O processo de diferenciação e conflito que culminou com a
reorganização do PC do Brasil, em 18 de fevereiro de 1962, há 60
anos, teve a sua origem mais próxima no surgimento do
revisionismo contemporâneo, que veio à luz com força no 20º
Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956), quando
Nikita Kruschev assumiu a direção do PCUS, expurgou importantes
dirigentes e, no seu denominado “Relatório Secreto” – logo
divulgado pelo Departamento de Estado Norte-americano, em
04.06.56, e por toda mídia imperialista –, denunciou erros reais
e fictícios de Stalin e o atacou como um reles “criminoso”.
Dessa forma, Kruschev desqualificou quatro décadas de conquistas
e avanços da URSS e do movimento comunista internacional. Não
satisfeito, pretextando o risco de uma guerra mundial, propôs o
abandono da “revolução” e a sua substituição pela “competição
pacífica” e a “convivência pacífica” com o imperialismo e o
“caminho pacífico para o socialismo”. Internamente, os
revisionistas passaram a alardear o “Estado de Todo o Povo” e o
“Partido de Todo o Povo”, negando a existência de quaisquer
contradições de classes na URSS. O 20º Congresso do PCUS deu
início aos retrocessos que levaram a Gorbachov, a Yeltsin, à
desagregação da URSS e ao abandono do socialismo.
As ditas “revelações de Kruschev”, além de fornecerem um
poderoso discurso anticomunista aos porta-vozes do imperialismo,
causaram uma enorme confusão nos partidos comunistas de todo o
mundo.
No Partido Comunista do Brasil, esses acontecimentos causaram um
acirrado confronto entre uma corrente liquidacionista – liderada
por Agildo Barata, Osvaldo Peralva e outros dirigentes que
defendiam abertamente a extinção do Partido ou a sua
transformação em uma organização nacional-reformista – e o
núcleo proletário da direção do Partido – que sem negar os erros
cometidos, defendia a sua superação, preservando o caráter
revolucionário do Partido. Entre ambos, surgiu um chamado
“centro” ou “pântano”, que não chegava a defender o fim do
Partido, mas aderiu o revisionismo soviético e passou a defender
um caminho abertamente reformista:
Formaram-se três grupos – os abridistas ou renovadores,
que reunia reformistas e revisionistas de todos os matizes,
partidários de uma reestruturação profunda da organização
partidária, abandonando o programa revolucionário de classe e
tornando o Partido semelhante aos da burguesia. Outro grupo, que
alguns apelidaram de pântano e outros chamam de centro
pragmático, defendia uma adaptação reformista ao
revisionismo do XX Congresso do PCUS. Finalmente, alvo da
crítica generalizada, estava o chamado núcleo dirigente,
que tinha sob sua responsabilidade a manutenção da integridade
organizativa e a defesa do pensamento marxista-leninista. O
primeiro grupo era liderado por Agildo Barata e incluía alguns
membros do Comitê Central, intelectuais e jornalistas [...].
Faziam parte do pântano ou grupo baiano, Mário
Alves, Giocondo Dias, Jacob Gorender, entre outros. Finalmente,
o núcleo dirigente era formado basicamente pela corrente
proletária que, desde 1947, prevalecia na direção do Partido:
Diógenes Arruda Câmara, Maurício Grabois, João Amazonas, Pedro
Pomar. No desenvolvimento da luta interna, dirigentes como Luiz
Carlos Prestes, Carlos Marighela e Apolônio de Carvalho
aproximaram-se do pântano, ao qual se incorporaram. (RUY,
2002, p.29-30)
José Antônio Segatto explica como o pântano se tornou
majoritário no Partido:
Com
uma política conciliatória e com a incorporação de Prestes [...]
[o pântano] atrairá parte da corrente renovadora (Roberto
Morena, Francisco Gomes, Zuleika Alambert, Armênio Guedes,
Horácio Macedo e muitos outros) e, por outro lado, boa parte da
corrente conservadora (Marighela, Luiz Teles, Orlando Bonfim
Jr., Apolônio de Carvalho [...]) tornando-se majoritária.
(SEGATTO, 1995, p. 65)
Ronald H. Chilcote dá mais detalhes:
Com
este debate, as divisões dentro do partido se definiram. O
núcleo dirigente [...] da velha guarda, conhecido primeiramente
como fechadistas [...] e posteriormente como
conservadores [...]. Opondo-se a esta velha guarda estavam
os abridistas ou renovadores. [...] Associados
também aos renovadores estava o Sinédrio, um grupo de
intelectuais e jornalistas [...]. Uma terceira facção chamada de
Pântano [...] adotou a tática de apoiar os conservadores para
derrotar os renovadores, com o objetivo final de destruir os
conservadores e conquistar o controle do partido. Isto foi
conseguido numa reunião do Comitê Central em agosto de 1957,
quando o Presidium e o Secretariado foram alterados para dar o
controle ao Pântano. [...] Esta manobra acompanhou um
desdobramento semelhante na União Soviética em junho de 1957,
quando Molotov, Malenkov e outros foram afastados da direção do
partido comunista. A virada do poder soviético aparentemente
convenceu o pragmático Prestes a apoiar o revisionismo.
(CHILCOTE, 1982, p. 118-119)
O primeiro grupo, abertamente liquidacionista, foi derrotado e
Agildo Barata expulso. Outros militantes, na sua maior parte
intelectuais, afastaram-se do Partido e formaram a Corrente
Renovadora do Marxismo Nacional, de curta duração. Mas, as
ideias revisionistas e reformistas – respaldadas pelo PCUS –
seguiram ganhando força na direção do PC do Brasil.
Da noite para o dia, mandonistas e autoritários contumazes
transmutaram-se em defensores da democracia interna e passaram a
debitar a camaradas da Comissão Executiva do CC a
responsabilidade pela “falta de democracia no Partido”. Da mesma
forma, notórios bajuladores de Prestes proclamaram-se paladinos
do combate ao “culto da personalidade”.
Jacob Gorender, no livro Combate nas Trevas (1987),
detalha as articulações do pântano– transgredindo todas
as normas partidárias – para afastar Amazonas, Grabois, Arruda e
Holmos da Comissão Executiva, por considerá-los um obstáculo à
adoção de uma linha política reformista:
Em
longas conversas [com Mário Alves] chegamos à conclusão sobre a
necessidade de mudanças substanciais na direção do PCB como
pré-condição para uma virada na orientação política. [...]
estávamos convencidos de que já era inadmissível prosseguir como
o Programa do Quarto Congresso. [...] fazia-se urgente a
elaboração de uma linha política nova nos aspectos essenciais. A
questão estava em que era impensável tal mudança com Arruda,
Amazonas e Grabois na Comissão Executiva. Especialmente delicado
parecia o problema do secretário-geral [...] consideramos que o
problema do “culto à personalidade do secretário geral se
colocava em um segundo plano, desde o momento em que ele emitiu
sinais de aceitação da mudança na linha política. [...] De
imediato, o fundamental era a nova linha política. [...] Prestes
se convenceu da necessidade de introduzir modificações na
Comissão Executiva que abrissem caminho a inovações na linha
política [...] [Giocondo] Dias recorreu a nós, ao Mário [Alves]
e a mim, para redigir o documento justificador das alterações na
direção. [...] No final foram aprovadas as modificações. Arruda,
Amazonas e Grabois saíam da Executiva e a ela subiam Giocondo
Dias e Mário Alves. (GORENDER, 1987, p. 26, 28-29)
Dessa forma, na reunião de agosto de 1957 o Comitê Central
afastou da Comissão Política – por apertados 13 votos contra 12
– João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda e Sérgio
Holmos, acusando-os de serem “sectários”, “dogmáticos”,
“mandonistas” e “stalinistas”. Na verdade, foram afastados por
resistirem ao reformismo que os membros do pântano
queriam impor ao Partido.
Anita Leocádia Prestes procura justificar essa aliança de
Prestes com os reformistas pelo nobre intuito de manter a
unidade partidária:
A conciliação com as tendências reformistas na direção do PCB,
com o intuito de assegurar a unidade partidária, foi a atitude
adotada por Prestes durante cerca de 20 anos, até o final da
década de 1970, quando viria a romper com o Comitê Central [...]
convencido de que se tornara inviável transformar o PCB num
partido revolucionário [...] que superasse o reformismo
explicitado [...] pela ideologia do nacional-desenvolvimentismo.
[...] (PRESTES, 2012, p. 24)
Depois de afastado, João Amazonas foi mandado para o Rio Grande
do Sul, onde se tornou o secretário geral do Partido, até meados
de 1961. Maurício Grabois assumiu a mesma função no Rio de
Janeiro. Diógenes Arruda foi para Pernambuco, sem assumir
funções partidárias. Em 1965, Arruda se reintegrará ao PC do
Brasil, a convite de João Amazonas e Maurício Grabois.
(BERTOLINO, 2012, p. 520)
O metalúrgico e dirigente comunista Eloy Martins – que em 1961
substituiu Amazonas na Secretaria Geral do Partido no Rio Grande
do Sul, mas optou por ficar no PC Brasileiro – relata como a
Plenária de agosto de 1957 deu início ao processo divisão do
Partido, ao invés de preservar a sua unidade. Ao mesmo tempo
desmente as acusações de mandonismo ou autoritarismo contra João
Amazonas:
Na
reunião de agosto de 1957, com a presença de Prestes, tiveram
início as medidas que levaram à primeira grande divisão dos
comunistas brasileiros. Após acirrados debates, foram excluídos
da Comissão Executiva quatro camaradas: João Amazonas, Diógenes
de Arruda Câmara, Sérgio Holmos e Maurício Grabois. [...] João
Amazonas veio para o Rio Grande do Sul. Foi o dirigente nacional
que melhor se comportou, do ponto-de-vista partidário, durante o
tempo que permaneceu no Estado, constituindo-se em uma exceção,
pois dificilmente permaneceram aqui companheiros que não fossem
arbitrários e autossuficientes. Em setembro de 1960, o partido
realiza o 5º Congresso, no Rio de Janeiro [...]. Em defesa das
‘Teses para Discussão’ se destacaram: Jacob Gorender, Mário
Alves e Carlos Marighela; e contra: Maurício Grabois, João
Amazonas e Pedro Pomar. Os congressistas excluíram da direção
Arruda, Amazonas e Grabois, que posteriormente foram expulsos.
(MARTINS, 1989, p. 124)
A Declaração de Março de 1958
Com o afastamento da Executiva daqueles que resistiam ao avanço
reformista, estava aberto o caminho para a aprovação pelo Comitê
Central, em março de 1958, da Declaração sobre a Política do
Partido Comunista do Brasil (mais conhecida como
Declaração de Março de 1958) –, revogando o programa
partidário e as resoluções aprovadas no 4° Congresso. Gorender
relata:
Outra resolução aprovada [no Pleno de agosto de 1957] designou
uma comissão incumbida da elaboração de propostas acerca das
questões políticas em litígio. [...] Já se podia prever que a
comissão eleita [...] não produziria um trabalho satisfatório.
[...] a saída do impasse seria possível se Prestes apresentasse
um documento alternativo [...]. Tratava-se de formar uma
comissão ultrassecreta, desconhecida para o Comitê Central e
mesmo para a Comissão Executiva. [...] chegamos à redação final
do que tomou a denominação de Declaração Política de Março de
1958 [...] aprovada com o voto contrário de Amazonas e Grabois.
Antecipando-se ao Quinto Congresso, só realizado três anos mais
tarde, a Declaração de Março apresentou uma nova linha política
[...]. (GORENDER, 1987, p. 29)
Eloy Martins denuncia essas manobras visando a aprovação da
Declaração de Março:
Foi
nessa época que surgiu a “Declaração de Março” de 1958. Como
apareceu essa resolução? [...] no pleno realizado em agosto de
1957 [...] foi nomeada uma comissão para elaborar um anteprojeto
de resolução [...] que servisse para orientar o partido naquela
difícil situação; foram escolhidos: Francisco Gomes, Leivas
Otero, Sérgio Holmos, Moisés Vinhas e Jover Telles. Em janeiro
de 1958, o trabalho elaborado foi enviado para ser debatido na
reunião de março, porém foi discutido um anteprojeto apresentado
por Prestes, elaborado por outros companheiros. Os defensores da
chamada “linha pacífica”, numa posição golpista, no segredo do
conchavo, por fora do Comitê Central, ajeitaram a seguinte
Comissão: Giocondo Dias, Mário Alves, Jacob Gorender, Alberto
Passos Guimarães, Armênio Guedes, Dinarco Reis e Orestes
Timbaúva. Essa Comissão se caracterizava como de direita, pela
posição da maioria dos seus membros nas reuniões da direção
nacional. O documento passou a chamar-se “Declaração de Março”
de 1958. [...] Começou assim, de março de 58, uma longa
caminhada para um comportamento cada vez mais à direita.”
(MARTINS, 1989, p. 122)
Em sua biografia sobre Prestes, Daniel Aarão Reis confirma
esse golpe:
A orientação aprovada [...] foi obtida mediante um autêntico
“golpe de estado” interno. Tudo foi preparado sem autorização ou
conhecimento de nenhuma instância regular, salvo a Comissão
Executiva, mas esta, apesar de localizada no vértice da pirâmide
partidária, não podia elaborar uma nova linha política. Não
custa recordar que o Partido tinha um programa, definido no IV
Congresso, em 1954. Só outro Congresso poderia alterá-lo ou
revogá-lo. Não foi o que aconteceu. O Comitê Central, passando
por cima da “legalidade partidária”, proclamou, sob o nome de
Declaração Política, uma nova linha política. (REIS, 2014,
p. 278)
O próprio Moisés Vinhas confirma o completo desrespeito à
democracia interna nesse episódio:
Moisés Vinhas relata que no pleno de agosto fora nomeada uma
comissão formada por ele próprio, Luís Teles, Holmos, Leiva
Otero e Francisco Gomes, incumbida de preparar um documento
“analisando os reflexos do sistema de culto à personalidade
dentro do PCB”. Tal comissão terminou seu trabalho em janeiro de
1958, o qual deveria ser discutido na nova reunião plenária
convocada para março desse ano. Ainda segundo Vinhas, o mesmo
nem entrou na ordem do dia do famoso pleno, sendo substituído
por outro conhecido com “A declaração de março de 1958”.
(SANTOS, 1988, p. 218)
Mas, afinal, o que defendia essa “nova linha política”
aprovada desrespeitando a democracia interna? Em aberta apologia
à burguesia e ao capitalismo brasileiro, a chamada Declaração
de Março afirmava:
foi se processando um desenvolvimento capitalista nacional, que
constitui o elemento progressista por excelência da economia
brasileira [...] se fortaleceu cada vez mais uma burguesia
interessada no desenvolvimento independente e progressista da
economia do país [...] o desenvolvimento capitalista corresponde
aos interesses do proletariado e de todo o povo [...] Embora
explorado pela burguesia, é do interesse do proletariado
aliar-se a ela, uma vez que sofre mais do atraso do país e da
exploração imperialista do que do desenvolvimento capitalista. (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 1958, p. 2, 11, 15)
Pouco depois de Getúlio Vargas ter sido forçado ao suicídio –
por pressão do generalato, que exigia sua renúncia – e quase às
vésperas do golpe militar de 1964, a Declaração afirmava
de forma “idílica”:
o processo de
democratização é uma tendência permanente [...] pode superar
quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente para diante.
Vem-se firmando, assim, em nosso país, a legalidade democrática
[...] um governo nacionalista e democrático pode ser conquistado
nos quadros do regime vigente [...] esta orientação política
pode vir a ser gradualmente realizada por um ou por sucessivos
governos que se apoiem na frente única nacionalista e
democrática. [...] dispostos a participar dos governos de
caráter nacionalista e democrático [...] os comunistas os
apoiarão de modo resoluto mesmo que não venham a fazer parte de
sua composição. (Idem, p. 5, 20-21)
Essa frente “nacionalista e democrática” englobaria desde a
classe operária, até o latifúndio, pois:
a
contradição entre a nação em desenvolvimento e o imperialismo
norte-americano e seus agentes internos tornou-se a contradição
principal na sociedade brasileira. [...] Tendem a unir-se e
podem efetivamente unir-se no movimento nacionalista a classe
operária, os camponeses, a pequena-burguesia urbana, a burguesia
e os setores de latifundiários que possuem contradições com o
imperialismo norte-americano.” (Idem, 12, 14)
Ou seja, haviam desaparecido os inimigos internos e o
imperialismo estadunidense (e seus agentes) se tornou o único
inimigo do povo brasileiro. Assim – afirmava a Declaração:
existe hoje
em nosso país a possibilidade real de conduzir, por formas e
meios pacíficos, a revolução anti-imperialista e antifeudal.
Nestas condições, este caminho é o que convém à classe operária
e a toda a nação. [...] O caminho pacífico da revolução
brasileira é possível em virtude de fatores como a
democratização crescente da vida política. [...] O povo
brasileiro pode resolver pacificamente os seus problemas básicos
com a acumulação gradual, mas incessante, de reformas”. (Idem,
21-22)
A Declaração de Março – reformista até a medula – acirrou
ainda mais a luta interna, dividindo o Partido em dois campos: o
“reformista” e o “revolucionário”. Ambos se confrontarão no 5º
Congresso.
O 5º Congresso do PC do Brasil (1960)
Os debates do 5º Congresso – que se realizou no Rio de Janeiro
de 28 de agosto a 6 de setembro de 1960 – tiveram início no mês
de abril, tão logo foram publicadas as Teses, que
reproduziam no essencial a Declaração de Março. As
Teses deixam evidentes as profundas ilusões de classe da
corrente reformista:
a
burguesia brasileira [...] se situa no campo do
anti-imperialismo [...] a burguesia industrial [...] é uma força
revolucionária.
A
tendência que predomina neste novo curso é a da democratização
[...] a tendência dominante é o processo de democratização.
[...] Podem-se notar também reflexos dessa tendência à
democratização do Estado brasileiro [...] nas Forças Armadas,
principalmente no Exército. As tradições patrióticas e
democráticas do Exército brasileiro ressurgiram e alcançaram
[...] um nível mais elevado que em qualquer período anterior
[...].
A
contradição [...] entre a nação brasileira [...] e o
imperialismo norte-americano e os seus agentes internos
tornou-se a contradição principal [...] O golpe principal [...]
se dirige, por isso, contra o imperialismo norte-americano e os
agentes entreguistas que o apoiam. [...] Ao inimigo principal da
nação brasileira se opõem [...] o proletariado, [...] os
camponeses, [...] a pequena-burguesia urbana, [...] a burguesia
[...] setores de latifundiários [...].
orientação de emancipação nacional e de transformações
estruturais [...] realizada por um ou sucessivos governos, que
se apoiem na frente única nacionalista e democrática [...]
dispostos a participar de tais governos, os comunistas os
apoiarão de modo resoluto, mesmo que não venham a fazer parte de
sua composição.
A
revolução anti-imperialista e antifeudal pode ser conduzida
[...] em nosso país por um caminho pacífico [...] o caminho
pacífico da revolução é o que convém à classe operária [...] A
conquista de reformas de caráter anti-imperialista e democrático
é possível ainda nos quadros do regime atual. [...] os
comunistas confiam que é possível assegurar o curso pacífico da
revolução brasileira [...].
(PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 1960, p. 39, 46-48, 55-58, 79,
80-83)
Travou-se na Tribuna de Debates, então, um debate aberto
entre reformistas e revolucionários, que denunciaram a “nova”
política partidária, deixando clara a existência de duas
linhas antagônicas no Partido.
No artigo Duas Concepções, Duas Orientações Políticas,
Maurício Grabois afirmou:
as
tendências oportunistas de direita [...] se manifestam com maior
nitidez na questão do poder [...] limitando-se a reivindicar
modificações parciais na política e na composição de sucessivos
governos, nos marcos do regime vigente. Com essa tática
gradualista, evolucionista [...] pretende-se atingir um poder
capaz de enfrentar as tarefas da revolução [...] transformar o
atual regime, em essência reacionário, num regime democrático e
anti-imperialista e [...] o próprio capitalismo em socialismo.
[...] afirma que o Brasil é um dos países para o qual se abre a
possibilidade real da via pacífica. [...] na prática o torna o
único caminho. [...] é, assim, um documento que conduz à negação
da luta revolucionária, à adaptação ao capitalismo e ao
evolucionismo sob o disfarce de caminho pacífico. (Novos
Rumos nº 61, abril/1960))
E no artigo Uma Defesa falsa de uma Linha Oportunista,
arremata: “a tese da ‘democratização crescente da vida
política’ não corresponde à realidade [...] as forças
reacionárias [...] sempre que seus interesses são atingidos,
apelam para a violência e atentam contra as liberdades
democráticas. [...].” (Novos
Rumos nº 66, junho/1960)
João Amazonas, no artigo Uma linha Confusa e de Direita,
traz duas importantes contribuições à teoria da revolução
brasileira: 1) que a persistência do latifúndio não era
antagônica ao desenvolvimento capitalista no campo, como se
afirmava, pois este poderia se dar sem a realização da reforma
agrária, mantendo a grande propriedade da terra, através do
chamado “caminho prussiano”; 2) que tampouco a existência da
dominação imperialista era um impedimento absoluto ao
desenvolvimento capitalista do país, ainda que lhe impusesse
travas:
depositar suas esperanças no desenvolvimento do capitalismo e na
burguesia [...] descrer na necessidade da revolução [...]. É uma
linha de apologia do capitalismo, de ilusões na burguesia e de
subordinação do proletariado aos seus interesses. [...] É
equívoco pensar que as contradições entre o desenvolvimento do
capitalismo e o monopólio da terra são antagônicas, como afirmam
as Teses. O capitalismo, seguindo o caminho prussiano, pode se
desenvolver no campo, conservando o latifúndio. Pode também o
capitalismo crescer, subsistindo a dependência do país ao
imperialismo. [...] não é o crescimento do capitalismo que leva
à independência e às transformações democráticas [...] a
liberdade não é inerente ao capitalismo. (Novos
Rumos nº 66,
junho/1960)
Já no seu artigo Sobre a Contradição Principal, Amazonas
refuta a tese de que a contradição principal se dá entre a nação
brasileira e o imperialismo, afirmando que essa contradição só
se torna “a principal num caso de guerra, quando existe a
ameaça real de ocupação estrangeira pairando sobre toda a nação”.
Ao apresentar “a contradição principal como sendo entre a
nação e o imperialismo norte-americano e seus agentes, as Teses
ocultam [...] os inimigos internos nos quais se apoia a
dominação imperialista”. Não “é a nação inteira que se
opõe ao imperialismo ianque, mas a maioria da nação.” (Novos Rumos nº 74, julho/1960)
Pedro Pomar, no seu artigo Análise Marxista ou
Apologia do Capitalismo, critica a apologia das Teses
ao desenvolvimento capitalista: “ao constatar o caráter
progressista do capitalismo no Brasil [...] é profundamente
errôneo apresentar ao nosso povo a perspectiva de um
desenvolvimento capitalista”. E prossegue: “é preciso
“que se ponha a descoberto as contradições de classe, que se
diferenciem com toda a nitidez os interesses das classes
oprimidas, dos trabalhadores, do conceito geral da nação em seu
conjunto, o qual corresponde aos interesses da classe
dominante”. (Novos
Rumos nº 62, maio/1960).
E no artigo Ainda sobre a Apologia do Capitalismo (Conclusão)
afirma: “O centro de nossas divergências reside [...] na
fundamentação [...] apologética do desenvolvimento capitalista,
pois isto leva a exagerar o papel da burguesia e [...] a
menosprezar o papel das classes revolucionárias [...] e a
abdicar [...] do papel dirigente do proletariado”. (Novos
Rumos nº 67, junho/60)
Na última edição da Tribuna de Debates. Pedro Pomar publicou o
artigo “Observações sobre o Artigo do camarada Prestes,
onde afirmou:
o
camarada Prestes formula novamente a tese de que devemos lutar
pelo desenvolvimento capitalista. Assim afirma, textualmente: “A
pretexto de defender os interesses do proletariado do próprio
país negam-se [...] a participação da luta pelo desenvolvimento
capitalista, esquecidos que o desenvolvimento capitalista dos
países atrasados e dependentes, ao contrário de reforçar o
sistema capitalista, o debilita [...]”. Não posso concordar com
essa tese, por considera-la profundamente errônea e apologética
do capitalismo [...]. (Novos
Rumos nº 76, agosto/1960)
Diversos outros destacados dirigentes também manifestaram as
suas divergências com a linha reformista, entre eles Carlos
Danielli, Calil Chade, Ângelo Arroyo e Orlando Piotto.
O apoio do PCUS às teses
reformistas, o prestígio de Prestes, o domínio da máquina
partidária e a interferência direta de Prestes na eleição dos
delegados ao 5º Congresso garantiram a vitória das propostas
reformistas.
O desfecho foi a exclusão de 12
dos 25 membros do CC, entre eles João Amazonas, Maurício Grabois
e Diógenes Arruda. Foram rebaixados para a suplência Ângelo
Arroyo e Carlos Danielli. Pedro Pomar e Sérgio Holmos
permaneceram no Comitê Central, em uma espécie de
“representação” da ala revolucionária.
Mas, o plenário não aceitou as acusações de fracionismo contra
Amazonas, Maurício Grabois e outros dirigentes defenestrados e
rejeitou a proposta de alteração do nome do Partido e de
retirada das referências à “revolução” e ao “internacionalismo
proletário” dos Estatutos e do Programa, sob o
pretexto de obter a sua legalização junto à justiça eleitoral.
Só foram autorizadas alterações formais exigidas pela lei, para
registro na justiça eleitoral – como o destino a ser dado ao
patrimônio, em caso de dissolução; a designação de delegados
junto aos tribunais e juízes eleitorais; a não responsabilização
de seus membros pelas obrigações financeiras do Partido; etc.
A maior comprovação disso é que os Estatutos aprovados no
5º Congresso afirmavam: “O Partido Comunista do Brasil é a
vanguarda política da classe operária [...], orienta-se pelo
marxismo-leninismo, pelos princípios do internacionalismo
proletário [...] [tem por] objetivo final o
estabelecimento do socialismo e do comunismo [...].”
(PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 1960, p. 155)
É importante registrar que, em 1981, o próprio Prestes
reconheceu que a Declaração de Março de 1958 e as
Teses ao 5º Congresso significaram uma forte guinada do
Partido à direita:
Modificada, a
nova executiva elaborou um documento que marcou época na vida do
Partido: é a chamada declaração de março de 58 [...] toma uma
posição que acho bastante direitista. Era o caminho pacífico.
Aí, nós, uma vez mais erramos [...]. Nós confundimos a
possibilidade da via pacífica ao socialismo com o caminho
pacífico. E caímos na passividade. [...] muitas ilusões sobre o
capitalismo [...] acabamos caindo, entre 56 e 60, em posições
liberais e direitistas. [...] Eram posições direitistas que
alimentavam a passividade [...] O 5º
Congresso [...] viveu realmente a euforia do liberalismo vigente
[...]. Naquela época, nossa posição era realmente direitista.
Nós saímos de uma posição esquerdista para cair no
desenvolvimentismo do ISEB. (MORAES; VIANA, 1982, p. 151-156)
Anos mais tarde, em 1988, o ex-dirigente comunista Apolônio de
Carvalho, referindo-se ao 5º Congresso, afirmaria: “muitos de
nós ficamos em uma situação de dúvida, sem alternativa [...].
Mas por João Amazonas, Pedro Pomar, Arroyo, eu tinha imenso
respeito. [...] Esses companheiros não negaram o marxismo e o
Partido de maneira nenhuma. Fizeram uma luta interna limpíssima,
aberta, corajosa, decidida, muito positiva. [...] eu vacilei
[...]. Não estava com eles para deixar o Partido e não estava
com a orientação do Partido. [...] Em 1964, nós daríamos razão a
eles.” (BUONICORE, 2012, p. 142)
A criação do “Partido Comunista Brasileiro”
e a “Carta dos 100”
Surpreendentemente, em agosto de
1961, o semanário Novos Rumos publicou o Programa
e os Estatutos de um novo partido – um tal Partido
Comunista Brasileiro –, deles retirando qualquer menção ao
marxismo-leninismo, ao internacionalismo proletário e ao
objetivo final de construção de uma sociedade comunista.
Totalmente “esterilizados”, os Estatutos do Partido Comunista
Brasileiro se restringiram a dizer: “O Partido Comunista
Brasileiro [...] defende em seu programa a pluralidade dos
partidos e o respeito aos direitos fundamentais do homem [...]
tendo como objetivo programático final o estabelecimento do
socialismo.” (Novos
Rumos nº 127, p. 12)
A publicação informava, ainda, que o Comitê Central encaminharia
os documentos do Partido Comunista Brasileiro para
registro no Tribunal Superior Eleitoral.
Tais decisões afrontavam o centralismo democrático, pois o 5º
Congresso não havia delegado ao Comitê Central o poder de mudar
o nome do Partido ou de fazer tão profundas alterações nos
Estatutos e no Programa, o que só poderia ser feito
com a autorização de um Congresso partidário. Assim, pela
segunda vez, a cúpula do Partido dava um golpe contra a
democracia partidária...
Frente a isso, uma centena de
prestigiados dirigentes comunistas
enviaram ao Comitê Central, ainda em agosto, o documento Em
Defesa do Partido – mais conhecido como a Carta dos 100 –,
exigindo que a direção partidária revogasse essa decisão, “ou
então convoquem um Congresso Extraordinário para resolver sobre
a mudança do nome do Partido e as modificações no Programa e nos
Estatutos.” Devido à urgência em recolher as
assinaturas, para enviar imediatamente a Carta ao Comitê
Central, destacados dirigentes partidários que também se opunham
a essas mudanças não alcançassem assiná-la, entre eles Lincoln
Cordeiro Oest, Elza Monnerat e Dynéas Aguiar. (BUONICORE, 2020)
É imprescindível transcrever alguns trechos da Carta dos 100:
Tanto o Programa como os Estatutos, a serem apresentados à
Justiça Eleitoral, referem-se ao Partido Comunista Brasileiro.
Trata-se, portanto, de alteração do nome do nosso Partido,
assunto não submetido ao Congresso e que nem consta de suas
resoluções.
[...] É certo que em determinadas circunstâncias se torna
necessário mudar o nome do Partido. Tudo depende, porém, das
condições concretas [...]. Mas sempre como decorrência de
decisão do Congresso. Quais os fatos que impõem no Brasil a
modificação do nome da organização partidária dos comunistas?
[...] essa alteração, aparentemente pequena é uma séria
concessão às forças reacionárias. [...] É sumamente ridículo
pensar que a legalização do Partido está na dependência de
chamar-se Partido Comunista Brasileiro e não Partido Comunista
do Brasil. [...] Na realidade, essa
alteração tem sentido mais grave – procura-se registrar um novo
partido, com programa e estatutos que nada têm a ver com o
verdadeiro Partido Comunista. [...] A luta pela legalidade
do Partido é uma luta política e não pode ser feita
escondendo-se seus objetivos, sua doutrina e suas tradições.
[...] Mais do que nunca precisamos ter em conta os ensinamentos
de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista: “Os
comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus
fins”. (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 2000, p. 24-26)
Após questionar a inexistência nos novos Estatutos e
Programa do objetivo final de construção de uma sociedade
comunista – limitando-se ao “estabelecimento do socialismo” – e
criticar a exclusão de quaisquer referências ao
internacionalismo proletário e ao marxismo-leninismo, a Carta
dos 100 diz ser “bastante oportuna a citação de Lênin
sobre o liquidacionismo, ao defini-lo como as tentativas de
‘liquidar [...] a organização existente do Partido e
substituí-la por uma associação informe mantida a todo custo
dentro dos marcos da legalidade [...], embora para isso seja
preciso renunciar [...] ao programa, à tática e às tradições
[...] do partido’.” (Idem, p. 28-29)
Em 20 de agosto, o Comitê Distrital da Mooca/SP, dirigido por
Ângelo Arroyo, aprovou resolução que dizia:
O
Comitê Distrital da Mooca [... resolve continuar lutando pelo
cumprimento das decisões do 5º Congresso; defender a existência
e manutenção do Partido Comunista do Brasil; solicitar ao Comitê
Central o reexame e anulação do registro do Partido Comunista
Brasileiro [...]. Que o CC trave a luta pela legalidade do
Partido sem violar os princípios partidários. (BUONICORE, 2012,
p.148)
E o Comitê Estadual do Rio Grande do Sul – onde João Amazonas
era o principal dirigente – aprovou em setembro resolução
afirmando:
O
Comitê Central apresentou [...] uma versão dos Estatutos, para
efeito de registro legal, que deixa de proclamar o
marxismo-leninismo como base ideológica do Partido e a
fidelidade ao princípio do internacionalismo proletário, além de
modificar o nome [...] do Partido [...]. Apresentou também um
Programa que [...] carece de uma clara definição dos verdadeiros
objetivos revolucionários [...]. A necessidade de assegurar a
unidade do Partido [...] recomenda a urgente convocação de um
Congresso Nacional Extraordinário para o debate das questões
apontadas. (Idem, p. 149-150)
A resposta do CC foi tomar
medidas autoritárias e administrativas contra os principais
signatários da Carta dos 100, expulsando-os e dissolvendo
os organismos onde atuavam militantes divergentes, os quais
apenas exigiam o cumprimento das decisões do 5º Congresso e o
respeito aos Estatutos.
Assim, em fins de 1961, o jornal Novos Rumos estampou em
sua capa a manchete: “João
Amazonas, Grabois e Calil Chade EXPULSOS DAS FILEIRAS
COMUNISTAS”. Na página 3, os “paladinos da democracia
interna” – sob o título Fracionistas expulsos do Movimento
Comunista – comunicaram a expulsão no Rio Grande do Sul de
João Amazonas e Guido Enders; no Rio de Janeiro de Maurício
Grabois e Manoel Ferreira; em São Paulo de Calil Chade e Valter
Martins; em Niterói de Lincoln Oest e Alzira Grabois; e em São
Gonzalo/RJ de Ary Gonçalves. (Novos
Rumos, nº 151, 1961, p. 3)
Logo depois, foram expulsos diversos militantes e dirigentes
partidários, entre eles Pedro Pomar, Carlos Danielli, José
Duarte, Ângelo Arroyo, José Delgado, José Maria Cavalcanti.
Muitos outros foram advertidos ou suspensos.
Em São Paulo, em seguida ao anúncio dessas “expulsões”, os
comitês distritais do Tatuapé e da Mooca divulgaram o documento
Aos trabalhadores e ao Povo de São Paulo,
afirmando:
os
referidos militantes jamais abandonaram seu partido nem se
prestaram a dividir suas fileiras, mantendo-se fiéis à causa do
socialismo e do comunismo. Ao passo que os atuais detratores não
têm autoridade de excluí-los de coisa alguma, já que eles é que
deixaram o velho partido do proletariado, o Partido Comunista do
Brasil, e renegaram seus princípios a fim de obter as boas
graças da justiça das classes dominantes, em favor do registro
de um novo partido, o Partido Comunista Brasileiro. (BERTOLINO,
2013, p. 563)
Diante das perseguições aos que divergiam da liquidação do PC do
Brasil, foi lançado o manifesto AOS COMUNISTAS E AMIGOS DO
PARTIDO – assinado, entre outros, por João Amazonas,
Maurício Grabois, Pedro Pomar, Calil Chade, Ângelo Arroyo,
Carlos Danielli e José Duarte – dizendo:
a
direção nacional, sem nenhum sentido unitário, enveredou pelo
caminho das medidas administrativas. Na capital de São Paulo,
foram dissolvidos os Comitês Distritais do Tatuapé e da Mooca e
destituídos dois secretários do Distrital do Brás. No Comitê de
Empresa da Estrada de Ferro Sorocabana foram destituídos dois
secretários, inclusive o 1° secretário, bem como foram afastados
dois membros do Comitê Distrital de Belém. Em Campinas, um dos
secretários foi alijado do Comitê Municipal. Ainda na capital de
São Paulo foi dissolvida a organização dos jovens do bairro
Santa Cecília. No estado do Rio foi afastado um membro do Comitê
Municipal de São Gonçalo e foram advertidos e suspensos [...]
alguns militantes de Niterói; em Nova Iguaçu, o Comitê Municipal
está ameaçado de dissolução. No Comitê de Empresa da Estrada de
Ferro Leopoldina [...] criou-se uma situação tão intolerável que
a maioria dos membros foi obrigada a se afastar. (BUONICORE,
2012, p. 151)
Não é preciso dizer que a tentativa dos reformistas de obter o
registro no STE, mudando o nome do Partido e abandonando os seus
princípios e objetivos, não deu em nada e o pedido foi
engavetado. E quando ocorreu o golpe militar de 1964, esse
pedido ao STE facilitou as perseguições aos seus signatários.
A 5ª Conferência Nacional Extraordinária do
PC do Brasil
Diante das medidas punitivas e da impossibilidade de alterar –
através da democracia interna – a orientação reformista e
liquidacionista do Comitê Central, os membros da corrente
revolucionária concluíram que a única saída possível era a
reorganização do antigo Partido.
Para isso, foi convocada a 5ª Conferência Nacional
Extraordinária do PC do Brasil. Seus principais
organizadores foram João Amazonas,
Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danielli, Ângelo Arroyo,
Lincoln Oest, Elza Monnerat e Calil Chade.
A 5ª Conferência Nacional
Extraordinária realizou-se em São Paulo, em 18 de fevereiro
de 1962, na Rua do Manifesto, Bairro Ipiranga. Dela participaram
cerca de 100 delegados de São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro,
Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul:
O
Rio Grande do Sul [...] foi o local em que o PCdoB teve maior
expressão num primeiro momento [...]. Conquistou vários
aderentes, alguns dos quais haviam sido expulsos junto com
Amazonas, como Adamastor Bonilha, Otto Alcides Ohlweiler, Paulo
Mello, Gregório Mendonça, Guido Enders, Fernando Paula Dias,
Carlos Aveline, Carlos Magalhães e a poetisa Lila Ripoll.”
(BUONICORE, 2012, p.154-155).
A 5ª Conferência manteve o
nome de Partido Comunista do Brasil, aprovou o seu
Manifesto Programa e o documento Em Defesa do Partido
– historiando os fatos que levaram a reorganização do PC do
Brasil – e elegeu um novo Comitê Central, de 25 membros. Destes,
11 haviam sido eleitos no 4º Congresso do Partido, em 1954, e 8
no 5° Congresso, em 1960.
O cargo de secretário-geral foi
extinto e substituído por uma direção colegiada. Estima-se que
em torno de 10% da militância comunista se manteve no Partido
Comunista do Brasil (reorganizado), entre eles um bom número de
militantes com mais de 20 anos de partido. A sua base social era
predominantemente operário-popular. A partir do final dos anos
60, cresceu nele a participação da juventude estudantil.
O Manifesto Programa aprovado indicou que as principais
causas do atraso do país eram a dominação imperialista, o
monopólio da terra e os grupos monopolistas da grande burguesia
e definiu que os principais inimigos eram o imperialismo, em
especial o estadunidense. Afirmou ser “impossível resolver os
problemas fundamentais do povo nos marcos do atual regime”,
descartou nas circunstâncias de então “o caminho pacífico da
revolução” e apontou para a necessidade de um novo governo,
popular e revolucionário:
O Partido
Comunista do Brasil, que se orienta pelo marxismo-leninismo e
que objetiva o socialismo e o comunismo, considera que na
presente situação a principal tarefa do povo brasileiro é a luta
por um governo revolucionário, inimigo irreconciliável do
imperialismo e do latifúndio, governo de liberdades, cultura e
bem-estar para as massas. [...] as classes dominantes tornam
inviável o caminho pacífico da revolução.
Por esse motivo as massas populares
terão de recorrer a todas as formas de luta que se fizerem
necessárias [...] ações por conquistas parciais [...]
participação nas eleições [...]. Mas só a luta decidida e
enérgica, as ações revolucionárias de envergadura, darão o poder
ao povo. (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 2000, p. 38, 40-41)
O imperialismo, o latifúndio e a burguesia monopolista são os
principais inimigos do povo e só um governo popular
revolucionário – anti-imperialista, antilatifundiário e
antimonopolista – viabilizará as transformações estruturais que
o Brasil necessita. Para isso, é necessária uma ampla frente
social:
Em
consequência da pilhagem do imperialismo, do domínio do
latifúndio e da ação nociva de grandes capitalistas, o atraso e
a miséria campeiam [...]. O
imperialismo, o latifúndio e os grupos monopolistas da burguesia
são [...] os principais entraves ao progresso da Nação
[...]. (Idem, p. 34)
Há os que
falam e reformas e, até mesmo, em reformas de base. É óbvio que
o Brasil necessita de reformas profundas em sua estrutura
econômica, tais como a reforma agrária que proscreva o
latifúndio e medidas que liquidem a exploração imperialista.
Todavia, essas reformas não podem ser realizadas nos marcos do
regime vigente. [...] Impõe-se a
instauração de um novo regime, anti-imperialista,
antilatifundiário e antimonopolista [...]. (Idem, p. 36-38)
Os operários
e os camponeses, núcleo fundamental da unidade do povo, junto
com os estudantes, os intelectuais progressistas, os soldados e
marinheiros, sargentos e oficiais democratas, os artesãos, os
pequenos e médios industriais e comerciantes, os sacerdotes
ligados às massas e com outros patriotas constituirão o elemento
indispensável para conseguir um governo popular que realize um
programa revolucionário.
A unidade da esmagadora maioria da nação é necessária e possível
e, sob a direção da classe operária, será a força capaz de
varrer todas as barreiras que se ergam no caminho da emancipação
nacional e social do povo brasileiro. (Idem, p. 41)
A 5ª Conferência também
decidiu retomar a publicação do jornal A Classe Operária
– que estava registrado na ABI no nome de Maurício Grabois e que
havia sido abandonado pelos reformistas. Sua primeira edição foi
às ruas em março de 1962, com uma tiragem de vinte mil
exemplares (inteiramente esgotada), na qual foi divulgado o
Manifesto Programa. A partir de então A Classe Operária
passou a ser publicada a cada 15 dias, se esgotando
rapidamente, o que mostrava a sua boa aceitação.
As primeiras relações internacionais e a Resposta à Kruschev
Ao contrário do que afirmam alguns falsificadores da história, a
reorganização do PC do Brasil se deu a partir das contradições
que se deram entre “reformistas” e “revolucionários”, no
interior do Partido Comunista do Brasil, sem qualquer
participação ou influência do PC da China ou do Partido do
Trabalho da Albânia, que nesse momento sequer haviam iniciado a
sua polêmica pública com o PCUS, que só foi desencadeada em
março de 1963.
Aliás, o primeiro relacionamento internacional do PC do Brasil
se deu com Cuba revolucionária, através da visita de João
Amazonas e Maurício Grabois à Havana, convidados a participarem
das comemorações do Primeiro de Maio. Na ocasião, ambos se
entrevistaram com Fidel Castro e Che Guevara, ainda que de forma
rápida, e aproveitaram para estabelecer os primeiros contatos
com as representações da China, Albânia e Coréia. Só em março de
1963, João Amazonas e Lincoln Oest fizeram uma primeira visita à
China, sendo recebidos pessoalmente por Mao Tse-Tung, com quem
mantiveram uma conversa de três horas. E a primeira viagem à
Albânia só ocorreu em 1963, com uma viagem de Pedro Pomar e
Consueto Callado à Tirana.
É nessas circunstâncias que, em 14 de julho de 1963, o CC do
PCUS publicou “carta-aberta” à direção do PC da China,
acusando-a de apoiar grupos que “atuam
contra os partidos comunistas dos
Estados Unidos, Brasil, Itália, Bélgica, Austrália e Índia
[...]. No Brasil, são apoiados pelos camaradas chineses frações
expulsas das fileiras do partido (como, por exemplo, o grupo
Amazonas-Grabois)”.
Essa tentativa dos revisionistas
soviéticos de responsabilizar a China pela divisão dos
comunistas no Brasil foi respondida poucos dias depois, através
de uma carta que ficou conhecida como Resposta a Kruschev,
tornando o PC do Brasil o primeiro partido comunista do mundo,
fora do poder, a manter uma polêmica pública com os
revisionistas soviéticos. Após relatar as divergências políticas
e ideológicas que tornaram imperativa a reorganização do PC do
Brasil, o documento afirma:
Ao apontar os
camaradas chineses como responsáveis pela divisão do movimento
comunista no Brasil, os dirigentes do PCUS [...] não concebem
que diante da traição dos oportunistas, inevitavelmente
surgiriam em nosso país os elementos dispostos a erguer a
bandeira revolucionária. [...]
Quando se
iniciou a discussão no Comitê Central do PC do Brasil, os
camaradas que posteriormente procuraram reorganizar o Partido
não conheciam as divergências no movimento comunista
internacional. Mais tarde, ao se inteirar da existência de
questões controvertidas, ignoraram sua real profundidade.
Somente com a publicação de uma série de artigos no Diário do
Povo e na Bandeira Vermelha, de Pequim [...] puderam os membros
do PC do Brasil [...] constatar que [...]
trata-se de luta de significação histórica entre o
marxismo-leninismo e o revisionismo contemporâneo. (PARTIDO
COMUNISTA DO BRASIL, 2000, p. 50)
Na mesma “Resposta a Kruschev”, o PCdoB afirmou: “O
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL apresenta um programa
revolucionário, proclama seus fins socialistas, afirma
abertamente sua adesão aos princípios do marxismo-leninismo e do
internacionalismo proletário, não esconde seu nome nem sua
natureza de classe. O Partido Comunista Brasileiro renega o
velho Partido, renuncia ao programa revolucionário, oculta se
nome, deixando em realidade de ser o Partido do proletariado”.
(Idem, p. 49)
O surgimento da sigla “PCdoB”
O historiador Augusto Buonicore nos explica como foi surgiu a
sigla “PCdoB”, com o objetivo de diferenciar o velho Partido
Comunista do Brasil do recém criado Partido Comunista
Brasileiro, o qual se apropriou da sigla “PCB. Nos diz ele
que segundo o dirigente comunista Dynéas Aguiar:
a
sigla PCdoB, para a qual não existia precedente, surgiu numa
dessas reuniões em Brasília, com a participação de Amazonas. Nos
primeiros documentos ainda se escrevia Partido Comunista do
Brasil, sigla PCB. A ideia de incluir o DO se deu numa reunião
com alguns jornalistas. Alguém falou: “vem cá, que negócio
complicado é esse, tem PCB e PCB? Dois PCBs? Como podemos
diferenciar os dois partidos? Não poderia ficar PCB e PCdoB”,
pondo a tônica no DO. Não sei precisar exatamente quem teve a
brilhante ideia [...]. Isso, possivelmente, deve ter acontecido
em meados de 1963. Nascida num clima descontraído, acabou
pegando. O Partido Comunista do Brasil tinha agora uma nova
sigla: PCdoB”.
(BUONICORE, 2012, p.166)
De toda forma, é preciso ter claro que as siglas “PCB” ou
“PCdoB” – como ficou conhecido o Partido Comunista do Brasil na
sua primeira fase (40 anos) e na sua segunda fase (60 anos),
respectivamente – nunca constou dos Estatutos partidários, sendo
somente uma maneira usual de abreviar o seu nome. O que
efetivamente nunca mudou foi o seu nome – PARTIDO COMUNISTA DO
BRASIL.
O PCdoB e o golpe militar de 1964
O PC Brasileiro viveu “momentos de glória” durante o governo
João Goulart, do qual participavam diversos de seus dirigentes.
A ponto de afirmarem – às vésperas do golpe militar – que os
comunistas estavam no poder.
Eloy Martins, então membro do Comitê Central do Partido
Comunista Brasileiro, registra:
No
segundo semestre de 63, os comunistas, com relativa hegemonia no
movimento operário e camponês [...] começaram a levar ao extremo
sua política oportunista [...]. As ilusões que [...] estavam se
imbuindo eram por demais reboquistas. Tudo ficava em torno do
Presidente João Goulart [...]. A direção do PCB [...] ao invés
de continuar mobilizando as massas para a defesa do Presidente
da República, aconselha a expectativa e confiar no ‘dispositivo
militar’ do governo. [...] A direção do PCB estava completamente
equivocada. Nosso objetivo deveria ser o de continuar
organizando, mobilizando e educando as massas, confiando nelas e
não no dispositivo militar do governo burguês” (MARTINS, 1989,
p.131-132, 140)
Enquanto isso, o PC do Brasil, recém reorganizado, “remava
contra a maré”, fazendo um esforço hercúleo para conquistar a
militância que divergia da política reformista do PCB e para
estabelecer vínculos mais estreitos com as massas. A sua
Comissão Executiva – formada por João Amazonas, Maurício
Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danielli, Calil Chade e Lincoln
Oest – percorria o Brasil de norte a sul, estruturando o Partido
e participando das mais variadas ações de massas. A Classe
Operária era um importante instrumento nessa empreitada.
Conforme é relatado na Resposta a Kruschev, “em um ano
e meio de trabalho, o Partido passou de centenas de membros para
alguns milhares, estruturou-se em todo o país e aumentou sua
influência entre as massas. Elevou sua atividade política e
cresceu de modo significativo a difusão de sua imprensa.” (PARTIDO
COMUNISTA DO BRASIL, 2000, p. 45)
Já o PC Brasileiro se mantinha totalmente atrelado à burguesia
nacional e à Goulart e afirmava não ser viável um golpe de
direita no país, apostando tudo no chamado “dispositivo militar”
de João Goulart:
Poucos dias antes do golpe militar de 1964, que derrubou o
governo Goulart e implantou uma ditadura que só iria terminar em
1985, como secretário-geral do PCB, Prestes disse no auditório
da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, que não
havia condições para um golpe no Brasil. E que, se tentassem
dá-lo, os golpistas “teriam suas cabeças cortadas.” (EMILIANO,
1997, p. 197-198)
Anos mais tarde, Dinarco Reis, destacado dirigente do PC
Brasileiro, reconheceria:
Em
última instância, esperava-se que Goulart, como chefe supremo da
nação e de suas forças armadas, assumisse posição de efetivo
comandante dessas últimas [...]. Julgava-se que com tais medidas
poderiam ser enfrentadas com êxito as ações das unidades
militares comprometidas com o golpe. [...] Tudo isso, porém não
passava de elocubrações subjetivas, determinadas pela falsa
análise da realidade em curso. (REIS, 1981, p. 146)
Em
contrapartida
PC do Brasil assumiu uma postura “esquerdista”, fazendo uma
crítica extremamente dura à Jango ao mesmo tempo, porém, que
alertava de forma insistente sobre o golpe em preparação.
No dia 28 de março, ocorreu uma reunião com a participação de
cerca de 20 membros do Comitê Central do PCdoB – entre eles
Amazonas, Grabois, Pomar, Lincoln Oest, Elza Monnerat, Carlos
Danielli, Ângelo Arroyo, Calil Chade, José Duarte e Vergatti –
que reavaliou a postura errônea de oposição total ao Governo
Goulart e, diante do golpe iminente, decidiu apoiá-lo em
determinados aspectos. Lançou, então, o manifesto “Nós e o
Governo do Goulart”. (BERCHT, 2013, p. 129)
Quando o golpe militar ocorreu – em 1º de abril de 1964 – o PCB
foi pego totalmente desprevenido, sendo duramente golpeado pela
repressão.
Já o PCdoB – como relata o documento O Golpe de 1964 e seus
ensinamentos (agosto de 1964) – “em que pese a
brutalidade da repressão, que também atingiu suas fileiras [...]
não ficou perplexo e pôde resguardar a maior parte de suas
forças. [...] Infelizmente, o PC do Brasil não dispunha de
suficiente influência entre as massas para levá-las a interferir
de maneira adequada nos acontecimentos.”.
(PARTIDO
COMUNISTA DO BRASIL, 2000, p. 77)
A sede d’A Classe Operária foi fechada, mas já em
maio de 1964 ela voltou a circular clandestinamente.
A partir de então, foram 21 anos de combate à ditadura militar e
outros 37 anos de lutas em defesa da soberania nacional, das
liberdades democráticas e dos direitos dos trabalhadores, após a
redemocratização.
A vida acabou por dar razão àqueles homens e mulheres que, em
uma atitude de enorme coragem política e ideológica, enfrentando
todo o tipo de dificuldades, souberam “remar contra a maré
reformista” dos anos 60 e – ao reorganizarem o Partido Comunista
do Brasil – preservaram a história e a política revolucionária
dos comunistas brasileiros.
Com o passar dos anos o PC do Brasil fortaleceu-se, agregou
outras forças revolucionárias e tornou-se um Partido Comunista
com mais de 400 mil filiados, enraizado no conjunto dos
movimentos sociais, com presença real na luta de ideias e na
vida política do país.
Enquanto isso, o PC Brasileiro entrou em processo acelerado de
desagregação, dando origem a inúmeras organizações, a maior
parte das quais já não existe. Em 1992, no seu 10° Congresso,
retirou de seu Programa e Estatutos qualquer referência ao
comunismo, ao marxismo e à revolução, renegou o seu símbolo e o
seu nome e passou a denominar-se Partido Popular Socialista
(PPS), que logo se tornou uma linha auxiliar do
neoliberalismo no Brasil.
Por ocasião de seu 10º Congresso, um grupo de militantes e
dirigentes do PCB se insurgiu contra à liquidação do PC
Brasileiro, retirou-se dele e convocou um novo “10º Congresso”
para março de 1993. Nele, aprovou manter o nome “Partido
Comunista Brasileiro”, a referência ao marxismo-leninismo e a
sigla PCB. O registro do PCB na justiça eleitoral só foi obtido
após um longa batalha jurídica, concluída em 1995, pois a
direção do PPS tudo fez para impedir que isso acontecesse. Dessa
forma, foi mantida a existência do PCB até os dias de hoje.
(KIELLER, 2002, 72-73, 84-86)
Controvérsias e conclusões
Como conclusão, vamos examinar quatro falácias sobre a
reorganização do PC do Brasil:
1.
“O Partido Comunista do Brasil surgiu em
1962, sendo uma dissidência do PCB”
Falso! Essa é uma das mais recorrentes falácias, que circula
entre os desavisados...
O partido fundado em 25 de março de 1922 se chamou “Partido
Comunista do Brasil” (Diário Oficial da União de 07.04.1922, pg.
6.970). Apesar de em seus Estatutos não constar qualquer sigla,
após algum tempo passou a ser conhecido pela sigla “PCB”, de uso
popular.
O partido que foi legalizado em fins de 1945, que nas eleições
de 1946 fez 10% dos votos, elegeu um senador e 15 deputados
federais foi o “Partido Comunista do Basil”. O partido que em
1947 teve o seu registro cassado e em 1948 teve todos os seus
parlamentares cassados foi o “Partido Comunista do Basil”. O
partido que realizou os 1º, 2º, 3°, 4° e 5° Congressos foi o
“Partido Comunista do Brasil”.
A primeira vez que apareceu a denominação “Partido Comunista
Brasileiro” foi em 11 agosto de 1961, no jornal NOVOS RUMOS nº
127, que publicou os Estatutos de um novo partido, nos quais
desapareceram quaisquer referências ao marxismo-leninismo, ao
internacionalismo proletário e à luta por uma sociedade
comunista. Isso ocorreu poucos meses após a realização do 5º
Congresso do Partido, o qual não autorizou quaisquer alterações
no nome ou nos princípios do PC do Brasil.
Portanto, o partido que surgiu em 1961 foi o PC Brasileiro.
O PC do Brasil foi reorganizado em 18 de fevereiro de 1962,
frente ao seu abandono pelo Comitê Central eleito no 5º
Congresso.
2.
“A divisão dos comunistas brasileiros
colocou democratas e renovadores contra stalinistas,
autoritários e dogmáticos”
Falso! O chamado “pântano”, que empolgou a direção do Partido e
depois criou o PC Brasileiro o fez burlando a democracia
interna, utilizando métodos autoritários – como na aprovação da
Declaração de Março de 1958, no processo de tirada de
delegados ao 5º Congresso, na mudança do nome, Estatutos,
princípios e objetivos dos comunistas partido (em frontal
desrespeito às resoluções congressuais) e com a expulsão sumária
dos que resistiram à liquidação do Partido.
Por outra parte, os adeptos do novo partido copiaram, de forma
dogmática, as teses revisionistas do XX Congresso do PC da União
Soviética (inclusive a tese do “caminho pacífico para o
socialismo”) e se aferraram à superada tese de que a burguesia
era “revolucionária”, porque tinha contradições antagônicas com
o imperialismo e porque necessitava da reforma agrária para
poder desenvolver o capitalismo. Assim, a contradição entre toda
a nação e o imperialismo seria a principal.
Enquanto isso, os ditos “dogmáticos” inovavam, mostrando que o
desenvolvimento do capitalismo podia ocorrer conservando a
grande propriedade da terra – o chamado “caminho prussiano” e
mantendo a subordinação ao imperialismo. Por isso, os principais
inimigos do povo brasileiro eram o imperialismo, o latifúndio e
a burguesia monopolista.
E os testemunhos acerca da correção pessoal, amplitude,
respeitos às normas e à disciplina partidárias, inexistência de
mandonismo ou de culto à personalidade, de parte de João
Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar – para ficar só nas
principais lideranças responsáveis pela reorganização do PC do
Brasil – são incontroversos, desde Eloy Martins a João Aveline,
Jorge Amado, Apolônio de Carvalho, Victor Márcio Konder e tantos
outros. Aliás, se houve algum culto à personalidade no PC do
Brasil, ele nunca o foi em relação a Amazonas, Grabois e
Pomar...
3.
“A divisão dos comunistas brasileiros
decorreu do confronto no movimento comunista entre China e URSS”
Falso! A polêmica aberta entre o PCUS e o PCCh só se tornou
aberta e pública a partir de março de 1963.
Ora, as divergências em relação à política reformista e
revisionista no interior do PC do Brasil tiveram início já em
1957, seis anos antes, com a aprovação do Manifesto de Março
de 1958. Já a reorganização do PC do Brasil ocorreu em
fevereiro de 1962, um ano antes da referida polêmica pública.
Em sua Resposta a Kruschev – respondendo à acusação do CC
do PCUS, em 14 de julho de 1963, de ter sido uma “cisão”
pró-China – o PC do Brasil esclareceu que naquele momento sequer
tinha conhecimento dessas divergências e que quando soube delas,
não aquilatou em um primeiro momento a sua profundidade.
Assim, o Manifesto Programa aprovado na 5ª Conferência
afirmava que “a revolução brasileira se processa numa época
de grandes transformações. Países com mais de 1 bilhão de
habitantes construíram ou constroem o socialismo. A União
Soviética marcha para o comunismo [...].” (PARTIDO COMUNISTA
DO BRASIL, 2000, p. 41)
Na verdade, os primeiros contatos internacionais do PC do Brasil
só ocorreram por ocasião do 1° de Maio de 1962, em Cuba,
oportunidade em que foram mantidas conversações com diversos
partidos comunistas, entre eles Cuba, China Albânia e Coreia.
4.
“O debate sobre quem é o continuador do
Partido Comunista do Brasil, fundado em 1922, é uma discussão
bizantina, semelhante a querer saber ‘quem veio primeiro, o ovo
ou a galinha?’.”
Falso! Quem diz isso é incapaz de entender a importância
política e histórica da decisão tomada por um punhado de
comunistas – remando contra a maré reformista dos anos 60,
desafiando a liderança de Prestes e a “Pátria do Socialismo” –
de reorganizar o Partido Comunista do Brasil, preservando a
história, os princípios e os objetivos da luta comunista no
Brasil.
Para aquilatar a grandeza desse acontecimento, basta dizer que o
PC do Brasil foi o primeiro partido comunista fora do poder a
enfrentar o revisionismo soviético e a impedir a degeneração do
partido em um agrupamento reformista e oportunista. Ali, o que
se travou foi um combate entre a corrente revolucionária e a
corrente reformista sobre os rumos da luta comunista no Brasil.
Passados 60 anos desses acontecimentos, o próprio Prestes
abandonou o PC Brasileiro – acusando-o de ser um partido
reformista e oportunista – e ele desintegrou-se, dando origem a
diversas organizações, a maior parte das quais já não existe,
gerando ao final o PPS, uma força política de caráter
neoliberal, com exceção de uma pequena parcela que,
inconformada, reorganizou o PC Brasileiro.
Em contrapartida, nesses 60 anos, diversas organizações
revolucionárias incorporaram-se ao PC do Brasil e ele tornou-se
o maior e o principal partido comunista do Brasil, presente no
conjunto dos movimentos sociais, na luta institucional e na luta
de ideias.
* Raul K. M. Carrion é Graduado em
História pela UFRGS, com Especialidade em História
Afro-Asiática pela FAPA. É dirigente do PCdoB no Rio Grande
do Sul há mais de 50 anos, partido pelo qual foi vereador em
Porto Alegre e deputado estadual. Em 1971, na condição de
Secretariado de Organização do PCdoB-RS, foi preso torturado
e forçado ao exílio. Presidiu o PCdoB em Porto Alegre,
Canoas e RS. Foi Presidente da FMG-RS de 2013 a 2023. É
organizador, coautor ou autor de diversos livros.
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