1.
Introdução
As contas externas são registradas
no Balanço de Pagamentos (BP), onde são contabilizadas todas as
transações do país (residentes) com o exterior (não-residentes).
O BP é composto basicamente de três partes: a primeira se chama
transações correntes (ou conta corrente) e dela fazem parte a
balança comercial (exportações e importações de bens), a balança
de serviços (viagens internacionais, transportes, aluguel de
equipamentos, etc.), a renda primária (pagamento de juros e
remessas de lucros e dividendos), e a renda secundária
(transferências unilaterais, como por exemplo, o envio de
dinheiro de imigrantes brasileiros no exterior para o Brasil). A
segunda parte do BP é a conta de capital, composta por ativos
não financeiros não produzidos e transferências de capital. A
terceira parte é a conta financeira, que registra empréstimos
concedidos ao Brasil, por bancos privados ou agências
internacionais, aplicações financeiras em ações e títulos –
chamados investimentos em carteira – e os investimentos
estrangeiros diretos (IED).
O Brasil é signatário do sistema
de registros padronizados pelo Manual de Balanço de Pagamentos e
Posição Internacional de Investimento, que encontra-se na sua
sexta edição (BPM6), adotado em abril de 2015 no Brasil. O
Manual é produzido pelo FMI, a partir do STA (departamento de
estatísticas macroeconômicas). O STA se reúne para discussão com
grupos de especialistas de vários países e outros organismos
internacionais. Estes manuais fornecem recomendações para a
compilação e apresentação das contas macroeconômicas; asseguram
a consistência entre as várias estatísticas macroeconômicas e
permitem a comparabilidade das estatísticas entre os países, e
de um mesmo país ao longo do tempo.
No Brasil, a elaboração e
divulgação dos dados é de responsabilidade do Banco Central, que
disponibiliza em seu sítio na internet (www.bcb.gov.br)
planilhas com as informações que serviram de base para o
presente estudo. Compilamos os dados a partir de 1985 até 2022.
Para facilitar a interpretação política, procuramos sempre que
possível, dividir os períodos conforme cada governo,
considerando que o governo de Dilma Roussef é interrompido em
agosto de 2016, e a partir daí, o governo de Michel Temer.
Ressaltamos também que, ao iniciar as séries de dados a partir
de 1985, pode-se observar a evolução das contas externas
coincidindo com a introdução do Real e com a abertura mais
efetiva da conta financeira, cujo processo se inicia a partir do
final da década de 80, passando pelos anos 90 e consolidando-se
até a metade da década de 2000.
2. Balança Comercial de Bens
Gráfico 1
Brasil - Exportações, importações e saldo
da balança comercial de bens
Em bilhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
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O balanço de pagamentos inicia
pelo saldo da balança comercial de bens, ou seja, exportações
menos importações. Estas duas sub-contas são as mais volumosas,
por isso o seu saldo assume importância determinante no déficit
ou no superávit das transações correntes. Durante a série
histórica de 28 anos que compreende este trabalho, somente em
sete a balança de bens foi negativa, sendo que seis delas foram
nos primeiros anos dos governos FHC, quando a política de cambio
com o Real apreciado para conter a inflação, desestimulou
sobremaneira as exportações (o governo FHC inicia em 1995 com o
dólar valendo menos de 1 real), bem como impulsionou as
importações. Somente a partir de 2001 a balança passa a ficar
positiva, à exceção do ano de 2014, atingindo seu pico entre os
anos de 2004 e 2007. O gráfico 1 mostra a evolução das
exportações, importações e o saldo. O saldo da balança volta a
ser negativo em 2014, face à desaceleração da economia
brasileira. A partir de 2016 retornam os saldos expressivos, mas
com volume de negócios inferiores. Mesmo com a taxa cambial em
alta, as exportações apresentaram redução em 2019 e 2020, e as
importações caem ainda mais, refletindo um período de
desaceleração na economia. Em 2021 e 2022, exportações e
importações voltam a crescer em ritmo acelerado.
Gráfico 2
Brasil - Participação dos principais
grupos de produtos nas exportações de bens |
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Fonte dos dados:
Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Disponível em:
http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria. |
Quanto às exportações, o gráfico 2
mostra que houve mudança substancial na pauta dos produtos. No
ano de 1997, manufaturados, máquinas e equipamentos (indústria),
representavam quase a metade (44%) dos bens exportados. Já em
2022, a indústria recuou sua participação para apenas 20%,
enquanto os produtos primários passaram de 43% para 70%. Dos
três grupos de produtos primários, o de produtos alimentícios foi
o que se manteve praticamente estável, sendo que o discreto
aumento se deve basicamente à
carnes (bovina, ave e suína), seguido de açúcar, café, milho e
algodão. Quanto aos materiais brutos, mais que dobraram sua
participação, puxados pela soja e pelo minério de ferro. Os
combustíveis e minerais saltaram de 6% para 17%, sendo o
petróleo o responsável quase exclusivo por este aumento.
Gráfico 3
Brasil - Participação dos 6 principais
países nas exportações de bens |
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Fonte dos dados:
Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Disponível em:
http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria. |
Com referência ao destino das
exportações, o gráfico 3 também mostra substancial alteração ao
longo dos 28 anos analisados. A China sai de insipientes 2% em
1997 para liderar o destino de exportações brasileiras em 2022,
sendo só ela foi responsável por quase um terço (27%). Em 2022,
a China é o destino de 43% das exportações de produtos
primários, com destaque para as comodities como soja e minério
de ferro: 63% tem como destino a China. Do petróleo e derivados
que exportamos, o país asiático responde por 43%. Mostra-se
igualmente expressiva a redução dos EUA como destino,
considerando que em 1997 era o principal parceiro, e hoje
responde por apenas 11%. Igualmente no que se refere a
Argentina, Alemanha e Japão, cujas exportações debilitaram-se no
decorrer do período, fruto principalmente do recuo da indústria
brasileira
Gráfico 4
Brasil - Participação dos 5 principais
países nas importações |
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Fonte dos
dados: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços.
Disponível em:
http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria. |
Sobre as importações, o
gráfico 4 mostra alterações expressivas nos países de origem.
Também aqui destaca-se a China, que em 1997 respondia por apenas
2%, e hoje é o maior fornecedor. Como mostra o gráfico 5, não
ocorreu mudança substancial nas importações de manufaturados,
máquinas e equipamentos, mas em conjunto com o gráfico 4,
conclui-se que passaram a ser comprados da China, e não mais dos
EUA. A participação dos EUA, que experimentou retração
considerável, hoje tem como pautas principais os produtos
químicos e os combustíveis e lubrificantes.
Gráfico 5
Brasil - Participação dos principais
grupos de produtos nas
importações de bens |
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Fonte dos dados:
Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Disponível em:
http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral/31594
Elaboração própria. |
Os produtos químicos são os que
apresentaram maior crescimento, representados principalmente por
fertilizantes, herbicidas e inseticidas, na razão direta do
aumentos das exportações de soja e outros grãos, razão pela qual
Rússia e Índia passam a figurar entre os principais países dos
quais o Brasil importa. Também se destacam neste grupo os
medicamentos.
Combustíveis minerais tiveram
redução, devido ao petróleo, e sua posição se mantém em
decorrência das importações de gasolina, diesel e lubrificantes.
3. Serviços
Gráfico 6
Brasil - Composição e evolução da conta
de serviços
Em bilhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
Esta conta é composta pelo saldo
entre as importações e exportações de serviços, e também pelo
saldo entre os gastos das viagens de residentes ao exterior,
menos os das viagens de não-residentes para o país. Conforme se
verifica na Tabela 1, o déficit nesta conta é histórico, sendo
que em nenhum ano dos 28 analisados o fluxo foi positivo. Nesta
conta, destacam-se três subcontas: viagens, serviços de
transportes e aluguel de equipamentos. O gráfico 6 mostra a
evolução destas sub-contas em cada governo. As viagens de
residentes brasileiros ao exterior durante o período analisado
proporcionaram um fluxo negativo de 183,1 bilhões de dólares.
Mais da metade deste valor (46%) concentrou-se no governo Dilma.
O fluxo foi positivo somente em 2003 e 2004, em face da alta
taxa de cambio do período imediatamente anterior, o que
arrefeceu o volume de viagens para o exterior. A média anual de
saída de dólares do país a título viagens, é de 6,54bilhões de
dólares. O fluxo negativo da sub-conta transportes é determinado
principalmente pelos custos ligados a fretes sobre importações,
bem como serviços auxiliares de transporte, aluguel de
embarcações tripuladas; movimentação, embalagem e estocagem de
cargas. Experimentaram elevada evolução nos governos Lula e
Dilma, e são responsáveis por cerca de 32% do fluxo negativo da
conta Serviços. Já a subconta Aluguel de Equipamentos, é a que
mais pesa no fluxo negativo dos serviços, representando 39% do
acumulado no período analisado. Destacam-se nesta rubrica o
aluguel de plataformas para exploração de petróleo e gás,
embarcações e aeronaves e de satélites para telefonia móvel.
4. Renda Primária
Gráfico 7
Brasil - Composição e evolução das sub-
contas juros e lucros e dividendos
Em bilhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
São três sub-contas que compõem a
conta de Renda Primária. A primeira é a sub-conta Salários, que
registra as receitas decorrentes do recebimento de salários por
serviços prestados a não residentes e as despesas relativas ao
pagamento de salários a não residentes por serviços prestados à
empresa sediada no país. O fluxo resultante é via de regra
positivo, mas seu montante não é significativo na determinação
do saldo final da Renda Primária.
Em seguida aparece a subconta de
juros, que representa os custos referentes a empréstimos tomados
no exterior, menos os custos de empréstimos de não residentes
obtidos no país. O fluxo negativo indica que o país paga muito
mais juros do que recebe. Conforme mostra o gráfico 7, durante
os 28 anos analisados o Brasil pagou ao exterior 434,2 bilhões
de dólares, quase a metade do déficit em transações corrente no
mesmo período.
A terceira subconta mostra a
diferença entre a remessa de lucros e dividendos para o exterior
e o ingresso no país de valores referentes aos lucros obtidos no
exterior. O gráfico 7 mostra que o fluxo retirou do país 587,2
bilhões de dólares desde 1995. Nos gráficos 8 e 9 a seguir, são
mostrados os principais setores remetentes e os principais
países receptores.
Gráfico 8
Brasil - Remessa de lucros e dividendos
para o exterior
Principais setores econômicos remetentes |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
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Gráfico 9
Brasil - Principais países de destino das
remessas de
lucros e dividendos para o exterior |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
5. Renda Secundária
Registra as transferências entre
residentes e não residentes de uma economia sem que haja
contraprestação, financeira ou não, por parte do beneficiário.
Incluem-se as contribuições a entidades de classe, a entidades
associativas e a organismos internacionais, bilhetes e prêmios
de loterias oficiais, impostos, taxas, indenizações não
amparadas por seguros, aposentadorias, pensões e reparações de
guerra. Inclui, também, as transferências efetuadas por
migrantes (remessas de trabalhadores, doações, heranças, etc.).
O fluxo positivo é determinado principalmente pelas
transferências pessoais do exterior para o Brasil. O saldo geral
da conta tem uma influência modesta na composição das transações
correntes.
6. Transações correntes
Gráfico 10
Brasil - Transações correntes
Em bilhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
É a conta que apura o saldo geral
de todas as operações vistas anteriormente. Também chamada de
conta corrente, quando seu saldo é negativo, significa que o
país deverá obter dólares através de fluxo positivo em sua conta
financeira, ou seja, deve ter sua conta de capitais aberta para
a entrada de capital externo. Em não sendo suficiente a entrada
de capitais externos para suprir sucessivos déficits em conta
corrente, o país deve ter reservas internacionais suficientes
para suportar o balanço de pagamentos. Quando estas alternativas
não forem suficientes, só resta socorrer-se de empréstimos de
bancos e/ou instituições internacionais, como o FMI. Conforme
exposto na tabela 1, o Brasil apresentou superávit em conta
corrente em somente cinco anos dos 28 analisados: de 2003 a 2007
— face principalmente aos expressivos superávits da balança
comercial de bens —. Portanto, antes da abertura da conta
financeira, proporcionando a entrada de capitais externos, um
país como o Brasil contava quase que exclusivamente com o saldo
positivo de sua balança comercial para fazer frente a eventuais
déficits em seu balanço de pagamentos. O gráfico 10 mostra como
evoluíram as transações correntes e seus componentes em cada
governo. Desde o início da série até 2022, o país acumulou 1,065
trilhões de dólares de déficit.
7. Conta Capital
Esta conta registra transferências
de patrimônio resultantes de imigração ou emigração; bens não
financeiros não produzidos, que compreende a compra e venda de
direitos de propriedade, tais como marcas e patentes. É por esta
conta que circula, por exemplo, os valores referentes a venda ao
exterior de direitos sobre atletas, que respondem pela maioria
dos valores que transitam na conta. O fluxo é quase sempre
positivo, mas seu montante não é determinante para o saldo das
transações correntes.
8. Conta Financeira
Tabela 2
Brasil - Fluxo da conta financeira
Em milhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
É a conta que registra a diferença
entre os fluxos de investimentos de brasileiros (pessoas físicas
e jurídicas) no exterior (Ativos) e os fluxos de investimentos
de estrangeiros no Brasil (Passivos). Tanto ativos quanto
passivos são compostos por quatro subcontas basicamente: i)
investimentos estrangeiro direto, ii) investimento em carteira,
iii) empréstimos e títulos. iv) outros passivos. Há uma quinta
subconta – Ativos de Reservas – que é a responsável por receber
a diferença entre todos os fluxos vistos até aqui. O lançamento
nesta rubrica reflete a diferença final do Balanço de
Pagamentos. Quando o lançamento é negativo, significa que o país
teve que usar reservas para cobrir o déficit no balanço de
pagamentos, e quando positivo, o país aumenta seus ativos de
reservas.
Conforme a tabela 1, na série de
28 anos o país precisou usar reservas para cobrir o déficit do
balanço de pagamentos em cinco oportunidades: de 1997 a 2000, em
2013, e mais recentemente em 2019, 2020 e 2022. Em todos os
demais exercícios, o saldo da conta financeira cobriu o déficit
e ainda proporcionou o aumento das reservas. Assim, configura-se
que o Brasil cobre seus prejuízos em conta corrente com a
entrada de capital externo, seja para investimento direto,
investimento em carteira ou empréstimos.
O Brasil adota o sistema de câmbio
flutuante, cuja taxa é determinada pelo próprio "mercado"
através da relação entre oferta e procura. Assim, quanto maior a
entrada de dólares pela conta financeira, principalmente para
investimentos em carteira, mais o real se valoriza, ao passo que
quando há mais saída de dólares do que entrada, esse tem seu
valor apreciado.
A tabela 2 mostra o resultado dos
fluxos de entrada e saída de capitais das principais sub contas,
agrupados por cada governo durante o período analisado. Valor
negativo indica maior entrada do que saída de capital externo, o
que torna o país devedor destes valores, visto que podem sair a
qualquer momento, obrigando a converter os reais baixados das
aplicações em dólar para retornarem a origem.
O primeiro período (governo FHC)
caracteriza-se por desequilíbrios no balanço de pagamentos.
Embora com fluxo positivo de capital externo, os déficits da
balança comercial e a insuficiência de reservas internacionais,
levaram o país a socorrer-se do FMI em duas oportunidades (1998
e 2002).
Os dois governos do Partido dos
Trabalhadores (Lula e Dilma), caracterizam-se pelo volumoso
ingresso de capitais, tanto para investimento direto quanto para
investimentos em carteira. Associados aos grandes superávits da
balança comercial, estes fatores proporcionaram a formação das
robustas reservas internacionais que ainda hoje o país sustenta.
Quanto aos governos Temer e
Bolsonaro, há mudanças expressivas na conta, onde somente o
investimento direto foi positivo. Pela primeira vez, observa-se
fluxo negativo dos investimentos em carteira, que conjugado com
outros fatores, resultaram na necessidade de uso de cerca de 20
bilhões de dólares das reservas internacionais do país.
A conta financeira por sua natureza, necessita de um segundo
tipo de controle, para além do controle dos fluxos: trata-se da
Posição dos Investimentos no Exterior e da Posição do
Investimento Estrangeiro no país, que visa mostrar qual a
posição atual destes investimentos. Os saldos de investimentos e
empréstimos são afetados tanto pelos fluxos como também pelas
variações cambiais.
O gráfico 11 mostra a evolução da posição dos investimentos no
exterior, com dados disponíveis a partir do ano de 2001. O
investimento direto representa a maior parte da posição do país
no exterior. Os investimentos em carteira feitos por brasileiros
no exterior historicamente não assumem grande relevância. As
reservas internacionais são parte integrante da Posição dos
Investimentos no Exterior, pois configuram um direito do país em
moeda estrangeira. As reservas do Brasil estão alocadas
basicamente em títulos do governo dos EUA, compondo cerca de 80%
das reservas internacionais.
Gráfico 11
Brasil - Posição dos investimentos no
exterior
Em bilhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
Quanto ao passivo externo mostrado
no gráfico 12, ele retrata a posição dos investimentos de
estrangeiros no país, tanto aqueles alocados em participação de
capital em empresas quanto aplicações em ações e títulos. Além
destes investimentos, o passivo espelha a posição dos
empréstimos tomados no exterior pelos setores público e privado.
Gráfico 12
Brasil - Posição dos investimentos
estrangeiros no país
Em bilhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
O investimento direto possui dois
componentes: Participação no Capital e Operações Intercompanhia.
Participação no Capital refere-se ao investimento de não
residentes alocados no capital de empresas residentes no Brasil,
quando essa participação for igual ou superior a 10%. Já as
Operações Intercompanhia, as transações correspondem aos fluxos
líquidos de capitais entre empresas residentes receptoras de IDP
e seus investidores diretos não residentes, não havendo qualquer
especificação sobre sua aplicação.
A diferença entre o Ativo externo
e o Passivo externo, é chamada de “Posição de Investimento
Internacional”. Ao final de 2020, a posição brasileira mostrava
um montante de 728,41 bilhões de dólares negativo (passivo maior
que o ativo).
Gráfico 13
Brasil - Investimento estrangeiro no país
| Distribuição por país do controlador final |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
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Gráfico 14
Brasil - Investimento estrangeiro no país
| Distribuição entre os setores econômicos |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
O gráfico 13 mostra que o EUA
detém a liderança dos investimentos via participação no capital,
alcançando o valor de 191,6 bilhões de dólares. Em estudo de
2017, o Banco Central realizou pesquisa para identificar os
controladores finais dos investimentos, visto que, em muitos
casos, são usados outros países para concretizar tais
investimentos. Esta prática está consolidada em todo o mundo, a
ponto de hoje em dia o país com maior volume de investimento
direto pelo mundo é a Holanda, embora sua economia não possua
status para tal. No Brasil, se considerarmos o investidor
imediato, veremos a Holanda em segundo lugar e Luxemburgo em
terceiro. O que explica esta situação, é o fato destes países
conservarem até hoje acordos seculares de isenções fiscais para
trânsito de capitais, o que configura uma prática de evasão
fiscal legalizada.
O gráfico 14 mostra os setores
econômicos com maior participação de capital externo. O exame
desta realidade desmistifica em parte a ideia de que o IDP é
sempre saudável para o país receptor, visto que impulsiona sua
produção e o consequente desenvolvimento. A liderança do setor
de bancos e demais instituições financeiras, demonstra que os
maiores investimentos estão em um setor não produtivo,
comprometido com os ganhos financeiros oriundos, via de regra,
da conversão de capital monetário em capital fictício.
9. Reservas internacionais
Gráfico 15
Brasil - Posição das reservas
internacionais
Em bilhões de dólares |
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Fonte:
Banco Central do Brasil
Disponível em
https://www.bcb.gov.br/estatisticas/tabelasespeciais
Elaboração própria. |
Último item do balanço de
pagamentos, as reservas recebem o saldo final do balanço. Na
verdade, não obrigatoriamente crescem quando o saldo do balanço
de pagamentos é positivo, pois o país geralmente conserva o
eventual valor positivo em uma subconta chamada Ativos de
Reservas. Ela representa valores que podem ser convertidos em
reservas efetivas se o país decidir comprar moeda estrangeira
para elevar suas reservas, ou estes valores podem permanecer
estacionados para eventual uso em meses subsequentes quando o
saldo do balanço for negativo. Geralmente integram posições em
instituições internacionais como o FMI, onde os países possuem
um tipo de conta que pode ser usada a qualquer momento, sendo
inclusive permitido o uso de um tipo de cheque especial.
O Brasil apresenta atualmente um
robusto saldo de reservas, que se formaram principalmente
durante o governo Lula, e que hoje agem como um tipo de seguro
contra eventuais crises monetárias que possam afetar seu balanço
de pagamentos. O governo Bolsonaro gastou cerca de 50 bilhões de
dólares das reservas, parte para fechar o balanço de pagamentos
e parte em intervenções no mercado de dólares para estabilizar a
taxa cambial. É sempre a primeira conta a ser observado por
investidores externos antes de ingressarem com seus capitais no
país, pois representa em certa medida o poder que o país tem de
fazer frente a eventuais fugas de capitais.
Embora representem este “seguro”,
as reservas também acarretam o chamado “custo de carregamento”,
representado pelo fato de que, para mantê-las e encorpá-las, é
preciso, no caso do Brasil, recorrer a outras fontes de
financiamento, no caso, a dívida interna. Portanto, como os
juros pagos na dívida interna é muito superior ao rendimento das
reservas internacionais — preponderantemente representadas por
títulos do tesouro norte-americano, a juros quase zero — há
efetivamente um custo para se manter as reservas, representado
pela diferença entre as duas taxas.
10. Breve
histórico sobre a liberalização do fluxo de capitais no Brasil
A partir da década de 1980, parte
considerável do mundo passa a viver sob a égide do
neoliberalismo, cujo principal componente é o de permitir o
livre trânsito de capitais entre os países. No Brasil, esta
década ficou conhecida como a “década perdida”, face às
sucessivas crises monetárias advindas das dificuldades
envolvendo a dívida externa. A partir da unilateral e arbitrária
elevação das taxas de juros efetuada pelos EUA em 1979 (de 7,5%
para 20%), inviabilizou-se que os países em desenvolvimento
continuassem honrando seus compromissos externos. Em 1987 o
Brasil inicia sua abertura financeira, quando se permitiu aos
residentes no exterior investir no Brasil através da criação de
diferentes tipos de fundos de investimentos, e foi
gradativamente aumentando. Porém, como estava envolvido com a
referida crise da dívida externa — inclusive com uma moratória
decretada unilateralmente em 1987 — não atraía capitais externos
até mesmo por ainda não possuir um mercado financeiro
consistente. Somente a partir de 1994, quando concluíram-se as
negociações do chamado “Plano Brady”, que proporcionou que as
dívidas dos países emergentes fossem securitizadas, criando
instrumentos de dívidas negociáveis nos mercados financeiros, e
com a adoção do “Plano Real”, o Brasil coloca-se em condições de
se tornar um mercado atrativo para o capital externo. A partir
daí várias medidas foram sendo tomadas para permitir tanto o
fluxo de capitais externos para o país, quanto o fluxo para fora
do país, integrando o país aos mercados financeiros do mundo.
Do ponto de vista da entrada de
capital, talvez o recurso mais importante tenha sido o chamado
Anexo IV da Resolução 1.832/91 do Banco Central, que permitiu o
acesso direto dos investidores institucionais estrangeiros ao
mercado de ações e de renda fixa nacional. Até então, o único
canal para o trânsito de capitais eram as contas “CC5”. "Contas
CC5" eram contas previstas na Carta Circular nº 5, editada pelo
Banco Central em 1969, que regulamentava as contas em moeda
nacional mantidas no País, por residentes no exterior. Referida
Carta circular foi revogada em 1996 e, portanto, a expressão
“contas CC5” não mais se aplica às atuais contas em moeda
nacional tituladas por pessoas físicas e jurídicas residentes,
domiciliadas ou com sede no exterior. Hoje, as disposições sobre
essas contas constam do Título VI da Circular 3.691, de 16 de
dezembro de 2013. O objetivo inicial das CC5 era que o titular
no exterior, ao viajar para o Brasil, depositasse o dinheiro em
moeda nacional e, ao voltar ao exterior, pudesse sacar o
dinheiro em moeda estrangeira. Portanto, era possível, por meio
da CC5, trocar reais por qualquer outra moeda. Posteriormente,
foi permitido que outras pessoas, desde que devidamente
identificadas, depositassem nas CC5 para que o dinheiro fosse
sacado pelo titular no exterior. Isso facilitou o envio de
divisas para fora do país por um sistema que ficou conhecido no
mercado como “barriga de aluguel”. Diante da grande quantidade
de valores que estava saindo, em 1996 o governo decidiu limitar
a 10 mil reais os depósitos em dinheiro nas CC5. Mesmo assim,
continuaram sendo usadas para remessas ilegais, por isso, em
2005, depois do escândalo envolvendo o Banestado, o governo
restringiu ainda mais a utilização das CC5, até sua extinção no
mesmo ano. Atualmente, o brasileiro que quiser enviar dinheiro a
outro país deve fazer um contrato de câmbio com uma instituição
financeira, que será devidamente registrado e identificado no
Banco Central. No âmbito dos bancos, medidas durante o ano de
1999 praticamente eliminaram quaisquer impedimentos maiores para
a captação de recursos externos, liberando operações para livre
aplicação no mercado brasileiro. Assim, durante a década de
1990, mesmo sofrendo ataques especulativos e fugas de capitais,
gerando crises e tendo que recorrer ao FMI, o país continuou
aprofundando a conversibilidade de sua conta de capitais (conta
financeira).
A partir de 2000, o processo de
liberalização prossegue permitindo-se a atuação de novos agentes
e modalidades de aplicação específicas aos investimentos
externos, também disponibilizando aos investidores
estrangeiros um mecanismo para negociação direta de ações nas
bolsas de valores brasileiras. A consolidação da liberalização
financeira da economia brasileira se dá em 2005, com o fim da
cobertura cambial nas exportações. Com isso, as empresas
exportadoras brasileiras ficam desobrigadas a internar no país
os dólares recebidos pelas exportações, podendo mantê-los no
exterior. Primeiramente com limites de valor e prazo, e em
seguida abolindo qualquer restrição, o que vigora até hoje. Esta
liberalização retirou do Banco Central um importante instrumento
para agir no mercado de cambio, perdendo o que era um mínimo de
previsibilidade sobre o ingresso de moeda estrangeira. Além
disso, os exportadores, em última instância, passam a atuar sob
o mesmo signo dos agentes financeiros, ou seja, trazendo os
dólares quando lhe convém, e permanecendo com eles no exterior
quando lhes for mais conveniente.
Hoje, restam somente dois aspectos
que o mercado ainda espera do Brasil: acabar com as restrições
legais para participação de empresas estrangeiras em alguns
setores da economia; e o fim da proibição de realização de
operações domésticas em moeda estrangeira, ou seja, o curso
forçado do Real. Estes dois aspectos são citados pelo FMI como
exemplos de “instrumentos de controle de capitais”, o que
classifica o Brasil como país que ainda "restringe" o livre
trânsito de capital externo.
11. Considerações finais
A análise do balanço de pagamentos
brasileiro apresentado neste trabalho, compreendendo o período
desde a adoção do Real até hoje, nos permite concluir que
existem aspectos positivos e negativos no desempenho das contas
externas.
O primeiro ponto a considerar é que o país tem conseguido manter
saldo positivo na balança comercial de bens. No entanto, ao se
aprofundar a análise nesta conta, é possível perceber
vulnerabilidades estruturais. O país, no decorrer dos últimos 20
anos, inverteu sua pauta de exportações, de forma a retornar ao
passado como um exportador de matérias primas. Não houvesse
deprimido sua indústria, poderia conviver hoje com uma
diversidade nas exportações que certamente proporcionaria maior
robustez na balança comercial. A desindustrialização também
afeta as importações, onde se pode observar a presença maciça de
bens industrializados.
Outro aspecto positivo é o volume
expressivo de reservas internacionais que o Brasil formou e, em
certa medida, tem conseguido manter. À exceção dos últimos
quatro anos, quando consumiu cerca de US$ 50 bilhões das
reservas, estas têm se mantido já há uma década em patamar
superior a US$ 300 bilhões.
Quanto ao exame do restante das transações correntes, as contas
seguintes à balança comercial apresentaram graves déficits que
comprometem sobremaneira o balanço de pagamentos.
Durante o período analisado, a
conta de serviços consumiu todo o superávit da balança comercial
de bens. É uma conta pródiga em mostrar as opções que o país fez
no decorrer dos anos. Os maiores déficits em serviços estão na
subconta Aluguel de Equipamentos, onde se destacam: i) aluguel
de plataformas para exploração de petróleo e gás; ii) aluguel ou
leasing de embarcações e aeronaves; iii) aluguel de satélites
para telefonia móvel. Quando se constata que o país desmanchou o
polo de construção de plataformas em Rio Grande no RS, vendeu a
Embraer e sucateou as estruturas dos estaleiros nacionais,
pode-se entender que o problema é muito mais de opção do que de
dependência. O déficit acumulado da conta de serviços nestes 28
anos, chegando a 700 bilhões de dólares, poderia ser ainda maior
não fosse o resultado positivo de 139 bilhões de dólares da sub
conta de serviços de arquitetura e engenharia, mais um setor
onde o país fez de tudo para liquidar suas empresas, através dos
processos levados à cabo pela operação lava a jato.
Mas nada solapa mais o balanço de
pagamentos brasileiro do que a conta de renda primária. Como se
viu, por ela transitam os fluxos de juros, lucros e dividendos,
e sem nenhum tipo de taxação ou regulamentação, nada menos do
que 1 trilhão de dólares sangraram do país desde 1995 por este
mecanismo. A quase totalidade dos lucros obtidos em solo
brasileiro pelos investimentos estrangeiros diretos e em
carteira, são remetidos ao exterior, o que demonstra que estes
investimentos, tão decantados pelos economistas liberais como a
solução para o desenvolvimento do país, comprometem sobremaneira
as contas externas.
Quando analisamos os investimentos
estrangeiros, vimos que a conta sintética Investimento Direto no
País, abriga uma subconta chamada “Operações Intercompanhia”.
Na prática, é uma conta de livre trânsito de capitais
monetários, cujas remessas equiparam-se à empréstimos, gerando
assim encargos de juros. Com isso, durante o período 1995 a
2022, foram remetidos ao exterior 91 bilhões de dólares a título
de “Juros de operações intercompanhia”. Embora tendo essa
natureza, a conta Operações Intercompanhia passou a integrar o
Investimento direto no país, a partir da versão 6 (BPM6) do
Balanço de Pagamentos. Nos últimos cinco anos, as operações
intercompanhia tem representado, em média, 30% da conta
Investimento Direto no País.
Com exceção do período
compreendido entre 2003 e 2007, durante o governo de Lula, o
país acumula déficits históricos nas transações correntes (conta
corrente). Com isso, é a Conta Financeira que, na maioria das
vezes, proporciona um fechamento positivo do balanço de
pagamentos. Essa realidade pode explicar a razão pela qual esta
conta não tenha restrições ao livre transito dos capitais, pois
do contrário ela poderia não ser suficiente para cobrir os
sucessivos déficits em conta corrente, e posterior cobertura do
balanço de pagamentos sem o uso das reservas.
Gráfico 16
Brasil - Passivo externo líquido
Em bilhões de dólares

O exame mais detido do balanço de
pagamentos do Brasil, revela um país absolutamente subordinado
ao neoliberalismo. A absoluta liberalização da conta financeira
e a opção pelo cambio flutuante, colocam o país à mercê dos
interesses do capital externo que se utilizam do sistema
financeiro nacional para a reprodução de capital fictício. Como
vimos no gráfico 12, há uma massa de capital fictício
(investimentos em carteira) na ordem de 450 bilhões de dólares,
ao qual se pode somar 257 bilhões de dólares das tais “operações
intercompanhia”, cujo único objetivo parecer ser o de drenar
capital do país a título de juros, totalizando 707 bilhões de
dólares, mais que o dobro do valor das reservas internacionais,
e aproximadamente 6% do PIB brasileiro. No compito geral, os
investimentos estrangeiros no país superam os investimentos no
exterior (passivo externo líquido, gráfico 16) em 774 bilhões de
dólares, conforme posição em dezembro de 2022. Este quadro atua
como uma chantagem à economia brasileira. Haja visto o que
ocorreu entre os meses de março e dezembro de 2022, quando cerca
de 120 bilhões de dólares evadiram-se do país pela conta
financeira, consumindo bilhões em reservas, e elevando a taxa
cambial com consequências diretas sobre os custos das
importações, contribuindo para a elevação da inflação que
penaliza ainda mais a maioria da população.
Por fim, resta claro que qualquer
projeto que vise aplacar ou debelar o neoliberalismo, só se
viabiliza com a solução dos problemas estruturais apresentados
pelo balanço de pagamentos. Uma nova maioria política que possa
empreender um processo de reindustrialização, deve focar
primeiramente na máxima vigente desde os tempos de Juscelino
Kubitschek: a substituição das importações. Como vimos, há
apenas 20 anos atrás a indústria contribuía com quase metade das
exportações. Retomar este patamar, e diminuir as importações de
manufaturados, elevaria o saldo da balança comercial de bens de
forma a reduzir substancialmente o déficit em conta corrente. A
conta de serviços também pode ter seu prejuízo neutralizado com
a retomada do polo de construção de plataformas e a
revitalização do setor de construção e engenharia. Somando-se a
isso algum tipo de restrição à desenfreada remessa de lucros e
dividendos pela conta de renda primária – como também defendia o
ex-presidente João Goulart há 60 anos atrás –, o país pode, a
médio prazo, alcançar superávit em suas transações correntes.
Saldo positivo em conta corrente permite ao país iniciar um
processo de regulamentação da conta financeira, privilegiando a
entrada de capitais que contribuam para o desenvolvimento da
economia real.