No último dia 28 de
novembro a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
completou 90 anos.
A UFRGS – criada em
novembro de 1934 com a denominação de UNIVERSIDADE DE PORTO
ALEGRE – teve a sua origem nas Faculdades de Farmácia e
Química (1895), Engenharia (1896), Medicina (1898), Direito
(1900), Agronomia e Veterinária (1899) e os Institutos de
Astronomia (1906), Belas Artes (1908), Eletrotécnica (1910)
e Química Industrial (1910), além da Escola Técnica do
Comércio (1909), embrião da futura Faculdade de Ciências
Econômicas.
Em 1947, A
Universidade de Porto Alegre transformou-se na UNIVERSIDADE
DO RIO GRANDE DO SUL (URGS), incorporando as Faculdades de
Direito e Odontologia de Pelotas e a Faculdade de Farmácia
de Santa Maria. Muitos anos depois – com a criação das
universidades de Santa Maria e Pelotas – essas unidades
deixaram de fazer parte da URGS.
Finalmente, em
dezembro de 1950, a URGS foi federalizada, passando a fazer
parte do Sistema Federal do Ensino Superior, com a
denominação de UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
(UFRGS). Desde então, a UFRGS passou a ocupar um lugar de
destaque no cenário nacional e internacional como
instituição de nível superior.
Quando examinamos a
trajetória da UFRGS, precisamos compreendê-la no contexto de
um Brasil em que o ensino superior foi proibido pela
metrópole portuguesa durante todo o período colonial e que
só criou o seu primeiro curso superior em 1827 e a sua
primeira universidade – a do Rio de Janeiro – em 1920.
Nessa época, os
Estados Unidos já haviam criado dezenas de universidades e a
América Espanhola 20. A Universidade de São Domingos foi
criada em 1538, a de São Marcos (Peru) em 1551, a de Córdoba
(Argentina) em 1613 e a de Harvard em 1636.
No mesmo período em
que apenas 2.500 brasileiros concluíram seu curso superior
em Coimbra (Portugal), as universidades hispano-americanas
formaram 150.000 alunos. Aqui, está uma das razões
fundamentais do desenvolvimento tardio e dependente do
Brasil.
Fortemente
influenciado pelo positivismo, o ensino superior no Rio
Grande do Sul teve desde o seu início uma identidade
diferenciada, voltada à pesquisa técnica e científica. Já em
1937 – no contexto do Estado Novo – o seu Conselho
Universitário reivindicou autonomia universitária
(formalmente conquistada em 1944), liberdade de cátedra,
ensino gratuito e assistência às organizações acadêmicas.
Em 1942, foi criada a
Faculdade de Filosofia – inicialmente com os cursos de
Matemática, Física, Química e História Natural. A eles se
somaram, no ano seguinte, os cursos de Filosofia, História,
Geografia, Letras, Pedagogia e Didática. Dessa forma, ganhou
corpo a futura UFRGS, enquanto centro integrador do
pensamento e da cultura dos sul-rio-grandenses.
Por ela passaram ao
longo dos anos homens e mulheres que se destacaram nos mais
diversos campos das ciências, da cultura e das artes, assim
como na condução política do Estado e do país. Cito apenas
três que chegaram à Presidência do país: Getúlio Vargas –
formado em 1907 pela Faculdade de Direito –, João Goulart –
formado em 1939 na mesma Faculdade – e Dilma Roussef –
formada em Economia em 1977. A isso se somam deputados,
senadores e governadores.
A também se destacou,
nos momentos mais agudos da vida política nacional, como um
local de debate e de luta pela liberdade, pela justiça e
pelo progresso social.
Esteve presente em
1961, no Movimento da Legalidade – liderado por Leonel
Brizola, engenheiro formado pela UFRGS – que impediu o golpe
militar em andamento e garantiu a posse de João Goulart.
Nos anos que
antecederam a ditadura militar de 1964, foi lugar de grandes
debates e mobilizações pelas Reformas de Base e na Greve do
1/3. Após o golpe de 1º de abril, foi uma das primeiras
universidades onde a luta estudantil e intelectual tomou
corpo contra o regime militar.
Por isso mesmo foi
alvo da ditadura militar de 1964, desde os seus primeiros
dias.
Tão logo consumado o
golpe militar de 1º de abril, houve o afastamento do Reitor
Eliseu Dambros Paglioli, que fora Ministro de João Goulart.
Em maio de 1964, foi criada na UFRGS a “Comissão Especial de
Investigação Sumária” – subordinada à Comissão Geral de
Investigações, presidida pelo general Jorge Cezar Garrastazú
Teixeira –, que teve como presidente o prof. Nagipe Buaes,
que se prestou ao papel vergonhoso de inquisidor de seus
pares, com o especial apoio dos professores Laudelino
Teixeira de Medeiros e Ney Messias. Este último chegou ao
ponto de afirmar que o preceito milenar do Direito de que
“in dubio, pro reo” (“na dúvida, a favor do réu”) devia ser
substituído por “in dubio, pro Republica” (“na dúvida, a
favor da ditadura”).
O resultado foi a
exoneração, aposentadoria ou dispensa sumária de 18
professores: Antônio Ajadil de Lemos, Antônio de Pádua
Ferreira da Silva, Antônio Santos Flores, Ápio Cláudio de
Lima Antunes, Armando Temperani Pereira, Brasil Rodrigues
Barbosa, Carlos Jorge Appel, Cláudio Francisco Accurso,
Cibilis da Rocha Viana, Demétrio Ribeiro, Enilda Ribeiro,
Edgar Albuquerque Graeff, Edvaldo Pereira Paiva, Ernani
Maria Fiori, Hugolino Andrade Uflacker, Luiz Carlos Pinheiro
Machado, Luiz Fernando Corona e Nelson Souza.
Em 1969, outros 23
professores foram expurgados: Ângelo Ricci, Antônio do Carmo
Cheuiche, Ari Mazzini Canarin, Bruno Puntel, Carlos de
Britto Velho, Carlos Maximiliano Fayet, Carlos Roberto Velho
Cirne Lima, Dionísio de Oliveira Toledo, Emílio Mabilde
Ripoll, Ernesto Antônio Paganelli, Ernildo Jacob Stein,
Gabriel Azambuja de Britto Velho, Gerd Alberto Bornheim,
João Carlos Brum Torres, Joaquim José Barcelos Felizardo,
José Pio de Lima Antunes, Leônidas Xausa, Manoel Alves de
Oliveira, Maria da Glória Bordini, Maria Luísa Carvalho de
Armando, Reasylvia Kroeff de Souza, Roberto Buys e Victor de
Britto Velho.
Diversos outros
professores – como o renomado pesquisador de Química
Analítica Otto Alcides Ohlweiler – o deputado mais votado do
PC do Brasil nas eleições de 1947 para a Assembleia
Constituinte do RS – foram submetidos a esse caricato
tribunal de exceção, para serem julgados por suas convicções
filosóficas e políticas.
Ao expurgo dos
professores se somou a expulsão, prisão, tortura,
desaparecimento e assassinato de centenas de estudantes da
UFRGS que lutaram contra a ditadura. Entre outros, lembramos
João Carlos Haas Sobrinho – morto no Araguaia –, Ary Abreu
Lima da Rosa – morto no Hospital da Base Aérea de Canoas –,
Antônia Mara Loguércio, Bruno Costa, Dilza Maria da Silva
Rodrigues, Erno Zimpel, Flávio Koutzi, Ignez Maria
Ramminger, Jaime Rodrigues, João Carlos Alberto Pinto
Vieira, João Maraschin, José Loguércio, José Rogério Licks,
Luiz Oscar Matzembacher, Luiz Carlos Santana, Ney Degrandi,
Peter Peng, Raul Carrion, Raul Ellwanger, Raul Pont, Renato
Dagnino, Sérgio Bittencourt, Tabajara Ruas, Vilmar Wautrich,
Wilson Skorupski.
Os decretos nº 464
(expulsão por repetência) e nº 477 (expulsão por
“subversão”) foram importantes instrumentos da ditadura
militar para garrotear o movimento estudantil. A Reforma
“MEC-USAID” – que fragmentou o ensino superior e erodiu o
espírito universitário – enfrentou forte resistência na
UFRGS.
Esses fatos ilustram
os duros ataques perpetrados pelos militares contra a UFRGS,
com profundos reflexos no ambiente universitário, pois só em
um ambiente de liberdade a universidade tem condições de
cumprir o seu papel de centro consciente do processo
cultural e de cadinho de elaboração de um projeto de Nação,
formando profissionais capazes de conduzir o Brasil no rumo
da superação de suas mazelas históricas e da construção de
um futuro de esperança, justiça e desenvolvimento soberano.
Mas, como não há mal
que dure para sempre, com muita luta e sacrifício o povo
brasileiro superou esse período de autoritarismo e restaurou
a democracia liberal – com todos os seus limites – no país.
Porém, novas ameaças
surgiram no horizonte. As forças neoliberais – hegemônicas
nos anos 90, no mundo e no Brasil – passaram a defender a
privatização das universidades públicas, restrições à
autonomia universitária e a sua subordinação aos interesses
dos grandes capitais nacionais e internacionais.
Mais uma vez a UFRGS –
tendo como Reitora Wrana Panizzi – abriu as suas portas ao
debate de ideias. Entre 1997 e 1999 – em parceria com o
Centro de Debates Econômicos Sociais e Políticos, que tive a
honra de coordenar, e a participação destacada, entre
outros, dos professores Paulo Vizentini, Luís Dario Ribeiro
e Pedro Dutra Fonseca, lideranças sindicais e instituições
políticas –, a UFRGS sediou três grandes Seminários
Internacionais, que anteciparam o Fórum Social Mundial –
“Globalização, Neoliberalismo, Privatização: quem decide
este jogo?”, “Século XXI: Barbárie ou Solidariedade” e “A
crise do Capitalismo Globalizado na Virada do Milênio”, que
geraram três livros homônimos da Editora da
Universidade/UFRGS e questionaram frontalmente o pensamento
único neoliberal.
Vencida essa batalha,
o Brasil experimentou, a partir de 2003, importantes avanços
no rumo da afirmação da sua soberania, da ampliação das
liberdades democráticas e da inclusão social. Através do
Programa Federal REUNI e da ampliação dos recursos para as
universidades brasileiras, a UFRGS aumentou o número de
vagas, reduziu a taxa de evasão e as vagas ociosas,
reformulou diversos aspectos do ensino e elevou a sua
qualidade.
Hoje, a UFRGS se
encontra em uma posição de destaque no cenário nacional e
internacional. Segundo avaliação divulgada em agosto deste
ano pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira), a UFRGS está em primeiro
lugar entre as melhores universidades federais do Brasil e a
segunda entre todas as universidades brasileiras, só
superada pela USP. No último dia 12 de novembro, a
publicação britânica Times Higher Education colocou a
UFRGS como a 7ª melhor instituição de ensino superior de
toda a América Latina.
Atualmente, a UFRGS
possui cinco Campi, 29 Unidades Acadêmicas, 25 Laboratórios,
ministra cerca de 100 Cursos (inclusive Cursos à Distância),
conta com 3.000 professores, 2.300 servidores
técnico-administrativos, 32.000 alunos de graduação e 12.000
de pós-graduação – distribuídos em 90 Programas de Mestrado
e 86 de Doutorado –, tem perto de 1.000 grupos de pesquisa e
realiza mais de 3.000 atividades de Extensão a cada ano.
Além disso, mantém o Colégio de Aplicação, o Instituto de
Pesquisas Hidráulicas e diversos outros órgãos de apoio ao
ensino, à pesquisa e à extensão.
Por tudo isso, os 90 anos da
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL são motivo de
orgulho não somente para os seus alunos, professores e
demais servidores, mas motivo de orgulho e reconhecimento de
toda a sociedade sul-rio-grandense e brasileira, pelos
enormes serviços por ela prestados ao nosso povo.