Aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio
Grande do Sul em 19 de abril de 2011,
aguarda posicionamento do Governador do
Estado.
Institui a
obrigatoriedade da tradução de expressões ou
palavras estrangeiras para a língua
portuguesa, sempre que
houver em nosso idioma palavra ou expressão
equivalente, no
âmbito do Estado do Rio Grande do Sul e dá
outras
providências.
Art. 1º
Institui a obrigatoriedade da tradução de
expressões ou palavras estrangeiras para a
língua
portuguesa, em todo documento, material
informativo, propaganda, publicidade ou meio
de comunicação
através da palavra escrita no âmbito do
Estado do Rio Grande do Sul, sempre que
houver em nosso idioma
palavra ou expressão equivalente.
§ 1º – Nos casos excepcionais, em que não
houver na língua portuguesa palavra ou
expressão
equivalente, o significado ou tradução da
palavra ou expressão estrangeira deverá
estar escrito, com o
mesmo destaque, subseqüentemente a sua
utilização no texto.
§ 2º - A tradução a que se refere o caput
deste artigo deve ser do mesmo tamanho que
as palavras
em outro idioma expostas no documento,
material informativo, propaganda,
publicidade ou meio de
comunicação em questão.
Art. 2o Todos os órgãos, instituições,
empresas e fundações públicas deverão
priorizar na redação
de seus documentos oficiais, sítios
virtuais, materiais de propaganda e
publicidade, ou qualquer outra forma
de relação institucional através da palavra
escrita, a utilização da língua portuguesa,
nos termos desta lei.
Art. 3º Esta Lei poderá ser regulamentada
para garantir sua execução e fiscalização e
para definir
as sanções administrativas a serem aplicadas
àquele, pessoa física ou jurídica, pública
ou privada, que
descumprir qualquer disposição desta lei
Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de
sua publicação.
Porto Alegre, 03 de agosto de 2009.
Deputado(a) Raul Carrion
Emendas
Aprovadas:
Emenda número 1
Fica
acrescentado um novo artigo ao PL nº
156/2009, onde couber, com a seguinte
redação:
“Art. ... Esta Lei não se aplica aos nomes
próprios.”
Deputado(a) Raul Carrion
Emenda
número 2
Dá nova
redação ao art. 2º do PL nº 156/2009.
Art. 1º Altera a redação do artigo 2º do
Projeto de Lei 156/2009, com a seguinte
redação:
"Art. 2º Todos os órgãos, instituições,
empresas e fundações públicas poderão
priorizar na redação de seus documentos
oficiais, sítios virtuais, materiais de
propaganda e publicidade, ou qualquer outra
forma de relação institucional através da
palavra escrita, a utilização da língua
portuguesa, nos termos desta Lei."
Deputado(a) Raul Carrion.
JUSTIFICATIVA
A palavra “idioma” se originha do grego e
tem o significado de “caráter próprio de
alguém”.
Assim, idioma significa a língua que
caracteriza e identifica um povo, sendo um
dos principais elementos integradores de uma
nação.
A manutenção da unidade de um país
gigantesco como o Brasil só foi possível
pela existência de um idioma comum a todos
os brasileiros, plenamente compreensível nos
mais longínquos rincões, independentemente
do nível de instrução e das peculiaridades
regionais de fala e escrita. Língua que foi
a base da construção de uma cultura comum a
todos brasileiros.
A história nos ensina que uma das formas
essenciais de dominação de um povo sobre
outro se dá através da imposição da língua,
caminho para transmitir seus valores,
tradições e costumes. Foi assim no antigo
Oriente, no mundo greco-romano, na época dos
grandes descobrimentos. Recentemnente,
quando Timor Leste ainda estava sob a tutela
da Indonésia, foi proibido o uso do
português pelos timorenses.
Hoje, esse processo se dá de maneira
subliminar e insinuante, mas que não deixa
de ser insidiosa e abusiva, de maneira
lesiva à nossa cultura e à nossa língua como
patrimônio cultural do nosso povo.
Assistimos a uma acelerada descaracterização
da língua portuguesa, tal a invasão
indiscriminada e desnecessária de
estrangeirismos como “drink” (aperitivo),
“recall” (revisão), “franchise” (franquia),
“coffebreak” (intervalo para café),
“self-service” (auto-serviço), todos com
equivalentes consagrado em português.
Na informática temos “site”, “mouse”,
“e-mail”, “home page”, “chip”, “on line”,
“game”, etc. Registre-se também os
aportuguesamentos de gosto duvidoso, em
geral despropositados, como “startar”,
“printar”, “atachar”, “database”, etc.
É elucidativo, nesse sentido, o discurso do
Sernador Ronaldo Cunha Lima (PMDB/PB),
proferido em 12.11.98, denunciando essa
situação:
“A invasão de termos estrangeiros tem sido
tão intensa que ninguém estranharia se eu
fizesse aqui o seguinte relato do meu
cotidiano:
- Fui ao freezer, abri uma coca diet e sai
cantarolando um jingle, enquanto ligava meu
disc-player para ouvir uma música new age.
Precisava de um relax. Meu check up indicava
stress. Dei um time e fui ler um bestseller
no living do meu flat. Desci ao playground;
depois fui fazer o meu cooper. Na rua vi
novos outdoors e revi velhos amigos do
footing. Um deles comunicou-me aquisição de
uma nova maison,
com quatro suites e até convidou-me para o
open house. Marcamos, inclusive, um happy
hour.
Tomaríamos um drink, um scotch, de
preferência on the rocks. O barman, muito
chic, parecia um lord inglês. Perguntou-me
se eu conhecia o novo point society da
cidade: times square, ali na Gilberto
Salomão, que fica perto doi Gaf, o La Basque
e o Baby Beef, com serviços a la Carte e
self-service. (...)
Voltei para casa, ou, aliás, para o flat,
pensando no day after. O que fazer? Dei boa
noite ao meu chofer que, com muito fair
play, respondeu-me: good night”
Este projeto de lei nasce, portanto, da
necessidade de resguardar a língua
portuguesa da invasão indiscriminada e
desnecessária de expressões estrangeiras que
possuem equivalentes em nosso idioma.
Ainda que nosso idoma moderno tenha
recepcionado e incorporado vocábulos
franceses, ingleses, espanhóis, africanos e
indígenas, entre outros, em nenhum outro
momento histórico sofreu uma inserção tão
grande de estrangeirismos, prejudiciais ao
patrimônio cultural brasileiro.
Entende-se por estrangeirismos o uso
desnecessário de palavras e expressões de
línguas estrangeiras - utilizadas
cotidianamente em um país onde a língua
oficial é outra – “misturadas” com a Língua
Portuguesa.
Não se trata de xenofobia, pois preservar o
patrimônio cultural, as tradições e o idioma
de seu povo faz parte da preocupação de
todos os países do mundo. Senão vejamos o
comportamento dos franceses e dos
americanos, que entre as exigências legais
para estrangeiros que pretendam nestes
países se naturalizar, incluem a fluência
verbal e escrita do idioma pátrio.
Igualmente, não se trata de uma iniciativa
solitária do autor deste projeto. No Brasil
todo, em vários âmbitos de poder, essa
preocupação está presente. Temos, por
exemplo, o Projeto de Lei 1.676/99, do
deputado Aldo Rebelo, já aprovado de forma
terminativa na Câmara dos Deputados, agora
tramitando no Senado. Temos o Projeto de Lei
Estadual 272/09, proposto pelo governador do
Paraná, Roberto Requião, já
aprovado pela Assembléia Legislativa daquele
Estado. Na cidade do Rio de Janeiro já
vigora a Lei 5.033/09, proposta do vereador
Roberto Monteiro. No Estado do Acre, o
Ministério Público do Estado convocou a
Associação Comercial e a Federação Comercial
do Acrepara determinar a fiscalização do uso
das expressões estrangeiras na oferta e
apresentação dos produtos e serviços
oferecidos aos consumidores.
Neste mesmo sentido, está em vigor uma
decisão liminar, de âmbito nacional,
proferida no dia 08 de janeiro de 2007, pelo
Desembargador Federal Mairan Maria da 1ª
Vara Federal de Guarulhos em Ação Civil
Pública proposta pelo Ministério Público
Federal. Segundo a decisão, a União, sob
pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais), fiscalizará, no interesse da
informação do consumidor e da transparência
nas relações de consumo, em âmbito nacional,
por quaisquer um de seus Ministérios e
órgãos respectivos, nos termos do art. 9º do
Decreto nº 2.181/97, sem prejuízo de firmar
convênios com Estados e Municípios, o
emprego da língua portuguesa, exlcusivamente
ou mediante tradução, no mesmo destaque, das
expressões
da língua portuguesa que encontrem
correspondente em nosso idioma, na oferta e
apresentação de produtos e serviços por
fornecedores, inclusive na oferta
publicitária em vitrinas, prateleiras,
balcões ou anúncios que tenham suficiente
precisão, quando se referirem às
características, qualidades, quantidade,
composição,
preço (também condições de pagamento e
descontos), garantia, prazos de validade,
origem, riscos que apresentam a saúde e
segurança dos consumidores, nos termos dos
artigos 31 e 30 do Código de Defesa do
Consumidor.
Sabemos que não há língua que tenha o seu
léxico livre de algum eventual
estrangeirismo, mas segundo um levantamento
feito pela Academia Brasileira de Letras, a
língua portuguesa tem, atualmente, cerca de
356 mil unidades lexicais, dicionarizadas no
Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa. Por
que não aproveitarmos um acervo linguistico
destes? O abuso dos estrangeirismos – que
além de tudo, na maioria das vezes são mal
colocados –ocasiona um imenso prejuízo ao
processo de aprendizagem da língua
portuguesa por nossas crianças e jovens, que
absorvem conhecimento também por observação
e repetição.
Por tudo isso, temos a certeza de que
contaremos com o apoio dos nossos colegas
para a aprovação deste Projeto de Lei.
Porto Alegre, 03 de agosto de 2009.
Deputado(a) Raul Carrion
Artigos e
opiniões sobre o assunto |
Funerais linguísticos,
por Franklin
Cunha*
Publicado no Jornal Zero Hora de 24 de abril
de 2011
O professor de literatura René Étiemble,
da Sorbonne, empenhou-se durante anos contra
a descaracterização da língua francesa pela
invasão de palavras anglo-americanas. No
livro Parlez-vous franglais?, ele se propôs
a defender não apenas o idioma, mas a
cultura e o modo de viver dos franceses.
“Não são apenas palavras de empréstimo que
se insinuam no francês” – diz Étiemble –
“mas, na verdade, trata-se de uma doença
metastática que corrói a pronúncia, o
léxico, a morfologia, a sintaxe e o estilo”.
E dois terços dos gauleses são favoráveis à
instituição de uma terapêutica radical
contra essa grave doença.
Rivarol dizia que “o que não é claro não
é francês”, mas Étiemble não chega a tanto,
pois afirma que nenhum idioma é
autossuficiente e não pode dispensar
verbetes alienígenas a fim de se manter
vivo, mas a admissão indiscriminada de
catadupas de palavras com grafia, pronúncia,
forma e flexão diversas da língua original,
pode seriamente prejudicá-la, embotando a
criatividade linguística e obstruindo as
fontes genuínas de enriquecimento e
renovação.
A linguagem é uma estrutura de grande
complexidade, definidora da sociabilidade
humanizadora e reprodutiva da espécie.
Afinal, ela foi o principal veículo
transmissor da cultura a garantir a
sobrevivência e supremacia desse ramo de
primatas ao qual pertencemos. E a
diversidade de culturas criadas através dos
tempos é que fez surgir milhares de idiomas
que possuem signos linguísticos diversos e
expressam modos de pensar, de sentir e de
interpretar o mundo.
Esse é o sentido profundo de uma
comunidade idiomática específica: o de ter
imagens e visões peculiares do homem e de
seus universos cósmico e mental. Por estes
motivos, é que quando uma língua se
extingue, perdem-se milhares de anos da
história e do desenvolvimento cultural e
psicobiossocial de todo um povo.
Se o desaparecimento de línguas
prosseguir no ritmo atual, o futuro nos
reservará não somente uma uniformização
linguística, mas cultural, ética, estética e
mesmo ideológica.
Observe-se que certos objetos toscos e
concretos de uso diário têm a mesma ou
semelhante grafia em idiomas de países
vizinhos, mas variam, frequentemente, na sua
utilização e no seu significado. Então, se
tais diferenças já se manifestam na
designação de singelos e práticos objetos,
imagine-se o que ocorrerá naqueles voláteis
e complexos conceitos que expressam a
refinada elaboração do pensamento, tais como
o bem e o mal, a liberdade, as prerrogativas
individuais como o direito à vida e todos os
juízos de valores nos seus mais amplos
significados.
Para George Steiner, se os funerais
linguísticos continuarem com a frequência
atual, os 6 mil idiomas existentes, dentro
de poucos séculos, serão reduzidos a uma
algaravia pobre e uniforme. E, assim,
perderemos um preciosíssimo acervo de nossa
milenar e diversificada herança cultural
que, na verdade, deu relevante e fundamental
contribuição para o atual estágio
civilizatório da humanidade.
Enfim, a luta pela manutenção de variados
idiomas e culturas talvez seja decisiva para
a resistência dos povos à uniformização
totalitária, não apenas linguística, mas de
estilos de vida, de condutas éticas,
estéticas e, certamente, das liberdades de
expressão e de pensamento.
* Médico
"Defesa contra
estrangeirismos é se dar conta
do ridículo"
Luis Fernando
Verissimo
por Claudio Leal
Publicado no Portal Teraa em
27 de abril de 2011
Fonte de polêmica no Rio Grande do Sul, o
projeto de lei do deputado estadual Raul
Carrion (PCdoB) contra estrangeirismos não é
considerado de "aplicação muito prática"
pelo escritor Luis Fernando Verissimo, 74
anos.
Aprovado por 26 a 24 votos, na Assembleia
gaúcha, o projeto proíbe o uso de palavras
de outros idiomas - em propagandas, na mídia
e em documentos oficiais - sem o
acompanhamento de uma tradução, quando
houver equivalente em língua portuguesa.
"Admiro o deputado Raul Carrion e
compartilho da sua preocupação com a invasão
de estrangeirismos na nossa língua, essa
evidência especialmente ridícula de
colonialismo cultural. Mas vejo pouco futuro
para a sua lei, cuja aplicação não seria
muito prática", afirma Verissimo, um dos
autores brasileiros mais lidos na
atualidade, em resposta a Terra Magazine.
Questionado se a língua portuguesa
precisa ser defendida, o escritor gaúcho
ironiza: "A única maneira de defender a
língua portuguesa dos estrangeirismos é
confiar que as pessoas eventualmente se deem
conta do ridículo."
O deputado Carrion critica os brasileiros
que escrevem "mesclando palavras em inglês",
por "ignorância em relação ao português".
"Uma coisa de papagaio, de macaquinho, de
modismo", atacou o militante o comunista.
A lei aprovada não se aplica a nomes
próprios. O governador Tarso Genro (PT)
antecipou que, se vetar o texto enviado
pelos deputados, vai apresentar uma nova
proposta de "valorização da língua
portuguesa".
Domínio
Luis Fernando Verissimo
por Claudio Leal
Publicado no Caderno Donna de Zero
Hora em 01 de maio de 2011
Quem escolhe o nome das coisas é quem tem o
poder para isso, não necessariamente o
direito
O nome da montanha mais alta do mundo,
Everest, vem de Evresta, palavra em nepali
que quer dizer Deusa do céu. Você acreditou?
A história parece plausível, mas acabei de
inventá-la. Deusa do céu é mesmo o nome dos
nepaleses para a sua montanha sagrada, mas
só eles sabem como se pronuncia. Everest, o
nome oficial, vem de sir George Everest,
líder da excursão inglesa que mapeou a
região no século 19.
Agora que se volta a falar em legislar
sobre o uso de estrangeirismos na nossa
língua é bom lembrar que quem escolhe o nome
das coisas é quem tem o poder para isso, não
necessariamente o direito. O primeiro homem
a enxergar o novo mundo foi Rodrigo de
Taina, vigia na “Pinta”. Ele teria direito
ao prêmio prometido por Cristóvão Colombo a
quem visse terra primeiro. Mas o comandante
alegou que ele, Colombo, vira antes uma
luminosidade que emanava da terra e assim
pressentira a presença da América – que
achava que fosse a Índia – antes que ela
aparecesse. Colombo ficou com o prêmio e a
glória porque, afinal, a ideia de chegar ao
Oriente pelo Ocidente era dele, e por que a
História era dos homens predestinados como
ele. Dos que tinham o poder de dar nome às
coisas, não dos insignificantes Rodrigos de
Taina do mundo. Quando Portugal e Espanha
assinaram o Tratado das Tordesilhas, fizeram
como Colombo: se apossaram de terras antes
de vê-las. Começaram colonizando uma
hipótese.
Colombo descobriu qual era o nome que os
nativos davam às coisas, o que não o impediu
de dar nomes novos, e de se apossar da sua
história e dos seus costumes, assim como da
sua geografia. E como ele pensava que estava
nas terras do Grande Khan, estava se
apossando de duas histórias, a dos selvagens
e a do outro império, simultaneamente.
Cabral e a sua turma, que se saiba, não se
interessaram em descobrir se as coisas aqui
já tinham nome. Batizaram seu Everest, no
caso o Monte Pascoal, antes de pisarem na
praia.
Dar nome às coisas é possuí-las. A
colonização começa pela linguagem. Os
estrangeirismos na nossa língua mostram quem
tinha o poder sobre nossas vidas,
combatê-los é uma maneira de dizer que o
domínio acabou, ou deve acabar. Porém, ai
porém: acontece o contrário, a invasão
aumenta. Tentar legislar contra esse tsunami
é uma batalha perdida. Tem gente demais que
confunde colonizado não com submisso mas com
moderno. E dê-lhe “sale” em vez de
liquidação e “delivery” em vez de entrega. A
única coisa a fazer é esperar que, em algum
momento, deem-se conta do ridículo.
Diversidade
Linguística no Mundo Globalizado
Profª. Drª. Éda Heloisa Teixeira Pilla
Professora de Inglês e Tradução de Inglês do
Instituto de Letras da Universidade Federal
do Rio Grande
do Sul
Pós Graduada em lingüística aplicada pela
PUC-RS - Mestre em Letras
Pós Graduada em Semiótica e Lingüística
Geral pela USP - Doutora em Lingüística
Artigo
publicado no Jornal da Universidade (UFRGS)
em 2008.
Há quem
pense que a integração ao sistema mundial
leva, ipso facto, à aceitação da perda da
identidade e da cultura, ou seja, a
globalização traria prejuízo às
especificidades e à sobrevivência das
identidades culturais e lingüísticas.
Comecemos,
então, pela identidade lingüística. A língua
é o repositório da cultura e da identidade
individual e coletiva de uma comunidade. Ela
se define como o conjunto de signos aos
quais os membros de um grupo atribuem o
mesmo sentido, a fim de comunicar-se entre
si e assegurar o entendimento dentro daquela
comunidade. A língua é, também, um processo
que propicia e se nutre da socialização. As
consciências individual e coletiva,
geradoras dos signos lingüísticos (as
palavras), por sua vez, se formam nas
interações sociais dos grupos. Logo, não
existe consciência sem conteúdo ideológico
assim como não existem signos lingüísticos
sem conteúdo ideológico.
De saída,
vemos que Língua e Cultura são partes
indissociáveis de um mesmo processo, no
sentido em que é a cultura de uma comunidade
que determina a sua forma de classificar ou
recortar a realidade que lhe é pertinente,
dando um nome a tudo o que ela percebe ou
concebe. Ao aprender a língua de sua
comunidade, portanto, o falante, já estará
absorvendo a cultura subjacente a ela, e com
ela uma visão-de-mundo complexa que reflete
o modo como essa comunidade lida com seus
problemas, formula seu pensamento e sua
filosofia, e organiza sua vida social. A
soma daqueles recortes (individualizados
como palavras), relacionados e
interdependentes, compõe uma estrutura, ou
seja, um sistema lingüístico coerente e
harmônico. Nisso consiste a identidade da
língua. Por isso, os lingüistas costumam
dizer que, para cada língua diferente,
teremos um mundo diferente.
É quase
inevitável comparar a diversidade
lingüística com a diversidade ecológica,
visto que é nelas que reside a
potencialidade para a criatividade e a
sobrevivência de um sistema, seja ele
lingüístico-cultural ou ambiental. Ao
contrário, a uniformização (padronização)
não permite processos indispensáveis à
sobrevivência humana no planeta, gerando a
inflexibilidade e a inadaptabilidade, ou
seja, uma ameaça inimaginável ao futuro.
Infelizmente, hoje, uma onda homogeneizadora
está tornando esse perigo cada vez mais
real. O atual status quo econômico vem
impondo sanções a determinadas línguas, de
formas muito diversas e sub-reptícias.
Submetidos aos atuais processos
político-econômicos, os países em
desenvolvimento não conseguem se safar de
transformações estruturais que extrapolam a
área meramente econômica. Seria ingênuo
presumir que economia, sociedade e cultura
operam em esferas diferentes, de maneira
que, uma vez expostos à força globalizante,
nenhum aspecto da vida social, práticas,
tradições e comportamentos permanecem os
mesmos.
Obviamente,
seria uma forma de fundamentalismo cultural
sugerir que tudo se mantenha como está (ou
como era antes), e não permitir que a
cultura se desenvolva. Entretanto, há uma
causa legítima de preocupação com relação à
velocidade com que as culturas vêm sendo
minadas, em um mundo cada vez mais unido por
laços econômicos.
As línguas
não escapam a esse processo, ao contrário,
têm sido coadjuvantes. Todo conhecimento,
produtos, serviços, técnicas, ciência e
tecnologia que importamos vêm acompanhados
de literatura em língua inglesa. Muitas (e
cada vez mais) palavras do inglês estão
sendo, indiscriminadamente, incorporadas ao
português. Em alguns casos, a desculpa é a
de que elas nomeiam conceitos novos para os
quais ainda não possuímos equivalentes, no
entanto isso também acontece em inúmeros
casos onde elas poderiam ser facilmente
traduzidas, e não o são.
A
incorporação de palavras estrangeiras nega
todos aqueles princípios colocados no início
desse artigo. Elas são estranhas ao nosso
sistema, pois são geradas em outro meio
lingüístico, imbuído de outra ideologia e de
outros valores. Elas se apropriam de nichos
conceptuais que por natureza não lhes
pertencem, e preenchem nossos espaços com
valores espúrios. Isto quanto à questão
semântica.
Do ponto de
vista social, além de não facilitar a
comunicação elas excluem a maioria dos
usuários de língua portuguesa desse
processo. Quantos brasileiros entendem
inglês? E porque deveriam ser obrigados a
usar outra língua em sua terra natal?
Quanto à
fonética, as palavras do inglês não se
adaptam ao nosso sistema fonológico e não
podem ser pronunciadas de acordo com nossas
normas fonéticas. Criamos palavras anômalas:
com a grafia do inglês e a pronúncia do
português (trata-se de uma terceira língua?)
Elas também empobrecem a nossa língua, por
não permitir que nosso léxico se expanda
explorando seus próprios recursos. Por fim,
elas comprometem a identidade da língua, e
isso em nada contribui para a preservação da
diversidade lingüística.
Existe um
consenso entre os lingüistas,
cientificamente demonstrado, porém
politicamente chantageado, de que todas as
línguas, em princípio, têm condições de
gerar as palavras que necessitarem quando
isso for preciso. Afinal, foi assim que elas
evoluíram e devem continuar evoluindo.
Em nossa
tese de doutoramento sobre a criação de
novas palavras no português contemporâneo do
Brasil, e que resultou no livro “Os
Neologismos do Português e a Face Social da
Língua” (Ed. AGE. Porto Alegre, 2002), fica
comprovado que podemos criar nossas próprias
palavras por processos muito semelhantes
àqueles das novas palavras criadas em inglês
ou em outras línguas. Para tal, temos todos
os recursos lingüísticos necessários,
somados ao talento e criatividade de nossos
falantes. Só nos falta a consciência dessa
possibilidade.
Para o
fortalecimento e preservação do português
seria importante, quase indispensável, a
criação de políticas públicas que incentivem
representações positivas sobre a nossa
língua, desestimulando crenças como a da
superioridade lingüística, ou seja,
percepções de uma inferioridade lingüística
de certas línguas em relação a outras
consideradas como modelos a serem
assimilados.
Valorizemos e cuidemos da nossa língua
Raul
Carrion
*
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul acaba de aprovar projeto de
lei, de minha autoria, dispondo que em todo
documento, material informativo, propaganda,
publicidade ou meio de comunicação através
da palavra escrita, deve ser feita a a
tradução para a língua portuguesa das
expressões ou palavras estrangeiras
utilizadas. Caso estas não tenham
equivalente em português, o seu significado
deverá estar indicado a seguir, com o mesmo
destaque. O texto legal exclui dessa
exigência, por óbvio, os nomes próprios.
O referido projeto inspirou-se na Lei Toubon
– do Governo Mitterrand, na França –, na Lei
Estadual 272/09 – do ex-Governador Roberto
Requião –, na Lei 5.033/09, da cidade do Rio
de Janeiro, e no projeto de lei 1.676/99, do
deputado federal Aldo Rebelo, já aprovado em
caráter terminativo na Câmara dos Deputados,
pronto para ser votado no Senado.
O objetivo dessa lei, mais do que punitivo,
é educativo, de proteção dos direitos dos
consumidores – os quais têm o direito a
conhecer em sua língua pátria as
características, qualidade, composição e
preços dos produtos e serviços oferecidos
(nos termos dos artigos 30 e 31 do Código de
Defesa do Consumidor) – além de valorização
e defesa da nossa língua, patrimônio
cultural da nação e expressão da existência
soberana do nosso povo. Aliás, a palavra
“idioma” se origina do grego e significa
“caráter próprio de alguém”
Sabemos que toda língua é viva e se
enriquece com as contribuições dos outros
idiomas, incorporando palavras ou expressões
que não têm equivalente no seu vocabulário.
Mas, isso não se confunde com o uso
indiscriminado, abusivo e empobrecedor que
vemos nos dias de hoje – seja na propaganda,
na publicidade ou em certos meios de
comunicação – que usam e abusam de palavras
estrangeiras, sem qualquer necessidade,
dificultando o seu entendimento por grande
parte da população e desprezando a nossa
língua pátria. Assim, em vez de
“auto-serviço”, insistem em escrever
“self-service”, no lugar de “moda”, usa-se
“fashion”, ao invés de “intervalo para
café”, orgulham-se em dizer “cofee-break”,
trocam “liquidação” por “sale”, o
estacionamento agora é “parking”, e assim
por diante.
Existem estudos desenvolvidos por lingüistas
afirmando estar cientificamente demonstrado
que, em princípio, todas as línguas tem
condição de gerar as palavras que
necessitarem quando provocadas.
Nossa Lei sequer proíbe esse uso abusivo,
simplesmente exige que o mesmo seja
traduzido ou explicado, para que qualquer
cidadão brasileiro tenha acesso ao seu
significado.
* Deputado Estadual – PCdoB-RS
O idioma é o repositório da cultura e da
identidade de um povo
Deputado Raul Carrion
O Projeto de Lei 156/09 – que determina a
tradução das palavras estrangeiras
utilizadas em publicidade, propaganda,
documentos e informativos, dirigidos ao
grande público –, foi aprovado pela
Assembleia Legislativa no último dia 19 de
abril.
Em um primeiro momento, setores da mídia
tentaram desqualificar o projeto, o seu
autor e o debate em torno dele, em uma
atitude de claro patrulhamento ideológico.
Em uma atitude raivosa, desrespeitosa e sem
qualquer compromisso com a verdade,
deturparam o seu conteúdo, desinformando a
cidadania acerca do seu real significado.
Diferentemente, o Governador Tarso Genro – a
quem cabe sancionar ou vetar o projeto –
repôs a seriedade do debate, criando uma
Comissão de Alto Nível para estudar o
referido projeto e dedicando a segunda
edição de “O Governo Escuta” ao seu exame.
Em manifestação à imprensa, afirmou que “se
trata de uma questão ‘séria’, que não deve
ser alçada ao ‘nível de desclassificação’.
(...) somente as pessoas ‘muito caipiras’
podem se opor às tentativas de defesa da
língua pátria (...) é natural que os ‘países
civilizados’ proponham movimentos de
proteção à sua língua, como já ocorreu na
França.” (CORREIO DO POVO, 21.04.11)
Em entrevista à Cláudio Leal, da TERRA
MAGAZINE, o nosso grande escritor Luís
Fernando Veríssimo afirmou: “admiro o
deputado Raul Carrion e compartilho da sua
preocupação com a invasão de estrangeirismos
na nossa língua, essa evidência
especialmente ridícula de colonialismo
cultural.” Ainda que um tanto cético em
relação à eficácia da lei, arrematou: “A
única maneira de defender a língua
portuguesa dos estrangeirismos é confiar que
as pessoas eventualmente se deem conta do
ridículo.”
Em sua crônica na ZERO HORA, intitulada “Quem
escolhe o nome das coisas é quem tem o poder
para isso, não necessariamente o direito”,
Veríssimo, com a agudeza que o caracteriza,
mostra as relações de poder na imposição de
palavras estrangeiras aos outros idiomas:
“Dar nomes às coisas é possuí-las. A
colonização começa pela linguagem. Os
estrangeirismos na nossa língua mostram quem
tinha poder sobre nossas vidas, combatê-los
é uma maneira de dizer que o domínio acabou,
ou deve acabar. Porém, aí acontece o
contrário, a invasão aumenta Tentar legislar
contra esse tsunami é uma batalha perdida.
Tem gente demais que confunde colonizado não
com submisso, mas com moderno. E dê-lhe
“sale” em vez de liquidação e “delivery” em
vez de entrega. A única coisa a fazer é
esperar que, em algum momento, deem-se conta
do ridículo.”
Também é esclarecedora a crônica “Histeria
coletiva”da brilhante jornalista Beatriz
Fagundes (O SUL, 21.04.11), da qual
selecionamos alguns trechos:
“O que surpreendeu foi mesmo a reação
quase histérica dos contrários ao projeto. A
simples menção de que o uso de palavras em
outros idiomas deve ser contido ou pelo
menos organizado, causou um verdadeiro furor
nos colonizados de plantão. Incrível! A
simples leitura do texto deixa claro que não
estão proibidas as expressões – a exigência
é que se garanta a tradução. (...) Pois
então não existe motivo para histeria
coletiva: palavras estrangeiras devidamente
traduzidas serão assimiladas com facilidade
pelo povo que, com a tradução garantida, não
ficará repetindo expressões desconhecidas
apenas para parecer fashion! (...) O
deputado quer apenas que, quando o uso for
público, se traduza para o velho português.
O mais é histeria de cabeça colonizada!”
I - CONTEÚDO DO PROJETO
Tendo em vista o relativo grau de
desinformação acerca do nosso projeto, a
nossa primeira colocação tem o objetivo de
esclarecê-lo:
-
O Projeto não proíbe nem impede o uso de
palavras estrangeiras, unicamente
determina que, nesse caso, a palavra
estrangeira deve ser traduzida, para que
o cidadão tenha, em seu país, o direito
de receber as informações em sua língua
pátria. Se a palavra ou expressão
estrangeira não possuir equivalente em
português, deverá ter o seu significado
explicado.
-
A exigência de tradução só se aplica a
propaganda, publicidade, documentos ou
informativos dirigidos ao grande
público, através da palavra escrita;
3.
O Projeto, não se aplica à linguagem falada;
-
O Projeto não se aplica a nomes
próprios;
-
O Projeto não se aplica a obras
científicas, a obras de arte ou
literárias, a comunicação privada;
-
As palavras de origem estrangeiras já
aportuguesadas ou dicionarizadas estão
excluídas da necessidade de serem
traduzidas.
-
O Projeto tem caráter essencialmente
educativo e não cria penalidades. Estas
poderão ser impostas pelo Executivo, mas
somente no âmbito administrativo (por
exemplo, obrigatoriedade de substituir a
propaganda ou publicidade em desacordo
com a lei; perda de eventuais benefícios
do Poder Público no caso de
desobediência a essa determinação;
etc.).
II - OBJETIVOS DO PROJETO
O Projeto de Lei 156/09 tem três objetivos
principais: 1) valorizar o uso do português
na linguagem escrita, evitando a sua
descaracterização pela utilização
indiscriminada, abusiva e desnecessária de
vocábulos estrangeiros; 2) garantir ao
cidadão brasileiro que todo documento
público, propaganda, publicidade ou
informação sejam escritas em sua língua
pátria, de forma a facilitar-lhe a
compreensão; 3) educar a população no
correto uso da língua portuguesa.
1.
VALORIZAR O IDIOMA PORTUGUÊS E EVITAR SUA
DESCARACTERIZAÇÃO
Esse objetivo decorre do singelo fato –
esquecido por tantos – de que o português é
o idioma oficial do Brasil, de acordo com o
artigo 13 da Constituição Federal, e um dos
maiores patrimônios culturais do povo
brasileiro. Sua obrigatoriedade é tão óbvia
que a legislação eleitoral considera crime
eleitoral o uso de outro idioma que não o
português nas campanhas!
Penso ser desnecessário alongar-me sobre a
importância da valorização do nosso idioma.
A própria palavra “idioma” – originária do
grego – significa “caráter próprio de
alguém”. Portanto, a língua caracteriza e
identifica um povo, sendo um dos principais
elementos integradores de uma nação. É
impossível imaginar a manutenção da unidade
de um país gigantesco como o Brasil sem a
existência de um idioma comum a todos os
brasileiros que, com pequenas variações
regionais, é compreensível para todos, de
norte a sul.
Diferentemente da ideia que alguns querem
passar, de que os linguistas são favoráveis
a esse uso indiscriminado e abusivo de
estrangeirismos, inúmeros linguistas – no
Brasil e no exterior – têm mostrado o quanto
isso é prejudicial ao desenvolvimento
virtuoso das línguas e têm proposto medidas
contra esse empobrecimento e desvirtuamento
da nossa língua.
Referindo-se a esse fenômeno, a Professora e
Linguista Vera Lúcia Menezes, em sua tese de
doutorado na UFMG “A Língua Inglesa
enquanto Signo da Cultura Brasileira”,
já em 1991 afirmava:
“A língua estrangeira se torna muito mais
um instrumento de dominação do que de
comunicação, no momento em que a maioria da
população não tem acesso a essa língua, nem
como produtora, nem como receptora.”
E a Professora Éda Heloísa Teixeira Pilla da
UFRGS – Mestra em Linguística Aplicada pela
PUC/RS e Doutora em Semiótica e Linguística
Geral pela USP – em seu artigo “Diversidade
Linguística no Mundo Globalizado”,
publicado em 2008, no Jornal da
Universidade, complementa:
“Muitas (e cada vez mais) palavras do
inglês estão sendo, indiscriminadamente,
incorporadas ao português. Em alguns casos,
a desculpa é a de que elas nomeiam conceitos
novos para os quais ainda não possuímos
equivalentes, no entanto isso também
acontece em inúmeros casos onde elas
poderiam ser facilmente traduzidas, e não o
são. (…) além de não facilitar a
comunicação, elas excluem a maioria dos
usuários de língua portuguesa desse
processo. Quantos brasileiros entendem
inglês? E porque deveriam ser obrigados a
usar outra língua em sua terra natal (...)
Do ponto de vista social, além de não
facilitar a comunicação elas excluem a
maioria dos usuários de língua portuguesa
desse processo. Quantos brasileiros entendem
inglês? E porque deveriam ser obrigados a
usar outra língua em sua terra natal? Quanto
à fonética, as palavras em inglês não se
adaptam ao nosso sistema fonológico e não
podem ser pronunciadas de acordo com as
nossas normas fonéticas. Criamos palavras
anômalas: com a grafia do inglês e a
pronúncia do português (...) Elas também
empobrecem a nossa língua, por não permitir
que o nosso léxico se expanda explorando
seus próprios recursos. Por fim, elas
comprometem a identidade da língua, e isso
em nada contribui para a preservação da
diversidade linguística.
Em sua comunicação “Criação de palavras
como forma de resistência política”,
apresentada no 10º Simpósio
Simpósio Ibero-americano de Terminologia,
em Montevideo, no ano de 2006, a Prof. Dra.
Éda Heloísa Teixeira Pilla ensina:
“A palavra estrangeira, ao preencher um
nicho referencial e linguístico que, por
natureza, não lhe pertence, estará tomando o
lugar de uma palavra nacional (já existente
ou que venha a ser criada) e, portanto,
virtualmente harmônica com o seu contexto
cultural e linguístico, o que significa
dizer que ela, a palavra estrangeira,
concorre para o empobrecimento e
enfraquecimento da língua nacional receptora
que, por sua vez, perde a capacidade de
expandir-se uma vez que seus recursos
linguísticos não são explorados. (...) De
outra parte, a incorporação de uma palavra
estranha às normas morfossemânticas (e
também fonológicas) da língua receptora,
perturba/quebra a coerência linguística do
sistema onde se instala.”
Como historiador, não posso deixar de
referir que um dos principais mecanismos de
dominação de um povo sobre outro é a
imposição da língua, caminho para transmitir
seus valores, tradições e costumes. Assim
ocorreu no antigo Oriente, no mundo grego,
no império romano, nas conquistas
portuguesas e espanholas, na colonização
inglesa, e assim por diante. Mais
recentemente, quando a Indonésia impôs sua
dominação ao Timor Leste, proibiu o uso do
português aos timorenses. Reconquistada a
independência, uma das primeiras medidas foi
recolocar o português como língua oficial do
Timor Leste.
Aos que ingenuamente afirmam que os idiomas
não precisam de cuidados frente às línguas
dominantes, que faz parte da sua evolução a
absorção das palavras dessas línguas mais
poderosas, sem qualquer risco de
descaracterização, cito o crítico literário
da Revista VEJA, Jerônimo Teixeira,
insuspeito de qualquer radicalismo:
“Em um momento em que os idiomas
nacionais sofrem todo tipo de pressão
desestabilizadora (...) a globalização e a
revolução tecnológica da internet estão
dando origem a um ‘novo mundo linguístico’.
Entre os fenômenos desse novo mundo estão as
subversões da ortografia, presentes nos
blogs e na troca de e-mails e o aumento no
ritmo de extinção de idiomas. Estima-se que
um deles desapareça a cada duas semanas.
Cresce a consciência de que as línguas bem
faladas, protegidas por normas cultas, são
ferramentas da cultura e também armas da
política, além de ser riquezas econômicas.
(...) Calcula-se que hoje se falem de 6.000
a 7.000 línguas no mundo todo. Quase metade
delas deve desaparecer nos próximos 100
anos. A última edição do Ethnologue – o mais
abrangente estudo sobre as línguas mundiais
–, de 2005, listava 516 línguas em risco de
extinção.” (VEJA, 12.09.07)
E a resposta do Professor de linguística da
Universidade do País de Gales, David
Cristal, à sua pergunta “porque tantas
línguas estão desaparecendo?” é ainda
mais elucidativa: “O principal motivo é a
assimilação cultural por causa da
globalização. O crescimento das grandes
línguas do mundo funciona como um trator,
esmagando os idiomas que se põem no caminho.”
Em recente artigo à ZERO HORA, o conhecido
médico gaúcho Franklin Cunha cita o
Professor René Étiemble, da Universidade da
Sorbonne, que diante da
descaracterização do francês pela invasão de
vocábulos ingleses, afirma que “não são
apenas palavras de empréstimo que se
insinuam no francês mas, na verdade,
trata-se de uma doença metástica que corrói
a pronúncia, o léxico, a morfologia, a
sintaxe e o estilo. Nesse mesmo artigo,
Franklin Cunha chama a atenção de que:
“A admissão indiscriminada de catadupas
de palavras com grafia, pronúncia, forma e
flexão diversas da língua original pode
seriamente prejudicá-la, embotando a
criatividade linguística e obstruindo as
fontes genuínas de enriquecimento e
renovação. (...) a luta pela manutenção de
variados idiomas e culturas talvez seja
decisiva para a resistência dos povos à
uniformização totalitária, não apenas
linguística, mas de estilos de vida, de
condutas éticas, estéticas e, certamente,
das liberdades de expressão e de pensamento.”
Todos sabemos que o português, como qualquer
idioma, evoluiu incorporando vocábulos das
mais variadas línguas, principalmente quando
essas palavras não tinham equivalente em
português. Mas, quando o fez, adaptou sua
grafia, sua fonética, sua flexão, sua
sintaxe, assimilando-as e aportuguesando-as.
Assim, football virou “futebol”;
black-out transformou-se em “blecaute”
(apesar de já existir a palavra “apagão”);
computer passou a ser “computador”,
só para citar alguns exemplos.
Diferentemente da invasão indiscriminada e
desnecessária de palavras e expressões
estrangeiras que possuem equivalente em
português. E, o que é pior, sem qualquer
adaptação à nossa fonética, grafia ou
flexão. Tal uso abusivo de “estrangeirismos”
– muito mais por modismo e subserviência
cultural do que por necessidade – em nada
contribui para o enriquecimento da nossa
língua, descaracterizando-a e dificultando o
seu entendimento pela maioria da população.
Pode-se perguntar: em que se enriquece a
nossa língua ao substituir “pausa para o
café” por coffee-break;
“auto-serviço” por self-service;
“entrega” por delivery; “moda” por
fashion; “franquia” por franchise;
“tempo” por time; “risco” por
spread; “liquidação” por sale;
“desconto” por off; e assim por
diante? A resposta é: EM NADA! Será que
chamar a premiação das marcas “Mais
Lembradas” de Top of Mind, ou a
disputa do “Melhor Salto” de Best Jump
enriquece a nossa língua? Ao contrário,
desvaloriza e deturpa a nossa língua e
dificulta o entendimento para a maioria da
população.
Como disse nosso brilhante cronista Juremir
Machado da Silva, na segunda edição de “O
Governo Escuta”, em uma crítica mordaz à
subserviência cultural dos que se ufanam de
usar palavras estrangeiras ao invés do nosso
belo português: “são pessoas que passam
dois meses no exterior e voltam com
“dificuldade” de falar português...” E
acrescentou: “Se ‘mouse’ é ‘rato’ em
todos os países de fala inglesa, é ‘rato’
(‘souris’) onde se fala francês, é ‘rato
(‘raton’) nas nações de idioma espanhol, é
‘rato’ em Portugal, porque não pode ser
‘rato’ no Brasil?
Mas, se o português pode, eventualmente,
enriquecer-se com algum vocábulo estrangeiro
que não exista na nossa língua,
assimilando-o, o caminho fundamental para o
seu desenvolvimento é a criação de novas
palavras através dos neologismos. Como
ensina a Prof. e Linguista Éda Heloísa Pilla
no seu livro “Os Neologismos do Português
e a Face Social da Língua”( AGE Editora,
2002):
“O neologismo formal representa quase a
totalidade da criação lexical pesquisada,
presente em palavras como somatizar,
sucatear, rotinizar, mimetizar, achismo,
salvacionismo, aberturismo, reindexação,
desinvestimento, praticidade, perfomático,
terceirização, multirrelacional, antidroga,
apart-hotel, infovia, agrovila,
desimportância, eurozona, ineditizar,
degravação, espontaneísta, urgenciar,
burocratismo, intransparência, evidenciação,
etc., indica mudanças toleradas pelo léxico
(e até mesmo necessárias) e que atualizam
este último. Os empréstimos estrangeiros são
alheios a essa organização. As primeiras se
criam em relação e de acordo com o sistema;
os últimos não envolvem criatividade
morfológica ou gramatical, mas apenas a
transferência de um elemento totalmente
formado, de um outro código para o nosso.”
2.
GARANTIR O DIREITO DO CONSUMIDOR À
INFORMAÇÃO EM PORTUGUÊS
Além de ser necessário valorizar o idioma
português e evitar sua descaracterização e
conspurcação – pois a questão em tela não é
o “desaparecimento” do português, como
alguns, comicamente, tentam reduzir de forma
caricata – também é preciso respeitar os
Direitos do Consumidor e da maioria da
população, que não fala nem entende o
inglês. Pois bem, o Código do Consumidor em
seu artigo 31 determina de forma explícita:
“A oferta e apresentação de produtos ou
serviços devem assegurar informações
corretas, claras, precisas, ostensivas e
em língua portuguesa sobre suas
características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de
validade e origem, entre outros dados, bem
como sobre os riscos que apresentam à saúde
e segurança dos consumidores.”
Ou seja, o cidadão brasileiro tem o direito
de receber todas as informações acerca de
produtos ou serviços que lhe sejam
oferecidos, na língua pátria. Em função
disso, em 2007 o Desembargador Federal
Mairan Maria, da 1ª Vara Federal de
Guarulhos, em Ação Civil Pública proposta
pelo Ministério Público Federal, proferiu
decisão liminar determinando à União – sob
pena de multa diária de R$ 5 mil – que
fiscalizasse o emprego da língua portuguesa
(exclusivamente ou mediante tradução) na
oferta e apresentação de produtos ou
serviços por fornecedores, inclusive na
oferta publicitária em vitrinas,
prateleiras, balcões ou anúncios, inclusive
preço, condições de pagamento, descontos,
origem e riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores.
Da mesma forma, o Ministério Público do
Estado do Acre convocou a Associação
Comercial e a Federação Comercial do Acre,
determinando-lhe a fiscalização do uso das
expressões estrangeiras na oferta e
apresentação dos produtos e serviços
oferecidos.
A importância da correta informação, em
português acerca das características de um
produto ou serviço poder ser aquilatada por
um simples exemplo: suponhamos um cidadão
que não pode consumir açúcar, por ser
diabético, e que deseje beber um
refrigerante. Deverá pedir um refrigerante “diet”
ou “light”? Disso pode depender sua
vida ou sua morte. No caso em pauta a
resposta correta é um refrigerante “diet”
(dietético ou sem açúcar). É fundamental que
isso seja informado em português cristalino!
Tratando da relação entre o uso de
estrangeirismos e os direitos do consumidor,
o Juiz de Direito José Ricardo Coutinho
Silva em seu artigo “Os Estrangeirismos”
(CORREIO DO POVO, 07.05.11) afirma:
“nessa avalanche que vivemos pela
globalização e pelo uso de palavras em
inglês, cotidianamente, por um número cada
vez maior de pessoas no Brasil, tem havido
um exagero nesse uso, que atinge pessoas não
versadas em inglês, que não desejam se
comunicar através dele e que nem sabem o
significado das palavras empregadas. (...)
Evidente que boa parte das pessoas que vão a
shopping centers sabem inglês ou o
suficiente para identificar que “50% off”
quer dizer 50% de desconto. Mas será que
todos sabem? Claro que não. (...) Portanto,
deixando de lado ideologias, é fundamental
não ser esquecido, mesmo que os produtos
sejam importados e mesmo que muitas pessoas
falem ou utilizem expressões em língua
estrangeira, que estamos no Brasil, que o
idioma oficial é o português e que os
produtos e os serviços têm de ser oferecidos
com informações e instruções claras, também
em português, permitindo sua compreensão
pela integralidade da população.”
3.
EDUCAR OS CIDADÃOS NO CORRETO USO DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Não é segredo para ninguém que o ensino
formal do português é desconstituído
cotidianamente pelo bombardeio avassalador
de uma escrita corrompida pelo uso
indiscriminado de palavras estrangeiras,
impostas pela propaganda, pela publicidade e
por certos meios de comunicação de massas.
A exigência da tradução das palavras
estrangeiras (não a proibição do seu uso)
tornará esses textos mais compreensíveis ao
conjunto dos cidadãos e reforçará a correta
escrita da língua. Ao mesmo tempo, forçará
àqueles que abusam dos estrangeirismo a
consultar os dicionários e a melhor conhecer
a sua própria língua. Dessa forma, ganharão
todos. Tanto os que usam desnecessariamente
palavras estrangeiras –que talvez o façam
por desconhecer os amplos recursos de que
dispõe a língua portuguesa –, quanto os que
tinham dificuldade de entender o português
conspurcado pelo inglês.
III – LÍNGUAS SÃO ASSUNTO DE ESTADO
É preciso, também, examinar a opinião
daqueles que afirmam que a questão da língua
é um assunto privado, no qual o Estado não
deve interferir e sobre o qual não cabe
legislar. Alguns – principalmente
publicistas e marqueteiros – defendem que a
evolução da língua e a incorporação a ela,
ou não, de palavras estrangeiras será
decidida pela sua aceitação ou não pelo
“mercado”. Outros afirmam que a evolução do
idioma se dá de forma totalmente espontânea,
“pelo voo das palavras”, sem qualquer
regramento. O que, de partida, já se choca
com o fato de que todos os países definem
regras para suas línguas!...
Além disso, ignoram, ingenuamente, a enorme
influência, nos dias de hoje, dos meios de
comunicação de massas e da indústria
cultural (cinema, televisão, vídeo, música,
etc.) – amplamente dominada pelas grandes
produtoras e distribuidoras estrangeiras –
em impor sua visão de mundo, cultura,
costumes e língua.
Como
afirma a reportagem “Linguagem - cultura
e transformação”, da revista eletrônica
“Com Ciência”, da SBPC:
“Diferentes nações escolhem diferentes
soluções para o problema da penetração do
idioma estrangeiro, dependendo, entre outras
coisas, da realidade social do país. Mas, em
todas elas, a linguagem é tratada como
questão de Estado. As nações procuram
normatizar e regular os idiomas que
utilizam, visando o processo de identidade
nacional. (...) Há, na França, várias
organizações dedicadas à língua francesa –
incluindo a sua defesa contra os
‘estrangeirismos’ – como a Délégation
générale à la langue française. A
legislação sobre o idioma francês é bastante
detalhada. A defesa da língua baseia-se na
lei Toubon, de 1994. Essa lei estende
o campo de aplicação da lei anterior, de
1975. Segundo a lei atual, o emprego do
francês é obrigatório na designação,
apresentação e publicidade de bens, produtos
e serviços, com exceções para as
denominações de produtos típicos de países
estrangeiros que sejam vastamente
conhecidos. A lei permite traduções em
línguas estrangeiras desses textos, desde
que com a presença da versão em francês.
Essas regras não se aplicam a razões
sociais, marcas de fábrica, de comércio e de
serviços. Tudo isso vale também para o caso
da difusão por televisão ou rádio. A lei
Toubon afirma o caráter obrigatório do
ensino em francês e de seu emprego em
exames, concurso, teses e memórias, em
estabelecimentos públicos e privados.”
Temos conhecimento de que já adotaram normas
para proteger a sua língua da invasão de
palavras estrangeiras, além da França, a
Espanha – incluída a Catalunha –, o Canadá e
a Islândia. E a União Europeia aprovou a “Carta
Europeia para Línguas Regionais ou
Minoritárias”, como uma forma de
protegê-las do avassalamento pelas línguas
mais fortes. O que deita por terra a tese
ingênua de que as línguas não precisam de
proteção nem de regramentos que as impeçam
de ser degradadas por outras línguas mais
poderosas.
E é bom lembrar que, tanto na França como
nos Estados Unidos, entre as exigências
legais para que estrangeiros se naturalizem
está a fluência verbal e escrita no idioma
pátrio.
No Brasil, já foram aprovadas leis similares
no Paraná – Lei Estadual 272/09, proposta
pelo ex-Governador Roberto Requião, mas
questionada na Justiça – e na cidade do Rio
de Janeiro – Lei 5.033/09, proposta pelo
vereador Roberto Monteiro. No Congresso
Nacional, o Projeto de Lei 1.676/99,
proposto de pelo deputado Aldo Rebelo, já
foi aprovado de forma terminativa na Câmara
dos Deputados e no Senado já está com sua
tramitação concluída, estando pronto para
ser votado.
Por tudo isso, reafirmamos o nosso
entendimento de que cabe sim, ao Estado,
dispor de uma legislação que, sem engessar a
língua, a proteja de descaracterização e
degradação. Como afirma a Prof. Dra Éda
Heloísa Teixeira Pilla: “Para o
fortalecimento e preservação do português
seria importante, quase indispensável, a
criação de políticas públicas que incentivem
representações positivas sobre a nossa
língua”.
É o que estamos tentando fazer através do
nosso projeto de lei! |