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   Porto Alegre, terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

   
90 anos da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Raul K. M. Carrion | Historiador | 03.12.2024


No último dia 28 de novembro a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) completou 90 anos.

A UFRGS – criada em novembro de 1934 com a denominação de UNIVERSIDADE DE PORTO ALEGRE – teve a sua origem nas Faculdades de Farmácia e Química (1895), Engenharia (1896), Medicina (1898), Direito (1900), Agronomia e Veterinária (1899) e os Institutos de Astronomia (1906), Belas Artes (1908), Eletrotécnica (1910) e Química Industrial (1910), além da Escola Técnica do Comércio (1909), embrião da futura Faculdade de Ciências Econômicas.

     Em 1947, A Universidade de Porto Alegre transformou-se na UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO SUL (URGS), incorporando as Faculdades de Direito e Odontologia de Pelotas e a Faculdade de Farmácia de Santa Maria. Muitos anos depois – com a criação das universidades de Santa Maria e Pelotas – essas unidades deixaram de fazer parte da URGS.

     Finalmente, em dezembro de 1950, a URGS foi federalizada, passando a fazer parte do Sistema Federal do Ensino Superior, com a denominação de UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS). Desde então, a UFRGS passou a ocupar um lugar de destaque no cenário nacional e internacional como instituição de nível superior.

     Quando examinamos a trajetória da UFRGS, precisamos compreendê-la no contexto de um Brasil em que o ensino superior foi proibido pela metrópole portuguesa durante todo o período colonial e que só criou o seu primeiro curso superior em 1827 e a sua primeira universidade – a do Rio de Janeiro – em 1920.

     Nessa época, os Estados Unidos já haviam criado dezenas de universidades e a América Espanhola 20. A Universidade de São Domingos foi criada em 1538, a de São Marcos (Peru) em 1551, a de Córdoba (Argentina) em 1613 e a de Harvard em 1636.

     No mesmo período em que apenas 2.500 brasileiros concluíram seu curso superior em Coimbra (Portugal), as universidades hispano-americanas formaram 150.000 alunos. Aqui, está uma das razões fundamentais do desenvolvimento tardio e dependente do Brasil.

     Fortemente influenciado pelo positivismo, o ensino superior no Rio Grande do Sul teve desde o seu início uma identidade diferenciada, voltada à pesquisa técnica e científica. Já em 1937 – no contexto do Estado Novo – o seu Conselho Universitário reivindicou autonomia universitária (formalmente conquistada em 1944), liberdade de cátedra, ensino gratuito e assistência às organizações acadêmicas.

     Em 1942, foi criada a Faculdade de Filosofia – inicialmente com os cursos de Matemática, Física, Química e História Natural. A eles se somaram, no ano seguinte, os cursos de Filosofia, História, Geografia, Letras, Pedagogia e Didática. Dessa forma, ganhou corpo a futura UFRGS, enquanto centro integrador do pensamento e da cultura dos sul-rio-grandenses.

     Por ela passaram ao longo dos anos homens e mulheres que se destacaram nos mais diversos campos das ciências, da cultura e das artes, assim como na condução política do Estado e do país. Cito apenas três que chegaram à Presidência do país: Getúlio Vargas – formado em 1907 pela Faculdade de Direito –, João Goulart – formado em 1939 na mesma Faculdade – e Dilma Roussef – formada em Economia em 1977. A isso se somam deputados, senadores e governadores.

     A também se destacou, nos momentos mais agudos da vida política nacional, como um local de debate e de luta pela liberdade, pela justiça e pelo progresso social.

     Esteve presente em 1961, no Movimento da Legalidade – liderado por Leonel Brizola, engenheiro formado pela UFRGS – que impediu o golpe militar em andamento e garantiu a posse de João Goulart.

     Nos anos que antecederam a ditadura militar de 1964, foi lugar de grandes debates e mobilizações pelas Reformas de Base e na Greve do 1/3. Após o golpe de 1º de abril, foi uma das primeiras universidades onde a luta estudantil e intelectual tomou corpo contra o regime militar.

     Por isso mesmo foi alvo da ditadura militar de 1964, desde os seus primeiros dias.

     Tão logo consumado o golpe militar de 1º de abril, houve o afastamento do Reitor Eliseu Dambros Paglioli, que fora Ministro de João Goulart. Em maio de 1964, foi criada na UFRGS a “Comissão Especial de Investigação Sumária” – subordinada à Comissão Geral de Investigações, presidida pelo general Jorge Cezar Garrastazú Teixeira –, que teve como presidente o prof. Nagipe Buaes, que se prestou ao papel vergonhoso de inquisidor de seus pares, com o especial apoio dos professores Laudelino Teixeira de Medeiros e Ney Messias. Este último chegou ao ponto de afirmar que o preceito milenar do Direito de que “in dubio, pro reo” (“na dúvida, a favor do réu”) devia ser substituído por “in dubio, pro Republica” (“na dúvida, a favor da ditadura”).

     O resultado foi a exoneração, aposentadoria ou dispensa sumária de 18 professores: Antônio Ajadil de Lemos, Antônio de Pádua Ferreira da Silva, Antônio Santos Flores, Ápio Cláudio de Lima Antunes, Armando Temperani Pereira, Brasil Rodrigues Barbosa, Carlos Jorge Appel, Cláudio Francisco Accurso, Cibilis da Rocha Viana, Demétrio Ribeiro, Enilda Ribeiro, Edgar Albuquerque Graeff, Edvaldo Pereira Paiva, Ernani Maria Fiori, Hugolino Andrade Uflacker, Luiz Carlos Pinheiro Machado, Luiz Fernando Corona e Nelson Souza.

     Em 1969, outros 23 professores foram expurgados: Ângelo Ricci, Antônio do Carmo Cheuiche, Ari Mazzini Canarin, Bruno Puntel, Carlos de Britto Velho, Carlos Maximiliano Fayet, Carlos Roberto Velho Cirne Lima, Dionísio de Oliveira Toledo, Emílio Mabilde Ripoll, Ernesto Antônio Paganelli, Ernildo Jacob Stein, Gabriel Azambuja de Britto Velho, Gerd Alberto Bornheim, João Carlos Brum Torres, Joaquim José Barcelos Felizardo, José Pio de Lima Antunes, Leônidas Xausa, Manoel Alves de Oliveira, Maria da Glória Bordini, Maria Luísa Carvalho de Armando, Reasylvia Kroeff de Souza, Roberto Buys e Victor de Britto Velho.

     Diversos outros professores – como o renomado pesquisador de Química Analítica Otto Alcides Ohlweiler – o deputado mais votado do PC do Brasil nas eleições de 1947 para a Assembleia Constituinte do RS – foram submetidos a esse caricato tribunal de exceção, para serem julgados por suas convicções filosóficas e políticas.

     Ao expurgo dos professores se somou a expulsão, prisão, tortura, desaparecimento e assassinato de centenas de estudantes da UFRGS que lutaram contra a ditadura. Entre outros, lembramos João Carlos Haas Sobrinho – morto no Araguaia –, Ary Abreu Lima da Rosa – morto no Hospital da Base Aérea de Canoas –, Antônia Mara Loguércio, Bruno Costa, Dilza Maria da Silva Rodrigues, Erno Zimpel, Flávio Koutzi, Ignez Maria Ramminger, Jaime Rodrigues, João Carlos Alberto Pinto Vieira, João Maraschin, José Loguércio, José Rogério Licks, Luiz Oscar Matzembacher, Luiz Carlos Santana, Ney Degrandi, Peter Peng, Raul Carrion, Raul Ellwanger, Raul Pont, Renato Dagnino, Sérgio Bittencourt, Tabajara Ruas, Vilmar Wautrich, Wilson Skorupski.

     Os decretos nº 464 (expulsão por repetência) e nº 477 (expulsão por “subversão”) foram importantes instrumentos da ditadura militar para garrotear o movimento estudantil. A Reforma “MEC-USAID” – que fragmentou o ensino superior e erodiu o espírito universitário – enfrentou forte resistência na UFRGS.

     Esses fatos ilustram os duros ataques perpetrados pelos militares contra a UFRGS, com profundos reflexos no ambiente universitário, pois só em um ambiente de liberdade a universidade tem condições de cumprir o seu papel de centro consciente do processo cultural e de cadinho de elaboração de um projeto de Nação, formando profissionais capazes de conduzir o Brasil no rumo da superação de suas mazelas históricas e da construção de um futuro de esperança, justiça e desenvolvimento soberano.

     Mas, como não há mal que dure para sempre, com muita luta e sacrifício o povo brasileiro superou esse período de autoritarismo e restaurou a democracia liberal – com todos os seus limites – no país.

   Porém, novas ameaças surgiram no horizonte. As forças neoliberais – hegemônicas nos anos 90, no mundo e no Brasil – passaram a defender a privatização das universidades públicas, restrições à autonomia universitária e a sua subordinação aos interesses dos grandes capitais nacionais e internacionais.

     Mais uma vez a UFRGS – tendo como Reitora Wrana Panizzi – abriu as suas portas ao debate de ideias. Entre 1997 e 1999 – em parceria com o Centro de Debates Econômicos Sociais e Políticos, que tive a honra de coordenar, e a participação destacada, entre outros, dos professores Paulo Vizentini, Luís Dario Ribeiro e Pedro Dutra Fonseca, lideranças sindicais e instituições políticas –, a UFRGS sediou três grandes Seminários Internacionais, que anteciparam o Fórum Social Mundial – “Globalização, Neoliberalismo, Privatização: quem decide este jogo?”, “Século XXI: Barbárie ou Solidariedade” e “A crise do Capitalismo Globalizado na Virada do Milênio”, que geraram três livros homônimos da Editora da Universidade/UFRGS e questionaram frontalmente o pensamento único neoliberal.

     Vencida essa batalha, o Brasil experimentou, a partir de 2003, importantes avanços no rumo da afirmação da sua soberania, da ampliação das liberdades democráticas e da inclusão social. Através do Programa Federal REUNI e da ampliação dos recursos para as universidades brasileiras, a UFRGS aumentou o número de vagas, reduziu a taxa de evasão e as vagas ociosas, reformulou diversos aspectos do ensino e elevou a sua qualidade.

     Hoje, a UFRGS se encontra em uma posição de destaque no cenário nacional e internacional. Segundo avaliação divulgada em agosto deste ano pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), a UFRGS está em primeiro lugar entre as melhores universidades federais do Brasil e a segunda entre todas as universidades brasileiras, só superada pela USP. No último dia 12 de novembro, a publicação britânica Times Higher Education colocou a UFRGS como a 7ª melhor instituição de ensino superior de toda a América Latina.

     Atualmente, a UFRGS possui cinco Campi, 29 Unidades Acadêmicas, 25 Laboratórios, ministra cerca de 100 Cursos (inclusive Cursos à Distância), conta com 3.000 professores, 2.300 servidores técnico-administrativos, 32.000 alunos de graduação e 12.000 de pós-graduação – distribuídos em 90 Programas de Mestrado e 86 de Doutorado –, tem perto de 1.000 grupos de pesquisa e realiza mais de 3.000 atividades de Extensão a cada ano. Além disso, mantém o Colégio de Aplicação, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas e diversos outros órgãos de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão.

     Por tudo isso, os 90 anos da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL são motivo de orgulho não somente para os seus alunos, professores e demais servidores, mas motivo de orgulho e reconhecimento de toda a sociedade sul-rio-grandense e brasileira, pelos enormes serviços por ela prestados ao nosso povo.