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   Porto Alegre, terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

   
45 anos da conquista da anistia

Raul K. M. Carrion | Historiador | 28.08.2024


 

     Há 45 anos, em 28 de agosto de 1979, após muitos anos de luta – na qual as mulheres jogaram um papel decisivo –, o povo brasileiro conquistou a anistia para os perseguidos políticos pela ditadura militar.

     Milhares de brasileiros e brasileiras – que se encontravam nos cárceres, no exílio, banidos do país ou na cladestinidade – puderam retornar à vida legal ou voltar ao Brasil, ainda que vigiados e muitas vezes importunados pelos agentes da ditadura.

     Pesar da Anistia não ter sido plena e irrestrita, apesar de ter sido imposta uma “autoanistia” aos agentes da repressão – responsáveis por sequestros, torturas, desaparecimentos e assassinatos de milhares de brasileiros e brasileiras –, a anistia deve ser vista como uma conquista – a possível sob a ditadura criminosa existente –, que permitiu um maior avanço da resistência democrática e acelerou o fim do regime militar.

     Nos dias de hoje – quando bolsonaristas de ultradireita e militares golpistas foram derrotados em suas tentativas de liquidar com o Estado Democrático de Direito e agora imploram por “anistia” –, é preciso deixar claro que isso nada tem a ver com anistia e sim com a busca de “impunidade” para os seus crimes contra a Nação Brasileira, os quais, segundo a Constituição, são inafiançáveis e imprescritíveis!

     Para aqueles que tentaram liquidar com as liberdades democráticas no país, a única resposta é a privação de sua liberdade!

     Comparto a seguir um breve histórico da luta  da cidadania brasileira pela Anistia.

A LONGA LUTA PELA ANISTIA NO BRASIL

 

     A luta por anistia aos presos e perseguidos políticos pela ditadura militar iniciou já em 1964, através de diversas manifestações nesse sentido, por parte de intelectuais com Carlos Heitor Cony e Alceu Amoroso Lima, e jornais como o Correio da Manhã.

     Em 1966, o Manifesto da Frente Ampla defendeu uma “Anistia Ampla”.

     Nesse mesmo ano, a 6ª Conferência Nacional do PC do Brasil proclamou que as “correntes democráticas (...) reclamam anistia para os perseguidos políticos”.

     Em 1968, um projeto de anistia parcial foi rejeitado no Congresso Nacional, por 198 votos contra 145 votos, sendo que 35 votos foram dados por parlamentares da própria ARENA, o partido da ditadura.

     Em 1972, o grupo dos “autênticos” incluiu no Programa do MDB a luta pela “Anistia Ampla e Total”.

     Em setembro de 1973 – no discurso de lançamento de sua anticandidatura à presidência da República – Ulisses Guimarães defendeu o “resgate da enorme injustiça que vitimou, sem defesa, tantos brasileiros (...) e seu nome é anistia”.

     Em fevereiro de 1975 – em seu “Manifesto aos Brasileiros” – o PC do Brasil indicou as três bandeiras que deveriam nortear a luta pelo fim da ditadura militar: “Assembleia Constituinte livremente eleita”, Abolição de todos os atos e leis de exceção e Anistia Geral”.

     Nesse mesmo ano, a advogada Therezinha Zerbini – esposa do general cassado Euryales Zerbini e que em 1970 esteve presa por seis meses no presídio Tiradentes, em São Paulo, onde compartiu a cela com Dilma Roussef – criou em São Paulo o Movimento Feminino pela Anistia (MAF).

     Na 1ª Conferência Mundial da Mulher – promovida pela ONU no México – Therezinha Zerbini divulgou o “Manifesto da Mulher Brasileira em favor da Anistia”, reivindicando “anistia ampla e geral a todos aqueles que foram atingidos pelos atos de exceção”.

     No seu retorno ao Brasil, Theresinha Zerbini passou a colher assinaturas para esse manifesto

     Em Porto Alegre, em 20 de junho de 1975, surgiu o segundo núcleo brasileiro do “Movimento Feminino pela Anistia”, com a participação de Lícia Peres – a sua primeira presidenta –, Dilma Roussef, Mila Cauduro, Francisca “Quita” Brizola Rotta, Olga Araújo, Lygia de Azeredo Costa, Angelina Guaragna, Ilza Brams, Enid Backes e outras combativas mulheres gaúchas.

     Por seu trabalho exemplar, das 16 mil assinaturas obtidas pelo MAF – reivindicando a anistia e entregue ao general Golbery de Couto e Silva – quase a metade foi obtida no Rio Grande do Sul. Contrapondo-se ao slogan da ditadura “AME-O OU DEIXE-O”, o seu lema era LUGAR DE BRASILEIRO É NO BRASIL.

     Em dezembro de 1976, militantes gaúchas do MFA colocaram uma bandeira com a palavra ANISTIA sobre o caixão de João Goulart, quando de seu sepultamento em São Borja.

     Aos poucos, a luta pela anistia se espalhou: multiplicaram-se os comitês pela anistia no Brasil e no mundo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Conferência Nacional do Bispos Brasileiros (CNBB), se incorporaram à luta pela anistia.

     Em abril de 1977, os estudantes de Porto Alegre fizeram a primeira manifestação de rua no Brasil pela anistia.

     Nesse mesmo ano, realizou-se o 1º Encontro Nacional pela Anistia.

     Em fevereiro de 1978, na sede da Associação Brasileira de Imprensa, nasceu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), presidido pelo General Peri Bevilaqua – que participou do golpe de 1964 e posteriormente foi afastado do Superior Tribunal Militar pelo AI-5, devido a suas críticas à repressão do regime militar

     Após a criação de Comitês pela Anistia em diversos Estados e inclusive no exterior, foi realizado em São Paulo, em novembro de 1978, o 1º Congresso Nacional pela Anistia, que aprovou uma ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, que não devia significar o perdão dos crimes cometidos pela ditadura

     Nesse momento, a ditadura militar descartou qualquer anistia.

     Mas, diante do crescimento da pressão popular, o governo ditatorial acabou enviando ao Congresso Nacional, em 27 de junho de 1979, uma proposta de anistia limitada e recíproca. Esse projeto foi encaminhado à Comissão Mista presidida pelo Senador Teotônio Vilela – oriundo da ARENA e que em abril de 1979 havia aderido ao MDB –, que defendia uma “Anistia Ampla e Irrestrita” e percorreu, junto com outros parlamentares, as prisões políticas de todo o país, denunciando as condições precárias em quem estes se encontravam.

     A campanha do Comitê Brasileiro pela Anistia tomou grande impulso nos meses que se seguiram, sempre exigindo “Anistia Ampla e Irrestrita” e “não recíproca”.

     Atos públicos e manifestações se multiplicaram, com destaque para o que foi realizado, em agosto de 1979, no Rio de Janeiro, com mais de 20 mil pessoas. Todas essas manifestações foram reprimidas com violência pelo regime militar.

     Presos políticos do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará iniciaram uma greve de fome que repercutiu em todo o país. Prestigiados artistas levantaram a sua voz em defesa da Anistia.

     Na tensa sessão de votação, realizada em 22 de agosto, que durou nove horas, a emenda apoiada pela oposição, que tornava a anistia “irrestrita” foi derrotada por apenas 5 votos (206 contra 201 votos), tendo recebido o apoio de 15 parlamentares da ARENA. Na votação final do projeto, a oposição votou “sim”, por entender que, mesmo limitada, a anistia era uma vitória do povo brasileiro. Mas diversos deputados votaram contra.

     Fica claro que a Lei da Anistia não foi resultado de nenhum grande acordo ou entendimento, mas uma lei imposta ao país pela ditadura militar e seu partido, a ARENA. Da mesma forma, a legislação aprovada não anistiou formalmente os crimes de tortura, sequestro e assassinato, cometidos pelos agentes da ditadura. Trata-se de uma interpretação deturpada da expressão “crimes conexos” que – no contexto      da ditadura militar – levou a esse falso entendimento, posteriormente endossado pelo STF, que até hoje nega-se a revisar essa interpretação...

     Depois de 15 anos de luta, a Anistia foi finalmente promulgada. em 28 de agosto de 1979.

     A partir de então, milhares de brasileiros – que viviam no exílio (entre eles 150 banidos), na clandestinidade ou estavam presos – obtiveram a liberdade ou o direito a voltar à vida legal no Brasil.

     Isso, aliado ao retorno ao Brasil de importantes lideranças políticas forçadas a viver no exterior – como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, Francisco Julião e tantos outros – ensejou o recrudescimento da luta contra o regime militar e acelerou o seu fim, em 1985, após a grande campanha das “DIRETAS JÁ”!

     Cabe-nos – quando se completam 45 anos dessa conquista – rememorá-la e denunciar a tentativa dos golpistas bolsonaristas de usar a palavra ANISTIA para pedir impunidade para os seus crimes liberticidas e de lesa-pátria!

     Para aqueles que tentaram liquidar com as liberdades democráticas no país, a única resposta é a privação de sua liberdade!