Avesso a críticas moralistas e empenhado em desvendar o processo
de acumulação-reprodução capitalista, Marx nos mostra que o
capital industrial (incluido o aplicado à produção agrícola
capitalista) é o único que cria valor, mas que ele necessita que
uma parte do capital disponível seja utilizado no processo de
circulação das mercadorias (capital comercial) e na esfera da
circulação monetária (capital financeiro). Inclusive, lhes cede
uma parte da mais-valia extraída, para não desviar os seus
capitais para tarefas fora da produção.
Em O Capital, analisando a circulação monetária, Marx
mostra que “o dinheiro executa movimentos puramente técnicos
no processo de circulação do capital industrial (…) esses
movimentos, ao se tornarem função autônoma de um capital
particular (...) transformam esse capital em capital financeiro.
(…) Esse trabalho representa custo de circulação e não cria
valor. (…) administrados para toda a classe capitalista não
precisam ser tão grandes quanto teriam de ser se a administração
deles fosse incumbência particular de cada capitalista.”
Assim como identifica o papel do capital financeiro no processo
global de reprodução do capital – reduzindo custos, elevando sua
velocidade de rotação e potencializando o uso dos capitais
“vadios” dispersos –, Marx nos indica a sua tendência inata à
especulação: “O objetivo dos bancos é facilitar os negócios.
Tudo o que facilita os negócios facilita a especulação. Em
muitos casos, negócios e especulação se entrelaçam tanto que é
difícil dizer onde acaba o negócio e onde começa a especulação”.
(Idem)
No capítulo Crédito e Capital Fictício, de O Capital,
Marx nos indica como a ampliação do crédito gera uma enorme
especulação com letras bancárias (promessas de pagamento), uma
das formas do capital fictício: “a especulação com o desconto
de letras (…) tornou-se agora metade dos negócios (...) mais
importantes do centro financeiro – isto é, do mercado londrino
de dinheiro.”
Mas, se isso já ocorria quando o capital produtivo era
hegemônico e subordinava o capital financeiro, Lenin, em sua
obra Imperialismo fase superior do capitalismo, nos
mostra que na fase imperialista – quando o capital financeiro
subordina por completo os capitais industrial e mercantil – o
rentismo prevalece sobre a produção:
“O que é característico do imperialismo não é precisamente o
capital industrial, mas o capital financeiro. (...) um
punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e
industriais de toda a sociedade capitalista. (...) É próprio do
capitalismo (...) separar a propriedade do capital da sua
aplicação à produção, separar o capital-dinheiro do industrial
ou produtivo, separar o rentier – que vive apenas dos
rendimentos provenientes do capital-dinheiro – do empresário e
de todas as pessoas que participam diretamente na gestão do
capital. O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o
capitalismo (...) em que essa separação adquire proporções
imensas. O predomínio do capital financeiro sobre todas as
demais formas do capital implica o predomínio do rentier
e da oligarquia financeira (...) os lucros principais vão parar
nas mãos dos ‘gênios’ das maquinações financeiras.”
O neoliberalismo elevou o domínio do capital financeiro –
rentista, parasitário e especulativo – à sua enésima potência. E
nele, nos dias de hoje, prevalece de forma absoluta o capital
fictício, sem vínculo direto com a produção real de riqueza.
Assim, calcula-se que em 2013 – para um PIB mundial de 76
trilhões de dólares – existiam 711 trilhões em derivativos e 285
trilhões em ativos financeiros, totalizando quase mil trilhões
de dólares. Ou seja, o capital fictício era 13 vezes
superior à produção real de riqueza. Dinheiro aplicado em
“papéis” ao invés de atividades produtivas, mas rendendo três
vezes mais que estas.
Para sustentar essa ciranda financeira, jogam importante papel
as dívidas públicas dos Estados Nacionais – pagas pelos cidadãos
através de altos impostos e das mais perversas políticas de
austeridade – e o crescente endividamento das famílias,
extorquidas em seus rendimentos pelos financistas.
No Brasil, entre 2003 e 2016, só em juros da dívida pública,
foram transferidos 3 trilhões de reais para o sistema
financeiro. Se além dos juros acrescentarmos as amortizações,
foram repassados aos banqueiros, entre 2009 e 2016, 7 trilhões,
44% do Orçamento da União nesses 8 anos.
Frente a tal rapina dos recursos públicos, Lula e Dilma foram
forçados a manter, entre 2003 e 2014, superávits primários
superiores a 3% do PIB, exclusivamente para pagar os banqueiros.
Como nem assim foi possível pagar tudo o que os bancos exigiam,
precisaram refinanciar permanentemente a dívida, submetendo-se
aos juros e às condições impostas pelos banqueiros. E apesar dos
trilhões pagos, a dívida saltou de 630 bilhões, em 2003, para
3,4 trilhões de reais, em 2017.
Mas o capital financeiro não asfixia só as finanças públicas.
Garroteia também o consumo das famílias – cujo endividamento
passou de 19% para 45% da renda entre 2005 e 2016 –, com juros
extorsivos que vão de 105% a 480% (no cartão de crédito). Já as
empresas são escorchadas pelos bancos privados com juros de 24%
para o capital de giro e de 35% para desconto de duplicatas.
Assim, em 2016 a dívida das pessoas físicas e jurídicas alcançou
3,1 trilhões, drenando para o sistema financeiro 800 bilhões em
juros. Somando-se os 502 bilhões de juros que a União pagou em
2015 ao sistema financeiro, chegaremos a 1,3 trilhões – 21,7% do
PIB – que ao invés de alavancar a produção são transferidos a
cada ano aos rentistas.
Portanto, o maior obstáculo ao desenvolvimento nacional, o
principal causador das dificuldades por que passa o povo
brasileiro é o grande capital financeiro – nacional e
internacional. Sem enfrentá-lo é impossível implementar um Novo
Projeto Nacional de Desenvolvimento, caminho para o socialismo
no Brasil.
Pergunto: nesses 14 anos de Lula e Dilma houve esse
enfrentamento? Denunciou-se o grau de espoliação a que o país
está submetido pelo capital financeiro? Foi exigida a auditoria
dessa dívida, conforme determina o art. 26 do ADCT da CF? Ou
prevaleceu a mais ampla conciliação de classes, inclusive com o
capital financeiro? Temos tratado esse tema com a importância e
a profundidade exigidas?
São questões que o 14º Congresso deve responder.
Raul Carrion
Presidente FMG/RS
Setembro de 2017