a frente teórica adquire importância sobressalente, de primeiro
plano. (...) Em tais circunstâncias, salta à vista a
extraordinária importância que assume a luta teórica.”[2]
E, respondendo àqueles que dizem que hoje o que importa é o
enfrentamento dos problemas atuais, afirmou:
vivemos uma crise do
marxismo que já dura mais de 30 anos. E muita gente até hoje não
se deu conta que essa é uma questão fundamental. Desde que os
revisionistas ocuparam o poder na União Soviética, verificou-se
a degenerescência do socialismo, com forte repercussão na
teoria. (...) Temos de nos debruçar seriamente sobre esse
problema da crise do socialismo, temos de enfrentá-la, ou não
conseguiremos passar à ofensiva contra o capitalismo e fazer a
revolução. (...) Há companheiros que dizem que combater os erros
é justo. Mas se deve ficar por aí; que agora é só cuidar dos
problemas atuais. (...) tal opinião não faz mais do que repetir
Berstein, que dizia que o objetivo é nada e o movimento é tudo.
Movimento sem uma teoria que ilumine o caminho não leva a coisa
alguma. Por isso, superar a crise do marxismo é hoje tarefa de
primeiro plano para o movimento revolucionário mundial. Na nossa
opinião, essa questão se resolve fundamentalmente no campo
teórico. (...) A teoria entrou numa fase de estagnação. Era
preciso sistematizar, generalizar a riquíssima experiência da
construção socialista. E isso não foi feito. Ficou um vazio na
teoria revolucionária dos nossos dias, que precisa ser
preenchido. Necessitamos, todos nós, fazer grandes esforços no
campo teórico, ligado à prática revolucionária, para superar a
crise do marxismo. Afirmamos com muita consciência que, sem
superar essa crise, não haverá revolução socialista,
proletário-revolucionária, em nenhuma parte do mundo. (...)
Hoje, a direita avança por toda parte. (...) O movimento de
esquerda está em descenso. (...) A ausência de uma teoria de
vanguarda atualizada priva o movimento de massas do fator
consciente. Como seria possível fazer a revolução prescindindo
do fator consciente? (...) Os operários, ao ouvir falar de um
socialismo desatualizado, respondem que o socialismo fracassou
na União Soviética e em toda parte. Não nos darão atenção. (...)
Estamos diante de uma tarefa de significação histórica a ser
realizada (...) sentimo-nos muito pequenos diante da magnitude
dessa tarefa. Impõe-se a conjugação de esforços no plano
mundial. Se ainda não temos base suficiente para enfrentá-la
devidamente, devemos, ao menos, começar a trabalhar nessa
direção, compreendendo que sem teoria revolucionária não existe
movimento revolucionário. Estagnada como se encontra, a teoria
não poderá cumprir sua missão.[3]
Quinze anos depois, em 2007, Renato Rabelo – no texto “Cinco
anos sem Amazonas: o desafio de desenvolver a teoria marxista”
– retomou o assunto: “Desde a década de 80, ele procurou
problematizar o que conceituou de crise do marxismo (...) Qual é
a crise diagnosticada por Amazonas? Para ele não se pode vencer
tal crise sem se desenvolver a própria teoria marxista. A crise,
então, é justamente uma crise de desenvolvimento da teoria
revolucionária. (...) o marxismo não é algo estático e a crise
expressa justamente uma necessidade de atualização do marxismo.”[4]
Em seu Informe Político ao 11º Congresso do PCdoB, Renato
Rabelo aprofundou essa questão:
a nossa convicção
(...) é de que a teoria revolucionária não está pronta para
qualquer período histórico, requer constante renovação (...)
temos o grande desafio de atualizar e desenvolver a teoria
revolucionária, no bojo do pensamento avançado da nossa época e
no curso do movimento transformador das massas trabalhadoras e
populares (...) A nossa compreensão é de que esse grande desafio
se avultou, em conseqüência do impacto da derrota histórica do
socialismo, que teve seu ápice nos começos dos anos 90[5].
Fica claro que a superação da crise do marxismo e de sua teoria
revolucionária não será alcançada espontaneamente, pelo mero
“passar dos anos”, mas somente através de um grande esforço
coletivo, que investigue cientificamente e generalize a
experiência de mais de 100 anos de lutas revolucionárias e de
experiências de construção socialista. Como afirmou João
Amazonas em 1990:
A ciência social dá
um salto qualitativo toda vez que (...) se mostra capaz de
generalizar a experiência prática. (...) agora, quando o
socialismo venceu uma importante fase da sua concretização,
coloca-se na ordem do dia a reelaboração – com os novos dados da
prática – da teoria da construção da sociedade do futuro. (...)
Examinando-se de maneira crítica o passado recente e a
experiência vivida, constata-se que a teoria – ao não ter
respondido às exigências da evolução social – entrou em crise. E
dela somente pode sair, reelaborando os fenômenos novos,
dando-lhes correta interpretação. (...) É tarefa transcendental
dos nossos dias reformular, em muitos aspectos, a teoria da
edificação socialista, a partir do precioso material acumulado
na URSS até meados da década de 50 e em outros países (...)
Reformular não significa invalidar a base teórica que existia.
Significa atualizar criadoramente o marxismo. (...) A crise do
marxismo será superada tão prontamente quanto maior for o
empenho dos autênticos revolucionários em investigar suas causas
e ir a fundo nas questões teóricas que norteiam a marcha da
classe operária no rumo do comunismo.[6]
Tema que Renato Rabelo desenvolve em sua intervenção no 10º
Encontro de Partidos Comunistas e Operários, realizado em 2008,
em São Paulo:
o êxito da nova luta
pelo socialismo está na correspondência do desenvolvimento e
atualização do pensamento avançado, revolucionário, que responda
às exigências de nossa época (...) Vão forjando um acervo
inicial que permite construir uma teoria revolucionária para o
nosso tempo, os ensinamentos mais positivos retirados das
experiências socialistas do século passado, de seus êxitos e
seus revezes, a experiência atual dos países socialistas que não
sucumbiram à contra-revolução (...) e, também, as experiências
recentes do processo inicial de luta progressista e
revolucionária na América Latina e em outras frentes de luta
avançadas.[7]
Questão também abordada por Renato, ainda em 2008, em palestra
proferida em Lisboa,:
O desenvolvimento
destas várias experiências (...) podem ser componentes
importantes para a atualização e melhor definição da teoria
revolucionária moderna. (...) essa definição depende da
capacidade de sistematizar as lições das experiências da
construção do socialismo no século 20, tanto as que foram
derrotadas como as que se desenvolveram.[8]
Mas – poderia contestar alguém –, não há “modelo único” de
socialismo ou de revolução socialista! Cada povo, cada país
deverá empreender seu próprio caminho e criar o seu modelo
específico de socialismo. Como pretender, então, elaborar uma
“Teoria da Revolução Socialista”, necessariamente de caráter
geral, abstrato? Quem levanta essa objeção demonstra uma grande
incompreensão da teoria do conhecimento e da lógica dialética
marxista, assim como o papel que nela desempenha a “teoria”.
João Amazonas nos
ensina:
A prática é a base
do conhecimento, no entanto, é a teoria que generaliza a
experiência, que revela as leis objetivas em atuação, que dá ao
homem a consciência da necessidade. (...) O que ocorreu na
construção socialista, particularmente na URSS, constitui vasta
experiência não sistematizada ainda, um enorme material de
trabalho para pesquisa. Essa imensa e complexa tarefa, que diz
respeito ao futuro da humanidade, vai demandar muito esforço
teórico, a mobilização de todas as energias criadoras do
movimento operário. Não pode ser resolvida da noite para o dia.
Exige perseverança, correta interpretação da doutrina dialética
dos clássicos do marxismo, espírito criativo inovador. (...)
Prescindir da teoria ou rebaixar seu papel é uma forma de
descartar o socialismo (...) Das três formas de luta de classes
– econômica, política, teórica – a que se referia Engels,
precisamente a luta teórica ganha maior dimensão nos dias que
vivemos.[9]
Ou seja, o PCdoB rejeita os modelos ou “receitas” universais
para a revolução e para o socialismo, mas não confunde isso com
a negação da “teoria”, pois “sem teoria revolucionária não
existe movimento revolucionário”. Por isso, o nosso “Programa
Socialista” – ao mesmo tempo que afirma que não há “modelo
único de socialismo” – não nega a necessidade de uma teoria
geral da revolução proletária, constantemente atualizada e
adaptada à realidade de cada país: “Embora em suas linhas
mestras o socialismo científico seja idêntico em todos os
países, sua concretização em cada lugar exige ponderar as
particularidades locais, nacionais.”[10]
E, para aqueles que – ainda que compreendam a necessidade de uma
“teoria do socialismo para o século XXI – acham que isso já foi
resolvido pela 8ª Conferência Nacional, que em 1995 aprovou o
“Programa Socialista” do PCdoB, respondemos com as palavras de
Amazonas no artigo “O Socialismo do Século XXI”, escrito
em 1997, três anos após a referida Conferência:
o
socialismo ressente-se da derrota que sofreu na ex-União
Soviética e no Leste europeu. (...) Evidenciou-se profunda crise
no campo de teoria, da ideologia. (...) Sem vencer essa crise, o
socialismo não poderá avançar, nem comandar exitosamente a luta
emancipadora de milhões de trabalhadores, dos explorados e
oprimidos. Não há movimento revolucionário na ausência de teoria
revolucionária. (...) vencer a crise no plano da teoria não
significa repetir simplesmente fórmulas ultrapassadas, posições
dogmáticas, sectárias. (...) É preciso renovar o marxismo
revolucionário, extrair as lições das primeiras tentativas de
instauração do socialismo, particularmente na ex-União Soviética
(...) No curso do século XXI a crise da teoria e da construção
socialista será superada. Em vários países observam-se sérios
esforços para enfrentar essa tarefa de magnitude histórica.[11]
Tenho a convicção de que o desenvolvimento do marxismo e de sua
teoria revolucionária – atualizando-a para os dias de hoje –
precisa partir do exame da riquíssima experiência de mais de 100
anos de lutas revolucionárias e de processos de construção do
socialismo, com os seus acertos e os seus erros. Nesse estudo, é
necessário separar o que é geral e universal do que é singular e
particular; e deslindar o que é atual e vigente e o que é
passado e caduco. Se não avançarmos no terreno da teoria
revolucionária, permaneceremos estagnados, em uma eterna
defensiva estratégica.
Sabemos o tamanho do desafio, que não é para uma pessoa ou para
um único partido, mas para o conjunto do movimento comunista
internacional. Mas não nos atemorizamos. Como afirmou o camarada
Renato Rabelo: os ideólogos do capitalismo senil são geriatras;
nós, os ideólogos do socialismo nascente, somos pediatras!
A
Humanidade, diante da disjuntiva “Socialismo ou Barbárie”,
não titubeará em escolher o caminho da construção de uma
sociedade sem explorados e sem exploradores, sem oprimidos e sem
opressores! O Século XXI será o século do Socialismo!
NOTAS
[1]
PCdoB.
Informe Político ao VIII Congresso-fevereiro de 1992.
In: Em defesa dos trabalhadores e do povo
brasileiro – Documentos do PCdoB de 1960 a 2000. São
Paulo: Editora Anita Garibaldi, 2000, pp. 442-443.
[2]
AMAZONAS,
João. Apresentação da Revista Princípios nº 1, 1981.
In: AMAZONAS, João. Os Desafios do
Socialismo no Século XXI. São Paulo: Editora Anita,
1999, p. 117.
[3]
AMAZONAS,
João. Pela Unidade do Movimento Comunista -
Pronunciamento na reunião de Partidos Comunistas e
Organizações Revolucionárias no VIII Congresso do PCdoB,
1992. In: AMAZONAS, João. Os Desafios do...,
Idem, pp. 223-225.
[4]
RABELO,
Renato. Idéias e Rumos. São Paulo: Editora Anita
Garibaldi, 2009, pp. 351-352.
[5]
RABELO,
Renato. Idem, p. 109.
[6]
AMAZONAS,
João. A teoria se enriquece na luta por um Mundo
Novo, 1990. In: AMAZONAS, João. Os Desafios do...,
Idem, pp. 175-181.
[7]
RABELO,
Renato. Idem, p.155.
[8]
RABELO,
Renato. Idem, p.147.
[9]
AMAZONAS,
João. Defender e desenvolver a teoria marxista:
exigência da época atual - Revista Princípios nº 20,
1991. In: AMAZONAS, João. Os Desafios do...,
Idem, pp. 205-210.
[10]
PCdoB.
Programa Socialista. In: Construindo o Futuro do
Brasil - Documentos da 8ª Conferência Nacional do PCdoB
- 1995. São Paulo: Editora Anita, 1995, p. 23.
[11]
AMAZONAS,
João. Os Desafios do..., Idem, pp. 42-43.