Porto Alegre, sexta-feira, 26 de abril de 2024
   

Deputado Raul Carrion - PCdoB-RS

Dos Primeiros Partidos Operários à Formação do Partido Comunista do Brasil

"O primeiro grande passo a ser dado (...) é a constituição dos operários em partido político independente, não importando como, desde que ele seja um partido operário distinto. (…) Que o primeiro programa desse partido ainda seja confuso e muito deficiente (...) isto é um mal inevitável mas, também, transitório. As massas devem ter tempo e oportunidade de desenvolver-se, e só terão esta oportunidade se têm um movimento próprio, onde serão impulsionadas pelos seus próprios erros, tornando-se sábias às suas próprias custas."[1]

PRIMÓRDIOS

            Em que pese a tardia industrialização, e a persistência da escravidão até 1888, já a partir dos anos 50 do século passado, são criadas no Brasil as primeiras entidades de trabalhadores e surgem suas primeiras lutas. Assim, em 1856 é fundada a “Sociedade Beneficente dos Cocheiros” e em 1858 a “Associação Protetora dos Caixeiros”. Em 1858, temos a greve dos tipógrafos, em 1863 dos trabalhadores da Estrada de Ferro Pedro II e em 1866 a greve dos Caixeiros - todas no Rio de Janeiro.[2] Inicialmente, predomina nessas entidades - mas não de forma absoluta - o caráter assistencialista, e recreativo. Essa fase “mutualista” do movimento operário estende-se até o final dos anos 80, quando passam a desenvolver-se as organizações de “resistência” - sindicatos, ligas e uniões operárias - inicialmente sob preponderância social-democrata, logo sob hegemonia anarco-sindicalista. Apesar disso, as organizações mutualistas continuam a manter a sua importância até meados da segunda década do século XX.

Em 1890, é fundado o Partido Operário do Rio Grande do Sul. Seu Programa defende o Socialismo e a República: o sufrágio universal e as mais amplas liberdades democráticas; o ensino integral, secular e profissional; o fim do direito a herança; a emancipação da mulher; etc.[3] O surgimento desse partido se dá no contexto da proliferação de partidos similares em todo o País:

A formação partidária que se diz socialista aparece somente depois de 1890, isto é, na República (...) seus dirigentes, com exceção, não são de origem proletária, mas pequeno-burguesa e a maior parte é brasileira, ao contrário das lideranças sindicais (...) a soma de Partidos é espantosa para a época. Temos um Partido Operário do Rio Grande do Sul (1890); Partido Operário ou Partido Socialista Brasileiro, do Distrito Federal (1890); Partido Operário de São Paulo (1890); Partido Operário no Brasil, do Distrito Federal (1892); Centro Operário da Bahia (1894); Partido Operário Socialista, do Distrito Federal (1895); Centro Socialista de São Paulo (1896); Partido Democrático Socialista, de São Paulo (1896); Partido Socialista do Rio Grande do Sul (1897); Partido Socialista Brasileiro, de São Paulo (1902); Partido Operário Socialista, do Distrito Federal (1909).[4]

Alguns desses partidos chegaram a ter “repercussão internacional". Referindo-se ao Partido Socialista Brasileiro, fundado por França e Silva, Kautski envia uma carta a Engels, dizendo:

envio-te anexo um jornal que me remeteram do Rio de Janeiro. Contém um artigo sobre o Partido Operário Brasileiro e seu programa. Lamentavelmente não sei português, e portanto, só posso adivinhar aqui e ali algo de seu conteúdo. Talvez te interesse o artigo. Talvez, se valesse a pena, Ede [Eduardo Berstein], que também é poliglota, poderia fazer uma nota com esse material. Já mencionei uma vez o movimento brasileiro, em uma informação baseada em um jornal alemão de São Paulo.[5]

Engels responde: “Dei a Ede o jornal brasileiro, mas disse-lhe que a importância destes partidos sul-americanos está sempre na razão inversa das demonstrações ruidosas de seus programas (...).”[6]

Os socialistas de São Paulo e do Rio Grande do Sul merecem uma referência especial no livro Le Socialisme et le Congres de Londres, editado na capital inglesa no ano de 1897: “No Brasil o socialismo encontra-se em estado embrionário. Cresce mais na Província do Sul, São Paulo e Rio Grande do Sul, graças à imigração italiana e alemã. Em Santos (SP) existe a União Operária, um partido operário social-democrata.”[7]

A primeira comemoração do 1º de Maio no Brasil ocorre, segundo PETERSEN, em 1891, tendo sido patrocinada pelo Centro do Partido Operário de São Paulo.[8]

O ano de 1898 é marcado pela realização do I Congresso Operário Sul-Riograndense. Nesse Congresso, que aprovou a defesa do socialismo, foi lido e vivamente aplaudido um telegrama, procedente de Alegrete e assinado por 10 pessoas, cujo teor era “Viva o Socialismo Científico!”[9] Em 06.05.1896, o jornal gaúcho A FEDERAÇÃO publica em francês a letra do hino “A Internacional”.[10]

Nesta segunda fase do movimento dos trabalhadores - que se estende até o final da primeira década deste século - predomina de forma clara a vertente social-democrata.[11] Mas já desponta uma crescente participação anarquista no movimento.

O período que vai de 1903 a 1909 é marcado por um ascenso de greves e mobilizações em todo o país: greve dos carroceiros no Rio de Janeiro (1903), greve dos ferroviários paulistas (1905), greve dos portuários de Santos (1905); agitações e mobilizações de apoio à revolução russa de 1905 e contra a execução de Ferrer na Espanha (1909).

Em abril de 1906, por iniciativa da Federação Operária Regional do Rio de Janeiro, realiza-se no Rio de Janeiro o 1º Congresso Operário do Brasil. Aberto no dia 15, o mesmo prolonga-se até o dia 20 de abril. Participam cerca de 40 entidades de trabalhadores do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Minas Gerais. Os anarquistas, apesar de não serem a maioria, por sua grande combatividade dominam o plenário e conseguem aprovar a maioria de suas teses:

cabe observar que mesmo no Congresso Operário de 1906 manifestou-se uma forte corrente favorável à formação de um partido político operário; mas a corrente anarco-sindicalista predominou ali de maneira irredutível, com o seu visceral preconceito “antipolítico”. Nasceu, assim, em vez de um partido a COB (...)[12]

De 7 a 15 de novembro de 1912, realiza-se no Rio de Janeiro, no luxuoso palácio Monroe, um "Congresso Operário Brasileiro”, organizado e financiado pelo 1º tenente e deputado federal Mário Hermes - filho do então presidente da República, Mal. Hermes da Fonseca. O assim chamado “Congresso dos Pelêgos” - que reuniu “sessenta e oito elementos” - concedeu a presidência de honra da recém fundada “Confederação Brasileira do Trabalho” ao deputado Mário Hermes, pouco mais se sabendo dela desde então.

            A Lei de expulsão de trabalhadores estrangeiros levou a Confederação Operária Brasileira a desenvolver uma grande campanha nacional e, no dia 20 de maio de 1913, a realizar comícios de protesto em todo o país. Entre 8 e 13 de setembro de 1913, a COB realizou o 2º Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro. Ao todo, estiveram representadas cerca de 350 associações operárias dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Alagoas, Amazonas. O 2º Congresso aconselhou a greve geral revolucionária em caso de guerra externa, definiu o combate ao cooperativismo nas entidades sindicais - por “desvirtuar os destinos reais do Sindicato” - e assumiu integralmente a orientação anarquista de combate à política.

Observa-se, entre 1912 e 1916, um certo refluxo do movimento operário brasileiro, cujas grandes lutas só serão retomadas no ascenso de 1917-1919:

Nos anos de 1911 até 1913 passa-se por um certo refluxo, quando os desmantelamentos de sindicatos pela polícia serão acompanhados de legislação mais severa para expulsão de estrangeiros. É nesse contexto que tem lugar em 1912 o Congresso convocado pelo filho do Presidente da República. Mas também o ano seguinte assistirá a realização do II Congresso da Confederação Operária Brasileira ainda sob predomínio anarquista. Daí até 1917 uma relativa baixa do movimento grevista é acompanhada de forte mobilização contra expulsão de estrangeiros, contra a guerra e o militarismo, contra a carestia que acompanhou os anos de guerra. O ano de 1917 inaugura um novo ascenso e mesmo uma nova fase de massividade do movimento operário.[13]

O ASCENSO GREVISTA DE 1917

Para entendermos o grande ascenso grevista de 1917 é preciso, alem das suas causas de fundo, analisar a conjuntura em que a mesma ocorreu: “O grande movimento grevista que se alastra pelo país em meados de 1917 tem a sua causa conjuntural mais evidente no modo de inserção do Brasil na Primeira Grande Guerra (...) o país transformara-se em um grande fornecedor de gêneros alimentícios às populações civis e às tropas combatentes das nações da ‘Entente’(...).”[14] Entre 1914 e 1917 as exportações brasileiras de gêneros alimentícios aumentaram, em média, 11 vezes. No caso da carne resfriada e do charque, esses aumentos foram de 47 e de 30 vezes, respectivamente. Já a exportação do arroz aumentou 14 mil vezes e a do feijão 21 mil vezes! As conseqüências disso foram o desabastecimento e a disparada nos preços. Referindo-se a isso, Dules afirma: “Os preços dos gêneros alimentícios continuaram a subir durante os seis primeiros meses de 1917. Artigos de primeira necessidade tendiam a custar de 20 a 150 por cento mais caro do que no ano precedente (...) O aumento do custo de vida foi o tema dos discursos do Primeiro de Maio de 1917.”[15] A essa situação econômica insustentável, é preciso acrescentar um razoável nível de consciência e organização por parte dos trabalhadores, sob influência anarco-sindicalista, e o impacto das primeiras notícias da Revolução da Rússia de fevereiro.

Assim, o ano de 1917 entrou prenhe de grandes mobilizações operárias. Em 18 de abril, a Federação Operária do Rio de Janeiro realizou uma grande assembléia em sua sede, ocasião em que foi decidido o envio de uma mensagem ao Presidente da República protestando contra a eventual entrada do Brasil na guerra e sugerindo medidas contra a crise que sacrificava os trabalhadores. No dia 1º de maio, um grande massa de trabalhadores desfilou pelas ruas da capital protestando contra a carestia e pedindo paz. Ainda durante o mês de maio, irromperam diversas greves em fábricas têxteis do Rio de Janeiro, acompanhadas de comícios, passeatas e choques com a polícia. E, em julho de 1917, eclodiu em São Paulo - já então o principal centro industrial do Brasil - a primeira grande greve geral do país, que logo se estenderia para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

No dia 10 de junho, iniciou a greve dos trabalhadores do cotonifício Crespi, no bairro industrial da Mooca, na capital paulista, reivindicando um aumento de 25%. No dia 15, os grevistas realizam uma passeata pedindo a solidariedade de seus irmãos de classe e sofrem a repressão policial. Rapidamente, o movimento grevista começa a ganhar a adesão dos operários de diversas fábricas, ao mesmo tempo que generaliza-se o descontentamento entre o conjunto dos trabalhadores. No dia 28 de junho, a “União dos Operários em Fábricas de Tecidos de São Paulo” faz um apelo às “Ligas Operárias” do interior do Estado, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais para que declarem o boicote, impedindo que Crespi consiga atender às suas encomendas através de fábricas fora de São Paulo. Neste mesmo dia, outra grande manifestação operária é reprimida pela polícia montada quando se dirigia para a Praça da Sé. No dia 6 de julho , a primeira vitória: a firma Nami Jafet concede um aumento de 20% para o dia e de 25% para a noite. O movimento se estende como rastilho de pólvora e já são milhares de grevistas manifestando-se nas ruas. No dia 9 de julho a polícia dispara contra os trabalhadores e fere gravemente o operário Antonio Martínez; em seguida são fechadas as sedes de todas as “Ligas” e “Uniões” da cidade. A greve atinge quase todas as categorias industriais e de serviços e cresce a indignação proletária e os choques com as forças de repressão.

No dia 10, falece o operário Martínez e a “Comissão de Defesa Proletária” convida a população de São Paulo a acompanhar o enterro. Um “mar de gente” acompanha o cortejo fúnebre, desafiando o enorme aparato policial-militar colocado nas ruas pelo governo. Findo o enterro, uma parte da massa dirigiu-se para a Praça da Sé para ouvir os discursos de protesto; outra parte da multidão, calculada em milhares de pessoas, dirige-se para os bairros do Brás, Mooca, e Cambuci e força o fechamento das empresas que continuam trabalhando. Os dias 12 e 13 de julho foram de confronto aberto. e muitas vezes armado, entre os trabalhadores e as forças da repressão, com o surgimento de barricadas nos bairros operários. Estima-se que em torno de 75 mil o número de trabalhadores em greve. Manifestações de solidariedade chegam de todas as partes. As informações acerca de atos de indisciplina no seio das tropas preocupa as autoridades e os patrões:

No dia 13 de julho, Crespi e os demais industriais admitiram um aumento de 20% para o conjunto dos trabalhadores. Uma comissão de jornalistas se propôs a mediar o confronto. Depois de algumas negociações, os patrões - além dos 20% de aumento - se comprometeram a não despedir ninguém pela greve, respeitar o direito de associação, pagar os salários a cada 15 dias e melhorar as condições materiais e econômicas dos trabalhadores. Já o Governo, concordou em libertar os operários presos por motivo da greve, reconheceu o direito de reunião, se comprometeu com uma fiscalização rígida das normas trabalhista e com o controle dos preços. No dia 16 de julho, os trabalhadores aceitaram o acordo. Dia 18, “ao comício do Largo da Concórdia aflui uma massa superior a oitenta mil almas. Um verdadeiro oceano humano a espraiar-se pelo Largo até a rua Bresser. Nunca se viu, na cidade, uma concentração tão numerosa, tão comovente e tão conscientemente disciplinada.” O comício é encerrado ao som da Internacional.[16]

No dia 18 de julho, o movimento grevista alastra-se para o Rio de Janeiro. Iniciado em duas pequenas fábricas de móveis, em solidariedade aos grevistas de São Paulo, se estende rapidamente, sendo assumida pela Federação Operária do Rio de Janeiro:

“Na manhã de segunda-feira 23 de julho, calculava-se que 50 mil operários estavam em greve. No mesmo dia, cerca de 20 mil operários metalúrgicos deixaram o serviço (...) Bandos de operários percorreram as ruas da cidade. A 24 de julho, enquanto um grupo deles solicitava a adesão de companheiros ao movimento paredista, a polícia investiu contra o mesmo a golpe de espada e patas de cavalo. A multidão, revoltada com este “ataque” policial, marchou em direção ao largo de São Francisco, carregando uma bandeira vermelha e berrando “abaixo o capital”. (...) Enquanto isso, outros grupos executavam os primeiros assaltos e depredações. (...) Em 25 de julho, uma força policial dispersou enorme aglomeração nas vizinhanças da Central de Polícia. (...) os policiais foram recebidos a pedra, saindo ferido na cabeça o tenente que comandava o destacamento (...) Nos últimos dias de julho, diversos acordos foram efetuados. Os representantes dos operários das fábricas de tecidos, maior dos grupos trabalhistas do Rio, ainda se encontravam em negociações no dia primeiro de agosto. Quando, no dia seguinte, entraram em acordo com o Centro Industrial do Brasil, a “greve geral” carioca chegou ao ponto final. O acordo estabelecia a semana máxima de 56 horas e um aumento de 10 por cento dos vencimentos. Os problemas referentes ao dia de oito horas, trabalho de menores e responsabilidade dos patrões nos acidentes de trabalho seriam resolvidos por leis no Congresso Nacional. E nenhum operário seria dispensado por tomar parte na greve.[17]

Avançando como que “em ondas”, em 31 de julho o movimento grevista chega ao Rio Grande do Sul. Depois de algumas reuniões furtivas, a “União Operária Internacional”, anarquista, distribui boletins, convocando uma reunião geral na FORGS para o dia 29, domingo:

“Na reunião, com mais de 500 pessoas, nenhum cargo administrativo da FORGS tomou a palavra e criou-se ainda (não elegeu-se) um órgão sob controle dos anarquistas e dos pedreiros sindicalistas (sem a participação da diretoria da Federação). A Liga de Defesa Popular (LDP) estabelece uma pauta de reivindicações e a entrega aos governos municipal e estadual, eximindo, portanto, a FORGS da responsabilidade do movimento.”[18]

Tudo indica que essas “precauções” foram tomadas para prevenir qualquer intervenção na FORGS em função da greve.[19] Entre os integrantes da LDP encontramos o, pedreiro Luiz Derivi e o gráfico Cecílio Villar, ambos conhecidos anarquistas e ex-dirigentes da FORGS (não sabemos se neste momento continuavam ou não na suas direção, por nos faltarem dados concretos sobre isso), além de Abílio Nequete, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil em 1922. Imediatamente a “Liga” lançou uma proclamação ao povo de Porto Alegre, divulgando as suas reivindicações:

Povo! Trabalhadores! (...) A Liga de Defesa Popular espera o apoio do povo de Porto Alegre para obter as seguintes melhorias (...) diminuição dos preços dos gêneros de primeira necessidade em geral; providência para evitar o açambarcamento do açúcar; estabelecimento de um matadouro municipal para fornecer carne à população a preço razoável; criação de mercados livres nos bairros operários; obrigatoriedade de venda do pão a peso e fixação semanal do preço do quilo; a Intendência cobrar pelo fornecimento de água 10% sobre os aluguéis cujo valor locativo seja inferior a 40$000; compelir a Companhia de Força e Luz a estabelecer a passagem de 100 réis, de acordo com o contrato feito com a municipalidade; aumento de 25% sobre os salários atuais; generalização da jornada de 8 horas; estabelecimento da jornada de seis horas para mulheres e crianças.[20]

No dia 30, a “Liga” envia, um documento ao presidente do Estado - Borges de Medeiros - e ao intendente municipal - José Montaury, com as reivindicações aprovadas. Na tarde do dia 31, a “Liga” realiza um comício com 5 mil pessoas e decreta a greve geral:

Estalou finalmente a greve geral, há tantos dias anunciada nesta cidade, e cujos prenúncios se fizeram sentir logo após o movimento grevista que na capital da República secundou o de São Paulo. Como era de prever, o operariado, depois do comício realizado ontem à tarde na Praça Senador Florêncio, onde diversos oradores pregaram a greve geral como único meio de conseguir o decrescimento da carestia da vida, resolveu abandonar o trabalho, tendo muitas fábricas deixado de funcionar ontem mesmo. A agitação nas classes operárias é extraordinária, como se pode notar, desde ontem à tarde, na atitude exaltada de grande número de operários que, em grupos, percorriam as ruas da cidade e estacionavam às esquinas. A sede da Federação Operária tem estado repleta de associados”.[21]

Paralisam as suas atividades os calceteiros pedreiros, marceneiros, carpinteiros, tecelões, chapeleiros, metalúrgicos, estivadores, choferes, carroceiros, padeiros, tipógrafos, comerciários. Os motorneiros e cobradores da Cia. Força e Luz solicitam um aumento de salários e, ao não serem atendidos, entram em greve. Os trabalhadores da Viação Férrea do RGS - controlada pela empresa belga Compagnie Auxiliaire e pela norte-americana Brazil Railway - reivindicam jornada de oito horas, semana inglesa e aumentos salariais de 10 a 30%. Diante da resposta negativa, iniciam a greve em Santa Maria e logo estendem o movimento a todos os municípios, paralisando os transportes a nível estadual. Em Porto Alegre os grevistas dominam a cidade. Zenon de Almeida - que anos depois irá aderir ao Partido Comunista do Brasil - edita o jornal A ÉPOCA, porta-voz da “Liga de Defesa Popular”[22].

No dia 1º de agosto, em um comício na Praça da Alfândega com mais de 4 mil operários, o anarquista João Baptista Noll refere-se explicitamente à revolução russa em andamento: “Camaradas! Que o som produzido pelo choque do malho e da bigorna seja o eco da liberdade a ressoar pelo mundo. (...) O povo da Rússia, dos cossacos, de Tolstoi, Gorki e Kropotkine, depois de uma escravidão quase infinita, conseguiu por si um regime de liberdade”.[23] Um testemunho da época reproduz bem o clima da greve:

Invadindo e dominando todas as grandes companhias, estabelecimentos e várias classes sociais, algumas levadas à força, pelo temor de represálias tremendas que os grevistas prometiam (...) esse movimento assumiu proporções desmesuradas, paralisou totalmente a vida da cidade, sem luz nem pão, sem leite nem carne, sem legumes nem frutas, sem bondes nem carros, sem automóveis nem carroças. (...) grevistas que chegaram à petulância irrisória de colocar destacamentos seus, vigilantes e ameaçadores, em determinadas embocaduras e encruzilhadas, para impedir que os vendedores ambulantes dos artigos imprescindíveis de consumo diário, pudessem chegar ao mercado ou casas dos fregueses. Houve até um simulacro caricato de governo que expedia salvo-condutos a determinados indivíduos para poderem transitar livremente. Dispondo de numerosa gente espalhada aqui e acolá em grupos de catadura menos tranquilizadora, foram a reprováveis atos de violência (...) A cidade semelhava uma praça de guerra, preparada para o combate. Em todos os recantos suspeitos, os pelotões de infantaria, embalados, estacionavam previdentes: patrulhas de cavalaria cruzavam constantemente numa atividade formidável. (...) Os comícios e assembléias operárias eram freqüentes e numerosas, a linguagem tribunícia inflamada, excessiva, abundantíssima; as exigências enormes; as imposições demasiadas e inaceitáveis; a cólera exacerbada e perigosa.[24]

No dia 2 de agosto a LDP é recebida por Borges de Medeiros que lhes comunica a decisão de atender as reivindicações quanto à redução da jornada de trabalho e aumento de salários de 5 a 25% para os empregados do Estado, além de medidas de controle das exportações de arroz, banha, batatas, feijão e farinha. As concessões do presidente do Estado são festejadas por uma multidão de 5 mil pessoas, que aguarda a Comissão a saída do Palácio; esta recomenda a continuidade da greve, pois nem os patrões haviam reduzido a jornada de trabalho e concedido aumentos salariais, nem o governo municipal havia tomado medidas concretas para o controle dos preços. Nesse mesmo dia aderem à paralisação a Companhia Fiat Lux, tamanqueiros, licoreiros, canteiros, e diversas outras empresas.

O Chefe da Polícia, Firmino Paim Filho, pressiona para que a greve seja suspensa, alegando que as reivindicações dos trabalhadores já haviam sido satisfeitas. O CORREIO DO POVO do dia 3 de agosto traz a notícia do fim da greve. Imediatamente a “Liga” distribui um Boletim desmentindo o fim da greve e “concita aos trabalhadores que já tenham entrado em acordo com os patrões, quanto ao aumento de salário e às 8 horas, que continuem em greve até a diminuição dos preços dos gêneros alimentícios, do contrário o que ganharmos voltará para os cofres dos comerciantes.” No dia seguinte, através do Ato 137, o Intendente Municipal José Montaury decretou o tabelamento dos preços do arroz, açúcar, banha, cebola, salame, ovos, erva-mate, leite, manteiga, massa branca, milho, fósforos, polvilhos, pão, sal, charque, querosene, sabão e vela de sebo. Também reeditou o Ato 107, de 1914, regulando as normas para a venda da carne fresca.

Quanto aos patrões, pressionados pelos trabalhadores e pelo próprio governo, concederam aumentos de 25% e jornada de 8 horas para a maioria das categorias. No dia 4 de agosto, a Companhia Força e Luz dá aumento a todos os seus funcionários. Consultada a “Liga”, motorneiros e cobradores só suspendem a greve no dia 5 de agosto, quando a própria “Liga” divulga o seu Boletim aconselhando “a volta ao trabalho de todas as classes que o julgarem conveniente”, ao mesmo tempo que assegura que “as que quiserem prosseguir em greve, por não terem conseguido seu objetivo, a Liga de Defesa e a Federação Operária do Rio Grande do Sul hipotecam a sua solidariedade e se propõem a tudo fazer por elas.” Um comício, realizado nesse mesmo dia, encerra a Guerra dos Braços Cruzados. Algumas categorias permaneceram em greve por alguns dias, até terem as suas reivindicações atendidas. Encerrava-se, de forma vitoriosa, a lutas do proletariado portalegrense.

Já a greve dos ferroviários enfrenta grande dificuldades. O inspetor-geral da VFRGS - Mr. Cartwright - ameaça despedir todos os grevistas e solicita a intervenção das tropas da 7ª Região Militar: “No dia 2 de agosto o General Carlos Frederico de Mesquita comanda a ocupação da Estação de Santa Maria. Em represália os grevistas arrancam trilhos, derrubam pontes e bloqueiam a via com dormente e postes telegráficos em vários pontos do Estado. Alguns trens passam a circular guarnecidos por tropas. Em Passo Fundo há violentos choques entre ferroviários e forças militares.”[25] No dia 9 de agosto a greve foi interrompida sem que as reivindicações dos trabalhadores fossem atendidas. Mas em 17 de outubro de 1917, os ferroviários retomam a sua luta através de uma greve ainda mais violenta e prolongada. Operários armados invadem a estação de Santa Maria, danificam e chocam locomotivas, paralisando completamente o tráfego. A greve se espalha por todo o Estado, com uma violência inaudita. Trilhos são arrancados, linhas telegráficas cortadas, pontes destruídas. Novamente as tropas são mobilizadas e trens militares voltam a circular.[26]

Os ferroviários denunciam os “patrões estrangeiros” que os exploram e não garantem um serviço de qualidade, buscando ganhar o apoio e a simpatia do empresariado gaúcho, insatisfeito com os serviços prestados pela VFRGS. O governo do Estado - interessado em assumir a concessão da Viação Férrea - sinaliza neste sentido através das páginas de A FEDERAÇÃO, propondo a cassação da concessão à Brazil Railway da ferrovia, e passa a trabalhar junto ao governo federal nesse sentido. Borges de Medeiros recomenda cautela e comedimento da Brigada Militar na repressão ao movimento Os ferroviários em greve delegam ao governo do Estado a intermediação junto ao Governo Federal e à Companhia, para negociar um acordo. Em Santa Maria cresce a violência: “em choques de rua, após comício na Praça Saldanha Marinho, no dia 21 de outubro, uma patrulha do exército atira sobre os manifestantes: há 1 morto e 29 feridos.”[27] No dia 27 de outubro a FORGS ameaça com uma greve geral no Estado, caso as reivindicações dos ferroviários não sejam atendidas. No dia 31 de outubro, Mr. Cartwright é exonerado e Borges de Medeiros consegue a concessão de aumentos salariais de 10 a 15%, além da satisfação de grande parte das reivindicações dos grevistas. Três anos depois, o governo estadual assumirá o controle da VFRGS.

Além da greve estadual dos ferroviários, o movimento também se alastrou para algumas cidades do interior. Em Pelotas, se inicia no dia 4 de agosto com a paralisação dos motorneiros e cobradores da Companhia Força e Luz, estivadores, choferes, curtidores, alfaiates, sapateiros e verdureiros. Também é dirigido por um “Comitê de Defesa Popular”. Diferentemente de Porto Alegre, o Intendente Municipal reprime violentamente os grevistas e o movimento se radicaliza. No dia 10 de agosto, realiza-se uma passeata dos trabalhadores no centro da cidade, encerrada com um comício. A repressão da policia e do 11º Regimento de Cavalaria, acaba em um conflito de grandes proporções, com diversos feridos. Em protesto, os grevistas concentram-se à noite na sede da “Liga Operária”. A polícia intervém novamente e os operários resistem. Na refrega um funcionário da Intendência municipal é gravemente ferido - falecendo poucos dias depois - e o cavalo do próprio chefe de polícia é abatido a tiros. Depois de muita luta os grevistas são desalojados. Preocupado com a violência dos conflitos, Borges de Medeiros envia para Pelotas o Chefe de Polícia da capital com a missão de “manter a ordem assegurando o direito de greve àqueles que nela quiserem persistir, bem como garantir a liberdade de ação dos que não estivessem dispostos a acompanhar esse movimento” (A FEDERAÇÃO, 13.08.1917). Em meados de agosto a greve em Pelotas é encerrada, em troca de uma redução nos preços dos gêneros de primeira necessidade. A onda grevista se espraia por diversos municípios do Rio Grande do Sul, perdurando até o mês de novembro.[28]

Em Recife, a onda grevista chegou no mês de setembro, tendo também um caráter geral.

Em fins de 1917, diante da declaração de guerra à Alemanha, operários em greve no Rio de Janeiro foram constrangidos a retornar ao trabalho. O Congresso declarou o “estado de sítio” e o governo aproveitou para fechar os sindicatos e os jornais operários que se opunham à guerra.[29] Em dezembro de 1917, procurando antecipar-se às reivindicações operárias, o Governo editou o decreto nº 1.596, regulamentando o trabalho infantil e feminino. Em 1918 é aprovada a lei sobre acidentes de trabalho. Encerra-se, assim, a primeira fase da onda grevista iniciada em 1917.

A INSURREIÇÃO ANARQUISTA DE 1918

Mas, nem a repressão, nem as concessões - seja à nível da jornada de trabalho, seja a nível salarial, seja à nível legislativo - conseguiram impedir o avanço do movimento operário ou bloquear a elevação do seu nível de consciência, que começa a assumir novas formas. Sob influência da vitoriosa Revolução Russa, surgem diversos grupos “comunistas” ou “maximalistas” (bolcheviques), inclusive no Rio Grande do Sul.[30] No 1º de Maio de 1918, o anarquista Zenon de Almeida escreve no jornal A LUTA: “Que a Revolução Russa é um acontecimento grandioso na história dos povos, para nós é um fato indiscutível. (...) a burguesia não faria o escarcéu que faz, se alguma coisa de grande a Revolução não anunciasse”. Neste mesmo ano, o semanário O INFLEXÍVEL - editado pelo veterano dirigente socialista Francisco Xavier da Costa - publica entre nós, pela primeira vez no Brasil, a íntegra da Constituição Soviética.[31] No 1º de Maio de 1918, no Rio de Janeiro, uma reunião com 3 mil trabalhadores aprova uma moção a favor da revolução na Rússia e contra a guerra imperialista.

Em agosto de 1918, tem lugar a greve da Companhia Cantareira Viação Fluminense, a qual aderem outras categorias. Uma parte da tropa enviada para reprimir o movimento adere aos grevistas e sucedem-se violentos choques armados.[32] Finalizada a I Guerra Mundial, eclode no Rio de Janeiro, em novembro, a Insurreição Anarquista de 1918, que abre uma segunda grande onda de lutas proletárias:

Em novembro de 1918, eclodiu uma greve política geral no Rio de Janeiro. Os primeiros a entrar na luta foram 25 mil tecelões, que exigiam aumento de salário e o direito de criar livremente sindicatos. Segundo o plano elaborado por um Comitê Revolucionário especialmente criado, a greve deveria transformar-se em rebelião armada. Os sindicalistas revolucionários e os anarquistas, que participavam desse comitê, decidiram que o sinal para a rebelião seria uma reunião geral dos proletários, em uma das praças da capital. Depois deveriam invadir depósitos militares e apreender armas. (...) em seu meio infiltrou-se um provocador que comunicou à polícia a rebelião em preparação. Na véspera da rebelião, na noite de 17 para 18 de novembro de 1918, a polícia prendeu vários membros do Comitê Revolucionário. Os grupos de operários que se reuniram pela manhã em uma das praças, foram dissolvidos pela polícia. A rebelião armada fracassou. (...) em alguns bairros os operários começaram, de acordo com o plano, a construir barricada, mas logo foram obrigados a recuar. Somente nos arredores do Rio de Janeiro os trabalhadores de Magé, rebelando-se, proclamaram a República Operária, que durou alguns dias. Os revolucionários tentaram mesmo tomar sob seu controle as fábricas, porém destacamentos policiais afogaram em sangue a República Operária - a primeira tentativa dos operários de tomarem o poder em suas mãos. (...) Muitos operários foram mortos e presos. (...) os acontecimentos de novembro de 1918 demonstraram com toda evidência que se havia acumulado, nas fileiras do movimento operário, uma grande energia revolucionária e que espontaneamente os operários eram atraídos a métodos mais revolucionários de ação e que o antagonismo entre o capital e o trabalho havia crescido de maneira excepcional. A questão estava apenas em organizar e dirigir corretamente essa luta. Os sindicalistas mostraram sua incapacidade para continuar desempenhando o papel dirigente. O proletariado brasileiro viu-se diante da necessidade de elaborar uma nova orientação e criar um partido político de tipo bolchevique. [33]

AS GRANDES GREVES DE 1919

No Rio de Janeiro, em 1919, no comício do 1º de Maio, compareceram 60 mil pessoas e diversos oradores falaram em nome do “Partido Comunista”. O orador mais aplaudido foi o operário José Elias da Silva, que três anos depois participará da fundação do Partido Comunista do Brasil. Em 2 de maio, os operários da construção civil do Rio de Janeiro conquistam a jornada de 8 horas. No mesmo dia, é deflagrada uma greve geral em São Paulo, a qual, em poucos dias, paralisa mais de 50 mil trabalhadores: “O movimento se estendeu a outras cidades do Estado, de maneira bem mais significativa do que acontecera em 1917. (...) Em São Bernardo do Campo, ao sul da capital, o operário Constante Castellani foi morto por uma bala do destacamento policial que fizera fogo para dispersar uma aglomeração de grevistas.”[34] São obtidas diversas vitórias parciais, com redução da jornada e aumentos salariais. No Rio de Janeiro, a partir de 7 maio, diversas categorias entram em greve, e no dia 18 de maio já havia mais de 10 mil trabalhadores paralisados. São conquistados alguns avanços. Também explodem greves na Bahia e em Pernambuco.

No Rio Grande do Sul também são registradas importantes lutas em 1919. Em Santana do Livramento eclode, no dia 13 de março[35], a grande greve nos Frigoríficos Armour, dirigida pela “Liga Comunista de Livramento” - “a primeira greve contra uma empresa imperialista no Estado sulino”[36] - pleiteando aumentos de salários, a jornada de 8 horas, pagamento em dobro nos domingos e nas horas extras. Em Porto Alegre, “desfraldando a bandeira da jornada de oito horas (...) os metalúrgicos deflagraram a maior greve já feita por uma categoria de trabalhadores no Rio Grande do Sul. Ficaram de braços cruzados de 13 de julho a 18 de agosto de 1919 e só voltaram ao trabalho depois da vitória de seu movimento.”[37] No decorrer do mês de agosto, a greve dos metalúrgicos adquire um caráter geral, paralisando milhares de trabalhadores de Porto Alegre. No dia 7 de setembro a polícia reprime violentamente um comício dos grevistas em frente à Prefeitura. [38]:

No fogo da luta, os trabalhadores procuram avançar sua organização. A 9 de março de 1919, é fundado o “Partido Comunista do Rio de Janeiro”, aberto para “anarquistas, socialistas e todos os que aceitarem o comunismo social”. Em 16 de junho, é formado o núcleo de São Paulo do “Partido Comunista”. E em 21 de junho, abre no Rio de Janeiro a “Primeira Conferência Comunista do Brasil”, na verdade, uma assembléia de todo o movimento anarquista do país. Participam 22 delegados representando grupos “comunistas” do Distrito Federal, Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. Devido a repressão, a Conferência teve que reunir-se nos dias 22 e 23 em Niterói. Mas o encontro se encerra sem chegar a um acordo sobre o programa do novo partido, delegando ao núcleo de São Paulo a tarefa de elaborá-lo. Mas, esse “Partido Comunista” possuía uma contradição insolúvel: por um lado, era constituído, na sua imensa maioria, por convictos “libertários”; por outro, constituía-se como “Partido” (o que era a própria negação do apoliticismo anarquista) e era entusiasta defensor da Revolução Russa, onde a classe operária havia colocado na prática a questão da “tomada do Poder” e da constituição de um “Estado Proletário” (o que era inaceitável dentro da concepção anarquista). Isso só poderia levar, como efetivamente levou, à sua total inoperância.

A solução desta contradição só se dará em 1922, depois que o campo anarquista diferenciou-se e cindiu: de um lado, aqueles que permaneceram atrelados ao anarquismo, contrário à toda ação política e progressivamente anti-soviético; de outro, aqueles que romperam com o anarquismo, aderiram ao marxismo-leninismo (em que pese inúmeras incompreensões) e mantiveram-se fiéis à primeira revolução proletária. De 1920 e 1922, ocorre no interior do movimento sindical uma intensa luta ideológica entre “anarquistas” e “maximalistas ou comunistas”, amadurecendo as condições para o surgimento de um “Partido Comunista” marxista. Nesse processo, jogará um papel importantíssimo a vitória da Revolução Russa.

A FALÊNCIA TEÓRICA E PRÁTICA DO ANARQUISMO

Em outubro de 1919, fracassa uma greve geral em São Paulo, dirigida pelos anarquistas. Diversos trabalhadores são presos e despedidos, outros deportados para o Rio Grande do Sul ou para o exterior, como Everardo Dias. O ano de 1920 ainda assistiu importantes lutas operárias: em março, a greve dos trabalhadores da Leopoldina Railway e da Companhia de Estradas de Ferro Mogiana, ambas vencidas através de uma brutal repressão. O anarquismo ainda prevalece amplamente, mesmo nos grupos autodenominados “comunistas”. Às antigas teses sobre a forma sindicalista de organização, o método da ação direta, o antibelicismo, a luta pelas 8 horas, se juntam novas teses, como a luta contra as deportações. Em abril, no Rio de Janeiro, realiza-se o 3º Congresso Operário Brasileiro. Participam 135 delegados, sendo nomeada uma comissão para “coordenar” o temário do Congresso, formada por Edgard Leuenroth, Alberto Lauro, José Alves Diniz, José Elias da Silva e João da Costa Pimenta. Representando a VOZ DO POVO, Astrogildo Pereira participou do Congresso com direito à voz. Esses três últimos estarão em 1922 no Congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil. Da mesma forma que os Congressos anteriores, o terceiro optou pelo maleável “método federativo”, tão apreciado pelo libertários. A filiação à Internacional Comunista foi descartada por esta não ser “uma organização genuinamente sindical”, decidindo-se por um “voto de felicidades”. Ao invés de confiar suas resoluções à COB, nomeou-se uma Comissão executiva do Terceiro Congresso (CETC), com mandato até o Quarto Congresso, compreendendo um Secretário Geral - Leuenroth - um Tesoureiro e cinco secretários itinerantes, entre eles José Elias que logo assumiria a Secretaria Geral por motivos de doença.

O ano que se seguiu ao 3º Congresso Operário Brasileiro foi de “desmantelamento geral da organização operária” e de crise da própria imprensa operária. Para isso contribuíram a “forte reação policial”, as leis anti-anarquistas a retração do mercado de trabalho e a incapacidade do anarquismo de dar respostas as necessidades da nova fase de lutas que se iniciava para o movimento operário: “As greves de 1917, 1918 e 1919 mostraram que o movimento operário estava objetivamente maduro, mas não possuía uma direção conseqüente, capaz de abrir a perspectiva política. Os anarquistas, apesar da firmeza, da combatividade e do devotamento com que lutavam, não podiam desempenhar essa tarefa, em virtude das limitações da sua doutrina.”[39] Como afirma Hardman:

(...) a recusa em considerar a organização necessária ao proletariado para a luta política contra o Estado; a negativa em organizar a classe em partido próprio, com vistas à tomada revolucionária do poder; o apego absoluto à chamada “resistência anticapitalista”, que se traduzia na superestimação do papel do sindicato e da luta econômica; a exaltação das formas espontâneas de luta, de ações voluntaristas e heróicas, individualizadas e desvinculadas das massas; enfim, esses aspectos da teoria e prática dos anarquistas, revelaram o impasse e o beco sem saída a que foi levado o movimento operário no Brasil, neste final dos anos 10. (...) as ações do movimento anarquista não superaram a espontaneidade economicista [40]

No final de 1920, início de 1921, ainda se registram algumas greves operárias, como a dos estivadores de Santos e a dos marítimos das companhias de navegação do Rio de Janeiro - que contou com o apoio dos trabalhadores marítimos do Recife e do sul do país. A sede da “União dos Operários da Construção Civil” do Rio de Janeiro, que preparava uma greve geral de solidariedade aos marítimos, foi invadida e diversos operários presos depois de um conflito armado. Essa greve geral, que fracassou, expressa o refluxo das lutas operárias:

A grande vaga de movimentos operários e populares de 1917-1920 foi reprimida brutalmente. 1921 foi o ano da vazante. Os trabalhadores estavam vencidos. Os sindicatos esfacelados. (...) ficou apenas uma pequena vanguarda. Esta vanguarda continuou a defender os ideais da luta proletária. Meditou nas lições da derrota. Compreendeu que a maior parte da culpa cabia às idéias e aos métodos anarquistas e anarco-sindicalistas. Compreendeu que eram necessários nova ideologia e novos métodos. (...) Os movimentos operários de 1917-1920 não foram orientados pela ideologia marxista-leninista. (...) No seio da classe operária predominavam, então, duas correntes. Uma, oportunista de “esquerda”, com o anarquismo e o anarco-sindicalismo. A outra, oportunista de direita até a traição, com o reformismo apodrecido e policial (...) os anarquistas e anarco-sindicalistas não poderiam triunfar. Nem dirigir nenhuma revolução. Faltava-lhes o conhecimento das noções preliminares. Quais? A teoria da luta de classes. A necessidade do Estado proletário, de transição. O estudo da situação objetiva. A análise da correlação de forças em cada momento dado. A necessidade de uma política proletária de classe. Os avanços e recuos. A ofensiva e a defensiva. A luta legal e a ilegal. A luta no Parlamento e a luta extra-parlamentar. A combinação dessas formas de luta e de muitas outras. (...) O anarquismo pregava a revolução”. Mas não tinha nenhuma idéia concreta da revolução. Não compreendia suas etapas. Nem suas forças motrizes. Nem o papel do proletariado. Nem a aliança com os camponeses. Reduziu, de fato, a luta dos operários à luta econômica e sindical. (...) O anarquismo era uma corrente individualista pequeno-burguesa. Não admitia nenhum partido. Negava, de fato, a política (...) Não tinha disciplina. Nem organização.[41]

Em que pese todas essas limitações do anarco-sindicalismo e do sindicalismo revolucionário - hegemônicos no Brasil até o início dos anos vinte - uma avaliação ponderada do seu papel leva-nos a concordar com a opinião do estudioso soviético Bóris Koval, que afirma:

Diferentemente do anarquismo clássico (Bakunismo) o anarco-sindicalismo adotou algo do marxismo (o ensinamento sobre a luta de classes) (...) e apoiava-se nos sindicatos, como forma fundamental de organizações da luta proletária e célula do futuro “socialismo sindicalista”. (...) Assim, no final do século XIX, início do século XX, surgiu (...) no movimento operário uma nova corrente combativa - o sindicalismo revolucionário, que na pratica era a encarnação da luta proletária nos limites da forma ideológica pequeno-burguesa. Desde os primeiros dias de seu surgimento o sindicalismo revolucionário levou a uma rápida animação do movimento operário e antes de mais nada da luta grevista, dando uma contribuição essencial à formação dos sindicatos.(...) A atuação dos operários tornou-se mais consciente e organizada, fortaleceu-se o sentimento de solidariedade de classe, em vários casos chegou-se a choques armados com a polícia e tropas. (...) pode-se concluir que antes do surgimento da corrente marxista e da fundação do Partido Comunista o sindicalismo revolucionário desempenhou um papel positivo (...) contribuindo para sua formação como classe independente.[42]

Mas, ou a classe operária avançava, ou sofreria uma derrota histórica. E ela tratou de avançar.

CAUSAS DO SURGIMENTO DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL

            O surgimento do PC do Brasil decorreu, em primeiro lugar, da falência da anarco-sindicalismo, que dirigiu as grandes lutas do proletariado brasileiro no final da década de 20 do século passado - como as greves gerais de 1917 e 1919 e a insurreição anarquista de 1918 - levando-as a um beco sem saída. Nesse sentido, é herdeiro direto dessas grandes mobilizações operárias.

            Aqui reside, inclusive, uma das particularidades históricas do PC do Brasil que - diferentemente da maioria dos partidos comunistas, inclusive da América Latina - não surge da cisão ou adesão à IC de algum partido social-democrata ou socialista pré-existente. Ao contrário, nasce do movimento anarquista, em sua versão sindicalista revolucionária. Isso tem tanto as suas desvantagens - estreiteza, apoliticismo, abstencionismo eleitoral, inexperiência organizativa - quanto suas vantagens - combatividade, pregação da luta de classes, anti-reformismo, internacionalismo.

            Em segundo lugar, o surgimento do PC do Brasil é o resultado natural do amadurecimento político das lideranças mais avançadas do movimento operário brasileiro de então que – ao tomarem conhecimento da revolução russa, das conquistas do poder soviético e da teoria marxista – perceberam a impotência do anarquismo com o seu espontaneísmo, sua fluidez orgânica, seu apoliticismo. A revolução russa de outubro de 1917, colocou para eles, de forma clara, a questão da conquista do Poder pela classe operária, a necessidade de um partido altamente organizado para dirigir a luta, e de uma teoria e um programa revolucionário. É nesse sentido que se pode falar da enorme influência da revolução russa na formação do PC do Brasil, atuando como “catalisadora” desse processo de amadurecimento interno.

            Essa compreensão sobre a grande influência da revolução russa no surgimento do PC do Brasil nada tem a ver com a opinião daqueles que afirmam que o PC do Brasil é uma criação artificial, fruto da ação da Internacional Comunista e de um punhado de "visionários" desligados do movimento operário brasileiro. Essa apreciação desqualificadora repete os surrados argumentos dos que enxergam o "dedo de Moscou" na origem dos partidos comunistas de todo o mundo.

            Na verdade, a participação direta da IC no aparecimento do PC do Brasil é pequena, exercendo-se principalmente através do prestígio da revolução de outubro. Abílio Nequete, primeiro secretário geral do Partido, relata como tomou conhecimento através do Partido Socialista Uruguaio da convocação do 4º Congresso da IC e do interesse de que o Brasil se fizesse presente através do seu Partido Comunista. A partir daí, Nequete manteve contato com os outros grupos comunistas do país visando a convocação de um Congresso de fundação do partido. Nesse Congresso, Nequete representará - além do grupo comunista de Porto Alegre - o PC do Uruguai e a Agência de Propaganda para a América do Sul da IC. Quanto ao chamado incidente do “Cometa de Manchester” (passagem de um representante da IC por São Paulo visando a organização do partido comunista no Brasil), tudo indica não passar de uma "lenda fantasiosa", que contribuiu para essa imagem de “criação artificial” do partido.

            Tampouco procede a afirmação de que o PC do Brasil foi desde o seu início uma organização caudatária da Internacional Comunista, sem qualquer autonomia política, repetindo mecanicamente suas orientações e palavras de ordem. Mesmo considerando não haver qualquer demérito em a IC auxiliar e orientar a formação dos partidos comunistas em todo o mundo, a verdade é que os Partidos Comunistas latino-americanos ficaram durante longos anos praticamente abandonados por falta de condições materiais da IC em acompanhá-los. Durante os primeiros anos, a sua ajuda se dá através do envio de publicações marxistas, orientações práticas, apoio na formação de quadros, eventual vinda de dirigentes da IC (em geral da própria América Latina). E o exame, mesmo que superficial, dessa primeira fase do PC do Brasil, deixa claro o esforço de sua direção em formular - ainda que com deficiências, decorrentes da falta de domínio da teoria marxista - uma política própria para o país, chamada por alguns de “terceira via” (que apontava a necessidade de uma frente única com a pequena-burguesia revolucionária). É só após a criação do Bureau Sul-Americano da IC, em 1926, em Buenos Aires, que começa a haver um maior acompanhamento desses partidos. E só pode-se falar de uma interferência mais decisiva da IC nos partidos da região a partir de 1928.

            Em terceiro lugar, o surgimento do PC do Brasil decorre do próprio crescimento e concentração da classe operária brasileira - fruto da aceleração da industrialização do país durante a I Guerra Mundial - que em 1920 já chegava a 300 mil trabalhadores, tendo seus maiores contingentes em São Paulo (28,3%), Rio de Janeiro (24,6%), Rio Grande do Sul (8,3%) e Minas Gerais (6,3%). Os trabalhadores das indústrias têxteis (40,7%) e alimentícias (18,8%) totalizavam 59,5% dos operários. E 65,2% da classe operária trabalhava em empresas com mais de 50 operários, caracterizando a sua entrada na fase fabril, com um grau razoável de concentração (as 482 fábricas com mais de 100 trabalhadores englobavam 55,1% da classe operária do país, com uma média de 331 operários por estabelecimento).

            Também a falácia de que a organização de um partido comunista no Brasil expressou a reprodução artificial de lutas e disputas ideológicas que se travavam no continente europeu - aqui enxertadas em uma classe operária formada majoritariamente por imigrantes - não resiste sequer a uma análise empírica dos fatos. Sem negar o importante papel jogado pelos imigrantes na formação da jovem classe operária brasileira - acelerando o seu amadurecimento ideológico - é preciso dizer que os dados disponíveis desautorizam essa interpretação mecanicista. Em 1920, os trabalhadores estrangeiros só eram maioria na cidade de São Paulo (54,3% da mão-de-obra nas indústrias, transportes e comércio), sendo exatamente aí onde o PC do Brasil terá, durante muitos anos, dificuldades para crescer. Em Porto Alegre (onde os imigrantes eram 25,3%), no Rio de Janeiro, em Recife e em outros centros operários, onde o contingente de imigrantes era bem menor, o PC do Brasil se desenvolveu mais rapidamente. Da mesma forma, a maioria dos líderes operários do início do século XX eram brasileiros, assim como os principais dirigentes dos inúmeros partidos operários surgidos nessa época. Aliás, dos nove fundadores do PC do Brasil, só dois deles - Abílio Nequete (libanês) e Manoel Cendón (espanhol) - eram estrangeiros.

            Por fim, o aparecimento, espontâneo e independentes entre si, de diversos núcleos “marxistas”, “comunistas” ou “maximalistas” (mesmo que eivados de anarquismo), em diferentes cidades - Cruzeiro/SP (1917/19), Livramento/RS (1918), Passo Fundo/RS (1918), Porto Alegre/RS (1918), Recife/PE (1919/20), Rio de Janeiro/RJ (1921), São Paulo/SP (1922), Juiz de Fora/MG, Santos/SP - expressam o quanto estava maduro o aparecimento de um partido comunista no Brasil. Também ocorreram, nesse período, diversas tentativas de organização de partidos comunistas de "inspiração anarquista", contradição que acaba inviabilizando-os: Partido Comunista [anarquista] do Rio de Janeiro (1918); Partido Comunista [anarquista] de São Paulo (1918); Partido Comunista [anarquista] do Brasil (1919).

A FUNDAÇÃO DO PC DO BRASIL

            Em 1922, existiam inúmeros grupos comunistas em todo o Brasil. Particularmente ativo era o Grupo Comunista do Rio de Janeiro - criado por Astrojildo Pereira em 7 de novembro de 1921 - que mantinha contato com outros centros operários, divulgando as 21 cláusulas da Internacional Comunista e conclamando a que também formassem grupos comunistas. Em 1º de janeiro de 1922, Cristiano Cordeiro - que entre 1919-1920 havia criado em Recife o Círculo de Estudos Marxistas - funda o Grupo Comunista de Recife.[43] Em janeiro de 1922, o Grupo Comunista do Rio de Janeiro lança a revista Movimento Communista, tendo como objetivo “defender e propagar, entre nós, o programa da Internacional Comunista”. No início de 1922, Astrogildo vai a São Paulo ajudar a fundar um grupo comunista. No Rio Grande do Sul, o Grupo Comunista de Porto Alegre, liderado por Nequete, mantém desde 1921 contatos com a IC, através do PC do Uruguai:

Em fins de 1921, Astrogildo Pereira, do Grupo Comunista do Rio de Janeiro, escrevera a Polidoro Santos (anarquista da Liga de Defesa Popular) pedindo a sua adesão à Revolução Russa. Polidoro respondera informando o endereço de Abílio de Nequete, solicitando que se dirigisse a ele. Dessa correspondência resultou a mudança do nome de União Maximalista para Grupo Comunista, “mais de acordo com o que Lenine havia proposto” [NEQUETE. Apontamentos ... Op. Cit., p. 24]. (...) No início de 1922, Abílio de Nequete recebe um telegrama do Uruguai, dizendo que a sua presença era exigida naquele país por um assunto urgente. O telegrama era assinado por Martin Simoni e tinha resposta paga. Recebeu o dinheiro para a viagem, depois de responder afirmativamente. No Uruguai (...) procurou Simoni na redação de “Justicia”. Foi informado da intenção de um delegado russo vir ao Brasil e da necessidade de entrarem em contato. O delegado russo era Alexandre Alexandrovski, que tinha ido à Rússia nos primórdios da Revolução em nome dos russos residentes na Argentina, e voltara como delegado da Revolução para a América Latina. Desejava obter um relatório sobre o movimento brasileiro e a organização do partido. Dali regressaria à Rússia. Em Buenos Aires R. Vaterland, outro delegado da Revolução, deveria continuar a correspondência. Ficou estabelecido que Abílio de Nequete iria ao Rio de Janeiro convocar um congresso, embora de poucos elementos, já que a insistência de Alexandrovski devia-se à falta do nome do Brasil na Internacional.. Depois de mais alguns dias em Montevideo, Abílio de Nequete voltou a Porto Alegre, de onde escreveu a Astrogildo Pereira e Everardo Dias, informando da próxima viagem ao Rio e remetendo o jornal “Justicia”. (...) foi Abílio de Nequete quem recebeu, do delegado russo, a incumbência de organizar o partido, devido à necessidade de enviar um representante do Brasil ao IV Congresso da Internacional de Moscou. O Grupo Comunista de Porto Alegre já estava reconhecido pela Internacional, embora tivesse apenas doze membros.[44]

            Finalmente, nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, reuniu-se no Rio de Janeiro o Congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil.[45] Estavam presentes 9 delegados, representando 73 filiados em todo o país: Abílio de Nequete, barbeiro de Porto Alegre, que também representava o PC do Uruguai e a Agência de Propaganda para a América do Sul da IC; Astrogildo Pereira, jornalista de Niterói; Cristiano Cordeiro, funcionário público de Recife; Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro; João Jorge da Costa Pimenta, gráfico de São Paulo; Joaquim Barbosa, alfaiate do Rio de Janeiro; José Elias da Silva, funcionário público do Rio de Janeiro; Manoel Cendón, artesão alfaiate; Luiz Peres, artesão vassoureiro do Rio de Janeiro. Destes, 7 eram brasileiros natos, um espanhol (Cendón) e um libanês (Nequete). Santos e Juiz de Fora, onde também havia grupos comunistas, não puderam enviar delegados.

Da ordem-do-dia do 1º Congresso constavam: 1) Exame das 21 condições de admissão na IC; 2) Estatutos do Partido Comunista; 3) Eleição da Comissão Central Executiva; 4) Ação pró-flagelados do Volga; 5) Assuntos vários. Depois de aceitas as 21 condições da IC, os presentes aprovaram Estatutos provisórios. Seus artigos 1º e 2º afirmavam:

"Art. 1º - Fica fundada, por tempo indeterminado, uma Sociedade Civil, no Rio de Janeiro, ramificando-se por todo o Brasil, tendo por título - Centro do Partido Comunista do Brasil[46], mas que será chamada Partido Comunista, Seção Brasileira da Internacional Comunista.

Art. 2º - O Partido Comunista tem por fim promover o entendimento e a ação internacional dos trabalhadores e a organização política do proletariado em partido de classe para a conquista do poder e conseqüente transformação política e econômica da Sociedade Capitalista em Sociedade Comunista."[47]

Abílio de Nequete foi eleito para a secretaria geral a partir de uma indicação de Astrogildo Pereira, possivelmente em deferência a maior antigüidade da “União Maximalista de Porto Alegre” e por sua relação com o PC do Uruguai e com o Bureau da IC para a América Latina.

            Não foi aprovado nenhum documento de análise da realidade ou de orientação política. Como não existia legislação específica para os partidos políticos, o PC do Brasil foi registrado como sociedade civil, publicando os seus Estatutos no Diário Oficial da União de 7 de abril de 1922.

OS PRIMEIROS COMBATES

            Três meses depois da fundação do PC do Brasil, em 5 de julho de 1922, eclode o Levante do Forte de Copacabana, iniciando o assim chamado "ciclo tenentista" - reflexo entre os militares da crescente insatisfação da pequena burguesia urbana e de setores da própria burguesia frente à República Velha. É decretado o Estado de Sítio no Distrito Federal e no Rio de Janeiro. Mesmo o Partido estando alheio aos acontecimentos, a polícia aproveitou para invadir e fechar a sua sede, colocando-o na ilegalidade apenas três meses após a sua fundação. Solto no dia seguinte à sua prisão, e ameaçado pela polícia, Abílio Nequete retornou a Porto Alegre. Astrogildo Pereira é escolhido para substituí-lo na secretaria geral, posto que exerceu até novembro de 1930, com um interregno em 1929, quando passou um ano em Moscou.

            Tendo em vista a realização do 4º Congresso da IC em fins de 1922, a Comissão Central Executiva indicou Antonio Canellas para representá-la em Moscou. Impregnado de idéias reformistas e de resquícios da ideologia anarquista, Canellas deixou péssima impressão na liderança da IC, que não aceita a filiação do PC do Brasil, mantendo-o como partido simpatizante. Só em abril de 1924, o PC do Brasil será admitido na IC, depois que o dirigente comunista argentino Rodolfo Ghioldi aqui esteve como delegado da Comissão Executiva da IC, para verificar pessoalmente a situação.

O ano de 1922 encerra-se com um relativo avanço organizativo do Partido, que passa dos 73 membros originários, para cerca de 250 filiados - 123 dos quais no Rio de Janeiro e Niterói. A adesão de Octávio Brandão - conhecido intelectual progressista, até então vinculado ao anarquismo - é um importante reforço. Ele é indicado para a Comissão Central Executiva, assumindo em abril de 1923 as tarefas de agitação e propaganda. Em maio de 1923, o número dos militantes se eleva a 300.

            Uma das primeiras preocupações dos comunistas é a criação da imprensa partidária. A revista Movimento Communista é transformada em seu órgão oficial, publicando 13 números em 1922, num total de 390 páginas, com um tiragem anual de cerca de 15 mil exemplares. Em 1923, são editados outros 12 números, sendo o último de junho de 1923. A partir daí a repressão da polícia política de Bernardes impede a sua circulação. Os comunistas também utilizam-se de outras publicações para difundir suas idéias - Voz Cosmopolita e O Alfaiate, no Rio de Janeiro, O Solidário, em Santos. Em Porto Alegre, os comunistas editam o jornal Die Befreiung (A Libertação), escrito em alemão (1923), e o jornal bilíngüe (português-alemão) Martelo e Foice (1924). Em Recife, a revista O Maracajá (1926) é o porta-voz do PC do Brasil. Os comunistas também escrevem uma coluna no diário O País (1923-24)

            Em julho de 1923, no nº 27 do jornal Voz Cosmopolita, inicia a publicação - pioneira no Brasil - do Manifesto Comunista de Karl Marx, em tradução de Octávio Brandão. A publicação do Manifesto só é concluída na edição nº 36, de dezembro de 1923. Caberá aos comunistas gaúchos publicar por primeira vez sob a forma de folheto essa tradução do Manifesto Comunista, em uma edição de 3 mil exemplares (1924).

 

            No movimento operário, os comunistas defendem os sindicatos por indústria, a unidade sindical e a centralização sindical.[48] Reorganizam a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, dirigem com êxito importantes greves - como a dos gráficos de São Paulo (1923). Em fins de 1925, propõem a criação da CGT. Em 1926, conquistam o importante sindicato dos têxteis do Rio de Janeiro.

A REBELIÃO MILITAR DE 24, A COLUNA PRESTES, O 2º CONGRESSO DO PARTIDO

            Exatamente dois anos após o levante do Forte de Copacabana, no dia 5 de julho de 1924, eclodiu em São Paulo uma rebelião militar contra o governo Bernardes, comandada pelo General Isidoro Dias Lopes, sem um programa claro, afora profissões de fé “liberais”. Aos rebeldes somou-se a força pública estadual, comandada pelo Major Miguel Costa. No dia 8, o governador e as forças legalistas se retiraram de São Paulo e os insurretos assumiram o controle da cidade. Um certo número de trabalhadores saiu às ruas e pediu armas aos revoltosos. Mas armar o povo não estava nos planos dos dirigentes do movimento que, inclusive, reprimiram os mais exaltados. Levantes militares simultâneos também ocorreram em Manaus e Sergipe, mas foram logo sufocados. O Congresso declarou o estado de sítio e o governo concentrou tropas contra São Paulo, iniciando o seu bombardeio. Vinte e dois dias depois do início do levante, os revoltosos decidiram abandonar a cidade para evitar o cerco. Chefiados por Isidoro Lopes e Miguel Costa, cerca de 3 mil homens, bem armados, seguiram de trem para o oeste do Paraná, instalando-se na região de Guaíra e Foz do Iguaçú, onde travaram diversos combates com as forças legalistas.

A 24 de outubro de 1924, o Capitão Luís Carlos Prestes dirige um levante militar em Santo Angelo, que logo se estende para a região missioneira do Rio Grande do Sul, e ao qual se somam forças irregulares do caudilho Leonel Rocha. Em fins de dezembro, a frente de 1500 homens, Prestes rompe o cerco de São Luís e desloca-se para a região de Iguaçú, para fazer junção com as tropas de Isidoro. Lá chegará em 11 abril de 1925, com 800 homens. Há poucos dias, parcela importante das tropas rebeladas haviam sido derrotadas em Catanduvas. No dia 14 de abril, terá início a marcha da lendária “Coluna Prestes”, que durante dois anos percorrerá mais de 25 mil quilômetros, através do interior do país, sem nunca ser derrotada, transpondo 14 estados brasileiros. Miguel Costa será o comandante da Coluna e Prestes seu Chefe de Estado-Maior. Animava-os a idéia de semear a rebelião por onde passassem.

            Enquanto isso, a 4 de novembro de 1924, ocorreu uma rebelião na marinha. O Primeiro-Tenente Hercolino Cascardo - que em 1935 será um dos dirigentes nacionais da ANL - sublevou o encouraçado São Paulo. Mas, não conseguindo outras adesões, zarpou para o Uruguai onde abandonou o São Paulo e procurou, junto com seus companheiros, juntar-se aos demais revolucionários do Rio Grande do Sul, que acabavam de levantar-se em armas.

            O estado de sítio e o feroz terror policial imposto pelo governo têm o efeito de paralisar o desenvolvimento do movimento operário durante um certo tempo, prolongando a situação de refluxo em que o mesmo se encontrava desde 1921.

            É nesse contexto que os comunistas iniciam a preparação do seu 2º Congresso, realizado de forma clandestina. Seguindo orientação da IC, no sentido de criar bases por empresa, foi marcada, para fevereiro de 1925, uma “Conferência de representantes das bases do Partido nos sindicatos do Rio de Janeiro e Niterói”. Nesta Conferência, foi decidida a criação de um semanário popular de massas e um grande esforço para a organização de células do Partido em todas as grandes empresas industriais do Distrito Federal:

Naquele período havia no Rio de Janeiro 99 empresas com mais de 100 operários cada uma, totalizando um número de 35.800 empregados. Segundo a Executiva do PCB, para fundar bases em todas essas fábricas era indispensável recrutar ao Partido um mínimo de 450 novos membros. Apesar da dificuldade da tarefa colocada, um ano depois ela havia sido cumprida no fundamental. Até setembro de 1925 haviam sido fundadas células nas fábricas do Rio de Janeiro, Recife, Vitória, São Paulo, Santos, Porto Alegre e outras cidades.[49]

            O 2º Congresso do Partido Comunista do Brasil ocorreu no Rio de Janeiro, entre 16 e 18 de maio de 1925. Poucos antes, no dia 1º de maio, havia sido lançado o primeiro número do jornal A CLASSE OPERÁRIA, órgão Partido que se mantém até hoje circulando. Além dos 6 membros da antiga Comissão Central Executiva, participaram do Congresso delegados das organizações do Rio de Janeiro e de Niterói (5), de Pernambuco (2), de Santos (2), de São Paulo (1) e de Cubatão (1); deixou de comparecer a delegação do Rio Grande do Sul, por impossibilidade ocasional. Ao analisar a “situação política nacional”, o 2º Congresso baseou-se, fundamentalmente, nas teses do livro Agrarismo e Industrialismo, recém escrito por Otávio Brandão:

(...) toda a história política da República testemunha definitivamente a luta entre o capitalismo agrário semifeudal e o capitalismo industrial contemporâneo (...) O agrarismo dominava, indubitavelmente, no período do Império e baseava-se no trabalho escravo. Com o sistema do “trabalho assalariado livre” o industrialismo venceu, mas a vitória foi incompleta e, aos poucos, os odiosos latifundiários retomaram em suas mãos a hegemonia perdida.[50]

            As teses consideram que as revoltas armadas de 1922 e 1924 eram ações revolucionárias “do tipo pequeno-burguês” que refletiam a contradição básica “entre o industrialismo e o agrarismo” e que haveria uma “terceira revolta”, a qual os comunistas deveriam apoiar, buscando hegemonizá-la. Era exagerado o papel progressista da burguesia industrial e subestimado o campesinato.

            Essas deficiências nas teses do Partido Comunista do Brasil para o seu 2º Congresso, nos mostram o pouco domínio que a sua direção tinha em relação à teoria marxista e em relação à realidade brasileira. Mas também comprovam o esforço do Partido em elaborar com independência uma "teoria da revolução brasileira”, desmentindo os que - sem esconder o seu ranço anticomunista - afirmam que os comunistas brasileiros eram meros “repetidores das orientações de Moscou”.[51]

            Além da orientação política geral, o 2º Congresso manifestou-se sobre a orientação para o movimento sindical, colocando “o problema da unidade sindical como sendo a base, o centro, a condição mesma de desenvolvimento e fortalecimento da ação sindical de massas”. Também aprovou a decisão de fundar a Juventude Comunista e de criar o jornal oficial do Partido.

A CLASSE OPERÁRIA - “jornal de trabalhadores, feito por trabalhadores, para trabalhadores” - iniciou sua publicação no dia 1º de maio de 1925, com uma tiragem de 5.000 exemplares, que esgotou-se rapidamente. A partir daí, o jornal continuou ampliando a sua tiragem, tendo atingido 9 mil exemplares em seu nº9 e 11 mil no nº12. Foram organizados comitês de A CLASSE OPERÁRIA e equipes de propagandistas e pacoteiros nas fábricas e oficinas; grupos de operários entregavam um dia de trabalho mensal para sustentá-lo; alguns sindicatos aprovaram auxílios financeiros; eram realizados mutirões de venda do jornal nas principais fábricas:

Cada exemplar era lido por muitos trabalhadores. Passava de mão em mão, até ficar completamente roto, ilegível. Os operários que não podiam pagar, recebiam-no de graça. Representantes do jornal tomavam a palavra e eram apoiados nas assembléias dos sindicatos (...) A Classe Operária exercia influência cada vez maior. Realizava um trabalho de educação e organização, agitação e propaganda. As células do PCB aumentavam. Os movimentos nas fábricas vivificavam-se. Os sindicatos reforçavam-se. (...) Rebentavam greves parciais apoiadas pelo jornal.(...) O jornal orientou-se no sentido da aliança do proletariado com os camponeses. (...) no Rio de Janeiro, o jornal aparecia nas bancas, legalmente. Aí chegou a vender 1.142 exemplares do nº4, 1.420 do nº9, 1.454 do nº10 e 1.734 do nº12. Mas a grande maioria dos exemplares era distribuída pelos pacoteiros diretamente nas empresas.[52]

A Classe Operária insistiu repetidamente na formação de uma grande frente única operária no Brasil. (...) se bateu pela substituição dos “velhos” sindicatos de ofício pelos sindicatos de indústria. (...) Persuadiu os trabalhadores a se organizarem com um correspondente grau de centralização, para dar combate à “centralização cada dia maior do capitalismo” (...) A Classe Operária foi fechada pelas autoridades antes de publicar o seu décimo-terceiro número, programado para 25 de julho de 1925.[53]

            Mais uma vez, as classes dominantes brasileiras mostraram o seu reacionarismo, não permitindo sequer três meses de liberdade para a imprensa comunista. Foram frustradas todas as tentativas de retomar a sua impressão, pois os donos das tipografias temiam as represálias. A CLASSE OPERÁRIA só voltaria a aparecer no dia 1º de maio de 1928. Os comunistas procuraram manter o seu trabalho de propaganda por outras formas: em novembro de 1925 lançaram o número único do jornal 7 DE NOVEMBRO, a fim de comemorar o 8º aniversário da Revolução Russa.

1927: OS COMUNISTAS VÃO ÀS MASSAS

            Em 31 de dezembro de 1926 expirou o prazo do estado de sítio, que não foi renovado. A vida política do país retornou à normalidade e o Partido voltou a ter uma atuação legal.

            Em fins de 1926, o jornalista Leônidas de Resende - dono do diário A Nação e simpático às idéias comunistas - havia procurado a direção do PC do Brasil, propondo retomar a sua publicação como órgão do Partido. O primeiro número saiu à 3 de janeiro de 1927, ostentando a foice e o martelo e o dístico “Proletários de todos os países, uní-vos!”. Na sua direção estavam três dirigente do PC do Brasil, além de Rezende. No dia 5 de janeiro, A Nação publica uma “Carta Aberta" propondo a formação do Bloco Operário para as eleições de 24 de fevereiro para o Congresso Nacional. Respondem favoravelmente o deputado Azevedo Lima, o Centro Político Proletário da Gávea e o Centro Político Proletário de Niterói.

            A “Plataforma” do Bloco Operário é um documento histórico que, ainda hoje, surpreende pela atualidade de suas propostas; muitas delas foram incorporadas à legislação social getulista; outras, só o foram na Constituição de 1988; outras, ainda aguardam a sua efetivação:

Política independente de classe (...) Contra o imperialismo (...) revisão dos contratos das empresas capitalistas estrangeiras concessionárias de serviços no Brasil (...) nacionalização das estradas de ferro, das minas e das usinas de energia elétrica (...) extinção das missões militar e naval estrangeiras (...) Reconhecimento “de jure” da URSS (...) Anistia aos presos políticos  (...) Legislação Social (...) Código do Trabalho (...) máximo de 8 horas de trabalho diário e 44 horas semanais, e redução a 6 horas diárias nos trabalhos malsãos; proteção efetiva às mulheres operárias, aos menores operários, com a proibição do trabalho a menores de 14 anos; salário mínimo; contratos coletivos de trabalho; o seguro social (...) contra o desemprego, a invalidez, a enfermidade, a velhice; (...) licença, às operárias grávidas, de 60 dias antes e 60 dias depois do parto, com pagamento integral (...) extinção dos serões (...); descanso hebdomadário em todos os ramos de trabalho (...) saneamento rural (...) assistência médica gratuita aos doentes pobres (...) Contra as leis de exceção (...) pela mais completa liberdade de opinião, associação e reunião (...) direito de greve (...) proibir a indébita e arbitrária intervenção policial nas greves. (...) Os direitos de livre associação e livre opinião política devem ser extensivos aos pequenos funcionários e operários federais, estaduais e municipais (...) Impostos (...) só os ricos devem pagar impostos (...) A reforma monetária e a carestia da vida (...) reajustamento dos salários (...) segundo uma tabela (...) da relação entre o preço das utilidades e as necessidades mínimas da população trabalhadora (...) impostos sobre o luxo, sobre as rendas e sobre o capital dos grandes senhores agrários, industriais e comerciais. Habitação operária (...) construção, expropriação e municipalização geral das casas para operários; aluguéis proporcionais aos salários (...) supressão dos depósitos (...) Ensino e Educação (...) pela ajuda econômica às crianças pobres (...) pela multiplicação das escolas profissionais (...) pela melhoria das condições de vida do professorado primário (...) Voto secreto - Somos partidários do voto secreto e obrigatório, e extensivo às mulheres e às praças de pré, bem como aos operários estrangeiros com residência definitiva no País. Entendemos, porém, que o voto secreto e obrigatório não é a panacéia universal capaz de curar todos os males da democracia (...) adoção do sistema de representação proporcional por quociente eleitoral [54]

             O Bloco Operário apoiou no 2º Distrito a candidatura de Azevedo Lima e lançou no 1º Distrito o gráfico João da Costa Pimenta. O diário A Nação assumiu o comando da campanha eleitoral, que alcançou enorme repercussão. Durante oito semanas foi feito um intenso trabalho de agitação, propaganda e mobilização. Aberta as urnas, no 1º Distrito foram eleitos cinco situacionistas, o menos votado com 6.620 votos; Prestes obteve 3.141 votos e Pimenta 2.024. Mesmo não tendo sido eleito, Pimenta obteve uma votação considerável para a época e para a força real do Partido. Já no 2º Distrito, os oposicionistas Adolfo Bergamini e Azevedo Lima lideraram a votação, com mais de 11.000 votos. O resultado foi uma grande vitória do Bloco Operário e do Partido que pela primeira vez tinha no Congresso Nacional um representante eleito com o seu apoio.

            Logo após as eleições, foi criada uma direção provisória da Juventude Comunista. Segundo Basbaum: "A Nação publicava papeletas de inscrição para a JC (...) em poucos meses já havíamos recebido mais de 100 inscrições, não somente do Rio mas de outros estados (...) 90% dos membros da juventude comunista da época, se consistia de jovens operários de 15 a 19 anos."[55]

            O Partido volta-se para a organização do Congresso Sindical Regional do Rio de Janeiro. A Nação joga papel decisivo na sua convocação. Participam do Congresso, em abril de 1927, 36 sindicatos, 23 comissões de fábrica e 3 “minorias revolucionárias” de sindicatos contrários à unificação sindical. Em 1º de maio, é criada a Federação dos Trabalhadores Gráficos do Brasil, em reunião com representantes do DF, RJ, BA, PB, PA, AM, SP, MG. Dois anos depois, em abril de 1929, será criada a CGT.

A LEI CELERADA, O FECHAMENTO DE A NAÇÃO, A CRIAÇÃO DO BOC

            Em um primeiro momento colhida de surpresa, a reação não estava disposta a tolerar a existência de um diário comunista, cuja influência crescia a olhos vistos. O governo elaborou no Congresso uma nova lei repressiva - a “lei celerada” - que, além de reprimir as greves, autorizava o fechamento de sindicatos, associações e entidades que "incidissem na prática de crimes ou atos contrários à ordem", inclusive vedando-lhes a propaganda de idéias. A lei foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 28 de julho de 1927. No dia 11 de agosto, véspera da sua sanção pelo presidente da república, circulou o último número de A Nação, depois de completar quase 200 edições.

            Sancionada a “lei celerada”, o Partido passou novamente à ilegalidade. Baseada na experiência exitosa do Bloco Operário, a direção partidária decidiu estendê-lo a todo o país, utilizando-o como cobertura legal para a atuação dos comunistas entre as massas. O Bloco Operário foi transformado em Bloco Operário Camponês, organizando-se em centros locais permanentes, com estatutos e direção próprias, sob a direção do Partido. O BOC estendeu-se rapidamente a todos os lugares onde existia o Partido, que através dele participa das eleições e outras atividades políticas e de massas.

Ainda em 1927, é mantido o primeiro contato do PC do Brasil com Prestes, comandante da Coluna Invicta. Em fins de dezembro, Astrogildo Pereira propõe à Prestes uma aliança entre os comunistas e os combatentes da Coluna Prestes, ou seja “entre o proletariado revolucionário sob a influência do Partido Comunista e as massas populares, especialmente as massas camponesas, sob a influência da Coluna e do seu comandante.”[56] Em julho de 1929, em Buenos Aires, ocorre o segundo contato do partido com os “tenentes”: Leôncio Basbaum encontra-se com Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora e propõe um programa que contemple a nacionalização da terra e a divisão dos latifúndios, a nacionalização das empresas industriais e bancárias imperialistas, a anulação das dívidas externas, a liberdade de organização e de imprensa, a legalidade para o PC do Brasil, o direito de greve, a jornada de 8 horas. Prestes e os outros líderes tenentistas consideram esse programa muito radical e propõem: voto secreto, alfabetização, justiça, liberdade de imprensa e organização, melhorias para os trabalhadores. As negociações não avançam.

            Nas comemorações do 1º de Maio de 1928, é relançado o jornal A Classe Operária. É suspensa a publicação do Jovem Proletário, da JC, que havia circulado durante os quatro primeiros meses de 1928 com uma tiragem de cerca de mil exemplares. A Classe Operária continuou como semanário até o final de 1929, calculando-se que nessa sua segunda fase sua tiragem normal foi de 15 mil exemplares

Nas eleições municipais de outubro de 1928, o BOC lança Everardo Dias, em São Paulo, e João Freire de Oliveira, em Santos. Everardo obtém uma baixa votação. Freire, apesar de não se eleger, faz quase 5% dos votos. No Rio Grande do Sul, o BOC apresenta a candidatura de Plínio Gomes de Mello que obtém 584 votos, mais de 5% da votação. Mas, a grande vitória se dá nas eleições do Rio de Janeiro, onde os comunistas elegem 2 dos 12 Conselheiros: o marmorista Minervino de Oliveira, com 7.692 votos, e Octávio Brandão, com 7.088 votos.

O 3º CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL

            O 3º Congresso do Partido Comunista do Brasil realizou-se nos dias 29, 30 e 31 de dezembro de 1928 e 1, 2, 3 e 4 de janeiro de 1929, em Niterói. Dele participam 31 comunistas, dos quais 10 membros da antiga direção, 13 delegados de 6 organizações regionais, 2 da juventude comunista, 3 sem direito a voto e 3 observadores. Estavam representados os delegados de Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Não enviaram delegados Minas Gerais e Bahia. Dos participantes, 16 eram operários, 6 empregados, 6 intelectuais e 3 diversos.

            Os dados do Congresso indicam que o número de efetivos do Partido alcançara em torno de 800 membros, dos quais cerca de “400 atuavam no Rio de Janeiro (50 das 80 bases existentes). No estado de São Paulo, onde se concentrava parte considerável dos operários industriais do país, havia apenas 80 membros; no Rio Grande do Sul havia também 80 comunistas e jovens comunistas. (...) Pernambuco (...) a organização tinha 65 membros organizados em 12 células”[57]. Em outro informe, do primeiro semestre de 1928, à IC, a direção do PC do Brasil informava que dos membros do Partido, 98% eram operários, sendo 70% brasileiros e 30% imigrantes. O trabalho com os camponeses praticamente inexistia.

            Do ponto da orientação política, o 3º Congresso manteve no fundamental a visão que já adotara no Congresso anterior: caracteriza a sociedade brasileira como uma economia agrária, semi-feudal e semi-colonial, e considera que o imperialismo inglês apoia a burguesia agrária conservadora, enquanto o imperialismo norte-americano alia-se à burguesia industrial liberal. O capital industrial e o capital agrário interpenetram-se cada vez mais, levando a um recuo da burguesia liberal A crescente exploração e opressão das massas trabalhadoras explode nas revoltas tenentistas (a primeira em 1922, a segunda em 1924, resultando na Coluna Prestes); é inevitável uma terceira revolta; o proletariado deve procurar hegemonizá-la. A pequena-burguesia “constitui um fator revolucionário de maior importância no momento atual, tendendo a aliar-se às forças revolucionárias do proletariado”, mas, só o proletariado pode “levar a revolução às suas conseqüências”; ele deve apoiar o movimento revolucionário em gestação e reivindicar o seu programa - confisco das terras, supressão dos vestígios semi-feudais, libertação do jugo imperialista.[58]

            Analisando a experiência do BOC, o 3º Congresso chamou a atenção tanto para o risco do partido perder a sua direção - caso em que o mesmo degeneraria em uma máquina eleitoral de oportunistas - como para o risco do partido diluir-se no BOC, limitando-se ao trabalho legal e eleitoral. O Congresso aponta a necessidade do BOC ser estendido para todo o país, sem restringir-se à luta eleitoral.

1929: A MUDANÇA DE RUMOS

            Ainda que com erros, o Partido procurava compreender as contradições da sociedade brasileira e formular uma estratégia que levasse em conta o papel da pequena-burguesia (e, mesmo, de setores da burguesia nacional) na luta contra a domínio oligárquico da República Velha e pela modernização do país.

O 6º Congresso da IC, em setembro de 1928, substituindo a política de "Frente Única" pela política de "Classe contra Classe"; a 1ª Conferência Comunista Latino-Americana, em junho de 1929, submetendo a uma impiedosa crítica a opinião de que a pequena-burguesia era importante aliada do proletariado e do campesinato no processo revolucionário brasileiro; o 3º Pleno do CC do PC do Brasil, em outubro de 1929, que sob a pressão dessas críticas avalia as eleições de 1930 como uma mera disputa entre facções da burguesia, da qual o proletariado devia alhear-se, lançando candidatos próprios e transformando a luta eleitoral em uma verdadeira batalha de classe; o Pleno do Secretariado Sul-Americano da IC, em novembro de 1929, que ataca o "menchevismo" dos comunistas brasileiros; têm o efeito de alterar profundamente os rumos do PC do Brasil e a própria composição do seu núcleo dirigente.

            Essas críticas à orientação política do PC do Brasil combinam-se com a chamada "bolchevização" e “proletarização” dos partidos comunistas, incentivada pela IC. Astrojildo, que retorna de Moscou em janeiro de 1930, é um dos seus impulsionadores: em reunião do CC, Leôncio Basbaum e Paulo Lacerda são afastados do Bureau Político e Fernando Lacerda passa a ser suplente; pouco depois, o Secretariado Sul-Americano da IC determinou a demissão da maioria do CC, inclusive Otávio Brandão, e responsabiliza a antiga direção pelos erros de “um partido mergulhado na ideologia burguesa”. Em novembro de 1930, o próprio Astrojildo Pereira é afastado do CC. O Partido Comunista do Brasil ingressa em um período de intenso sectarismo e de graves problemas de direção. Uma das conseqüências é o seu total alheamento do processo da Revolução de 30.

BALANÇO DESSES PRIMEIROS ANOS DE VIDA

            Em seus primeiros sete anos de vida - atuando em condições extremamente difíceis - o PC do Brasil acumulou alguma experiência. Derrotou as concepções anarquistas no seio da classe operária e teve avanços importantes na ação sindical e de massas. Mas, continuou enfrentando grandes dificuldades para arrancar amplos setores operários da influência dos sindicatos reformistas.

            Participou de importantes batalhas eleitorais e adquiriu certa experiência nas atividade de agitação e propaganda, inclusive criando uma imprensa de massas. Atuou tanto em condições de legalidade como de ilegalidade, aprendendo a combinar o trabalho aberto com o trabalho clandestino.

            Deu os primeiros passos na construção orgânica do partido, ainda que sem conseguir consolidar um núcleo de dirigentes provados, capaz de dominar a teoria revolucionária e o conhecimento da realidade brasileira. Esforçou-se em romper com o sectarismo e a estreiteza política, e tentou elaborar uma teoria científica da revolução brasileira - tarefa que naquele momento estava acima de suas forças.

O surgimento e a continuidade histórica do PC do Brasil, apesar de todos os percalços e perseguições - caso único entre tantos “partidos operários” criados a época no Brasil - refletiu uma necessidade objetiva, decorrente da evolução social do país e do amadurecimento da própria classe operária brasileira. Correspondeu a sua transformação de "classe em si" em "classe para si". Não foi algo artificial, fruto da “vontade” de alguns indivíduos ou “uma idéia trazida de fora”. Expressou, também, a existência objetiva de espaço para um projeto político de transformação revolucionária da sociedade capitalista brasileira, distinto dos projetos reformistas da burguesia e da pequena-burguesia.

Raul K. M. Carrion*                       


 

[1] ENGELS, F. Carta a Sorge (29.11.1886). In: MARX, Carlos y ENGELS, Federico. Correspondencia. La Habana: Editora Política, 1988, p. 490.

[2] LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. São Paulo: Alfa Ômega, 1977, pp. 32-34.

[3] CARONE, Edgard. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: DIFEL, 1984, pp. 296-300.

[4] CARONE, Edgard. Algumas características do movimento operário no Brasil (1820-1914). In: Caderno Especial da Revista Princípios nº 41. São Paulo: Editora Anita, 1996, p. 16.

[5] KAUTSKI, Karl. Carta a Engels, 05.01.1893. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Contribuição para uma história da América Latina. São Paulo: Edições Populares, 1982, p. 181.

[6] ENGELS, Friedrich. Carta a Kautski, 26.01.1893. In: Idem, p. 141.

[7] Le Socialisme et le Congres de Londres, 1897. Apud PACHECO, Eliezer. O Partido Comunista Brasileiro (1922-1964). São Paulo: Alfa-Ômega, 1984, p. 33.

[8] PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. As origens do 1º de maio no Brasil. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1981.

[9] ECHO OPERÁRIO. Rio Grande, 18.01.1898. . In: PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz e LUCAS, Maria Elizabeth. Antologia do movimento operário gaúcho (1870-1937). Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS - Tchê!, 1992, p. 78.

[10] “Esse texto fora apreendido no porto de Rio Grande, com alguns anarquistas, juntamente com um vasto material ‘subversivo’. É a primeira vez que esse texto é publicado no Brasil. Essas publicações na ‘A FEDERAÇÃO’ provocaram uma furiosa reação dos velhos coronéis que acusaram o jornal de estar sendo dirigido por um bando de jacobinos.” [MARÇAL, João Batista. Reflexos da Revolução Russa no Rio Grande do Sul. Datilografado, S/D. p. 2]

[11] “Na sua vanguarda, alguns socialistas oriundos do período mutualista e um aguerrido grupo de militantes da social-democracia, imigrantes alemães com experiência sindical e alguns até com militância no Partido Socialista Alemão.” [MARÇAL. Reflexos... Op. Cit. p. 2]

[12] PEREIRA, Astrogildo. Formação do PCB: 1922-1928. Lisboa: PRELO, 1976, pp. 34-35

[13] LOWY, Michael et al. Introdução a uma História do Movimento Operário Brasileiro no Século XX. Belo Horizonte: Vega, 1980, p. 18.

[14] BODEA, Miguel. A Greve Geral de 1917 e as origens do Trabalhismo Gaúcho. Porto Alegre: L&PM, S/D, p. 21.

[15] DULES, John W.F. Anarquistas e comunistas no Brasil, 1900-1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p. 47.

[16] Idem, p. 303.

[17] DULES. Op. Cit., pp. 58-59.

[18] SILVA JR., Adhelmar Lourenço da. A greve geral de 1917 em Porto Alegre. In: Revista anos 90, nº 5. Porto Alegre: Ed. Universidade, 1996, p. 188.

[19] Diferentemente do que sugere SILVA JR., os relatos indicam que a “Liga” não surge a revelia da FORGS e de suas lideranças:  “Em seguida, o Sr. Cecílio Villar comunicou aos presentes que a Federação ia nomear uma comissão intitulada Liga de Defesa Popular, a qual ficaria encarregada de dar os passos necessários para melhorar a situação das classes trabalhadoras (...) Para esse fim, seriam nomeados três dentre os presentes, que se incumbiriam de escolher dois membros de cada uma das associações filiadas, a fim de construírem a referida Liga. Foram nomeados, então, os Srs Cecílio Villar, Luiz Derivi e Salvador Rios” (negritado nosso) [FAGUNDES, Lígia Ketzer e outros. Memória da Indústria Gaúcha (1889-1930). Porto Alegre: FEE, pp. 289-290]

[20]PETERSEN, Silvia R. Ferraz. As greves no Rio Grande do Sul (1890-1919). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p.308-309

[21] A FEDERAÇÃO, 01.08.1917. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 203-204.

[22] “Zenon de Almeida teve papel destacado na série de greves de 1917, integrando seu grupo dirigente. ‘Foram greves violentas, com depredações, incêndios e atentados à bomba’, lembra seu filho. Durante a greve geral de 1917 (...) Zenon foi um dos editores de A ÉPOCA, porta-voz da Liga de Defesa Popular, entidade que assume o comando da capital, enquanto Governo, Brigada e Polícia enfiam o rabo entre as pernas nos seus respectivos redutos. (...) com Geyer e Djalma, aperfeiçoou um detonador que transformasse a dinamite em granadas de mão. Djalma, como mecânico e ourives; Geyer, médico, com acesso a produtos químicos; e ele, Zenon, como químico, conseguiram um petardo que, em 1917, apavorou a Brigada, tirando-lhe a iniciativa.” [MARÇAL. Os anarquistas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1995, p. 174.]

[23] BODEA. Op. Cit., 36.

[24] PEREIRA, Miguel. Esboço Histórico da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.[1919] In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 204-205.

[25] BODEA. Op. Cit., p. 34.

[26] “Os insurretos apedrejaram estações, quebraram vidros, dinamitaram pontes, arrancaram trilhos, atacaram trens a tiros de revólveres, tentaram demolir importantes obras de arte, entraram em sérios conflitos, desrespeitaram a força armada, autoridades e os funcionários seus dirigentes. Não houve embaraços que não opusessem para impedir o tráfego oficial, com maquinistas e guarnição do Exército e Brigada Militar, que deligenciavam para não serem de todo interrompidas as viagens dos trens, permitindo assim o transporte de forças que deviam acudir apressadas aos pontos de maior agitação, no intuito de obstar às depredações constantemente praticadas pelos tresloucados grevistas” [PEREIRA. Op. Cit. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., p. 206]

[27] BODEA. Op. Cit., p. 60. Também: “Em Santa Maria, um destacamento de primeira linha, a fim de se fazer respeitar e obedecer, atirou contra os amotinados, resultando disso mortes e ferimentos e tremenda excitação que repercutiu ao longe.” [PEREIRA. Op. Cit. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., p. 206]

[28] O relato da greve de 1917 no Rio Grande do Sul está baseado fundamentalmente nos trabalhos de PETERSEN. As greves..., PETERSEN e LUCAS. Antologia..., BODEA. A greve..., SILVA JR. A greve..., que só são citados no caso de transcrições literais, procurando evitar o truncamento do texto.

[29] “quando, finalmente, em outubro de 1917, o governo brasileiro, cedendo à pressão imperialista, entrou na guerra, a classe operária não se afastou uma polegada da posição de luta pela paz mantida sem desfalecimento desde o início das hostilidades entre os dois grupos imperialistas.” [PEREIRA, Astrogildo. Op. Cit., p. 45]

[30] “surgem novos grupos anarquistas empregando o vocábulo ‘comunista’ na sua denominação. Este foi o caso da Liga Comunista de Livramento (1918) e do Centro Comunista de Passo Fundo (1918).” [PETERSEN. Op. Cit. p. 208]

[31] MARÇAL, Reflexos... Op. Cit., p. 4.

[32] “Bandos enormes de populares (...) bateram-se com a polícia e forçaram os estabelecimentos comerciais a cerrar as portas, aos gritos de “fecha, fecha!” Na noite de 6 de agosto, por duas vezes a cavalaria da polícia dispersou a golpes de sabre a multidão. Depois de vários soldados do 58º Batalhão de Caçadores do Exército (...) passarem para o lado da multidão (...) uma grande massa humana, polvilhada de soldados do 58º Batalhão, lançou gritos de “morra” à polícia e aos “poderes constituídos”, de “vivas” ao “anarquismo” e ao “internacionalismo”. A carga de espada da cavalaria policial resultou em tiroteio entre a polícia e a multidão. Esgotada a munição, a cavalaria se retirou e tomou-lhe o lugar um contingente de infantaria da polícia estadual, que trocou tiros com soldados do exército. Cerca de 12 policiais e um número desconhecido de soldados e populares saíram feridos. Duas pessoas morreram no local: Nestor Pereira da Silva, soldado do 58º Batalhão, e José Oliveira do Amaral, civil. (...) Durante o enorme cortejo fúnebre (...) as autoridades não deixaram nenhum operário falar. (...) Recebeu-se, no enterro, a notícia do falecimento de Antonio Lara França, um cabo do 58º Batalhão que fora gravemente ferido na luta de 7 de agosto” [DULES. Op. Cit., p. 65-66]

[33] KOVAL, Bóris. História do Proletariado Brasileiro - 1857 a 1967. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982, pp. 149-151.

[34] DULES. Op.Cit., pp. 73-74.

[35] “Hermínio Linhares, na sua clássica Contribuição à História das Lutas Operárias no Brasil’ (...) reprisa sua informação que ‘em 1924 houve uma grande greve nos Frigoríficos Armour’ (...) Pesquisas recentes, porém, feitas pelo historiador santanense Ivo Caggiani recolocam as coisas nos seus devidos lugares. Essa greve não foi feita em 1924 mas em 1919”. [MARÇAL, João Batista. A primeira greve contra uma multinacional no RS.. Inédito, mimeografado, S/D, p. 2]

[36] LINHARES. Op. Cit., p. 68.

[37]MARÇAL, João Batista. Primeiras Lutas Operárias no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1985, p. 49

[38] “No dia 7 de setembro, cinco mil dos nove mil trabalhadores de Porto Alegre estavam em greve pacífica. (...) A polícia (...) proibiu a realização do comício planejado pelos grevistas. (...) Quando o número dos presentes se elevava a cerca de 500, irrompeu o tiroteio (...) tropas da Brigada Militar, sob as ordens do Governador, invadiram as sedes da Federação Operária, do Sindicato dos Operários da LIGHT e da União Metalúrgica. Seus dirigentes foram desarmados e encarcerados.” [DULES. Op. Cit. pp. 94-95]

[39] BANDEIRA, Moniz et al. O Ano Vermelho: A Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 151.

[40] HARDMAN, Francisco Foot. Anarquistas e anarco-sindicalismo no Brasil. Apud SEGATTO, José Antonio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, pp. 85-86.

[41] BRANDÃO, Octávio. Combates e Batalhas - Memórias, 1º Volume. São Paulo: Alfa Ômega, 1978, pp. 209-211.

[42] KOVAL. História ... Op. Cit., pp. 99-118.

[43] “Correspondi-me em 1921 com Astrojildo Pereira (...) Combinamos criar, ele no Rio, eu no Recife, embriões de futuros comitês do partido. (...) O Grupo Comunista do Recife estabeleceu-se no dia 1º de janeiro de 1922. (...) Li, na ocasião, os chamados “21 Pontos de Moscou, condições para adesão à Internacional Comunista. A ata de fundação foi assinada por cerca de 35 pessoas que decidiram, ainda, que eu seria o delegado de Pernambuco ao encontro para a criação do PCB.” [CORDEIRO, Cristiano. Depoimento a Ricardo Noblat. In: BARROS, Manoel de Souza et al. Memória e História - 2. São Paulo: LECH, 1982, p. 83]

[44] ROSITO, Renata Irene Haas. O pensamento político de Abílio de Nequete. Porto Alegre: PUCRS, datilografado, 1972, pp. 10-11.

[45] “Em meados de fevereiro, por iniciativa dos camaradas do Grupo de Porto Alegre, o Grupo do Rio entendeu-se com os demais grupos existentes sobre a necessidade de se apressar a reunião, em congresso, dos delegados dos mesmos, para definitiva organização do Partido em vista da aproximação do IV Congresso da Internacional de Moscou, no qual deveriam fazer-se representar os comunistas do Brasil.” [MOVIMMENTO COMUNISTA., 7, junho de 1922. In: PEREIRA, Astrogildo. Formação... Op. Cit., p. 65]

[46] O Partido surge com o nome, que conserva até hoje, de Partido Comunista do Brasil, sigla PCB. Quatro décadas depois, para diferenciar-se do intitulado Partido Comunista Brasileiro, criado em 1961, adotou a sigla PCdoB.

[47] Partido Comunista, Estatutos - 1922. In: CARONE, Edgard. O P.C.B (1922-1943) v. I. São Paulo: DIFEL, 1982, p.23.

[48] "A Classe Operária insistiu repetidamente na formação de uma grande frente única operária no Brasil. (...) se bateu pela substituição dos “velhos” sindicatos de ofício pelos sindicatos de indústria. (...) Persuadiu os trabalhadores a se organizarem com um correspondente grau de centralização, para dar combate à 'centralização cada dia maior do capitalismo'." [DULES, Op. Cit., pp. 227-228]

[49] KOVAL. História ... Op. Cit., p. 187.

[50] Teses ao II Congresso do PCB. In: La correspondencia Sudamericana, 30.06.1927, p. 8. Apud KOVAL. História ... Op. Cit. pp. 190-191.

[51] Michel Zaidan Fº insiste, corretamente, em mostrar como é falso atribuir à I.C. as formulações táticas e estratégicas da política do PCB em seus primeiros anos de vida: “Não haverá nada mais problemático, na história do PCB, que atribuir à sua linha política, durante os anos vinte, a uma mera sujeição burocrática às concepções da IC acerca da participação dos comunistas nos movimentos de libertação nacional em países coloniais e semi-coloniais.” [ZAIDAN Fº, Michel. O PCB e a Internacional Comunista (1922-1929). São Paulo: Edições Vértice, 1988, p. 51]

[52] BRANDÃO. Op. Cit., pp. 306-309.

[53] DULES. Op. Cit., pp. 227-228.

[54] PEREIRA, Astrogildo. Op. Cit., pp. 116-122.

[55] BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976, 46-48.

[56] PEREIRA, Astrogildo. Op. Cit., p. 132.

[57] KOVAL, Bóris. História...Op. Cit. , pp. 221-222.

[58] CARONE, Edgard. Classes Sociais e Movimento Operário. São Paulo: Ática, 1989, p. 226.

* Historiador; Membro da Comissão Nacional de História do PCdoB; Coordenador do Centro de Estudos Marxistas do Rio Grande do Sul (CEM/RS); Coordenador do Centro de Debates Econômicos, Sociais e Políticos do Rio Grande do Sul (CEDESP/RS); Vereador de Porto Alegre pelo PCdoB.

 


TOPO