O ano de 2025 marca os 80 anos do
fim da 2ª Guerra Mundial e da derrota do nazifascismo, vencido
principalmente pela União Soviética. Nos próximos meses, através
dessa coluna, buscarei esclarecer os principais acontecimentos que
propiciaram o surgimento do nazifascismo e que levaram à 2ª Guerra
Mundial, assim como o seu desenlace.
Essas questões têm grande
importância nos dias de hoje, quando o imperialismo e os seus
“escribas” buscam reescrever a história, apresentar o nazifascismo
como uma mera “disfunção” do capitalismo, Hitler e Mussolini como
“loucos” e os Estados Unidos – e não a URSS – como os grandes
vencedores na 2ª Guerra Mundial.
Este primeiro artigo examinará o
Tratado de Versalhes quando, ao final da Grande Guerra, a França, a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos impuseram os termos da capitulação
à Alemanha e a suas aliadas, e os demais países ou foram excluídos –
como a URSS – ou foram tratados como meros figurantes.
VERSALHES: PAZ DE SALTEADORES!
Em 7 de novembro de 1917, a
Revolução Russa foi vitoriosa e os “sovietes” assumiram o poder nos
principais centros políticos e econômicos do país. De imediato,
Moscou denunciou os tratados secretos e conclamou os povos de todo o
mundo a lutar pela Paz e pelo fim da guerra imperialista.
Ao negociar a Paz com a Alemanha, a
Rússia foi obrigada a aceitar os termos leoninos do Tratado de
Brest-Litovsk, firmado em março de 1918. Através dele, a Rússia
renunciou à Livônia, Curlândia, Estônia, Lituânia e Ucrânia e
aceitou uma Polônia que ocupava inúmeros territórios russos. Também
cedeu à Turquia uma importante região no Cáucaso, que incluía
Batoum, Kars e Ardahan. O tratado de Brest-Litovsk significou para a
Rússia a perda de milhões de quilômetros quadrados e de mais de
quarenta milhões de habitantes. Tão logo a Alemanha assinou um
armistício com a Entente, a Rússia denunciou esse Tratado.
Em março de 1918, a Entente iniciou
uma intervenção armada contra a Rússia, com a participação de 14
países, que durou até outubro de 1922. Aproveitando-se dessa
situação e desrespeitando o Tratado de Brest-Livotsk, a Alemanha
derrubou, em maio de 1918, o governo soviético da Finlândia e ocupou
a Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia, Ucrânia, Crimeia,
Armênia e Georgia.
A crescente oposição à guerra e
apoio à proposta russa de Paz levou a que, entre setembro e novembro
de 1918, eclodissem insurreições na Bulgária, no Império Austro-
Húngaro e na Alemanha. O Kaiser Guilherme II foi forçado a abdicar e
foi instaurada a República de Weimar na Alemanha, a qual firmou um
armistício com a Entente, em 11 de novembro de 1918.
Leia também: Entenda
a raízes das guerras no Leste Europeu e no Oriente Médio
Em 18 de janeiro de 1919, foi
aberta em Versalhes a Conferência dos “vencedores”, para ditar as
condições da Paz no pós-guerra. Estavam representados 27 países que,
de alguma forma, haviam participado da aliança contra a Alemanha, a
Áustria-Hungria, a Turquia e a Bulgária. A Alemanha e as suas
aliadas foram excluídas da Conferência, assim como a Rússia, que
havia lutado na guerra ao lado da Entente. A Conferência não
reconheceu o Poder Soviético e declarou o almirante Kolchak – chefe
militar da contrarrevolução – o “Supremo Governador da Rússia”.
Na prática, três países decidiram
sobre o destino da futura Paz: Inglaterra, França e Estados Unidos.
Após quase quatro meses de discussões, foram impostas condições tão
duras à Alemanha que Lloyd George, representante da Grã-Bretanha,
alertou que “precisamos de um governo alemão que assine. […] Se
nossas condições forem muito severas, ele vai cair e, então, atenção
ao bolchevismo!” E complementou: “Se formos prudentes, ofereceremos
à Alemanha uma paz justa, que será […] preferível à alternativa do
bolchevismo.” Mas prevaleceu a posição francesa que buscava esmagar
a Alemanha, com quem disputava hegemonia no continente europeu.
Quando a Alemanha reivindicou melhores condições, foi ameaçada de
ocupação militar. Pressionada, a Assembleia Nacional da República de
Weimar aprovou – por 237 votos a 138 – a assinatura do Tratado.
O Tratado acabou sendo assinado em
28 de junho de 1919, em Versalhes. Além de grandes indenizações, a
Alemanha teve de renunciar a todas as suas colônias – Tanganica,
Camarões, Togo, Sudoeste Africano alemão, Carolinas, Marianas e a
concessão de Kiao-Tcheou, na China –, entregues aos vencedores,
ceder a Alsácia-Lorena à França, Eupen-Malmedy à Bélgica e o
Schleswig Norte à Dinamarca. Também teve de reconhecer a
independência da Polônia e lhe entregar a Prússia Ocidental, Poznam
e parte da Alta Silésia, além de abrir mão de Memel, tomado pela
Lituânia em 1923.
Durante 15 anos, o Sarre passaria a
ser administrado pela Sociedade das Nações, que cedeu a exploração
do seu carvão à França. Dantzig foi transformada em “cidade livre”,
administrada pela Sociedade das Nações. A margem direita do rio Reno
foi dividida em três zonas de ocupação, a serem evacuadas em 5, 10 e
15 anos. A Alemanha perdeu o controle de seus rios navegáveis e foi
obrigada a entregar todo seu material de guerra e quase toda sua
esquadra, ficando proibida de ter encouraçados e submarinos. O seu
exército foi limitado a 100 mil homens e proibido de ter Estado
Maior, carros de combate, aviões militares, artilharia pesada e
antiaérea. As suas fortificações ao leste foram desmanteladas.
Em 10 de setembro de 1919, foi
firmado o Tratado de Paz com a Áustria, em Saint Germain-en-Laye. O
Império Áustro-Húngaro foi desmembrado, devendo a Áustria reconhecer
a independência da Hungria. Pelo Tratado, a Áustria entregou a
Boêmia e a Morávia à Tchecoslováquia e perdeu a Dalmácia e a
Bósnia-Herzegovina que – junto com a Sérvia, Montenegro e outros
territórios perdidos pela Hungria – formaram a Iugoslávia. Entregou
o Sul do Tirol, Triestre, Istria, e uma parte da Dalmácia, Caríntia
e Carniola, à Itália. Cedeu a Bucovina à Romênia. Por fim, forneceu
os territórios da Galícia ocidental para formar o sul da Polônia do
pós-guerra. Pelo mesmo tratado, a Áustria – reduzida a apenas 84 mil
km2 e isolada do mar – foi proibida de se unir à Alemanha e teve o
seu exército reduzido para 30 mil homens.
Em 27 de novembro de 1919, foi
firmado o Tratado de Paz com a Bulgária, em Neuilly, obrigando-a a
entregar o sul da Drobudja à Romênia, a Macedônia ocidental à
Iugoslávia e os seus territórios Trácios à Grécia, perdendo a sua
costa no Mediterrâneo. O seu exército foi limitado a 20 mil homens.
Em 4 de junho de 1920 – após tropas
francesas, romenas e tchecas sufocarem o poder soviético na Hungria,
–, foi firmado o Tratado de Trianon, que reduziu a Hungria a um
terço do território que possuía em 1914 e a isolou do mar. Por esse
tratado, a Hungria teve que ceder a Eslováquia e a Rutênia à
Tchecoslováquia e entregar a Croácia, a Eslovênia e parte do Banato
à Iugoslávia. Da mesma forma, perdeu a Transilvânia e outra parte do
Banato para a Romênia e foi proibida de unir-se à Áustria. O seu
exército foi reduzido a 35 mil homens.
Em 10 de agosto de 1920, foi
assinado com a Turquia o Tratado de Paz de Sèvres, nunca ratificado
pelo Parlamento turco. A Turquia teve de ceder a Trácia Oriental,
Esmirna e as Ilhas Egeias (exceto Rodes) à Grécia; Síria e Cilícia à
França; Iraque, Palestina, Chipre e Egito à Inglaterra, que também
recebeu o protetorado da Arábia. Rodes e o Dodecaneso foram
entregues à Itália. Também lhe foram impostas a independência da
Armênia e a autonomia do Curdistão. Os seus estreitos ficaram sob
controle internacional e o seu exército foi limitado a 50 mil
homens.
Por meio desses tratados, a França
consolidou a sua hegemonia no continente europeu e a Grã-Bretanha
assegurou-se o papel dominante no Oriente Próximo e nas comunicações
marítimas. Nos Estados Unidos – representado na Conferência por seu
presidente Wilson – os tratados não foram aprovados pelo Congresso e
Wilson foi derrotado em sua tentativa de reeleição.
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na mira do imperialismo
Ao mesmo tempo em que buscava
esmagar as potências centrais, o sistema de Versalhes teve uma
orientação claramente antissoviética. A Conferência se tornou o
“Estado-Maior” da intervenção armada da Entente contra a Rússia
Soviética. Em uma das reuniões secretas da Conferência, o Primeiro
Ministro Francês George Clemenceau afirmou: “o perigo bolchevique é
muito grande e está muito próximo de nós […]. O bolchevismo está se
alastrando. Ele invadiu as províncias bálticas e a Polônia […].Se o
bolchevismo, depois de espalhar-se na Alemanha, conseguir atravessar
a Áustria e a Hungria e atingir a Itália, a Europa teria de
enfrentar um imenso perigo. Por tudo isso, alguma coisa precisa ser
feita contra o bolchevismo!”
Merece destaque, também, a
aprovação em Versalhes da realização de medidas protetivas aos
trabalhadores – como a redução da jornada (tendo como meta as oito
horas), o descanso semanal, salários “decentes”, proibição do
trabalho infantil, salário igual para homens e mulheres, sistema de
seguros, liberdade sindical, etc. –, com o objetivo declarado de
contrapor-se à conquista desses direitos pelos trabalhadores russos,
através da revolução. Mas, esses “direitos” não precisariam ser
estendidos às colônias, onde os trabalhadores seguiriam sendo
tratados como semiescravos…
Não tendo conseguido derrubar o
Poder Soviético através de sua intervenção militar, as potências
ocidentais passaram a armar o tabuleiro para suas futuras jogadas. O
primeiro passo foi formar um “cordão sanitário contra o comunismo”,
através da recriação da Polônia, dos Estados Bálticos e da anexação
da Bessarábia à Romênia. Em todos esses países, foram instalados
governos reacionários e antissoviéticos. Em 1921, foi formada uma
aliança entre a Polônia e a Romênia, contra a Rússia. Em 1922, foi
constituída a “Entente do Báltico” – com a participação da Polônia,
Estônia, Letônia e Finlândia –, também voltada contra a URSS. Como
confessou Churchill, “a Rússia Soviética foi isolada da Europa
ocidental mediante um cordão de estados violentamente
anticomunistas, arrancados em parte do território russo”.
Não satisfeitas, as potências
ocidentais convocaram a Conferência de Gênova, em abril de 1922,
para a qual convidaram a Rússia e a Alemanha. O seu objetivo era
lançar uma contra a outra – a Alemanha seria convidada a participar
de uma expedição militar contra a Rússia, e esta seria encorajada a
exigir reparações da Alemanha. Ao invés disso, porém, os
representantes dos dois países reuniram-se previamente e de forma
secreta em Rapallo, combinaram não agir uma contra a outra,
restabeleceram relações diplomáticas e assinaram o Tratado de
Rapallo que – através de uma cláusula secreta – permitia a
instalação na URSS de fábricas alemãs, para a produção de armas
proibidas no Tratado de Versalhes. Na prática, o Tratado de Rapallo
impediu uma nova intervenção militar da Entente contra a Rússia.
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*Raul Carrion é historiador e militante do PCdoB há 55 anos.
Atualmente, é membro da Comissão Política do PCdoB-RS, da Secretaria
Nacional de Relações Internacionais e da Escola Nacional João
Amazonas. Foi presidente da FMG-RS entre 2013 e 2023. |