Desde
que o socialismo e a política revolucionária se tornaram
ciência, impõe-se a utilização de seus conceitos sem
ligeireza e com a máxima precisão possível.
O
conceito de “Frente Nacional” ou “Frente de
Salvação Nacional” – utilizado pelos marxistas em
condições muito particulares, principalmente em países
coloniais e semicoloniais – expressa a união de toda a nação
(com a exceção de um punhado de agentes do imperialismo)
contra uma agressão ou ocupação armada que coloque em xeque
a própria existência da nação. Fora disso, não passa de um
grave erro que obscurece o necessário enfrentamento das
classes dominantes desse país.
Esse
debate não é novo e já foi tratado em profundidade por
eminentes marxistas, entre os quais Lenin, Stalin e Mao Tse
Tung.
No
Brasil, esse foi um dos pontos centrais das discordâncias
que permearam os debates do 5º Congresso e que levaram à
reorganização do PC do Brasil.
Em seu
artigo Sobre a Contradição Principal (Novos Rumos,
1960), João Amazonas criticou as teses reformistas que
colocavam como principal a luta de toda a Nação contra o
imperialismo:
“Creio
que só se pode considerar a contradição entre a Nação e o
imperialismo como a principal num caso de guerra, quando
existe a ameaça real de ocupação estrangeira pairando sobre
toda a Nação. Isto não ocorre atualmente no Brasil. Na
situação presente, o imperialismo norte-americano utiliza
formas mais moderadas de opressão e exploração – pressão no
terreno econômico, político, cultural e outros. A política
realizada no país, que serve aos seus interesses rapaces,
não é imposta ao povo brasileiro pela existência de um
governo norte-americano aqui sediado, ou pelas baionetas
estrangeiras. São os próprios governantes nativos que a põem
em prática. (...) Por isso, não se pode afirmar que é a
Nação inteira que se opõe ao imperialismo ianque, mas a
maioria da Nação. Esta maioria se opõe, igualmente, aos
sustentáculos internos do imperialismo (...). Apresentando a
contradição principal como sendo entre a Nação e o
imperialismo norte-americano e seus agentes, as Teses
ocultam da visão das massas os inimigos internos nos quais
se apóia a dominação imperialista. Orientam a luta apenas
contra os agentes, isto é, elementos isolados, e não contra
classes e camadas sociais que constituem o apoio daquela
dominação.”
Pedro
Pomar – em seu artigo Análise marxista ou apologia do
capitalismo (Novos Rumos, 1960) – afirma que a “situação
objetiva do país exige (...) que se ponha a descoberto as
contradições de classe, que se diferenciem com toda nitidez,
os interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, do
conceito geral da nação em seu conjunto (...).”
E
Maurício Grabois – em seu artigo Duas concepções, duas
orientações políticas (Novos Rumos, 1960) –
arremata:
“(...)
subordinando inteiramente as reivindicações democráticas ao
fator nacional (...), ao invés de ampliar a frente única,
como aparentemente pode parecer, não faz mais do que
restringi-la. (...) Tal fato poderia ocorrer se o país
atravessasse uma situação que pusesse em perigo toda a
nação, como no caso de agressão ou ocupação militar
estrangeiras, quando os interesses de todas as camadas
sociais estão diretamente ameaçados.”
“(…)
se se tem em conta que (...) o fundamental para a frente
única é atrair para ela as amplas massas trabalhadoras das
cidades e do campo, é errado colocar de maneira absoluta,
nas condições atuais do Brasil,
a
predominância dos objetivos nacionais em detrimento das
reivindicações democráticas.”
Em
decorrência, quando se reorganizou em 1962, o PC do Brasil
deixou claro que “o imperialismo, o latifúndio e os
grupos monopolistas da burguesia são (...) os principais
entraves ao progresso da nação e à conquista do bem-estar do
povo”.
Em 1973,
no documento Acerca da Luta Antiimperialista,
reiterou:
“Antes
havia mais lugar para a Frente Única Nacional, agora
impõe-se a Frente Democrática e Antiimperialista. Constitui
grave erro superestimar a idéia de uma frente única global,
abrangendo todas as forças sociais (...), sem considerar o
aprofundamento das contradições internas e a ligação
estreita de boa parte de suas classes dominantes ao
imperialismo.”
“Diferentemente
das colônias (...) o movimento antiimperialista não mais
reúne a unanimidade da nação e, no seu decurso,
intensifica-se a luta de classes, sobretudo onde o
capitalismo tem maior penetração e onde existe forte
concentração da propriedade agrícola.”
Não
bastasse isso, o Informe Político do VI Congresso
(1983) pontuou:
“Pode-se
afirmar que as duas tarefas, a democrática e a patriótica,
caminham pari passu. Não se pode separar uma da
outra. (...) Seria errôneo enfraquecer a frente da liberdade
sob a alegação de reforçar o movimento patriótico, do mesmo
modo que secundarizar a frente patriótica invocando a
importância das conquistas democráticas.”
Coerentes com essa visão, as Teses do 14º Congresso afirmam:
“A defesa do Estado Democrático de Direito inscrito na
Constituição Federal de 1988 é o ponto de partida da Frente
Ampla. (…) Seus pilares são a defesa da soberania nacional e
da democracia; o desenvolvimento econômico com valorização
do trabalho e diminuição das desigualdades sociais e
regionais (…).”
“[é]
necessário conformar um bloco político histórico (...) em
prol dos interesses do Brasil, do povo e da democracia (...)”
“(...)
a valorização do trabalho e dos direitos sociais se destaca
como fator estruturante do desenvolvimento.”.
Em uma
visão marxista e dialética, não existe lugar para concepções
que – em nome da unidade do povo brasileiro – negam as
contradições de classe, ou que – em nome da centralidade da
questão nacional – anulam ou ignoram a luta pela democracia
e pelos direitos sociais do povo. São três lutas
inseparáveis!
Também
medra em erro quem afirma que o PCdoB tem subestimado a
questão nacional. Para o PCdoB, a questão nacional sempre
foi central, desde o seu Manifesto Programa, de 1962,
passando pela 6ª Conferência, de 1966 – “União dos
brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da
ameaça neocolonialista” –, chegando ao seu 8º
Congresso de 1992 (“atualmente adquire importância
primordial a questão nacional”) e Congressos seguintes.
O que o PCdoB nunca fez foi absolutizar a luta nacional e
nela dissolver a luta de classes!