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   Porto Alegre, sexta-feira, 22 de novembro de 2024

   
Frente Ampla ou Frente de “Salvação Nacional”?

Raul K. M. Carrion

  Desde que o socialismo e a política revolucionária se tornaram ciência, impõe-se a utilização de seus conceitos sem ligeireza e com a máxima precisão possível.

O conceito de “Frente Nacional” ou “Frente de Salvação Nacional” – utilizado pelos marxistas em condições muito particulares, principalmente em países coloniais e semicoloniais – expressa a união de toda a nação (com a exceção de um punhado de agentes do imperialismo) contra uma agressão ou ocupação armada que coloque em xeque a própria existência da nação. Fora disso, não passa de um grave erro que obscurece o necessário enfrentamento das classes dominantes desse país.

Esse debate não é novo e já foi tratado em profundidade por eminentes marxistas, entre os quais Lenin, Stalin e Mao Tse Tung.

No Brasil, esse foi um dos pontos centrais das discordâncias que permearam os debates do 5º Congresso e que levaram à reorganização do PC do Brasil.

Em seu artigo Sobre a Contradição Principal (Novos Rumos, 1960), João Amazonas criticou as teses reformistas que colocavam como principal a luta de toda a Nação contra o imperialismo:

Creio que só se pode considerar a contradição entre a Nação e o imperialismo como a principal num caso de guerra, quando existe a ameaça real de ocupação estrangeira pairando sobre toda a Nação. Isto não ocorre atualmente no Brasil. Na situação presente, o imperialismo norte-americano utiliza formas mais moderadas de opressão e exploração – pressão no terreno econômico, político, cultural e outros. A política realizada no país, que serve aos seus interesses rapaces, não é imposta ao povo brasileiro pela existência de um governo norte-americano aqui sediado, ou pelas baionetas estrangeiras. São os próprios governantes nativos que a põem em prática. (...) Por isso, não se pode afirmar que é a Nação inteira que se opõe ao imperialismo ianque, mas a maioria da Nação. Esta maioria se opõe, igualmente, aos sustentáculos internos do imperialismo (...). Apresentando a contradição principal como sendo entre a Nação e o imperialismo norte-americano e seus agentes, as Teses ocultam da visão das massas os inimigos internos nos quais se apóia a dominação imperialista. Orientam a luta apenas contra os agentes, isto é, elementos isolados, e não contra classes e camadas sociais que constituem o apoio daquela dominação.

Pedro Pomar – em seu artigo Análise marxista ou apologia do capitalismo (Novos Rumos, 1960) – afirma que a “situação objetiva do país exige (...) que se ponha a descoberto as contradições de classe, que se diferenciem com toda nitidez, os interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, do conceito geral da nação em seu conjunto (...).

E Maurício Grabois – em seu artigo Duas concepções, duas orientações políticas (Novos Rumos, 1960) – arremata:

(...) subordinando inteiramente as reivindicações democráticas ao fator nacional (...), ao invés de ampliar a frente única, como aparentemente pode parecer, não faz mais do que restringi-la. (...) Tal fato poderia ocorrer se o país atravessasse uma situação que pusesse em perigo toda a nação, como no caso de agressão ou ocupação militar estrangeiras, quando os interesses de todas as camadas sociais estão diretamente ameaçados.

(…) se se tem em conta que (...) o fundamental para a frente única é atrair para ela as amplas massas trabalhadoras das cidades e do campo, é errado colocar de maneira absoluta, nas condições atuais do Brasil, a predominância dos objetivos nacionais em detrimento das reivindicações democráticas.

Em decorrência, quando se reorganizou em 1962, o PC do Brasil deixou claro que “o imperialismo, o latifúndio e os grupos monopolistas da burguesia são (...) os principais entraves ao progresso da nação e à conquista do bem-estar do povo”.

Em 1973, no documento Acerca da Luta Antiimperialista, reiterou:

Antes havia mais lugar para a Frente Única Nacional, agora impõe-se a Frente Democrática e Antiimperialista. Constitui grave erro superestimar a idéia de uma frente única global, abrangendo todas as forças sociais (...), sem considerar o aprofundamento das contradições internas e a ligação estreita de boa parte de suas classes dominantes ao imperialismo.

Diferentemente das colônias (...) o movimento antiimperialista não mais reúne a unanimidade da nação e, no seu decurso, intensifica-se a luta de classes, sobretudo onde o capitalismo tem maior penetração e onde existe forte concentração da propriedade agrícola.

Não bastasse isso, o Informe Político do VI Congresso (1983) pontuou:

Pode-se afirmar que as duas tarefas, a democrática e a patriótica, caminham pari passu. Não se pode separar uma da outra. (...) Seria errôneo enfraquecer a frente da liberdade sob a alegação de reforçar o movimento patriótico, do mesmo modo que secundarizar a frente patriótica invocando a importância das conquistas democráticas.”

Coerentes com essa visão, as Teses do 14º Congresso afirmam:

A defesa do Estado Democrático de Direito inscrito na Constituição Federal de 1988 é o ponto de partida da Frente Ampla. (…) Seus pilares são a defesa da soberania nacional e da democracia; o desenvolvimento econômico com valorização do trabalho e diminuição das desigualdades sociais e regionais (…).

“[é] necessário conformar um bloco político histórico (...) em prol dos interesses do Brasil, do povo e da democracia (...)

(...) a valorização do trabalho e dos direitos sociais se destaca como fator estruturante do desenvolvimento.”.

Em uma visão marxista e dialética, não existe lugar para concepções que – em nome da unidade do povo brasileiro – negam as contradições de classe, ou que – em nome da centralidade da questão nacional – anulam ou ignoram a luta pela democracia e pelos direitos sociais do povo. São três lutas inseparáveis!

Também medra em erro quem afirma que o PCdoB tem subestimado a questão nacional. Para o PCdoB, a questão nacional sempre foi central, desde o seu Manifesto Programa, de 1962, passando pela 6ª Conferência, de 1966 – “União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista –, chegando ao seu 8º Congresso de 1992 (“atualmente adquire importância primordial a questão nacional”) e Congressos seguintes. O que o PCdoB nunca fez foi absolutizar a luta nacional e nela dissolver a luta de classes!