"O primeiro grande passo a ser dado (...) é
a constituição dos operários em partido
político independente, não importando como,
desde que ele seja um partido operário
distinto. (…) Que o primeiro programa desse
partido ainda seja confuso e muito
deficiente (...) isto é um mal inevitável
mas, também, transitório. As massas devem
ter tempo e oportunidade de desenvolver-se,
e só terão esta oportunidade se têm um
movimento próprio, onde serão impulsionadas
pelos seus próprios erros, tornando-se
sábias às suas próprias custas."
PRIMÓRDIOS
Em que pese a tardia
industrialização, e a persistência da
escravidão até 1888, já a partir dos anos 50
do século passado, são criadas no Brasil as
primeiras entidades de trabalhadores e
surgem suas primeiras lutas. Assim, em 1856
é fundada a “Sociedade Beneficente dos
Cocheiros” e em 1858 a “Associação Protetora
dos Caixeiros”. Em 1858, temos a greve dos
tipógrafos, em 1863 dos trabalhadores da
Estrada de Ferro Pedro II e em 1866 a greve
dos Caixeiros - todas no Rio de Janeiro.
Inicialmente, predomina nessas entidades -
mas não de forma absoluta - o caráter
assistencialista, e recreativo. Essa fase
“mutualista” do movimento operário
estende-se até o final dos anos 80, quando
passam a desenvolver-se as organizações de
“resistência” - sindicatos, ligas e uniões
operárias - inicialmente sob preponderância
social-democrata, logo sob hegemonia
anarco-sindicalista. Apesar disso, as
organizações mutualistas continuam a manter
a sua importância até meados da segunda
década do século XX.
Em 1890, é fundado o
Partido Operário do Rio Grande do Sul. Seu
Programa defende o Socialismo e a República:
o sufrágio universal e as mais amplas
liberdades democráticas; o ensino integral,
secular e profissional; o fim do direito a
herança; a emancipação da mulher; etc.
O surgimento desse partido se dá no contexto
da proliferação de partidos similares em
todo o País:
A formação partidária que se diz socialista
aparece somente depois de 1890, isto é, na
República (...) seus dirigentes, com
exceção, não são de origem proletária, mas
pequeno-burguesa e a maior parte é
brasileira, ao contrário das lideranças
sindicais (...) a soma de Partidos é
espantosa para a época. Temos um Partido
Operário do Rio Grande do Sul (1890);
Partido Operário ou Partido Socialista
Brasileiro, do Distrito Federal (1890);
Partido Operário de São Paulo (1890);
Partido Operário no Brasil, do Distrito
Federal (1892); Centro Operário da Bahia
(1894); Partido Operário Socialista, do
Distrito Federal (1895); Centro Socialista
de São Paulo (1896); Partido Democrático
Socialista, de São Paulo (1896); Partido
Socialista do Rio Grande do Sul (1897);
Partido Socialista Brasileiro, de São Paulo
(1902); Partido Operário Socialista, do
Distrito Federal (1909).
Alguns desses partidos
chegaram a ter “repercussão internacional".
Referindo-se ao Partido Socialista
Brasileiro, fundado por França e Silva,
Kautski envia uma carta a Engels, dizendo:
envio-te anexo um jornal que me remeteram do
Rio de Janeiro. Contém um artigo sobre o
Partido Operário Brasileiro e seu programa.
Lamentavelmente não sei português, e
portanto, só posso adivinhar aqui e ali algo
de seu conteúdo. Talvez te interesse o
artigo. Talvez, se valesse a pena, Ede
[Eduardo Berstein], que também é poliglota,
poderia fazer uma nota com esse material. Já
mencionei uma vez o movimento brasileiro, em
uma informação baseada em um jornal alemão
de São Paulo.
Engels responde: “Dei a
Ede o jornal brasileiro, mas disse-lhe
que a importância destes partidos
sul-americanos está sempre na razão inversa
das demonstrações ruidosas de seus programas
(...).”
Os socialistas de São Paulo
e do Rio Grande do Sul merecem uma
referência especial no livro Le
Socialisme et le Congres de Londres,
editado na capital inglesa no ano de 1897:
“No Brasil o socialismo encontra-se em
estado embrionário. Cresce mais na Província
do Sul, São Paulo e Rio Grande do Sul,
graças à imigração italiana e alemã. Em
Santos (SP) existe a União Operária, um
partido operário social-democrata.”
A primeira comemoração do
1º de Maio no Brasil ocorre, segundo
PETERSEN, em 1891, tendo sido patrocinada
pelo Centro do Partido Operário de São
Paulo.
O ano de 1898 é marcado
pela realização do I Congresso Operário
Sul-Riograndense. Nesse Congresso, que
aprovou a defesa do socialismo, foi lido e
vivamente aplaudido um telegrama, procedente
de Alegrete e assinado por 10 pessoas, cujo
teor era “Viva o Socialismo Científico!”
Em 06.05.1896, o jornal gaúcho A FEDERAÇÃO
publica em francês a letra do hino “A
Internacional”.
Nesta segunda fase do
movimento dos trabalhadores - que se estende
até o final da primeira década deste século
- predomina de forma clara a vertente
social-democrata.
Mas já desponta uma crescente participação
anarquista no movimento.
O período que vai de 1903 a
1909 é marcado por um ascenso de greves e
mobilizações em todo o país: greve dos
carroceiros no Rio de Janeiro (1903), greve
dos ferroviários paulistas (1905), greve dos
portuários de Santos (1905); agitações e
mobilizações de apoio à revolução russa de
1905 e contra a execução de Ferrer na
Espanha (1909).
Em abril de 1906, por
iniciativa da Federação Operária Regional do
Rio de Janeiro, realiza-se no Rio de Janeiro
o 1º Congresso Operário do Brasil. Aberto no
dia 15, o mesmo prolonga-se até o dia 20 de
abril. Participam cerca de 40 entidades de
trabalhadores do Rio de Janeiro, São Paulo,
Rio Grande do Sul, Ceará, Pernambuco, Bahia,
Alagoas e Minas Gerais. Os anarquistas,
apesar de não serem a maioria, por sua
grande combatividade dominam o plenário e
conseguem aprovar a maioria de suas teses:
cabe observar que mesmo no Congresso
Operário de 1906 manifestou-se uma forte
corrente favorável à formação de um partido
político operário; mas a corrente
anarco-sindicalista predominou ali de
maneira irredutível, com o seu visceral
preconceito “antipolítico”. Nasceu, assim,
em vez de um partido a COB (...)
De 7 a 15 de novembro de
1912, realiza-se no Rio de Janeiro, no
luxuoso palácio Monroe, um "Congresso
Operário Brasileiro”, organizado e
financiado pelo 1º tenente e deputado
federal Mário Hermes - filho do então
presidente da República, Mal. Hermes da
Fonseca. O assim chamado “Congresso dos
Pelêgos” - que reuniu “sessenta e oito
elementos” - concedeu a presidência de honra
da recém fundada “Confederação Brasileira do
Trabalho” ao deputado Mário Hermes, pouco
mais se sabendo dela desde então.
A Lei de expulsão de
trabalhadores estrangeiros levou a
Confederação Operária Brasileira a
desenvolver uma grande campanha nacional e,
no dia 20 de maio de 1913, a realizar
comícios de protesto em todo o país. Entre 8
e 13 de setembro de 1913, a COB realizou o
2º Congresso Operário Brasileiro, no Rio de
Janeiro. Ao todo, estiveram representadas
cerca de 350 associações operárias dos
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Distrito Federal, Minas
Gerais, Pará, Alagoas, Amazonas. O 2º
Congresso aconselhou a greve geral
revolucionária em caso de guerra externa,
definiu o combate ao cooperativismo nas
entidades sindicais - por “desvirtuar os
destinos reais do Sindicato” - e assumiu
integralmente a orientação anarquista de
combate à política.
Observa-se, entre 1912 e
1916, um certo refluxo do movimento operário
brasileiro, cujas grandes lutas só serão
retomadas no ascenso de 1917-1919:
Nos anos de 1911 até 1913 passa-se por um
certo refluxo, quando os desmantelamentos de
sindicatos pela polícia serão acompanhados
de legislação mais severa para expulsão de
estrangeiros. É nesse contexto que tem lugar
em 1912 o Congresso convocado pelo filho do
Presidente da República. Mas também o ano
seguinte assistirá a realização do II
Congresso da Confederação Operária
Brasileira ainda sob predomínio anarquista.
Daí até 1917 uma relativa baixa do movimento
grevista é acompanhada de forte mobilização
contra expulsão de estrangeiros, contra a
guerra e o militarismo, contra a carestia
que acompanhou os anos de guerra. O ano de
1917 inaugura um novo ascenso e mesmo uma
nova fase de massividade do movimento
operário.
O ASCENSO GREVISTA DE 1917
Para entendermos o grande
ascenso grevista de 1917 é preciso, alem das
suas causas de fundo, analisar a conjuntura
em que a mesma ocorreu: “O grande movimento
grevista que se alastra pelo país em meados
de 1917 tem a sua causa conjuntural mais
evidente no modo de inserção do Brasil na
Primeira Grande Guerra (...) o país
transformara-se em um grande fornecedor de
gêneros alimentícios às populações civis e
às tropas combatentes das nações da
‘Entente’(...).”
Entre 1914 e 1917 as exportações brasileiras
de gêneros alimentícios aumentaram, em
média, 11 vezes. No caso da carne resfriada
e do charque, esses aumentos foram de 47 e
de 30 vezes, respectivamente. Já a
exportação do arroz aumentou 14 mil vezes e
a do feijão 21 mil vezes! As conseqüências
disso foram o desabastecimento e a disparada
nos preços. Referindo-se a isso, Dules
afirma: “Os preços dos gêneros alimentícios
continuaram a subir durante os seis
primeiros meses de 1917. Artigos de primeira
necessidade tendiam a custar de 20 a 150 por
cento mais caro do que no ano precedente
(...) O aumento do custo de vida foi o tema
dos discursos do Primeiro de Maio de 1917.”
A essa situação econômica insustentável, é
preciso acrescentar um razoável nível de
consciência e organização por parte dos
trabalhadores, sob influência
anarco-sindicalista, e o impacto das
primeiras notícias da Revolução da Rússia de
fevereiro.
Assim, o ano de 1917 entrou
prenhe de grandes mobilizações operárias. Em
18 de abril, a Federação Operária do Rio de
Janeiro realizou uma grande assembléia em
sua sede, ocasião em que foi decidido o
envio de uma mensagem ao Presidente da
República protestando contra a eventual
entrada do Brasil na guerra e sugerindo
medidas contra a crise que sacrificava os
trabalhadores. No dia 1º de maio, um grande
massa de trabalhadores desfilou pelas ruas
da capital protestando contra a carestia e
pedindo paz. Ainda durante o mês de maio,
irromperam diversas greves em fábricas
têxteis do Rio de Janeiro, acompanhadas de
comícios, passeatas e choques com a polícia.
E, em julho de 1917, eclodiu em São Paulo -
já então o principal centro industrial do
Brasil - a primeira grande greve geral do
país, que logo se estenderia para o Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul.
No dia 10 de junho, iniciou
a greve dos trabalhadores do cotonifício
Crespi, no bairro industrial da Mooca, na
capital paulista, reivindicando um aumento
de 25%. No dia 15, os grevistas realizam uma
passeata pedindo a solidariedade de seus
irmãos de classe e sofrem a repressão
policial. Rapidamente, o movimento grevista
começa a ganhar a adesão dos operários de
diversas fábricas, ao mesmo tempo que
generaliza-se o descontentamento entre o
conjunto dos trabalhadores. No dia 28 de
junho, a “União dos Operários em Fábricas de
Tecidos de São Paulo” faz um apelo às “Ligas
Operárias” do interior do Estado, do Rio de
Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Minas
Gerais para que declarem o boicote,
impedindo que Crespi consiga atender às suas
encomendas através de fábricas fora de São
Paulo. Neste mesmo dia, outra grande
manifestação operária é reprimida pela
polícia montada quando se dirigia para a
Praça da Sé. No dia 6 de julho , a primeira
vitória: a firma Nami Jafet concede um
aumento de 20% para o dia e de 25% para a
noite. O movimento se estende como rastilho
de pólvora e já são milhares de grevistas
manifestando-se nas ruas. No dia 9 de julho
a polícia dispara contra os trabalhadores e
fere gravemente o operário Antonio Martínez;
em seguida são fechadas as sedes de todas as
“Ligas” e “Uniões” da cidade. A greve atinge
quase todas as categorias industriais e de
serviços e cresce a indignação proletária e
os choques com as forças de repressão.
No dia 10, falece o
operário Martínez e a “Comissão de Defesa
Proletária” convida a população de São Paulo
a acompanhar o enterro. Um “mar de gente”
acompanha o cortejo fúnebre, desafiando o
enorme aparato policial-militar colocado nas
ruas pelo governo. Findo o enterro, uma
parte da massa dirigiu-se para a Praça da Sé
para ouvir os discursos de protesto; outra
parte da multidão, calculada em milhares de
pessoas, dirige-se para os bairros do Brás,
Mooca, e Cambuci e força o fechamento das
empresas que continuam trabalhando. Os dias
12 e 13 de julho foram de confronto aberto.
e muitas vezes armado, entre os
trabalhadores e as forças da repressão, com
o surgimento de barricadas nos bairros
operários. Estima-se que em torno de 75 mil
o número de trabalhadores em greve.
Manifestações de solidariedade chegam de
todas as partes. As informações acerca de
atos de indisciplina no seio das tropas
preocupa as autoridades e os patrões:
No dia 13 de julho, Crespi
e os demais industriais admitiram um aumento
de 20% para o conjunto dos trabalhadores.
Uma comissão de jornalistas se propôs a
mediar o confronto. Depois de algumas
negociações, os patrões - além dos 20% de
aumento - se comprometeram a não despedir
ninguém pela greve, respeitar o direito de
associação, pagar os salários a cada 15 dias
e melhorar as condições materiais e
econômicas dos trabalhadores. Já o Governo,
concordou em libertar os operários presos
por motivo da greve, reconheceu o direito de
reunião, se comprometeu com uma fiscalização
rígida das normas trabalhista e com o
controle dos preços. No dia 16 de julho, os
trabalhadores aceitaram o acordo. Dia 18,
“ao comício do Largo da Concórdia aflui uma
massa superior a oitenta mil almas. Um
verdadeiro oceano humano a espraiar-se pelo
Largo até a rua Bresser. Nunca se viu, na
cidade, uma concentração tão numerosa, tão
comovente e tão conscientemente
disciplinada.” O comício é encerrado ao som
da Internacional.
No dia 18 de julho, o
movimento grevista alastra-se para o Rio de
Janeiro. Iniciado em duas pequenas fábricas
de móveis, em solidariedade aos grevistas de
São Paulo, se estende rapidamente, sendo
assumida pela Federação Operária do Rio de
Janeiro:
“Na manhã de segunda-feira 23 de julho,
calculava-se que 50 mil operários estavam em
greve. No mesmo dia, cerca de 20 mil
operários metalúrgicos deixaram o serviço
(...) Bandos de operários percorreram as
ruas da cidade. A 24 de julho, enquanto um
grupo deles solicitava a adesão de
companheiros ao movimento paredista, a
polícia investiu contra o mesmo a golpe de
espada e patas de cavalo. A multidão,
revoltada com este “ataque” policial,
marchou em direção ao largo de São
Francisco, carregando uma bandeira vermelha
e berrando “abaixo o capital”. (...)
Enquanto isso, outros grupos executavam os
primeiros assaltos e depredações. (...) Em
25 de julho, uma força policial dispersou
enorme aglomeração nas vizinhanças da
Central de Polícia. (...) os policiais foram
recebidos a pedra, saindo ferido na cabeça o
tenente que comandava o destacamento (...)
Nos últimos dias de julho, diversos acordos
foram efetuados. Os representantes dos
operários das fábricas de tecidos, maior dos
grupos trabalhistas do Rio, ainda se
encontravam em negociações no dia primeiro
de agosto. Quando, no dia seguinte, entraram
em acordo com o Centro Industrial do Brasil,
a “greve geral” carioca chegou ao ponto
final. O acordo estabelecia a semana máxima
de 56 horas e um aumento de 10 por cento dos
vencimentos. Os problemas referentes ao dia
de oito horas, trabalho de menores e
responsabilidade dos patrões nos acidentes
de trabalho seriam resolvidos por leis no
Congresso Nacional. E nenhum operário seria
dispensado por tomar parte na greve.
Avançando como que “em
ondas”, em 31 de julho o movimento grevista
chega ao Rio Grande do Sul. Depois de
algumas reuniões furtivas, a “União Operária
Internacional”, anarquista, distribui
boletins, convocando uma reunião geral na
FORGS para o dia 29, domingo:
“Na reunião, com mais de 500 pessoas, nenhum
cargo administrativo da FORGS tomou a
palavra e criou-se ainda (não elegeu-se) um
órgão sob controle dos anarquistas e dos
pedreiros sindicalistas (sem a participação
da diretoria da Federação). A Liga de Defesa
Popular (LDP) estabelece uma pauta de
reivindicações e a entrega aos governos
municipal e estadual, eximindo, portanto, a
FORGS da responsabilidade do movimento.”
Tudo indica que essas
“precauções” foram tomadas para prevenir
qualquer intervenção na FORGS em função da
greve.
Entre os integrantes da LDP encontramos o,
pedreiro Luiz Derivi e o gráfico Cecílio
Villar, ambos conhecidos anarquistas e
ex-dirigentes da FORGS (não sabemos se neste
momento continuavam ou não na suas direção,
por nos faltarem dados concretos sobre
isso), além de Abílio Nequete, um dos
fundadores do Partido Comunista do Brasil em
1922. Imediatamente a “Liga” lançou uma
proclamação ao povo de Porto Alegre,
divulgando as suas reivindicações:
Povo! Trabalhadores! (...) A Liga de Defesa
Popular espera o apoio do povo de Porto
Alegre para obter as seguintes melhorias
(...) diminuição dos preços dos gêneros de
primeira necessidade em geral; providência
para evitar o açambarcamento do açúcar;
estabelecimento de um matadouro municipal
para fornecer carne à população a preço
razoável; criação de mercados livres nos
bairros operários; obrigatoriedade de venda
do pão a peso e fixação semanal do preço do
quilo; a Intendência cobrar pelo
fornecimento de água 10% sobre os aluguéis
cujo valor locativo seja inferior a 40$000;
compelir a Companhia de Força e Luz a
estabelecer a passagem de 100 réis, de
acordo com o contrato feito com a
municipalidade; aumento de 25% sobre os
salários atuais; generalização da jornada de
8 horas; estabelecimento da jornada de seis
horas para mulheres e crianças.
No dia 30, a “Liga” envia,
um documento ao presidente do Estado -
Borges de Medeiros - e ao intendente
municipal - José Montaury, com as
reivindicações aprovadas. Na tarde do dia
31, a “Liga” realiza um comício com 5 mil
pessoas e decreta a greve geral:
Estalou finalmente a greve geral, há
tantos dias anunciada nesta cidade, e cujos
prenúncios se fizeram sentir logo após o
movimento grevista que na capital da
República secundou o de São Paulo. Como era
de prever, o operariado, depois do comício
realizado ontem à tarde na Praça Senador
Florêncio, onde diversos oradores pregaram a
greve geral como único meio de
conseguir o decrescimento da carestia da
vida, resolveu abandonar o trabalho, tendo
muitas fábricas deixado de funcionar ontem
mesmo. A agitação nas classes operárias é
extraordinária, como se pode notar, desde
ontem à tarde, na atitude exaltada de grande
número de operários que, em grupos,
percorriam as ruas da cidade e estacionavam
às esquinas. A sede da Federação Operária
tem estado repleta de associados”.
Paralisam as suas
atividades os calceteiros pedreiros,
marceneiros, carpinteiros, tecelões,
chapeleiros, metalúrgicos, estivadores,
choferes, carroceiros, padeiros, tipógrafos,
comerciários. Os motorneiros e cobradores da
Cia. Força e Luz solicitam um aumento de
salários e, ao não serem atendidos, entram
em greve. Os trabalhadores da Viação Férrea
do RGS - controlada pela empresa belga
Compagnie Auxiliaire e pela
norte-americana Brazil Railway -
reivindicam jornada de oito horas, semana
inglesa e aumentos salariais de 10 a 30%.
Diante da resposta negativa, iniciam a greve
em Santa Maria e logo estendem o movimento a
todos os municípios, paralisando os
transportes a nível estadual. Em Porto
Alegre os grevistas dominam a cidade. Zenon
de Almeida - que anos depois irá aderir ao
Partido Comunista do Brasil - edita o jornal
A ÉPOCA, porta-voz da “Liga de Defesa
Popular”.
No dia 1º de agosto, em um
comício na Praça da Alfândega com mais de 4
mil operários, o anarquista João Baptista
Noll refere-se explicitamente à revolução
russa em andamento: “Camaradas! Que o som
produzido pelo choque do malho e da bigorna
seja o eco da liberdade a ressoar pelo
mundo. (...) O povo da Rússia, dos cossacos,
de Tolstoi, Gorki e Kropotkine, depois de
uma escravidão quase infinita, conseguiu por
si um regime de liberdade”.
Um testemunho da época reproduz bem o clima
da greve:
Invadindo e dominando todas as grandes
companhias, estabelecimentos e várias
classes sociais, algumas levadas à força,
pelo temor de represálias tremendas que os
grevistas prometiam (...) esse
movimento assumiu proporções desmesuradas,
paralisou totalmente a vida da cidade, sem
luz nem pão, sem leite nem carne, sem
legumes nem frutas, sem bondes nem carros,
sem automóveis nem carroças. (...)
grevistas que chegaram à petulância
irrisória de colocar destacamentos seus,
vigilantes e ameaçadores, em determinadas
embocaduras e encruzilhadas, para impedir
que os vendedores ambulantes dos artigos
imprescindíveis de consumo diário, pudessem
chegar ao mercado ou casas dos fregueses.
Houve até um simulacro caricato de governo
que expedia salvo-condutos a determinados
indivíduos para poderem transitar
livremente. Dispondo de numerosa gente
espalhada aqui e acolá em grupos de catadura
menos tranquilizadora, foram a reprováveis
atos de violência (...) A cidade semelhava
uma praça de guerra, preparada para o
combate. Em todos os recantos suspeitos, os
pelotões de infantaria, embalados,
estacionavam previdentes: patrulhas de
cavalaria cruzavam constantemente numa
atividade formidável. (...) Os comícios e
assembléias operárias eram freqüentes e
numerosas, a linguagem tribunícia inflamada,
excessiva, abundantíssima; as exigências
enormes; as imposições demasiadas e
inaceitáveis; a cólera exacerbada e
perigosa.
No dia 2 de agosto a LDP é
recebida por Borges de Medeiros que lhes
comunica a decisão de atender as
reivindicações quanto à redução da jornada
de trabalho e aumento de salários de 5 a 25%
para os empregados do Estado, além de
medidas de controle das exportações de
arroz, banha, batatas, feijão e farinha. As
concessões do presidente do Estado são
festejadas por uma multidão de 5 mil
pessoas, que aguarda a Comissão a saída do
Palácio; esta recomenda a continuidade da
greve, pois nem os patrões haviam reduzido a
jornada de trabalho e concedido aumentos
salariais, nem o governo municipal havia
tomado medidas concretas para o controle dos
preços. Nesse mesmo dia aderem à paralisação
a Companhia Fiat Lux, tamanqueiros,
licoreiros, canteiros, e diversas outras
empresas.
O Chefe da Polícia, Firmino
Paim Filho, pressiona para que a greve seja
suspensa, alegando que as reivindicações dos
trabalhadores já haviam sido satisfeitas. O
CORREIO DO POVO do dia 3 de agosto traz a
notícia do fim da greve. Imediatamente a
“Liga” distribui um Boletim desmentindo o
fim da greve e “concita aos trabalhadores
que já tenham entrado em acordo com os
patrões, quanto ao aumento de salário e às 8
horas, que continuem em greve até a
diminuição dos preços dos gêneros
alimentícios, do contrário o que ganharmos
voltará para os cofres dos comerciantes.” No
dia seguinte, através do Ato 137, o
Intendente Municipal José Montaury decretou
o tabelamento dos preços do arroz, açúcar,
banha, cebola, salame, ovos, erva-mate,
leite, manteiga, massa branca, milho,
fósforos, polvilhos, pão, sal, charque,
querosene, sabão e vela de sebo. Também
reeditou o Ato 107, de 1914, regulando as
normas para a venda da carne fresca.
Quanto aos patrões,
pressionados pelos trabalhadores e pelo
próprio governo, concederam aumentos de 25%
e jornada de 8 horas para a maioria das
categorias. No dia 4 de agosto, a Companhia
Força e Luz dá aumento a todos os seus
funcionários. Consultada a “Liga”,
motorneiros e cobradores só suspendem a
greve no dia 5 de agosto, quando a própria
“Liga” divulga o seu Boletim aconselhando “a
volta ao trabalho de todas as classes que o
julgarem conveniente”, ao mesmo tempo que
assegura que “as que quiserem prosseguir em
greve, por não terem conseguido seu
objetivo, a Liga de Defesa e a Federação
Operária do Rio Grande do Sul hipotecam a
sua solidariedade e se propõem a tudo fazer
por elas.” Um comício, realizado nesse mesmo
dia, encerra a Guerra dos Braços
Cruzados. Algumas categorias
permaneceram em greve por alguns dias, até
terem as suas reivindicações atendidas.
Encerrava-se, de forma vitoriosa, a lutas do
proletariado portalegrense.
Já a greve dos ferroviários
enfrenta grande dificuldades. O
inspetor-geral da VFRGS - Mr. Cartwright -
ameaça despedir todos os grevistas e
solicita a intervenção das tropas da 7ª
Região Militar: “No dia 2 de agosto o
General Carlos Frederico de Mesquita comanda
a ocupação da Estação de Santa Maria. Em
represália os grevistas arrancam trilhos,
derrubam pontes e bloqueiam a via com
dormente e postes telegráficos em vários
pontos do Estado. Alguns trens passam a
circular guarnecidos por tropas. Em Passo
Fundo há violentos choques entre
ferroviários e forças militares.”
No dia 9 de agosto a greve foi interrompida
sem que as reivindicações dos trabalhadores
fossem atendidas. Mas em 17 de outubro de
1917, os ferroviários retomam a sua luta
através de uma greve ainda mais violenta e
prolongada. Operários armados invadem a
estação de Santa Maria, danificam e chocam
locomotivas, paralisando completamente o
tráfego. A greve se espalha por todo o
Estado, com uma violência inaudita. Trilhos
são arrancados, linhas telegráficas
cortadas, pontes destruídas. Novamente as
tropas são mobilizadas e trens militares
voltam a circular.
Os ferroviários denunciam
os “patrões estrangeiros” que os exploram e
não garantem um serviço de qualidade,
buscando ganhar o apoio e a simpatia do
empresariado gaúcho, insatisfeito com os
serviços prestados pela VFRGS. O governo do
Estado - interessado em assumir a concessão
da Viação Férrea - sinaliza neste sentido
através das páginas de A FEDERAÇÃO, propondo
a cassação da concessão à Brazil Railway
da ferrovia, e passa a trabalhar junto ao
governo federal nesse sentido. Borges de
Medeiros recomenda cautela e comedimento da
Brigada Militar na repressão ao movimento Os
ferroviários em greve delegam ao governo do
Estado a intermediação junto ao Governo
Federal e à Companhia, para negociar um
acordo. Em Santa Maria cresce a violência:
“em choques de rua, após comício na Praça
Saldanha Marinho, no dia 21 de outubro, uma
patrulha do exército atira sobre os
manifestantes: há 1 morto e 29 feridos.”
No dia 27 de outubro a FORGS ameaça com uma
greve geral no Estado, caso as
reivindicações dos ferroviários não sejam
atendidas. No dia 31 de outubro, Mr.
Cartwright é exonerado e Borges de Medeiros
consegue a concessão de aumentos salariais
de 10 a 15%, além da satisfação de grande
parte das reivindicações dos grevistas. Três
anos depois, o governo estadual assumirá o
controle da VFRGS.
Além da greve estadual dos
ferroviários, o movimento também se alastrou
para algumas cidades do interior. Em
Pelotas, se inicia no dia 4 de agosto com a
paralisação dos motorneiros e cobradores da
Companhia Força e Luz, estivadores,
choferes, curtidores, alfaiates, sapateiros
e verdureiros. Também é dirigido por um
“Comitê de Defesa Popular”. Diferentemente
de Porto Alegre, o Intendente Municipal
reprime violentamente os grevistas e o
movimento se radicaliza. No dia 10 de
agosto, realiza-se uma passeata dos
trabalhadores no centro da cidade, encerrada
com um comício. A repressão da policia e do
11º Regimento de Cavalaria, acaba em um
conflito de grandes proporções, com diversos
feridos. Em protesto, os grevistas
concentram-se à noite na sede da “Liga
Operária”. A polícia intervém novamente e os
operários resistem. Na refrega um
funcionário da Intendência municipal é
gravemente ferido - falecendo poucos dias
depois - e o cavalo do próprio chefe de
polícia é abatido a tiros. Depois de muita
luta os grevistas são desalojados.
Preocupado com a violência dos conflitos,
Borges de Medeiros envia para Pelotas o
Chefe de Polícia da capital com a missão de
“manter a ordem assegurando o direito de
greve àqueles que nela quiserem persistir,
bem como garantir a liberdade de ação dos
que não estivessem dispostos a acompanhar
esse movimento” (A FEDERAÇÃO, 13.08.1917).
Em meados de agosto a greve em Pelotas é
encerrada, em troca de uma redução nos
preços dos gêneros de primeira necessidade.
A onda grevista se espraia por diversos
municípios do Rio Grande do Sul, perdurando
até o mês de novembro.
Em Recife, a onda grevista
chegou no mês de setembro, tendo também um
caráter geral.
Em fins de 1917, diante da
declaração de guerra à Alemanha, operários
em greve no Rio de Janeiro foram
constrangidos a retornar ao trabalho. O
Congresso declarou o “estado de sítio” e o
governo aproveitou para fechar os sindicatos
e os jornais operários que se opunham à
guerra.
Em dezembro de 1917, procurando antecipar-se
às reivindicações operárias, o Governo
editou o decreto nº 1.596, regulamentando o
trabalho infantil e feminino. Em 1918 é
aprovada a lei sobre acidentes de trabalho.
Encerra-se, assim, a primeira fase da onda
grevista iniciada em 1917.
A INSURREIÇÃO ANARQUISTA DE 1918
Mas, nem a repressão, nem
as concessões - seja à nível da jornada de
trabalho, seja a nível salarial, seja à
nível legislativo - conseguiram impedir o
avanço do movimento operário ou bloquear a
elevação do seu nível de consciência, que
começa a assumir novas formas. Sob
influência da vitoriosa Revolução Russa,
surgem diversos grupos “comunistas” ou
“maximalistas” (bolcheviques), inclusive no
Rio Grande do Sul.
No 1º de Maio de 1918, o anarquista Zenon de
Almeida escreve no jornal A LUTA: “Que a
Revolução Russa é um acontecimento grandioso
na história dos povos, para nós é um fato
indiscutível. (...) a burguesia não faria o
escarcéu que faz, se alguma coisa de grande
a Revolução não anunciasse”. Neste mesmo
ano, o semanário O INFLEXÍVEL - editado pelo
veterano dirigente socialista Francisco
Xavier da Costa - publica entre nós, pela
primeira vez no Brasil, a íntegra da
Constituição Soviética.
No 1º de Maio de 1918, no Rio de Janeiro,
uma reunião com 3 mil trabalhadores aprova
uma moção a favor da revolução na Rússia e
contra a guerra imperialista.
Em agosto de 1918, tem
lugar a greve da Companhia Cantareira Viação
Fluminense, a qual aderem outras categorias.
Uma parte da tropa enviada para reprimir o
movimento adere aos grevistas e sucedem-se
violentos choques armados.
Finalizada a I Guerra Mundial, eclode no Rio
de Janeiro, em novembro, a Insurreição
Anarquista de 1918, que abre uma segunda
grande onda de lutas proletárias:
Em novembro de 1918, eclodiu uma greve
política geral no Rio de Janeiro. Os
primeiros a entrar na luta foram 25 mil
tecelões, que exigiam aumento de salário e o
direito de criar livremente sindicatos.
Segundo o plano elaborado por um Comitê
Revolucionário especialmente criado, a greve
deveria transformar-se em rebelião armada.
Os sindicalistas revolucionários e os
anarquistas, que participavam desse comitê,
decidiram que o sinal para a rebelião seria
uma reunião geral dos proletários, em uma
das praças da capital. Depois deveriam
invadir depósitos militares e apreender
armas. (...) em seu meio infiltrou-se um
provocador que comunicou à polícia a
rebelião em preparação. Na véspera da
rebelião, na noite de 17 para 18 de novembro
de 1918, a polícia prendeu vários membros do
Comitê Revolucionário. Os grupos de
operários que se reuniram pela manhã em uma
das praças, foram dissolvidos pela polícia.
A rebelião armada fracassou. (...) em alguns
bairros os operários começaram, de acordo
com o plano, a construir barricada, mas logo
foram obrigados a recuar. Somente nos
arredores do Rio de Janeiro os trabalhadores
de Magé, rebelando-se, proclamaram a
República Operária, que durou alguns dias.
Os revolucionários tentaram mesmo tomar sob
seu controle as fábricas, porém
destacamentos policiais afogaram em sangue a
República Operária - a primeira tentativa
dos operários de tomarem o poder em suas
mãos. (...) Muitos operários foram mortos e
presos. (...) os acontecimentos de novembro
de 1918 demonstraram com toda evidência que
se havia acumulado, nas fileiras do
movimento operário, uma grande energia
revolucionária e que espontaneamente os
operários eram atraídos a métodos mais
revolucionários de ação e que o antagonismo
entre o capital e o trabalho havia crescido
de maneira excepcional. A questão estava
apenas em organizar e dirigir corretamente
essa luta. Os sindicalistas mostraram sua
incapacidade para continuar desempenhando o
papel dirigente. O proletariado brasileiro
viu-se diante da necessidade de elaborar uma
nova orientação e criar um partido político
de tipo bolchevique.
AS GRANDES GREVES DE 1919
No Rio de Janeiro, em 1919,
no comício do 1º de Maio, compareceram 60
mil pessoas e diversos oradores falaram em
nome do “Partido Comunista”. O orador mais
aplaudido foi o operário José Elias da
Silva, que três anos depois participará da
fundação do Partido Comunista do Brasil. Em
2 de maio, os operários da construção civil
do Rio de Janeiro conquistam a jornada de 8
horas. No mesmo dia, é deflagrada uma greve
geral em São Paulo, a qual, em poucos dias,
paralisa mais de 50 mil trabalhadores: “O
movimento se estendeu a outras cidades do
Estado, de maneira bem mais significativa do
que acontecera em 1917. (...) Em São
Bernardo do Campo, ao sul da capital, o
operário Constante Castellani foi morto por
uma bala do destacamento policial que fizera
fogo para dispersar uma aglomeração de
grevistas.”
São obtidas diversas vitórias parciais, com
redução da jornada e aumentos salariais. No
Rio de Janeiro, a partir de 7 maio, diversas
categorias entram em greve, e no dia 18 de
maio já havia mais de 10 mil trabalhadores
paralisados. São conquistados alguns
avanços. Também explodem greves na Bahia e
em Pernambuco.
No Rio Grande do Sul também
são registradas importantes lutas em 1919.
Em Santana do Livramento eclode, no dia 13
de março,
a grande greve nos Frigoríficos Armour,
dirigida pela “Liga Comunista de Livramento”
- “a primeira greve contra uma
empresa imperialista no Estado sulino”
- pleiteando aumentos de salários, a jornada
de 8 horas, pagamento em dobro nos domingos
e nas horas extras. Em Porto Alegre,
“desfraldando a bandeira da jornada de oito
horas (...) os metalúrgicos deflagraram a
maior greve já feita por uma categoria de
trabalhadores no Rio Grande do Sul. Ficaram
de braços cruzados de 13 de julho a 18 de
agosto de 1919 e só voltaram ao trabalho
depois da vitória de seu movimento.”
No decorrer do mês de agosto, a greve dos
metalúrgicos adquire um caráter geral,
paralisando milhares de trabalhadores de
Porto Alegre. No dia 7 de setembro a polícia
reprime violentamente um comício dos
grevistas em frente à Prefeitura.:
No fogo da luta, os
trabalhadores procuram avançar sua
organização. A 9 de março de 1919, é fundado
o “Partido Comunista do Rio de Janeiro”,
aberto para “anarquistas, socialistas e
todos os que aceitarem o comunismo social”.
Em 16 de junho, é formado o núcleo de São
Paulo do “Partido Comunista”. E em 21 de
junho, abre no Rio de Janeiro a “Primeira
Conferência Comunista do Brasil”, na
verdade, uma assembléia de todo o movimento
anarquista do país. Participam 22 delegados
representando grupos “comunistas” do
Distrito Federal, Alagoas, Minas Gerais,
Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São
Paulo. Devido a repressão, a Conferência
teve que reunir-se nos dias 22 e 23 em
Niterói. Mas o encontro se encerra sem
chegar a um acordo sobre o programa do novo
partido, delegando ao núcleo de São Paulo a
tarefa de elaborá-lo. Mas, esse “Partido
Comunista” possuía uma contradição
insolúvel: por um lado, era constituído, na
sua imensa maioria, por convictos
“libertários”; por outro, constituía-se como
“Partido” (o que era a própria negação do
apoliticismo anarquista) e era entusiasta
defensor da Revolução Russa, onde a classe
operária havia colocado na prática a questão
da “tomada do Poder” e da constituição de um
“Estado Proletário” (o que era inaceitável
dentro da concepção anarquista). Isso só
poderia levar, como efetivamente levou, à
sua total inoperância.
A solução desta contradição
só se dará em 1922, depois que o campo
anarquista diferenciou-se e cindiu: de um
lado, aqueles que permaneceram atrelados ao
anarquismo, contrário à toda ação política e
progressivamente anti-soviético; de outro,
aqueles que romperam com o anarquismo,
aderiram ao marxismo-leninismo (em que pese
inúmeras incompreensões) e mantiveram-se
fiéis à primeira revolução proletária. De
1920 e 1922, ocorre no interior do movimento
sindical uma intensa luta ideológica entre
“anarquistas” e “maximalistas ou
comunistas”, amadurecendo as condições para
o surgimento de um “Partido Comunista”
marxista. Nesse processo, jogará um papel
importantíssimo a vitória da Revolução
Russa.
A FALÊNCIA
TEÓRICA E PRÁTICA DO ANARQUISMO
Em outubro de 1919,
fracassa uma greve geral em São Paulo,
dirigida pelos anarquistas. Diversos
trabalhadores são presos e despedidos,
outros deportados para o Rio Grande do Sul
ou para o exterior, como Everardo Dias. O
ano de 1920 ainda assistiu importantes lutas
operárias: em março, a greve dos
trabalhadores da Leopoldina Railway e da
Companhia de Estradas de Ferro Mogiana,
ambas vencidas através de uma brutal
repressão. O anarquismo ainda prevalece
amplamente, mesmo nos grupos autodenominados
“comunistas”. Às antigas teses sobre a forma
sindicalista de organização, o método da
ação direta, o antibelicismo, a luta pelas 8
horas, se juntam novas teses, como a luta
contra as deportações. Em abril, no Rio de
Janeiro, realiza-se o 3º Congresso Operário
Brasileiro. Participam 135 delegados, sendo
nomeada uma comissão para “coordenar” o
temário do Congresso, formada por Edgard
Leuenroth, Alberto Lauro, José Alves Diniz,
José Elias da Silva e João da Costa Pimenta.
Representando a VOZ DO POVO, Astrogildo
Pereira participou do Congresso com direito
à voz. Esses três últimos estarão em 1922 no
Congresso de fundação do Partido Comunista
do Brasil. Da mesma forma que os Congressos
anteriores, o terceiro optou pelo maleável
“método federativo”, tão apreciado pelo
libertários. A filiação à Internacional
Comunista foi descartada por esta não ser
“uma organização genuinamente sindical”,
decidindo-se por um “voto de felicidades”.
Ao invés de confiar suas resoluções à COB,
nomeou-se uma Comissão executiva do Terceiro
Congresso (CETC), com mandato até o Quarto
Congresso, compreendendo um Secretário Geral
- Leuenroth - um Tesoureiro e cinco
secretários itinerantes, entre eles José
Elias que logo assumiria a Secretaria Geral
por motivos de doença.
O ano que se seguiu ao 3º
Congresso Operário Brasileiro foi de
“desmantelamento geral da organização
operária” e de crise da própria imprensa
operária. Para isso contribuíram a “forte
reação policial”, as leis anti-anarquistas a
retração do mercado de trabalho e a
incapacidade do anarquismo de dar respostas
as necessidades da nova fase de lutas que se
iniciava para o movimento operário: “As
greves de 1917, 1918 e 1919 mostraram que o
movimento operário estava objetivamente
maduro, mas não possuía uma direção
conseqüente, capaz de abrir a perspectiva
política. Os anarquistas, apesar da firmeza,
da combatividade e do devotamento com que
lutavam, não podiam desempenhar essa tarefa,
em virtude das limitações da sua doutrina.”
Como afirma Hardman:
(...) a recusa em considerar a organização
necessária ao proletariado para a luta
política contra o Estado; a negativa em
organizar a classe em partido próprio, com
vistas à tomada revolucionária do poder; o
apego absoluto à chamada “resistência
anticapitalista”, que se traduzia na
superestimação do papel do sindicato e da
luta econômica; a exaltação das formas
espontâneas de luta, de ações voluntaristas
e heróicas, individualizadas e desvinculadas
das massas; enfim, esses aspectos da teoria
e prática dos anarquistas, revelaram o
impasse e o beco sem saída a que foi levado
o movimento operário no Brasil, neste final
dos anos 10. (...) as ações do movimento
anarquista não superaram a espontaneidade
economicista
No final de 1920, início de
1921, ainda se registram algumas greves
operárias, como a dos estivadores de Santos
e a dos marítimos das companhias de
navegação do Rio de Janeiro - que contou com
o apoio dos trabalhadores marítimos do
Recife e do sul do país. A sede da “União
dos Operários da Construção Civil” do Rio de
Janeiro, que preparava uma greve geral de
solidariedade aos marítimos, foi invadida e
diversos operários presos depois de um
conflito armado. Essa greve geral, que
fracassou, expressa o refluxo das lutas
operárias:
A grande vaga de movimentos operários e
populares de 1917-1920 foi reprimida
brutalmente. 1921 foi o ano da vazante. Os
trabalhadores estavam vencidos. Os
sindicatos esfacelados. (...) ficou apenas
uma pequena vanguarda. Esta vanguarda
continuou a defender os ideais da luta
proletária. Meditou nas lições da derrota.
Compreendeu que a maior parte da culpa cabia
às idéias e aos métodos anarquistas e
anarco-sindicalistas. Compreendeu que eram
necessários nova ideologia e novos métodos.
(...) Os movimentos operários de 1917-1920
não foram orientados pela ideologia
marxista-leninista. (...) No seio da classe
operária predominavam, então, duas
correntes. Uma, oportunista de “esquerda”,
com o anarquismo e o anarco-sindicalismo. A
outra, oportunista de direita até a traição,
com o reformismo apodrecido e policial (...)
os anarquistas e anarco-sindicalistas não
poderiam triunfar. Nem dirigir nenhuma
revolução. Faltava-lhes o conhecimento das
noções preliminares. Quais? A teoria da luta
de classes. A necessidade do Estado
proletário, de transição. O estudo da
situação objetiva. A análise da correlação
de forças em cada momento dado. A
necessidade de uma política proletária de
classe. Os avanços e recuos. A ofensiva e a
defensiva. A luta legal e a ilegal. A luta
no Parlamento e a luta extra-parlamentar. A
combinação dessas formas de luta e de muitas
outras. (...) O anarquismo pregava a
revolução”. Mas não tinha nenhuma idéia
concreta da revolução. Não compreendia suas
etapas. Nem suas forças motrizes. Nem o
papel do proletariado. Nem a aliança com os
camponeses. Reduziu, de fato, a luta dos
operários à luta econômica e sindical. (...)
O anarquismo era uma corrente individualista
pequeno-burguesa. Não admitia nenhum
partido. Negava, de fato, a política (...)
Não tinha disciplina. Nem organização.
Em que pese todas essas
limitações do anarco-sindicalismo e do
sindicalismo revolucionário - hegemônicos no
Brasil até o início dos anos vinte - uma
avaliação ponderada do seu papel leva-nos a
concordar com a opinião do estudioso
soviético Bóris Koval, que afirma:
Diferentemente do anarquismo clássico
(Bakunismo) o anarco-sindicalismo adotou
algo do marxismo (o ensinamento sobre a luta
de classes) (...) e apoiava-se nos
sindicatos, como forma fundamental de
organizações da luta proletária e célula do
futuro “socialismo sindicalista”. (...)
Assim, no final do século XIX, início do
século XX, surgiu (...) no movimento
operário uma nova corrente combativa - o
sindicalismo revolucionário, que na pratica
era a encarnação da luta proletária nos
limites da forma ideológica
pequeno-burguesa. Desde os primeiros dias de
seu surgimento o sindicalismo revolucionário
levou a uma rápida animação do movimento
operário e antes de mais nada da luta
grevista, dando uma contribuição essencial à
formação dos sindicatos.(...) A atuação dos
operários tornou-se mais consciente e
organizada, fortaleceu-se o sentimento de
solidariedade de classe, em vários casos
chegou-se a choques armados com a polícia e
tropas. (...) pode-se concluir que antes do
surgimento da corrente marxista e da
fundação do Partido Comunista o sindicalismo
revolucionário desempenhou um papel positivo
(...) contribuindo para sua formação como
classe independente.
Mas, ou a classe operária
avançava, ou sofreria uma derrota histórica.
E ela tratou de avançar.
CAUSAS DO SURGIMENTO DO PARTIDO COMUNISTA
DO BRASIL
O surgimento do PC do Brasil
decorreu, em primeiro lugar, da falência da
anarco-sindicalismo, que dirigiu as grandes
lutas do proletariado brasileiro no final da
década de 20 do século passado - como as
greves gerais de 1917 e 1919 e a insurreição
anarquista de 1918 - levando-as a um beco
sem saída. Nesse sentido, é herdeiro direto
dessas grandes mobilizações operárias.
Aqui reside, inclusive, uma das
particularidades históricas do PC do Brasil
que - diferentemente da maioria dos partidos
comunistas, inclusive da América Latina -
não surge da cisão ou adesão à IC de algum
partido social-democrata ou socialista
pré-existente. Ao contrário, nasce do
movimento anarquista, em sua versão
sindicalista revolucionária. Isso tem tanto
as suas desvantagens - estreiteza,
apoliticismo,
abstencionismo eleitoral, inexperiência
organizativa - quanto suas vantagens -
combatividade, pregação da luta de
classes, anti-reformismo, internacionalismo.
Em segundo lugar, o surgimento
do PC do Brasil é o resultado natural do
amadurecimento político das lideranças mais
avançadas do movimento operário brasileiro
de então que – ao tomarem conhecimento da
revolução russa, das conquistas do poder
soviético e da teoria marxista – perceberam
a impotência do anarquismo com o seu
espontaneísmo, sua fluidez orgânica, seu
apoliticismo. A revolução russa de outubro
de 1917, colocou para eles, de forma clara,
a questão da conquista do Poder pela classe
operária, a necessidade de um partido
altamente organizado para dirigir a luta, e
de uma teoria e um programa revolucionário.
É nesse sentido que se pode falar da enorme
influência da revolução russa na formação do
PC do Brasil, atuando como “catalisadora”
desse processo de amadurecimento interno.
Essa compreensão sobre a grande
influência da revolução russa no surgimento
do PC do Brasil nada tem a ver com a opinião
daqueles que afirmam que o PC do Brasil é
uma criação artificial, fruto da ação da
Internacional Comunista e de um punhado de
"visionários" desligados do movimento
operário brasileiro. Essa apreciação
desqualificadora repete os surrados
argumentos dos que enxergam o "dedo de
Moscou" na origem dos partidos comunistas de
todo o mundo.
Na verdade, a participação
direta da IC no aparecimento do PC do Brasil
é pequena, exercendo-se principalmente
através do prestígio da revolução de
outubro. Abílio Nequete, primeiro secretário
geral do Partido, relata como tomou
conhecimento através do Partido Socialista
Uruguaio da convocação do 4º Congresso da IC
e do interesse de que o Brasil se fizesse
presente através do seu Partido Comunista. A
partir daí, Nequete manteve contato com os
outros grupos comunistas do país visando a
convocação de um Congresso de fundação do
partido. Nesse Congresso, Nequete
representará - além do grupo comunista de
Porto Alegre - o PC do Uruguai e a Agência
de Propaganda para a América do Sul da IC.
Quanto ao chamado incidente do “Cometa de
Manchester” (passagem de um representante da
IC por São Paulo visando a organização do
partido comunista no Brasil), tudo indica
não passar de uma "lenda fantasiosa", que
contribuiu para essa imagem de “criação
artificial” do partido.
Tampouco procede a afirmação de
que o PC do Brasil foi desde o seu início
uma organização caudatária da Internacional
Comunista, sem qualquer autonomia política,
repetindo mecanicamente suas orientações e
palavras de ordem. Mesmo considerando não
haver qualquer demérito em a IC auxiliar e
orientar a formação dos partidos comunistas
em todo o mundo, a verdade é que os Partidos
Comunistas latino-americanos ficaram durante
longos anos praticamente abandonados por
falta de condições materiais da IC em
acompanhá-los. Durante os primeiros anos, a
sua ajuda se dá através do envio de
publicações marxistas, orientações práticas,
apoio na formação de quadros, eventual vinda
de dirigentes da IC (em geral da própria
América Latina). E o exame, mesmo que
superficial, dessa primeira fase do PC do
Brasil, deixa claro o esforço de sua direção
em formular - ainda que com deficiências,
decorrentes da falta de domínio da teoria
marxista - uma política própria para o país,
chamada por alguns de “terceira via” (que
apontava a necessidade de uma frente única
com a pequena-burguesia revolucionária). É
só após a criação do Bureau Sul-Americano da
IC, em 1926, em Buenos Aires, que começa a
haver um maior acompanhamento desses
partidos. E só pode-se falar de uma
interferência mais decisiva da IC nos
partidos da região a partir de 1928.
Em terceiro lugar, o surgimento
do PC do Brasil decorre do próprio
crescimento e concentração da classe
operária brasileira - fruto da aceleração da
industrialização do país durante a I Guerra
Mundial - que em 1920 já chegava a 300 mil
trabalhadores, tendo seus maiores
contingentes em São Paulo (28,3%), Rio de
Janeiro (24,6%), Rio Grande do Sul (8,3%) e
Minas Gerais (6,3%). Os trabalhadores das
indústrias têxteis (40,7%) e alimentícias
(18,8%) totalizavam 59,5% dos operários. E
65,2% da classe operária trabalhava em
empresas com mais de 50 operários,
caracterizando a sua entrada na fase fabril,
com um grau razoável de concentração (as 482
fábricas com mais de 100 trabalhadores
englobavam 55,1% da classe operária do país,
com uma média de 331 operários por
estabelecimento).
Também a falácia de que a
organização de um partido comunista no
Brasil expressou a reprodução artificial de
lutas e disputas ideológicas que se travavam
no continente europeu - aqui enxertadas em
uma classe operária formada majoritariamente
por imigrantes - não resiste sequer a uma
análise empírica dos fatos. Sem negar o
importante papel jogado pelos imigrantes na
formação da jovem classe operária brasileira
- acelerando o seu amadurecimento ideológico
- é preciso dizer que os dados disponíveis
desautorizam essa interpretação mecanicista.
Em 1920, os trabalhadores estrangeiros só
eram maioria na cidade de São Paulo (54,3%
da mão-de-obra nas indústrias, transportes e
comércio), sendo exatamente aí onde o PC do
Brasil terá, durante muitos anos,
dificuldades para crescer. Em Porto Alegre
(onde os imigrantes eram 25,3%), no Rio de
Janeiro, em Recife e em outros centros
operários, onde o contingente de imigrantes
era bem menor, o PC do Brasil se desenvolveu
mais rapidamente. Da mesma forma, a maioria
dos líderes operários do início do século XX
eram brasileiros, assim como os principais
dirigentes dos inúmeros partidos operários
surgidos nessa época. Aliás, dos nove
fundadores do PC do Brasil, só dois deles -
Abílio Nequete (libanês) e Manoel Cendón
(espanhol) - eram estrangeiros.
Por fim, o aparecimento,
espontâneo e independentes entre si, de
diversos núcleos “marxistas”, “comunistas”
ou “maximalistas” (mesmo que eivados de
anarquismo), em diferentes cidades -
Cruzeiro/SP (1917/19), Livramento/RS (1918),
Passo Fundo/RS (1918), Porto Alegre/RS
(1918), Recife/PE (1919/20), Rio de
Janeiro/RJ (1921), São Paulo/SP (1922), Juiz
de Fora/MG, Santos/SP - expressam o quanto
estava maduro o aparecimento de um partido
comunista no Brasil. Também ocorreram, nesse
período, diversas tentativas de organização
de partidos comunistas de "inspiração
anarquista", contradição que acaba
inviabilizando-os: Partido Comunista
[anarquista] do Rio de Janeiro (1918);
Partido Comunista [anarquista] de São Paulo
(1918); Partido Comunista [anarquista] do
Brasil (1919).
A FUNDAÇÃO DO PC DO BRASIL
Em 1922, existiam inúmeros
grupos comunistas em todo o Brasil.
Particularmente ativo era o Grupo Comunista
do Rio de Janeiro - criado por Astrojildo
Pereira em 7 de novembro de 1921 - que
mantinha contato com outros centros
operários, divulgando as 21 cláusulas da
Internacional Comunista e conclamando a que
também formassem grupos comunistas. Em 1º de
janeiro de 1922, Cristiano Cordeiro - que
entre 1919-1920 havia criado em Recife o
Círculo de Estudos Marxistas - funda o Grupo
Comunista de Recife.
Em janeiro de 1922, o Grupo Comunista do Rio
de Janeiro lança a revista Movimento
Communista, tendo como objetivo
“defender e propagar, entre nós, o programa
da Internacional Comunista”. No início de
1922, Astrogildo vai a São Paulo ajudar a
fundar um grupo comunista. No Rio Grande do
Sul, o Grupo Comunista de Porto Alegre,
liderado por Nequete, mantém desde 1921
contatos com a IC, através do PC do Uruguai:
Em fins de 1921, Astrogildo Pereira, do
Grupo Comunista do Rio de Janeiro, escrevera
a Polidoro Santos (anarquista da Liga de
Defesa Popular) pedindo a sua adesão à
Revolução Russa. Polidoro respondera
informando o endereço de Abílio de Nequete,
solicitando que se dirigisse a ele. Dessa
correspondência resultou a mudança do nome
de União Maximalista para Grupo Comunista,
“mais de acordo com o que Lenine havia
proposto” [NEQUETE. Apontamentos ... Op.
Cit., p. 24]. (...) No início de 1922,
Abílio de Nequete recebe um telegrama do
Uruguai, dizendo que a sua presença era
exigida naquele país por um assunto urgente.
O telegrama era assinado por Martin Simoni e
tinha resposta paga. Recebeu o dinheiro para
a viagem, depois de responder
afirmativamente. No Uruguai (...) procurou
Simoni na redação de “Justicia”. Foi
informado da intenção de um delegado russo
vir ao Brasil e da necessidade de entrarem
em contato. O delegado russo era Alexandre
Alexandrovski, que tinha ido à Rússia nos
primórdios da Revolução em nome dos russos
residentes na Argentina, e voltara como
delegado da Revolução para a América Latina.
Desejava obter um relatório sobre o
movimento brasileiro e a organização do
partido. Dali regressaria à Rússia. Em
Buenos Aires R. Vaterland, outro delegado da
Revolução, deveria continuar a
correspondência. Ficou estabelecido que
Abílio de Nequete iria ao Rio de Janeiro
convocar um congresso, embora de poucos
elementos, já que a insistência de
Alexandrovski devia-se à falta do nome do
Brasil na Internacional.. Depois de mais
alguns dias em Montevideo, Abílio de Nequete
voltou a Porto Alegre, de onde escreveu a
Astrogildo Pereira e Everardo Dias,
informando da próxima viagem ao Rio e
remetendo o jornal “Justicia”. (...) foi
Abílio de Nequete quem recebeu, do delegado
russo, a incumbência de organizar o partido,
devido à necessidade de enviar um
representante do Brasil ao IV Congresso da
Internacional de Moscou. O Grupo Comunista
de Porto Alegre já estava reconhecido pela
Internacional, embora tivesse apenas doze
membros.
Finalmente, nos dias 25, 26 e 27
de março de 1922, reuniu-se no Rio de
Janeiro o Congresso de fundação do Partido
Comunista do Brasil.
Estavam presentes 9 delegados, representando
73 filiados em todo o país: Abílio de
Nequete, barbeiro de Porto Alegre, que
também representava o PC do Uruguai e a
Agência de Propaganda para a América do Sul
da IC; Astrogildo Pereira, jornalista de
Niterói; Cristiano Cordeiro, funcionário
público de Recife; Hermogênio Silva,
eletricista e ferroviário de Cruzeiro; João
Jorge da Costa Pimenta, gráfico de São
Paulo; Joaquim Barbosa, alfaiate do Rio de
Janeiro; José Elias da Silva, funcionário
público do Rio de Janeiro; Manoel Cendón,
artesão alfaiate; Luiz Peres, artesão
vassoureiro do Rio de Janeiro. Destes, 7
eram brasileiros natos, um espanhol (Cendón)
e um libanês (Nequete). Santos e Juiz de
Fora, onde também havia grupos comunistas,
não puderam enviar delegados.
Da ordem-do-dia do 1º
Congresso constavam: 1) Exame das 21
condições de admissão na IC; 2) Estatutos do
Partido Comunista; 3) Eleição da Comissão
Central Executiva; 4) Ação pró-flagelados do
Volga; 5) Assuntos vários. Depois de aceitas
as 21 condições da IC, os presentes
aprovaram Estatutos provisórios. Seus
artigos 1º e 2º afirmavam:
"Art. 1º - Fica fundada, por tempo
indeterminado, uma Sociedade Civil, no Rio
de Janeiro, ramificando-se por todo o
Brasil, tendo por título - Centro do Partido
Comunista do Brasil,
mas que será chamada Partido Comunista,
Seção Brasileira da Internacional Comunista.
Art. 2º - O Partido Comunista tem por fim
promover o entendimento e a ação
internacional dos trabalhadores e a
organização política do proletariado em
partido de classe para a conquista do poder
e conseqüente transformação política e
econômica da Sociedade Capitalista em
Sociedade Comunista."
Abílio de Nequete foi
eleito para a secretaria geral a partir de
uma indicação de Astrogildo Pereira,
possivelmente em deferência a maior
antigüidade da “União Maximalista de Porto
Alegre” e por sua relação com o PC do
Uruguai e com o Bureau da IC para a
América Latina.
Não foi aprovado nenhum
documento de análise da realidade ou de
orientação política. Como não existia
legislação específica para os partidos
políticos, o PC do Brasil foi registrado
como sociedade civil, publicando os seus
Estatutos no Diário Oficial da União de 7 de
abril de 1922.
OS PRIMEIROS COMBATES
Três meses depois da fundação do
PC do Brasil, em 5 de julho de 1922, eclode
o Levante do Forte de Copacabana, iniciando
o assim chamado "ciclo tenentista" - reflexo
entre os militares da crescente insatisfação
da pequena burguesia urbana e de setores da
própria burguesia frente à República Velha.
É decretado o Estado de Sítio no Distrito
Federal e no Rio de Janeiro. Mesmo o Partido
estando alheio aos acontecimentos, a polícia
aproveitou para invadir e fechar a sua sede,
colocando-o na ilegalidade apenas três meses
após a sua fundação. Solto no dia seguinte à
sua prisão, e ameaçado pela polícia, Abílio
Nequete retornou a Porto Alegre. Astrogildo
Pereira é escolhido para substituí-lo na
secretaria geral, posto que exerceu até
novembro de 1930, com um interregno em 1929,
quando passou um ano em Moscou.
Tendo em vista a realização do
4º Congresso da IC em fins de 1922, a
Comissão Central Executiva indicou Antonio
Canellas para representá-la em Moscou.
Impregnado de idéias reformistas e de
resquícios da ideologia anarquista, Canellas
deixou péssima impressão na liderança da IC,
que não aceita a filiação do PC do Brasil,
mantendo-o como partido simpatizante. Só em
abril de 1924, o PC do Brasil será admitido
na IC, depois que o dirigente comunista
argentino Rodolfo Ghioldi aqui esteve como
delegado da Comissão Executiva da IC, para
verificar pessoalmente a situação.
O ano de 1922 encerra-se
com um relativo avanço organizativo do
Partido, que passa dos 73 membros
originários, para cerca de 250 filiados -
123 dos quais no Rio de Janeiro e Niterói. A
adesão de Octávio Brandão - conhecido
intelectual progressista, até então
vinculado ao anarquismo - é um importante
reforço. Ele é indicado para a Comissão
Central Executiva, assumindo em abril de
1923 as tarefas de agitação e propaganda. Em
maio de 1923, o número dos militantes se
eleva a 300.
Uma das primeiras preocupações
dos comunistas é a criação da imprensa
partidária. A revista Movimento
Communista é transformada em seu órgão
oficial, publicando 13 números em 1922, num
total de 390 páginas, com um tiragem anual
de cerca de 15 mil exemplares. Em 1923, são
editados outros 12 números, sendo o último
de junho de 1923. A partir daí a repressão
da polícia política de Bernardes impede a
sua circulação. Os comunistas também
utilizam-se de outras publicações para
difundir suas idéias - Voz Cosmopolita
e O Alfaiate, no Rio de
Janeiro, O Solidário, em Santos.
Em Porto Alegre, os comunistas editam o
jornal Die Befreiung (A Libertação),
escrito em alemão (1923), e o jornal
bilíngüe (português-alemão) Martelo e
Foice (1924). Em Recife, a
revista O Maracajá (1926) é o
porta-voz do PC do Brasil. Os comunistas
também escrevem uma coluna no diário O
País (1923-24)
Em julho de 1923, no nº
27 do jornal Voz Cosmopolita, inicia
a publicação - pioneira no Brasil - do
Manifesto Comunista de Karl Marx, em
tradução de Octávio Brandão. A publicação do
Manifesto só é concluída na edição nº
36, de dezembro de 1923. Caberá aos
comunistas gaúchos publicar por primeira vez
sob a forma de folheto essa tradução do
Manifesto Comunista, em uma edição de 3
mil exemplares (1924).
No movimento operário, os
comunistas defendem os sindicatos por
indústria, a unidade sindical e a
centralização sindical.
Reorganizam a Federação dos Trabalhadores do
Rio de Janeiro, dirigem com êxito
importantes greves - como a dos gráficos de
São Paulo (1923). Em fins de 1925, propõem a
criação da CGT. Em 1926, conquistam o
importante sindicato dos têxteis do Rio de
Janeiro.
A REBELIÃO MILITAR DE 24, A COLUNA PRESTES,
O 2º CONGRESSO DO PARTIDO
Exatamente dois anos após o
levante do Forte de Copacabana, no dia 5 de
julho de 1924, eclodiu em São Paulo uma
rebelião militar contra o governo Bernardes,
comandada pelo General Isidoro Dias Lopes,
sem um programa claro, afora profissões de
fé “liberais”. Aos rebeldes somou-se a força
pública estadual, comandada pelo Major
Miguel Costa. No dia 8, o governador e as
forças legalistas se retiraram de São Paulo
e os insurretos assumiram o controle da
cidade. Um certo número de trabalhadores
saiu às ruas e pediu armas aos revoltosos.
Mas armar o povo não estava nos planos dos
dirigentes do movimento que, inclusive,
reprimiram os mais exaltados. Levantes
militares simultâneos também ocorreram em
Manaus e Sergipe, mas foram logo sufocados.
O Congresso declarou o estado de sítio e o
governo concentrou tropas contra São Paulo,
iniciando o seu bombardeio. Vinte e dois
dias depois do início do levante, os
revoltosos decidiram abandonar a cidade para
evitar o cerco. Chefiados por Isidoro Lopes
e Miguel Costa, cerca de 3 mil homens, bem
armados, seguiram de trem para o oeste do
Paraná, instalando-se na região de Guaíra e
Foz do Iguaçú, onde travaram diversos
combates com as forças legalistas.
A 24 de outubro de 1924, o
Capitão Luís Carlos Prestes dirige um
levante militar em Santo Angelo, que logo se
estende para a região missioneira do Rio
Grande do Sul, e ao qual se somam forças
irregulares do caudilho Leonel Rocha. Em
fins de dezembro, a frente de 1500 homens,
Prestes rompe o cerco de São Luís e
desloca-se para a região de Iguaçú, para
fazer junção com as tropas de Isidoro. Lá
chegará em 11 abril de 1925, com 800 homens.
Há poucos dias, parcela importante das
tropas rebeladas haviam sido derrotadas em
Catanduvas. No dia 14 de abril, terá início
a marcha da lendária “Coluna Prestes”, que
durante dois anos percorrerá mais de 25 mil
quilômetros, através do interior do país,
sem nunca ser derrotada, transpondo 14
estados brasileiros. Miguel Costa será o
comandante da Coluna e Prestes seu Chefe de
Estado-Maior. Animava-os a idéia de semear a
rebelião por onde passassem.
Enquanto isso, a 4 de novembro
de 1924, ocorreu uma rebelião na marinha. O
Primeiro-Tenente Hercolino Cascardo - que em
1935 será um dos dirigentes nacionais da ANL
- sublevou o encouraçado São Paulo.
Mas, não conseguindo outras adesões, zarpou
para o Uruguai onde abandonou o São Paulo
e procurou, junto com seus companheiros,
juntar-se aos demais revolucionários do Rio
Grande do Sul, que acabavam de levantar-se
em armas.
O estado de sítio e o feroz
terror policial imposto pelo governo têm o
efeito de paralisar o desenvolvimento do
movimento operário durante um certo tempo,
prolongando a situação de refluxo em que o
mesmo se encontrava desde 1921.
É
nesse contexto que os comunistas iniciam a
preparação do seu 2º Congresso, realizado de
forma clandestina. Seguindo orientação da
IC, no sentido de criar bases por empresa,
foi marcada, para fevereiro de 1925, uma
“Conferência de representantes das bases do
Partido nos sindicatos do Rio de Janeiro e
Niterói”. Nesta Conferência, foi decidida a
criação de um semanário popular de massas e
um grande esforço para a organização de
células do Partido em todas as grandes
empresas industriais do Distrito Federal:
Naquele período havia no Rio de Janeiro 99
empresas com mais de 100 operários cada uma,
totalizando um número de 35.800 empregados.
Segundo a Executiva do PCB, para fundar
bases em todas essas fábricas era
indispensável recrutar ao Partido um mínimo
de 450 novos membros. Apesar da dificuldade
da tarefa colocada, um ano depois ela havia
sido cumprida no fundamental. Até setembro
de 1925 haviam sido fundadas células nas
fábricas do Rio de Janeiro, Recife, Vitória,
São Paulo, Santos, Porto Alegre e outras
cidades.
O 2º Congresso do Partido
Comunista do Brasil ocorreu no Rio de
Janeiro, entre 16 e 18 de maio de 1925.
Poucos antes, no dia 1º de maio, havia sido
lançado o primeiro número do jornal A CLASSE
OPERÁRIA, órgão Partido que se mantém até
hoje circulando. Além dos 6 membros da
antiga Comissão Central Executiva,
participaram do Congresso delegados das
organizações do Rio de Janeiro e de Niterói
(5), de Pernambuco (2), de Santos (2), de
São Paulo (1) e de Cubatão (1); deixou de
comparecer a delegação do Rio Grande do Sul,
por impossibilidade ocasional. Ao analisar a
“situação política nacional”, o 2º Congresso
baseou-se, fundamentalmente, nas teses do
livro Agrarismo e Industrialismo,
recém escrito por Otávio Brandão:
(...) toda a história política da República
testemunha definitivamente a luta entre o
capitalismo agrário semifeudal e o
capitalismo industrial contemporâneo (...) O
agrarismo dominava, indubitavelmente, no
período do Império e baseava-se no trabalho
escravo. Com o sistema do “trabalho
assalariado livre” o industrialismo venceu,
mas a vitória foi incompleta e, aos poucos,
os odiosos latifundiários retomaram em suas
mãos a hegemonia perdida.
As teses consideram que as
revoltas armadas de 1922 e 1924 eram ações
revolucionárias “do tipo pequeno-burguês”
que refletiam a contradição básica “entre o
industrialismo e o agrarismo” e que haveria
uma “terceira revolta”, a qual os comunistas
deveriam apoiar, buscando hegemonizá-la. Era
exagerado o papel progressista da burguesia
industrial e subestimado o campesinato.
Essas deficiências nas teses do
Partido Comunista do Brasil para o seu 2º
Congresso, nos mostram o pouco domínio que a
sua direção tinha em relação à teoria
marxista e em relação à realidade
brasileira. Mas também comprovam o esforço
do Partido em elaborar com independência uma
"teoria da revolução brasileira”,
desmentindo os que - sem esconder o seu
ranço anticomunista - afirmam que os
comunistas brasileiros eram meros
“repetidores das orientações de Moscou”.
Além da orientação política
geral, o 2º Congresso manifestou-se sobre a
orientação para o movimento sindical,
colocando “o problema da unidade sindical
como sendo a base, o centro, a condição
mesma de desenvolvimento e fortalecimento da
ação sindical de massas”. Também aprovou a
decisão de fundar a Juventude Comunista e de
criar o jornal oficial do Partido.
A CLASSE OPERÁRIA - “jornal
de trabalhadores, feito por trabalhadores,
para trabalhadores” - iniciou sua publicação
no dia 1º de maio de 1925, com uma tiragem
de 5.000 exemplares, que esgotou-se
rapidamente. A partir daí, o jornal
continuou ampliando a sua tiragem, tendo
atingido 9 mil exemplares em seu nº9 e 11
mil no nº12. Foram organizados comitês de A
CLASSE OPERÁRIA e equipes de propagandistas
e pacoteiros nas fábricas e oficinas;
grupos de operários entregavam um dia de
trabalho mensal para sustentá-lo; alguns
sindicatos aprovaram auxílios financeiros;
eram realizados mutirões de venda do jornal
nas principais fábricas:
Cada exemplar era lido por muitos
trabalhadores. Passava de mão em mão, até
ficar completamente roto, ilegível. Os
operários que não podiam pagar, recebiam-no
de graça. Representantes do jornal tomavam a
palavra e eram apoiados nas assembléias dos
sindicatos (...) A Classe Operária
exercia influência cada vez maior. Realizava
um trabalho de educação e organização,
agitação e propaganda. As células do PCB
aumentavam. Os movimentos nas fábricas
vivificavam-se. Os sindicatos reforçavam-se.
(...) Rebentavam greves parciais apoiadas
pelo jornal.(...) O jornal orientou-se no
sentido da aliança do proletariado com os
camponeses. (...) no Rio de Janeiro, o
jornal aparecia nas bancas, legalmente. Aí
chegou a vender 1.142 exemplares do nº4,
1.420 do nº9, 1.454 do nº10 e 1.734 do nº12.
Mas a grande maioria dos exemplares era
distribuída pelos pacoteiros diretamente nas
empresas.
A Classe
Operária
insistiu repetidamente na formação de uma
grande frente única operária no Brasil.
(...) se bateu pela substituição dos
“velhos” sindicatos de ofício pelos
sindicatos de indústria. (...) Persuadiu os
trabalhadores a se organizarem com um
correspondente grau de centralização, para
dar combate à “centralização cada dia maior
do capitalismo” (...) A Classe Operária
foi fechada pelas autoridades antes de
publicar o seu décimo-terceiro número,
programado para 25 de julho de 1925.
Mais uma vez, as classes
dominantes brasileiras mostraram o seu
reacionarismo, não permitindo sequer três
meses de liberdade para a imprensa
comunista. Foram frustradas todas as
tentativas de retomar a sua impressão, pois
os donos das tipografias temiam as
represálias. A CLASSE OPERÁRIA só voltaria a
aparecer no dia 1º de maio de 1928. Os
comunistas procuraram manter o seu trabalho
de propaganda por outras formas: em novembro
de 1925 lançaram o número único do jornal 7
DE NOVEMBRO, a fim de comemorar o 8º
aniversário da Revolução Russa.
1927: OS COMUNISTAS VÃO ÀS MASSAS
Em 31 de dezembro de 1926
expirou o prazo do estado de sítio, que não
foi renovado. A vida política do país
retornou à normalidade e o Partido voltou a
ter uma atuação legal.
Em fins de 1926, o jornalista
Leônidas de Resende - dono do diário A
Nação e simpático às idéias comunistas -
havia procurado a direção do PC do Brasil,
propondo retomar a sua publicação como órgão
do Partido. O primeiro número saiu à 3 de
janeiro de 1927, ostentando a foice e o
martelo e o dístico “Proletários de todos os
países, uní-vos!”. Na sua direção estavam
três dirigente do PC do Brasil, além de
Rezende. No dia 5 de janeiro, A Nação
publica uma “Carta Aberta" propondo a
formação do Bloco Operário para as
eleições de 24 de fevereiro para o Congresso
Nacional. Respondem favoravelmente o
deputado Azevedo Lima, o Centro Político
Proletário da Gávea e o Centro Político
Proletário de Niterói.
A “Plataforma” do Bloco Operário
é um documento histórico que, ainda hoje,
surpreende pela atualidade de suas
propostas; muitas delas foram incorporadas à
legislação social getulista; outras, só o
foram na Constituição de 1988; outras, ainda
aguardam a sua efetivação:
Política
independente de classe
(...) Contra o imperialismo (...)
revisão dos contratos das empresas
capitalistas estrangeiras concessionárias de
serviços no Brasil (...) nacionalização das
estradas de ferro, das minas e das usinas de
energia elétrica (...) extinção das missões
militar e naval estrangeiras (...)
Reconhecimento “de jure” da URSS (...)
Anistia aos presos políticos (...)
Legislação Social (...) Código do
Trabalho (...) máximo de 8 horas de trabalho
diário e 44 horas semanais, e redução a 6
horas diárias nos trabalhos malsãos;
proteção efetiva às mulheres operárias, aos
menores operários, com a proibição do
trabalho a menores de 14 anos; salário
mínimo; contratos coletivos de trabalho; o
seguro social (...) contra o desemprego, a
invalidez, a enfermidade, a velhice; (...)
licença, às operárias grávidas, de 60 dias
antes e 60 dias depois do parto, com
pagamento integral (...) extinção dos serões
(...); descanso hebdomadário em todos os
ramos de trabalho (...) saneamento rural
(...) assistência médica gratuita aos
doentes pobres (...) Contra as leis de
exceção (...) pela mais completa
liberdade de opinião, associação e reunião
(...) direito de greve (...) proibir a
indébita e arbitrária intervenção policial
nas greves. (...) Os direitos de livre
associação e livre opinião política devem
ser extensivos aos pequenos funcionários e
operários federais, estaduais e municipais
(...) Impostos (...) só os ricos
devem pagar impostos (...) A reforma
monetária e a carestia da vida (...)
reajustamento dos salários (...) segundo uma
tabela (...) da relação entre o preço das
utilidades e as necessidades mínimas da
população trabalhadora (...) impostos sobre
o luxo, sobre as rendas e sobre o capital
dos grandes senhores agrários, industriais e
comerciais. Habitação operária (...)
construção, expropriação e municipalização
geral das casas para operários; aluguéis
proporcionais aos salários (...) supressão
dos depósitos (...) Ensino e Educação
(...) pela ajuda econômica às crianças
pobres (...) pela multiplicação das escolas
profissionais (...) pela melhoria das
condições de vida do professorado primário
(...) Voto secreto - Somos
partidários do voto secreto e obrigatório, e
extensivo às mulheres e às praças de pré,
bem como aos operários estrangeiros com
residência definitiva no País. Entendemos,
porém, que o voto secreto e obrigatório não
é a panacéia universal capaz de curar todos
os males da democracia (...) adoção do
sistema de representação proporcional por
quociente eleitoral
O Bloco Operário apoiou
no 2º Distrito a candidatura de Azevedo Lima
e lançou no 1º Distrito o gráfico João da
Costa Pimenta. O diário A Nação
assumiu o comando da campanha eleitoral, que
alcançou enorme repercussão. Durante oito
semanas foi feito um intenso trabalho de
agitação, propaganda e mobilização. Aberta
as urnas, no 1º Distrito foram eleitos cinco
situacionistas, o menos votado com 6.620
votos; Prestes obteve 3.141 votos e Pimenta
2.024. Mesmo não tendo sido eleito, Pimenta
obteve uma votação considerável para a época
e para a força real do Partido. Já no 2º
Distrito, os oposicionistas Adolfo Bergamini
e Azevedo Lima lideraram a votação, com mais
de 11.000 votos. O resultado foi uma grande
vitória do Bloco Operário e do
Partido que pela primeira vez tinha no
Congresso Nacional um representante eleito
com o seu apoio.
Logo após as eleições, foi
criada uma direção provisória da Juventude
Comunista. Segundo Basbaum: "A Nação
publicava papeletas de inscrição para a JC
(...) em poucos meses já havíamos recebido
mais de 100 inscrições, não somente do Rio
mas de outros estados (...) 90% dos membros
da juventude comunista da época, se
consistia de jovens operários de 15 a 19
anos."
O Partido volta-se para a
organização do Congresso Sindical Regional
do Rio de Janeiro. A Nação joga papel
decisivo na sua convocação. Participam do
Congresso, em abril de 1927, 36 sindicatos,
23 comissões de fábrica e 3 “minorias
revolucionárias” de sindicatos contrários à
unificação sindical. Em 1º de maio, é criada
a Federação dos Trabalhadores Gráficos do
Brasil, em reunião com representantes do DF,
RJ, BA, PB, PA, AM, SP, MG. Dois anos
depois, em abril de 1929, será criada a CGT.
A LEI CELERADA, O FECHAMENTO DE A
NAÇÃO, A CRIAÇÃO DO BOC
Em um primeiro momento colhida
de surpresa, a reação não estava disposta a
tolerar a existência de um diário comunista,
cuja influência crescia a olhos vistos. O
governo elaborou no Congresso uma nova lei
repressiva - a “lei celerada” - que, além de
reprimir as greves, autorizava o fechamento
de sindicatos, associações e entidades que
"incidissem na prática de crimes ou atos
contrários à ordem", inclusive vedando-lhes
a propaganda de idéias. A lei foi aprovada
na Câmara dos Deputados no dia 28 de julho
de 1927. No dia 11 de agosto, véspera da sua
sanção pelo presidente da república,
circulou o último número de A Nação,
depois de completar quase 200 edições.
Sancionada a “lei celerada”, o
Partido passou novamente à ilegalidade.
Baseada na experiência exitosa do Bloco
Operário, a direção partidária decidiu
estendê-lo a todo o país, utilizando-o como
cobertura legal para a atuação dos
comunistas entre as massas. O Bloco
Operário foi transformado em Bloco
Operário Camponês, organizando-se em
centros locais permanentes, com estatutos e
direção próprias, sob a direção do Partido.
O BOC estendeu-se rapidamente a todos os
lugares onde existia o Partido, que através
dele participa das eleições e outras
atividades políticas e de massas.
Ainda em 1927, é mantido o
primeiro contato do PC do Brasil com
Prestes, comandante da Coluna Invicta. Em
fins de dezembro, Astrogildo Pereira propõe
à Prestes uma aliança entre os comunistas e
os combatentes da Coluna Prestes, ou seja
“entre o proletariado revolucionário sob a
influência do Partido Comunista e as massas
populares, especialmente as massas
camponesas, sob a influência da Coluna e do
seu comandante.”
Em julho de 1929, em Buenos Aires, ocorre o
segundo contato do partido com os
“tenentes”: Leôncio Basbaum encontra-se com
Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora e
propõe um programa que contemple a
nacionalização da terra e a divisão dos
latifúndios, a nacionalização das empresas
industriais e bancárias imperialistas, a
anulação das dívidas externas, a liberdade
de organização e de imprensa, a legalidade
para o PC do Brasil, o direito de greve, a
jornada de 8 horas. Prestes e os outros
líderes tenentistas consideram esse programa
muito radical e propõem: voto secreto,
alfabetização, justiça, liberdade de
imprensa e organização, melhorias para os
trabalhadores. As negociações não avançam.
Nas comemorações do 1º de Maio
de 1928, é relançado o jornal A Classe
Operária. É suspensa a publicação do
Jovem Proletário, da JC, que havia
circulado durante os quatro primeiros meses
de 1928 com uma tiragem de cerca de mil
exemplares. A Classe Operária
continuou como semanário até o final de
1929, calculando-se que nessa sua segunda
fase sua tiragem normal foi de 15 mil
exemplares
Nas eleições municipais de
outubro de 1928, o BOC lança Everardo Dias,
em São Paulo, e João Freire de Oliveira, em
Santos. Everardo obtém uma baixa votação.
Freire, apesar de não se eleger, faz quase
5% dos votos. No Rio Grande do Sul, o BOC
apresenta a candidatura de Plínio Gomes de
Mello que obtém 584 votos, mais de 5% da
votação. Mas, a grande vitória se dá nas
eleições do Rio de Janeiro, onde os
comunistas elegem 2 dos 12 Conselheiros: o
marmorista Minervino de Oliveira, com 7.692
votos, e Octávio Brandão, com 7.088 votos.
O 3º CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DO
BRASIL
O 3º Congresso do Partido
Comunista do Brasil realizou-se nos dias 29,
30 e 31 de dezembro de 1928 e 1, 2, 3 e 4 de
janeiro de 1929, em Niterói. Dele participam
31 comunistas, dos quais 10 membros da
antiga direção, 13 delegados de 6
organizações regionais, 2 da juventude
comunista, 3 sem direito a voto e 3
observadores. Estavam representados os
delegados de Pernambuco, Espírito Santo, Rio
de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e
Distrito Federal. Não enviaram delegados
Minas Gerais e Bahia. Dos participantes, 16
eram operários, 6 empregados, 6 intelectuais
e 3 diversos.
Os dados do Congresso indicam
que o número de efetivos do Partido
alcançara em torno de 800 membros, dos quais
cerca de “400 atuavam no Rio de Janeiro (50
das 80 bases existentes). No estado de São
Paulo, onde se concentrava parte
considerável dos operários industriais do
país, havia apenas 80 membros; no Rio Grande
do Sul havia também 80 comunistas e jovens
comunistas. (...) Pernambuco (...) a
organização tinha 65 membros organizados em
12 células”.
Em outro informe, do primeiro semestre de
1928, à IC, a direção do PC do Brasil
informava que dos membros do Partido, 98%
eram operários, sendo 70% brasileiros e 30%
imigrantes. O trabalho com os camponeses
praticamente inexistia.
Do ponto da orientação política,
o 3º Congresso manteve no fundamental a
visão que já adotara no Congresso anterior:
caracteriza a sociedade brasileira como uma
economia agrária, semi-feudal e
semi-colonial, e considera que o
imperialismo inglês apoia a burguesia
agrária conservadora, enquanto o
imperialismo norte-americano alia-se à
burguesia industrial liberal. O capital
industrial e o capital agrário
interpenetram-se cada vez mais, levando a um
recuo da burguesia liberal A crescente
exploração e opressão das massas
trabalhadoras explode nas revoltas
tenentistas (a primeira em 1922, a segunda
em 1924, resultando na Coluna Prestes); é
inevitável uma terceira revolta; o
proletariado deve procurar hegemonizá-la. A
pequena-burguesia “constitui um fator
revolucionário de maior importância no
momento atual, tendendo a aliar-se às forças
revolucionárias do proletariado”, mas, só o
proletariado pode “levar a revolução às suas
conseqüências”; ele deve apoiar o movimento
revolucionário em gestação e reivindicar o
seu programa - confisco das terras,
supressão dos vestígios semi-feudais,
libertação do jugo imperialista.
Analisando a experiência do BOC,
o 3º Congresso chamou a atenção tanto para o
risco do partido perder a sua direção - caso
em que o mesmo degeneraria em uma máquina
eleitoral de oportunistas - como para o
risco do partido diluir-se no BOC,
limitando-se ao trabalho legal e eleitoral.
O Congresso aponta a necessidade do BOC ser
estendido para todo o país, sem
restringir-se à luta eleitoral.
1929: A MUDANÇA DE RUMOS
Ainda que com erros, o Partido
procurava compreender as contradições da
sociedade brasileira e formular uma
estratégia que levasse em conta o papel da
pequena-burguesia (e, mesmo, de setores da
burguesia nacional) na luta contra a domínio
oligárquico da República Velha e pela
modernização do país.
O 6º Congresso da IC, em
setembro de 1928, substituindo a política de
"Frente Única" pela política de "Classe
contra Classe"; a 1ª Conferência Comunista
Latino-Americana, em junho de 1929,
submetendo a uma impiedosa crítica a opinião
de que a pequena-burguesia era importante
aliada do proletariado e do campesinato no
processo revolucionário brasileiro; o 3º
Pleno do CC do PC do Brasil, em outubro de
1929, que sob a pressão dessas críticas
avalia as eleições de 1930 como uma mera
disputa entre facções da burguesia, da qual
o proletariado devia alhear-se, lançando
candidatos próprios e transformando a luta
eleitoral em uma verdadeira batalha de
classe; o Pleno do Secretariado
Sul-Americano da IC, em novembro de 1929,
que ataca o "menchevismo" dos comunistas
brasileiros; têm o efeito de alterar
profundamente os rumos do PC do Brasil e a
própria composição do seu núcleo dirigente.
Essas críticas à orientação
política do PC do Brasil combinam-se com a
chamada "bolchevização" e “proletarização”
dos partidos comunistas, incentivada pela
IC. Astrojildo, que retorna de Moscou em
janeiro de 1930, é um dos seus
impulsionadores: em reunião do CC, Leôncio
Basbaum e Paulo Lacerda são afastados do
Bureau Político e Fernando Lacerda passa
a ser suplente; pouco depois, o Secretariado
Sul-Americano da IC determinou a demissão da
maioria do CC, inclusive Otávio Brandão, e
responsabiliza a antiga direção pelos erros
de “um partido mergulhado na ideologia
burguesa”. Em novembro de 1930, o próprio
Astrojildo Pereira é afastado do CC. O
Partido Comunista do Brasil ingressa em um
período de intenso sectarismo e de graves
problemas de direção. Uma das conseqüências
é o seu total alheamento do processo da
Revolução de 30.
BALANÇO DESSES PRIMEIROS ANOS DE VIDA
Em seus primeiros sete anos de
vida - atuando em condições extremamente
difíceis - o PC do Brasil acumulou alguma
experiência. Derrotou as concepções
anarquistas no seio da classe operária e
teve avanços importantes na ação sindical e
de massas. Mas, continuou enfrentando
grandes dificuldades para arrancar amplos
setores operários da influência dos
sindicatos reformistas.
Participou de importantes
batalhas eleitorais e adquiriu certa
experiência nas atividade de agitação e
propaganda, inclusive criando uma imprensa
de massas. Atuou tanto em condições de
legalidade como de ilegalidade, aprendendo a
combinar o trabalho aberto com o trabalho
clandestino.
Deu os primeiros passos na
construção orgânica do partido, ainda que
sem conseguir consolidar um núcleo de
dirigentes provados, capaz de dominar a
teoria revolucionária e o conhecimento da
realidade brasileira. Esforçou-se em romper
com o sectarismo e a estreiteza política, e
tentou elaborar uma teoria científica da
revolução brasileira - tarefa que naquele
momento estava acima de suas forças.
O surgimento e a
continuidade histórica do PC do Brasil,
apesar de todos os percalços e perseguições
- caso único entre tantos “partidos
operários” criados a época no Brasil -
refletiu uma necessidade objetiva,
decorrente da evolução social do país e do
amadurecimento da própria classe operária
brasileira. Correspondeu a sua transformação
de "classe em si" em "classe para si". Não
foi algo artificial, fruto da “vontade” de
alguns indivíduos ou “uma idéia trazida de
fora”. Expressou, também, a existência
objetiva de espaço para um projeto político
de transformação revolucionária da sociedade
capitalista brasileira, distinto dos
projetos reformistas da burguesia e da
pequena-burguesia.
Raul K. M.
Carrion
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