Porto Alegre, domingo, 22 de dezembro de 2024
   

Deputado Raul Carrion - PCdoB-RS

O Partido Comunista do Brasil no Rio Grande do Sul
1922-1929


2 - ANTECEDENTES

2.1 - A industrialização e a formação da classe operária no Rio Grande dos Sul

            Evidentemente, não temos a pretensão de tratar exaustivamente uma temática tão ampla, que por si só ensejaria uma outra pesquisa. Nos move unicamente a intenção de chamar a atenção para algumas particularidades do processo de industrialização do Rio Grande do Sul, e da formação da sua classe operária, indispensáveis para o desenvolvimento do nosso estudo sobre o Partido Comunista do Brasil, no Rio Grande do Sul.

2.1.1 - A PECUÁRIA COM MÃO-DE-OBRA LIVRE E AS CHARQUEADAS ESCRAVISTAS

            O Rio Grande do Sul só começa a ser efetivamente ocupado no final do século XVII. Quanto à sua integração ao resto do Brasil colonial, só irá acontecer no decorrer do século XVIII.[1] Antes, reduzira-se a uma área de apresamento dos índios que viviam das reduções jesuíticas, pelos bandeirantes paulistas em busca de escravos, e de caça ao gado xucro que por aí vagava:

A exploração colonial assentava-se basicamente em produção já existente nas áreas coloniais (as riquezas minerais, por exemplo) ou em forma de produção agrícola aqui instaladas segundo os interesses e necessidades do capitalismo nascente (caso do açúcar). O Rio Grande do Sul não se enquadrava em nenhum dos dois casos, daí a sua tardia integração ao sistema colonial. (...) Desvinculado da agricultura colonial de exportação diretamente integrada ao mercado internacional, o Rio Grande do Sul carecia de sentido no contexto do processo de acumulação primitiva de capitais que se verificava nos quadros do Antigo Sistema Colonial.[2]

            No início do domínio espanhol sobre Portugal (1580-1640), a burguesia comercial lusa havia obtido o direito de se instalar em Buenos Aires, em recompensa pelo apoio ao candidato espanhol ao trono português. Com a Restauração, os portugueses, hostilizados em Buenos Aires,  passaram a pressionar no sentido da fundação de um estabelecimento português no Prata, o que obtiveram com a criação da Colônia de Sacramento, em 1980: Por trás dos interesses lusos no contrabando do Prata, era indisfarçável a presença britânica, em busca de mercados.

            A decadência da economia agro-exportadora do açúcar, no final do século XVII, compensada pela descoberta das minas na região das Gerais, cria novas perspectivas de inserção do Rio Grande do Sul na economia colonial, como fornecedor de gado bovino, gado muar - para o transporte - e couros. Pouco a pouco vai se dando a ocupação da Província de São Pedro, através da concessão de sesmarias, em geral em paga de serviços militares prestados:

As estâncias de gado que se constituíram realizavam uma criação extensiva do rebanho, utilizando como mão-de-obra os peões. Estes eram elementos subalternos do antigo bando armado que tropeava gado ou índios egressos das missões. Embora se registrasse o uso de escravos nas estâncias, a atividade de criação, subsidiária da economia central do país, não foi capaz de propiciar uma acumulação que permitisse a introdução regular de negros na região. Estes não se constituíram na mão-de-obra fundamental no processo do trabalho.[3]

            Os escravos utilizados nas estâncias não o eram nas atividades de peonagem propriamente dita. À parte os trabalhos domésticos, ocupavam-se na agricultura de subsistência e de outras tarefas de apoio à atividade produtiva principal da estância. Portanto, “o latifúndio no sul não foi agro-exportador (...) não foi fundamentalmente escravista. Assim, nem o produto nem a estrutura produtiva da grande propriedade reproduziram, no sul, o trinômio básico da estrutura social e econômica do Brasil: latifúndio, lavoura de exportação e escravismo.”[4]

A partir do tratado de Madrid (1750), que a tornou a região das Missões território luso, Portugal incentivou a vinda de casais açorianos para o seu povoamento. Estes, localizados na parte norte do Estado, dedicaram-se fundamentalmente à agricultura, em especial à produção de trigo. O enriquecimento de alguns colonos, propiciou a introdução de escravos nas lavouras, mas em pequena proporção.

            Será somente com introdução das charqueadas - para viabilizar a mercantilização da carne bovina sob a forma do charque - que a introdução de escravos tonou-se massiva no Rio Grande do Sul.[5] De forma similar ao resto do Brasil, “a escravidão doméstica e a urbana (artesanato, trabalho de reparação, pequeno comércio e serviços) desenvolveram-se amplamente no Rio Grande do Sul.” Mas, “eles só desempenharam um papel produtivo essencial na produção de charque.” Já o trabalho nas estâncias continuou a pouco usar a mão-de-obra escrava:

É lógico que a caça ao gado selvagem, assim como o tropear, não se coadunava com o trabalho compulsório. Os peões que trabalhavam na courama não só eram senhores de seus destinos, pois encontravam-se belamente montados, como também deviam estar fortemente armados. O contato com os aborígenes, antigos senhores de uma terra da qual se viam escorraçados, as incursões lusitanas e espanholas que se esparramavam por um território sem senhor, tudo isso fazia destas expedições verdadeiras operações militares. A arma, a montaria, os horizontes abertos, por motivos óbvios, não se combinavam com o homem escravizado. Os escravos que participavam dessas atividades terminavam transformando-se em acompanhantes de seus senhores, mais guarda-costas e pajens do que servos. A escravidão assumirá, então, uma qualidade meramente jurídica. No geral, porém, a mão-de-obra que assegurará essa atividade será livre. Aqui teremos o indígena em processo de absorção, o espanhol transbandeado, aventureiros paulistas, enfim, crioulos e mestiços livres de todos os tipos.[6]

            As charqueadas platinas (saladeros) levavam vantagem em relação às nossas, devido ao uso de mão-de-obra livre[7] e ao grande apoio governamental - exatamente por serem a atividade básica desses países, estando isentas das taxas da importação do sal e não pagando impostos de exportação. As charqueadas rio-grandenses só conseguiram competir com elas, na primeira metade do século passado, devido à desorganização das atividades produtivas nos países do Prata, decorrente das guerras de independência.[8]

Em 1820, a anexação da Banda Oriental pelas tropas de D. João VI, favoreceu ainda mais os interesses do Rio Grande do Sul, colocando o gado e as pastagens do Uruguai à disposição das suas charqueadas. A economia sulina orientou-se cada vez mais para o abastecimento do mercado interno, tornando-se o charque a base da alimentação da escravaria do setor agro-exportador. Como o preço dos produtos alimentares incidia diretamente no custo da manutenção da mão-de-obra escrava, a política econômica imperial - a serviço dos produtores de café - resistia a qualquer política protecionista em relação aos alimentos gaúchos, favorecendo, ao contrário, as importações.

            Por isso, a libertação do Uruguai em relação ao Brasil, em 1828, significou um grave golpe na competitividade da economia gaúcha, especialmente do charque. A crise econômica daí advinda, combinada com o ressentimento rio-grandense com o “desinteresse” do governo central em relação à produção gaúcha, foi, indiscutivelmente, uma das causas mais importantes da Revolução Farroupilha, que se prolongou de 1935 a 1845. Tanto é assim, que uma das principais concessões do governo central aos farrapos, quando da assinatura da paz, foi a elevação de 25% da taxa alfandegária sobre o charque importado. Essa e outras medidas, somadas as graves perturbações políticas que se seguiram nos países platinos, deram um certo fôlego às charqueadas gaúchas, adiando a sua crise para a década de 60. A partir de então, com a recuperação e a modernização dos saladeros platinos, que se transformaram em verdadeiras empresas capitalistas, e a proibição do tráfico de escravos, a partir de 1850, a sua decadência tornou-se inevitável:

No mercado interno brasileiro, defrontavam-se os produtos de uma economia subsidiária escravista (riograndense) em crise e os de uma economia central assalariada (platina) em ascensão. A forma que o Rio Grande do Sul teria para poder vencer o concorrente seria pelo controle dos mecanismos decisórios de poder, subordinando a orientação da política econômica nacional aos interesses sulinos. Entretanto, as pretensões rio-grandenses esbarravam no fato de que a economia do estado estava subordinada aos interesses do centro do país (...) O interesse do centro, no caso, era baratear o charque, do qual era comprador. (...) Nos quadros do Império, os charqueadores buscavam resolver seu problema pela antecipação da abolição da escravatura, o que se deu em 1884. Entretanto, o princípio adotado foi o da liberação com a “cláusula de prestação de serviços”, o que implicava que o senhor permanecesse com o trabalhador à sua disposição, para uso de acordo com suas necessidades reais e repassando os gastos de manutenção para o próprio liberto, agora chamado de “contratado”. Significava, em última análise, extinguir a escravidão sem extinguir os escravos. Limitava-se, com isso, a própria generalização das relações assalariadas de produção nas charqueadas sulinas, comprometendo o desenvolvimento do capitalismo na região.[9]

2.1.2. - A ECONOMIA COLONIAL IMIGRANTE

            Depois da imigração açoriana no final do século XVII, o Rio Grande do Sul recebeu duas levas migratórias principais, no século XVIII: a alemã, iniciada em 1824, e a italiana, a partir de 1875. Essas imigrações inserem-se no processo de expansão do capital a nível mundial. O desenvolvimento do capitalismo em países como a Alemanha e a Itália criou grandes excedentes de trabalhadores sem terra e sem trabalho, sem possibilidade de serem absorvidos em seus países. A emigração para o Novo mundo foi uma das formas encontradas para aliviar as tensões sociais e abrir novos mercados.

Diferentemente da imigração para as regiões cafeeiras, que visava resolver o problema da carência de mão-de-obra para as plantations agro-exportadoras - substituindo a mão-de-obra escrava por mão-de-obra livre, sob a forma do colonato ou do assalariamento - a imigração para o Rio Grande do Sul tinha como objetivo a criação de uma classe de pequenos agricultores dedicados à produção de gêneros alimentícios para o mercado brasileiro.[10] Do ponto de vista dos pecuaristas e dos charqueadores escravistas, portanto, a imigração não atendia aos seus interesses nem solucionava sua falta de braços:

No Rio Grande do Sul, os motivos que levaram à promoção da imigração européia foram radicalmente diversos daqueles que encontramos na região cafeicultora. Helga Iracema L. Piccolo [Abolicionismo e trabalho livre no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, UFRGS, mimeografado, 1987, p. 8] a intenção manifesta da Presidência da Província em 1848 não era, em hipótese alguma, a de promover a imigração européia com a finalidade de fornecer braços para o setor charqueador do Rio Grande do Sul (...) explícita no sentido de não permitir a criação de colônias de imigrantes em áreas vizinhas à da região charqueadora (...) essa criação só poderia ser feita, segundo ele, longe da região das charqueadas.(...) Com isso, Piccolo deixa claro que o impulso dado à imigração, no Rio Grande do Sul, não estava sendo concebido para resolver os problemas virtuais de penúria de mão de obra dos senhores de escravos (...) E não somente isso, a escravidão era interditada nas áreas das colônias. A presença de escravos nas colônias de imigrantes derivava de sua existência no período anterior (...) O sucesso econômico das colônias de imigrantes permitia a aquisição de escravos, mas as leis imperiais e provinciais interditavam o seu uso. A colonização no sul fazia-se, também, nesse sentido, em oposição à sociedade escravista. A intenção imperial explícita era a de criar uma classe de pequenos proprietários (...) o Governo Imperial incentivava o assentamento de novas relações de propriedade e de produção.[11]

            Alguns anos mais tarde, em 1874, o relatório de um outro Presidente da Província lamentava-se dessa orientação dada a imigração no Rio Grande do Sul:

(...) a exploração dos grandes prédios rurais não encontra braços que a auxiliem; o preço do salário agrícola não guarda proporção com o resultado do trabalho; (...) o sistema de colonização atualmente seguido produz, a par de todas as suas vantagens, o inconveniente de dificultara a união do capital e do trabalho, afastando os imigrantes dos estabelecimentos já criados, e convidando-os a formarem pequenos prédios rústicos (...)[12]

Resumindo as peculiaridades do escravismo no Rio Grande do Sul, transcrevemos abaixo uma longa mas esclarecedora citação do importante trabalho de Luiz Roberto Targa:

(...) a grande propriedade fundiária no sul não era agro-exportadora para o mercado mundial, mas de pecuária. Seu produto destinava-se ao próprio mercado brasileiro (...) não tornou necessária nem essencial a utilização da escravidão no pastoreio. No Rio Grande do Sul, não houve, desse modo, a sobreposição dessas duas instituições clássicas das plantations brasileiras: o escravismo e a grande propriedade. (...) na sociedade sul-riograndense, o escravismo havia ficado confinado principalmente ao setor charqueador (...) Enquanto firma escravista, a charqueada distinguiu-se de qualquer outra, pois não possuía produção de subsistência dentro da unidade de produção, o que a tornava vulnerável à contração dos preços do charque. Por fim, seu produto afetava o custo da reprodução da escravaria do Brasil e das camadas urbanas pobres, o que criou conflitos entre a classe dominante regional e as de outras regiões do Brasil. (...) E mais, foi crucial na diferenciação dos escravismos construídos no sul e nas plantations a identificação das classes fundamentais do escravismo agrário brasileiro: a dos senhores e a dos escravos rurais. (...) Ora, nenhuma dessas duas classes existiu no Rio Grande do Sul, desde que os senhores rurais foram pecuaristas e que a atividade pecuária se revelou não essencialmente escravista. Disso decorre que a classe dos escravos rurais também não existiu no Brasil meridional. As classes fundamentais do escravismo gaúcho foram outras: a dos proprietários e a dos escravos das charqueadas. (...) as concepções e a prática que cercaram a imigração foram fundamentalmente diversas na região do café e no Brasil meridional. Na primeira, os imigrantes vieram tomar o lugar dos escravos na produção, enquanto no sul eles foram encarregados de criar uma nova sociedade totalmente à parte da sociedade escravista e onde o trabalho escravo era legalmente interditado. (...) Em São Paulo, houve uma relação de causa e efeito entre a abolição da escravidão e a imigração, pois, num primeiro momento, a escravidão fizera fracassar a imigração. Totalmente outra foi a relação no Rio Grande do Sul, onde o desenvolvimento da imigração asfixiou o escravismo (...) na região cafeicultora, a abolição da escravidão e a substituição do trabalho escravo pelo livre tocava o próprio coração da produção e da sociedade regional, enquanto no sul ele afetava um setor entre os três que existiam: o pecuário, o colonial e o charqueador. No sul, o setor escravista da sociedade e da produção não estava no centro, mas ao lado, e, assim, ele ficou relativamente isolado com seus problemas.[13]

2.1.3. - A ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E A FORMAÇÃO DO PROLETARIADO GAÚCHO

            Tendo em vista que a atividade produtiva historicamente predominante no Rio Grande do Sul era a pecuária - à qual se ligava o setor charqueador - se poderia pensar que a origem do capital industrial na economia gaúcha viesse daí. Realmente, a pecuária e as charqueadas possibilitaram uma relativa acumulação de capital, mas os dados empíricos demonstram que esses capitais quase não foram transferidos para as atividades industriais.

            Diante deste fato, é bastante difundida a “lenda” de que a origem da indústria gaúcha estaria nos capitais acumulados pelos pequenos proprietários das colônias agrícolas de imigração[14], e na lenta transformação do artesanato, a eles ligado, em produção industrial. Só que:

Se é inegável a grande importância que tiveram os imigrantes no processo de industrialização do Estado (...) não é menos verdade que entre esse artesanato e a indústria de fato houve uma separação bem nítida. (...) O artesanato (...) jamais teve dinamismo suficiente para transformar-se, gradualmente, em indústria. (...) E a maior parte do artesanato (...) foi destruída pelo desenvolvimento comercial que deu aos colonos acesso a produtos importados (...) deixou espaço para que surgisse a indústria propriamente dita. (...) ao invés do artesanato ter gerado a indústria, foi o aniquilamento daquele que propiciou o surgimento desta.[15]

            Na verdade - e os pesquisadores são hoje mais ou menos unânimes nessa questão - a acumulação de capitais para a indústria no Rio grande do Sul se deu, fundamentalmente, entre os imigrantes, mas não a partir dos pequenos agricultores ou artesãos, e sim a partir do capital comercial, principalmente de imigrantes alemães:

Entretanto, todo este desenvolvimento da agricultura colonial alemã não veio beneficiar diretamente o pequeno proprietário, mas sim aquele que realmente acumulava capital através das atividades de abastecimento do mercado interno: o comerciante (...) o comerciante alemão foi o elemento que se destacou no mundo colonial. Lucrava sobre a produção agrícola mediante a diferença obtida pelos produtos na colônia e em Porto Alegre; lucrava com o transporte das mercadorias da colônia à capital e da capital à colônia; lucrava ainda com as operações financeiras de empréstimos e guarda de dinheiro (...) É possível observar sua marcha ascensional em termos de acumulação de capital, desde a venda rural até a constituição de grandes casas de comércio de importação e exportação (...) aplicando capital não só na indústria como em empresas de navegação, bancos, companhias de seguros, loteamentos, hotéis.[16]

            Ao tratar do mesmo tema, SILVA - abordando a questão da origem do capital dos imigrantes - procura responder se o mesmo decorreu de uma acumulação local ou prévia:

(...) as populações que aqui aportavam não deveriam ser formadas, em grande parte, por integrantes da pequena burguesia ou outras camadas intermediárias, e sim por ex-camponeses expropriados de suas terras ou por operários mal empregados ou desempregados (...) não poderiam ter trazido para o Rio Grande qualquer capital mais significativo. Entretanto, em alguns casos, aqui chegavam imigrantes detentores de um capital previamente acumulado. O “burguês” imigrante é identificável facilmente quando o tempo que decorre entre a sua chegada e o início de sua atividade empresarial é pequeno (...) Enquadrava-se nesta situação J. Becker, que chegou no Rio Grande do Sul em 1854 e já em 1856 iniciava sua fundição em porto Alegre; de L. Hädrich, que também gastou somente dois anos entre sua chegada e o estabelecimento de uma fábrica de máquinas em Novo Hamburgo; de E. Neugebauer que se estabeleceu com uma fábrica de doces em Porto Alegre, em 1891, e ainda de Emerich Berta, J. Wallig e Mernak, na metalurgia e mecânica, e de Kessler e Teichmann na indústria de chapéus. Estes e alguns outros exemplos, contudo, não constituíam a maioria da industrialização gaúcha, não podendo ser considerados típicos no processo de acumulação do capital industrial no Rio Grande do Sul.[17]

            Mas, o imigrante não forneceu só o capital inicial para a industrialização gaúcha. Ainda foi a origem da mão-de-obra livre para essas indústrias[18] De fato, com o passar dos anos, e com a crescente subdivisão da propriedade colonial, esta começou a liberar crescentes excedentes populacionais, que não tinham mais como ser absorvidos no trabalho agrícola. Serão, portanto, esses filhos de imigrantes, com certa qualificação técnica, que irão formar boa parte do nascente proletariado gaúcho.

Também não pode ser desprezado o papel desempenhado pelos pequenos proprietários coloniais na dinamização da incipiente industrialização, através da criação de um próspero mercado para os seus produtos:

Na consideração do mercado interno gaúcho, há um elemento que se destaca, não só por seu caráter específico, como também pelo papel que desempenhou em sua dinamicidade: a imigração alemã e italiana. Formando áreas de produção agrícola que tinham como unidade produtiva a pequena propriedade, ela marcou profundamente a formação e a potencialidade do mercado gaúcho, dotando-o de uma parcela maior de população com médio poder aquisitivo. O imigrante possuía um poder de compra bem maior do que o daqueles que, radicados em outras regiões do País, se integraram à massa assalariada do campo e da cidade.[19]

Por fim, a partir da década de 40, as colônias alemãs já haviam ultrapassado a fase da agricultura de subsistência e começaram a fornecer produtos alimentícios para o mercado regional, especialmente Porto Alegre, garantindo o abastecimento da crescente população urbana. A partir dos anos 70, essa agricultura comercial já será capaz de abastecer em inúmeros produtos o mercado interno nacional, dinamizado pelo café.

Todas essas particularidades influenciaram de uma forma significativa a transição para uma economia capitalista no Rio Grande do Sul, onde

não foi dos charqueadores que surgiram os empresários industriais, nem dos escravos que surgiram os operários (…) diferença fundamental em relação a São Paulo. Nesta última região, pelo menos alguns dos capitalistas industriais importantes que surgiram após a abolição da escravidão provinham da classe dos cafeicultores. Outro foi o caso no Rio Grande do Sul, onde essa fração da classe dominante regional [escravista] não forneceu quadros de capitalistas industriais e onde praticamente todos os grupos industriais que se formaram tiveram origem nas famílias de imigrantes - não obrigatoriamente, é claro, nas dos pequenos proprietários - assim como foram as populações de imigrantes que forneceram grande parte dos contingentes que formaram a classe trabalhadora sul-riograndense.”[20]

2.1.4. - O CONTROLE DO PODER POLÍTICO

            No Rio Grande do Sul - desde meados da década de 70 até a proclamação da República - deteve o poder do Estado o Partido Liberal, liderado por Gaspar Silveira Martins, e integrado basicamente pelos estancieiros da região da campanha.

Mas, o final do século XIX assistia a decadência da charqueada e da pecuária da campanha. O setor agrícola colonial tornava-se cada vez mais o setor dinâmico da economia e surgiam novos atores sociais - como a burguesia comercial e a incipiente burguesia industrial. Só que o setor pecuarista continuava hegemônico, não abria espaços para os demais setores e negociava com o Império unicamente os seus interesses.

Na medida em que os partidos políticos do Império não conseguiam representar esses interesses emergentes, abriu-se um espaço para o surgimento de uma nova alternativa política: o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) transformou-se, no Rio Grande do Sul, nessa alternativa, sendo formado por setores descontentes do latifúndio pecuarista (liberais ou conservadores) em aliança com setores médios urbanos. Procurou incorporar setores do colonato, além de comerciantes e industriais. Assumiu o positivismo como ideologia - que tinha larga penetração nas Forças Armadas brasileiras - e aproximou-se do exército. Em última análise, a proposta do PRR apontava para o desenvolvimento capitalista do Rio Grande do Sul:

No campo econômico, o positivismo apresentava uma série de idéias-força que visava derrubar as barreiras que obstaculizavam a expansão capitalista, particularmente justificando-a em suas etapas iniciais. Nesse contexto, o PRR passa a congregar industriais, comerciantes, financistas, exportadores e parte dos produtores rurais, especialmente os pecuaristas do planalto (anteriormente não representados na estrutura do poder). Classes médias urbanas e pequenos agricultores da serra também integravam com menor peso político esse partido. O PRR administrava o conjunto desses interesses dentro de uma estratégia de desenvolvimento e reprodução do capital, parecendo estar acima da sociedades e de cada interesse particular. Como afirma Pedro Fonseca, há uma nítida convergência entre positivismo e revolução burguesa, como corolário de uma transição conservadora numa sociedade onde a escravidão recém havia sido abolida. O resultado de tal postura é que a economia gaúcha durante a Primeira República transita da especialização pecuária à crescente diversificação, tornando o estado o celeiro do Brasil. Segundo Antonio Barros de Castro, trata-se do “único caso bem sucedido de desenvolvimento para dentro”. Mas isso só foi possível contendo-se politicamente a poderosa oligarquia pecuarista da campanha. Daí o “sentido” do autoritarismo do regime, que se autodenominava ditadura científica..[21]

Com a proclamação da República, o PRR - liderado por Júlio de Castilhos - ascende ao poder, marginalizando a oligarquia liberal amplamente dominante. Para manter o poder, fortalece o aparato repressivo do Estado - criando a Brigada Militar - e impõe a Constituição de 1891, autoritária e centralizadora. Os antigos liberais respondem com a Revolução Federalista de 1893, que só é vencida em 1895, em grande parte pela ação decisiva da recém criada Brigada Militar e dos Corpos Provisórios. Mas, pela própria violência e barbarismo da luta, as classes dominantes ficarão irremediavelmente cindidas. Cisão que só será superada por Vargas, no final da década de 20. Ao contrário do resto do país, no Rio Grande do Sul não vigora o partido único estadual, e surge “uma evidente clivagem entre situação e oposição, sendo esta última organizada e com nítido perfil ideológico.”

            Como não podia deixar de ser, tudo isso terá importantes conseqüências para as lutas da classe operária nos anos seguintes.

2.2 -    Primeiras organizações, correntes hegemônicas e principais lutas do movimento operário
            na virada do século

            Em que pese a tardia industrialização, e a persistência da escravidão até 1888, já a partir dos anos 50 do século passado, são criadas no Brasil as primeiras entidades de trabalhadores e surgem suas primeiras lutas. Assim, Linhares nos dá a notícia da fundação, em 1856, da “Sociedade Beneficente dos Cocheiros” e, em 1858, da “Associação Protetora dos Caixeiros”. Da mesma forma, nos relata as greves dos tipógrafos, em 1858, dos trabalhadores da Estrada de Ferro Pedro II, em 1863, e dos Caixeiros, em 1866, todas no Rio de Janeiro.[22] Inicialmente, predomina nessas entidades - mas não de forma absoluta - o caráter assistencialista, e recreativo. Essa primeira fase “mutualista” do movimento operário estende-se até o final dos anos 80, quando passam a se desenvolver as organizações de “resistência” - sindicatos, ligas e uniões operárias - inicialmente sob preponderância social-democrata e com a preocupação de criar um partido operário - segunda fase - logo sob hegemonia anarco-sindicalista - terceira fase. Apesar dessas profundas transformações, as organizações mutualistas continuam a manter a sua importância até meados da segunda década deste século.[23]

            Nos primórdios, os principais palcos da ação proletária no Rio Grande do Sul são as cidades de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, principais centros operários do Estado.

Em Porto Alegre, surge, em 1877, a “Sociedade Operária de Mútuo Socorro e Beneficência Vitorio Emanuele II” , organizada por imigrantes italianos, com participação de alguns brasileiros. Em 1880, o “Instituto dos Artífices”. Em 1882, é criado o “Clube Caixeral Porto-Alegrense” - que já em 1884 conquista a Lei de fechamento de portas, obrigando os comerciantes a darem folga aos seus empregados nos domingos. Seu fundador, Ernesto Silva - balconista de farmácia - já em 1874 escrevia no primeiro jornal operário do Rio Grande do Sul - O SOCIAL - e em 1878 em O CAIXEIRO, denunciando a situação de sua classe Após a criação do “Clube Caixeral”, Ernesto passa a editar O ATLETA, porta-voz dos balconistas da cidade. Também em 1882, é fundada a “Associação de Socorros Mútuos - Pecúlio dos Empregados da Diretoria-Geral da Fazenda Provincial”. Em 1885, temos notícia da criação do “Musterreiter”, entidade que alguns anos mais tarde se transformaria na “Associação Sul-Riograndense dos Viajantes Comerciais”. Em 1888/89, surge a “Associação Beneficente União Operária”, manipulada pela classe patronal.[24]

Em 1890, é fundado o Partido Operário do Rio Grande do Sul. Seu Programa defende o Socialismo e a República: o sufrágio universal e as mais amplas liberdades democráticas; o ensino integral, secular e profissional; o fim do direito a herança; a emancipação da mulher; etc.[25] O surgimento desse partido se dá no contexto da proliferação de partidos similares em todo o País:

A formação partidária que se diz socialista aparece somente depois de 1890, isto é, na República. (...) seus dirigentes, com exceção, não são de origem proletária, mas pequeno-burguesa e a maior parte é brasileira, ao contrário das lideranças sindicais. (...) a soma de Partidos é espantosa para a época. Temos um Partido Operário do Rio Grande do Sul (1890); Partido Operário ou Partido Socialista Brasileiro, do Distrito Federal (1890); Partido Operário de São Paulo (1890); Partido Operário no Brasil, do Distrito Federal (1892); Centro Operário da Bahia (1894); Partido Operário Socialista, do Distrito Federal (1895); Centro Socialista de São Paulo (1896); Partido Democrático Socialista, de São Paulo (1896); Partido Socialista do Rio Grande do Sul (1897); Partido Socialista Brasileiro, de São Paulo (1902); Partido Operário Socialista, do Distrito Federal (1909).[26]

Alguns desses partidos chegaram a ter “repercussão” internacional. Referindo-se ao “Partido Socialista Brasileiro”, fundado por França e Silva, Kautski envia uma carta a Engels, dizendo:

(...) envio-te anexo um jornal que me remeteram do Rio de Janeiro. Contém um artigo sobre o Partido Operário brasileiro e seu programa. Lamentavelmente não sei português, e portanto, só posso adivinhar aqui e ali algo de seu conteúdo. Talvez te interesse o artigo. Talvez, se valesse a pena, Ede [Eduardo Berstein], que também é poliglota, poderia fazer uma nota com esse material. Já mencionei uma vez o movimento brasileiro, em uma informação baseada em um jornal alemão de São Paulo.[27]

Engels responde: “Dei a Ede o jornal brasileiro, mas disse-lhe que a importância destes partidos sul-americanos está sempre na razão inversa das demonstrações ruidosas de seus programas (...)”.[28]

Segundo PETERSEN, ao Centro do Partido Operário de São Paulo “está relacionada a primeira comemoração localizada do 1º de Maio no Brasil, em 1891.”[29] No ano seguinte, o médico e jornalista anarquista Francisco Colombo Leoni, natural da Itália, funda em Porto Alegre o jornal L’AVENNIRE e promove a primeira comemoração pública do 1º de Maio em Porto Alegre, reunindo um grupo de operários e para eles discursando na Praça da Alfândega.[30] Esse ato em Porto Alegre é anterior ao 1º de maio de Santos, que - segundo alguns autores - teria sido a primeira comemoração desta data no Brasil[31]

Os socialistas de São Paulo e do Rio Grande do Sul merecem uma referência especial no livro Le Socialisme et le Congres de Londres, editado na capital inglesa no ano de 1897: “No Brasil o socialismo encontra-se em estado embrionário. Cresce mais na Província do Sul, São Paulo e Rio Grande do Sul, graças à imigração italiana e alemã. Em Santos (SP) existe a União Operária, um partido operário social-democrata.”[32]

No Rio Grande do Sul, em 1895, é criada a “Allgemeiner Arbeiterverein” - Associação Geral dos Trabalhadores - por iniciativa de imigrantes sociais-democratas alemães comprometidos com o programa do Partido Social-Democrata Alemão. Cabe a ela, em 1896, comemorar pela primeira vez o 1º de maio em Porto Alegre. Também em 1895, Francisco Xavier da Costa funda em Porto Alegre a “Liga Operária Internacional”. Sob a sua influência, são formadas “Ligas” em Rio Grande, Pelotas, São Leopoldo, Cachoeira do Sul, Taquari e São Gabriel. Em 1896, é fundado e editado por Lucídio Prestes - 1º secretário da “Liga Operária Internacional” - o semanário socialista O PROLETÁRIO. Em 1897 e 1898, a “Liga” e a “Allgemeiner” organizam conjuntamente as comemorações do 1º de maio. Em 1896, José Rey Gil e José Ferla - dirigentes  da “Liga” - fundam a “Sociedade Tipográfica Riograndense”, em Porto Alegre. No mesmo ano surge a “Cooperativa Tipográfica de Porto Alegre”, de breve duração. Em 1897, a “Allgemeiner” e a “Liga Operária Internacional” jogam papel determinante na criação do Partido Socialista Riograndense, cujo programa é divulgado em português e alemão.[33] Além do Socialismo e da “República Democrática Social”, o partido propõe o voto universal, inclusive para as mulheres, e as mais amplas liberdades; instrução geral e profissional gratuita para os filhos das classes pobres; redução dos exércitos permanentes; assistência médica gratuita; imposto gradual e progressivo sobre heranças e fortunas; jornada de 8 horas, proibição do trabalho para menores de 14 anos e jornada de 5 horas para os de 14 a 18 anos; etc.[34]

Na cidade portuária de Rio Grande, a primeira sociedade operária que surgiu foi a “Liga Operária”: “Os seus princípios baseavam-se na união dos operários para a defesa dos seus interesses de classes, mas tudo esperando dos poderes constituídos (...) como aconteceu com a célebre lei das cadernetas e vassoura para os criados e desocupados em 1890 e 91.”[35] Depois, foi criado o “Centro Operário”, formado na sua maioria por operários das fábricas de tecidos Rheingantz, manipulado pelos patrões. Em 1892, é criada a “União do Trabalho”, sob forte influência da colônia alemã ali radicada, e que para alguns estudiosos marca a passagem para a fase de predomínio social-democrata no sindicalismo gaúcho. Em fins de 1893, os socialistas de Rio Grande fundam a “Sociedade União Operária”, que em 1896 passa a publicar o jornal semanal o ECHO OPERÁRIO. Por ocasião da sua instalação, em 1º de maio de 1894, a “União Operária” realizou um ato comemorativo à data universal dos trabalhadores. A “União Operária” chega a ter mais de mil sócios. Logo após a sua fundação, a “União Operária” participou da greve dos empregados da estrada de ferro, saindo-se vitoriosa.[36] Em 24.10.1897, o ECHO OPERÁRIO afirmaria: “os operários vão-se, pouco a pouco desenganando da mistificação dos partidos burgueses para com eles, e não vão consentir que inimigos seus e dos seus interesses sejam eleitos com o seu voto. Assim que os operários se convencerem disso, a União Operária terá um partido e as câmaras verão representantes socialistas.”[37]

Nas eleições realizadas em setembro de 1898, para preencher uma vaga de Conselheiro Municipal em Rio Grande, o Partido Socialista, recém fundado, lançou o nome do jornalista Rodolpho José Gomes. Vencedor, apesar do boicote dos partidos tradicionais, teve a sua eleição anulada pelo governador do Estado, João Abbot. Em 1898, também é fundado em Rio Grande o “Grêmio dos Jornalistas”.

Em Pelotas, já em 1878 temos notícia da existência do jornal O TRIBUNO SOCIALISTA. Em 1880, é criada a “Associação Beneficente das Classes Laboriosas”. Em 1887, os fabricantes de calçados de Pelotas - em choque com o Gabinete João Alfredo, que havia criado uma tarifa que os prejudicava - formam o “Congresso Operário”, entidade que logo se transformaria na “Liga Operária”, até se reduzir a uma mera sociedade recreativa. Em 1889 é criada a “Associação dos Jornalistas de Pelotas”. Em 1892, começa a ser publicado o periódico O OPERÁRIO - de orientação socialista - e, em 1893, o semanário DEMOCRACIA SOCIAL.[38]. Esse jornal trazia em epígrafe à direita, abaixo do seus título, a frase “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” e a respectiva autoria “Karl Marx”. Em sua edição de 09.07.1893 - depois de denunciar a “revolução” de 93 como uma luta entre frações da mesma oligarquia estancieira - afirmava com grande lucidez política:

Este estado de coisas não se mudará enquanto não aparecerem outros partidos, embora burgueses, como, por exemplo, um partido agrícola ou industrial, que entre em combate com a nossa burguesia criadora da vaca. Mas não há esperanças que a agricultura ou a indústria sejam capazes de se levantar tanto, para poder formar partidos, pois são também embrionárias. Só resta uma classe do povo que, pelo número, podia enfrentar estes partidos e esta política. O povo que trabalha, que é explorado e sacrificado, o verdadeiro povo. (...) o povo há de se compenetrar da sua situação, há de compreender os seus interesses, há de formar um partido verdadeiramente democrático, um partido que possa contestar a pretensão desta burguesia da vaca de ser em si o estado, um partido que possa pôr em questão o direito divino que esta classe tem e exerce no monopólio dos bens da natureza, do Solo, do efeito do sol e da chuva e de acumulação do povo, etc. É só quando o povo se compenetrar dos seus interesses, quando o povo se organizar para a resistência, formando um partido forte democrático (...) poderemos ver a confraternização destes dois partidos. Inimigos tão ferozes hoje e no entanto carne da mesma carne e osso do mesmo osso. Então, unidos para nos combater, dirão enfaticamente: Temos de defender a santíssima causa da propriedade.[39]

Entre 1890 e 1893, ocorrem em Pelotas as três primeiras greves do Rio Grande do Sul. A primeira delas, em abril de 1890, realizada pelos tipógrafos, pleiteando melhorias salariais. A segunda greve - do dia 7 ao dia 9 de agosto de 1993 - foi deflagrada pelos chapeleiros, exigindo aumento de salários. Os grevistas conquistaram as suas reivindicações. Em outubro deste mesmo ano, foi a vez dos carroceiros fazerem uma greve geral pelo aumento dos preços dos fretes, também vitoriosa. Em 1998, ocorreu nova greve em Pelotas, desta vez dos trabalhadores do Centro Telefônico, contra a dispensa de um colega de trabalho.

Em 1883, em Garibaldi, por iniciativa de imigrantes italianos, fora criada a “Sociedade Operária de Mútuo Socorro Stella D’Itália”. Em 1885, surgiu em Cachoeira do Sul O FAROL, porta-voz dos comerciários e, em 1886, foi fundado o “Clube Caixeiral Cachoeirense”. Em 1895, em Quaraí é fundado o “Clube União Caixeral” - agregando patrões e empregados - e em 1896 a “Sociedade União Operária Beneficente”, cujo porta-voz será o jornal O AMADOR. Em 1898, é fundada a “União Operária” de Bagé.

O ano de 1898 é marcado por um importante acontecimento: a realização nos dias 1 e 2 de janeiro do I Congresso Operário Sul-Riograndense. Participam, entre outros: a “Sociedade Mútua Proteção” de Alegrete; a “Liga Internacional” de Porto Alegre; a “Liga Internacional de São Leopoldo; o “Clube 1º de Maio” da Margem; a “União Operária” de Cruz Alta; a “Cooperativa Tipográfica” de Porto Alegre; a “Liga Operária Cachoeirense”; a “Allgemeiner Arbeiterverein”; a “Sociedade Tipográfica Riograndense”; o “Grupo Libertários”; a “Floresta Aurora”. Os delegados de Pelotas e Rio Grande não chegaram a tempo para o Congresso devido ao encalhe do barco Mercúrio, a bordo do qual se deslocaram para Porto Alegre. As principais resoluções do Congresso foram: criação de ligas operárias de resistência em todo o Estado, confederadas entre si; de câmaras de trabalho nas sedes sociais para a colocação de trabalhadores desempregados; de bibliotecas nas sedes sociais; de escolas nas sedes sociais; aplicação da boicotagem como arma de luta econômica; defesa do socialismo; esforço para a publicação de um jornal das associações operárias confederadas; eleição da omissão central da “Confederação Operária Sul-Riograndense”, cujo primeiro nome era o de Francisco Xavier da Costa. No Congresso, foi lido e vivamente aplaudido o seguinte telegrama procedente de Alegrete, assinado por 10 pessoas: “Viva o Socialismo Científico!”[40]

Em 06.05.1896, o jornal republicano A FEDERAÇÃO publica em francês a letra do hino “A Internacional”.[41] O final do século foi marcado, ainda, pelo florescimento cultural do movimento operário, através da multiplicação da imprensa operária, o teatro, a música, a literatura social, o ensino:

O florescimento da imprensa operária socialista nos anos finais do século XIX e iniciais do XX foi inegável; encontrou-se referência aos seguintes jornais: L’AVENNIRE (1892), A GAZETINHA (1891, sem ser um jornal operário, veiculava as notícias socialistas), L’OPERARIO ITALIANO (1893), O PROLETÁRIO (1896), A VOZ DO OPERÁRIO (1899), AVANTE (1901) e a VOZ DOS OPPRIMIDOS (1903), todos de Porto Alegre. Em Pelotas foram publicados O TRIBUNO SOCIALISTA (1878), O OPERÁRIO (1892) e a DEMOCRACIA SOCIAL (1893). Em Rio Grande, o ECHO OPERÁRIO (1896), a RAZÃO (1895?). Finalmente, sem que com ele se esgote uma relação que provavelmente seria bem mais ampla, indica-se O SOCIAL (1897), de Alegrete. O teatro também foi um instrumento de formação cultural e política (...) Em Porto Alegre aparecem citados o Grupo Dramático Operário (1897) e o Grêmio Dramático Xavier da Costa (1909); em Rio Grande, a União Operária fundou o seu Grêmio Lírico Dramático em 1902.[42]

Nesta segunda fase do movimento dos trabalhadores - que se estende até o final da primeira década deste século - predomina de forma clara a vertente social-democrata[43], onde destacam-se os jornais AVANTE (1901) e DEMOCRACIA (1905).

Mas já desponta uma crescente participação anarquista no movimento. O crescimento desta tendência no Rio Grande do Sul parece estar ligado à dissolução no Paraná, nos anos 1895-1896, da Colônia Cecília, formada por anarquistas italianos. Em Porto Alegre, os anarquistas fundam o jornal A LUTA (1894) e o “Grupo de Estudos Sociais”. No I Congresso Operário do Rio Grande do Sul, em 1898, eles participam através do “Grupo Libertários”. Nesse Congresso começam a se aguçar as divergências entre os sociais-democratas - cujo principal expoente era Xavier da Costa - e os anarquistas. Em outubro de 1898, Xavier da Costa se demite da presidência da “Liga” por divergências com José Rey Gil e outros membros da sua direção. Este assume a direção da “Liga”, que passa a editar o jornal A VOZ DO OPERÁRIO (1899). A “Liga” não resiste aos rachas e pouco tempo depois desaparece. Rey Gil se converte ao anarquismo e passa a disputar com Xavier da Costa a hegemonia no movimento operário gaúcho.

Os primeiros anos do século XX vêem surgir um grande número de novas entidades de classe. Em 1901 é fundada em Porto Alegre a “Associação dos Sapateiros”, entidade de resistência e auxílio mútuo. Em 1905, a “União dos Metalúrgicos” de Porto Alegre, que inicialmente funcionou na sede da “Allgemeiner”. Neste mesmo ano, surge a “Sociedade da Resistência Padeiral”, que em 1906 se transforma na “União dos Empregados em Padarias” e em 1913 assume o nome de “Sindicato dos Padeiros”. Dando mostras de sua combatividade, esta categoria realizou oito paralisações entre 1890 e 1919. Ainda em 1905, é criada a “União dos Trabalhadores em Madeira”, filiada a FORGS. O período que vai de 1903 a 1909 é marcado por um ascenso de greves e mobilizações em todo o país: greve dos carroceiros no Rio de Janeiro (1903), greve dos ferroviários paulistas (1905), greve dos portuários de Santos (1905); agitações e mobilizações de apoio à revolução russa de 1905 e contra a execução de Ferrer na Espanha (1909).

Em 1905, Xavier da Costa cria o “Grêmio de Artes Gráficas e Correlatas” no lugar da antiga “Sociedade Tipográfica Riograndense”. Como resposta, em outubro de 1906, os anarquistas, sob a liderança de Rey Gil, fundam o “Sindicato dos Gráficos” que, em novembro de 1907, transforma-se no “Sindicato Tipográfico”. Em 1905, os anarquistas fundam a “União Operária Internacional”, com o objetivo de preencher a lacuna deixada com o desaparecimento da “Liga Operária Internacional” e para contrabalançar a influência da nascente “Confederação Operária Sul-Riograndense” dirigida por Xavier da Costa, de orientação social-democrata. A primeira diretoria da “União” era composta por socialistas e anarquistas, mas estes predominaram de forma absoluta desde o início.[44]

Como uma reação à “União Operária Internacional”, recém criada por Rey Gil, e visando dar uma maior organicidade ao movimento operário gaúcho, Xavier da Costa e seu grupo socialista fundaram, em setembro de 1906, a “Federação Operária do Rio Grande do Sul” (FORGS), que veio a substituir a extinta “Liga Operária Internacional” e a efêmera “Confederação Operária Sul-Riograndense”. Os anarquistas ou foram alijados da sua fundação, ou preferiram dela não participar por divergências políticas. Em poucos anos a FORGS tornou-se o mais importante órgão de representação dos trabalhadores do Rio Grande do Sul. Ainda em 1906, Xavier da Costa lidera a criação do “Clube de Imprensa Operária” - porta-voz da fração socialista da FORGS - do qual, anos depois, surgirá o Sindicato dos Jornalistas de Porto Alegre. A partir de 1906, o “Clube” passou a editar o jornal A DEMOCRACIA (que havia sido criado em 01.05.1905 por Xavier da Costa) e, a partir de 1908, o AVANTE.

Em 1905, e fundado o Partido Operário Riograndense - tendo a sua frente lideranças da “Allgemeiner” e Francisco Xavier da Costa. O Partido Operário reclama da República “um lugar ao sol” para o proletariado, cita Marx e ameaça com a “violência dos usurpados”:

A inevitável reorganização social já se prenuncia na Europa, onde para efetuá-la, os proletários, precursores do advento da Justiça, vão passando da ação apenas doutrinária à luta armada, obrigados a responder a violência dos usurpadores com a violência dos usurpados. (...) O quarto estado precisa, deve e há de fazer valer os seus direitos, influindo no governo! É mister que ele seja emancipado, porém não esqueçamos que, conforme os ensinamentos do grande mestre Carlos Marx, “a emancipação do proletariado deve ser obra dele mesmo.” (...) Habilitemo-nos todos para enfrentar com nossos dominadores no terreno político, que é onde eles se firmam e de onde dificultam os meios para a nossa emancipação; qualifiquemo-nos eleitores e concorramos, dispostos, aos prélios eleitorais; urge derrocar o principal reduto dos adversários de nossa classe![45]

Em seu Programa, o Partido Operário Riograndense propõe, entre outras coisas, jornada de 8 horas, construção de moradias para os trabalhadores, decretação de um Código de Trabalho discriminando direitos e deveres mútuos de patrões e operários, proibição do trabalho em oficinas para menores de 15 anos, sistema previdenciário para os casos de morte ou invalidez, imposto progressivo sobre as altas rendas, educação obrigatória dos 8 aos 15 anos, direito de greve, ampliação das liberdades democráticas e do direito de voto.[46]

Em abril de 1906, por iniciativa da Federação Operária Regional do Rio de Janeiro, realiza-se no Rio de Janeiro o 1º Congresso Operário do Brasil. Aberto no dia 15, o mesmo prolonga-se até o dia 20 de abril. Participam cerca de 40 entidades de trabalhadores do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Minas Gerais. “União Operária” é a única entidade gaúcha presente. Os anarquistas, apesar de não serem a maioria, por sua grande combatividade dominam o plenário e conseguem aprovar a maioria de suas teses:

cabe observar que mesmo no Congresso Operário de 1906 manifestou-se uma forte corrente favorável à formação de um partido político operário; mas a corrente anarco-sindicalista predominou ali de maneira irredutível, com o seu visceral preconceito “antipolítico”. Nasceu, assim, em vez de um partido a COB (...) Escaparia ao plano deste trabalho aprofundar o exame das causas de semelhante fato. Parece claro, porém, que ele se deve principalmente à própria estrutura econômica semifeudal do País e, em conseqüência, à própria formação do proletariado nacional, aliás, quase todo de imediata origem camponesa e artesanal, inclusive o que provinha de correntes imigratórias, facilmente influenciável pela ideologia pequeno-burguesa do anarquismo. (...) o espírito de revolta reinante nas massas de trabalhadores - e produzido, obviamente, pelas duras condições de trabalho a que eram sujeitos - viria a favorecer entre nós o surto do anarquismo, uma vez que o socialismo, confuso e vago socialismo, se apresentava aqui quase sempre sob as vestes do mais frouxo reformismo, que apenas de nome ouvira falar de Marx e do marxismo. O que é fato é que o anarquismo, sobretudo em sua forma anarco-sindicalista, predominou no movimento operário brasileiro durante os anos que vão de 1906 a 1920. Isto não quer dizer que todo o movimento operário e sindical estivesse debaixo da influência absoluta do anarquismo. Havia muitas associações operárias de tipo reformista, beneficente e mesmo de resistência (...) que nunca ou raramente aceitaram a orientação anarquista.[47]

A partir daí, abriu-se um longo período de influência do anarco-sindicalismo, radicalmente antipolítico. O I Congresso Operário aprovou a formação da “Confederação Operária Brasileira”, com sede no Rio de Janeiro - que só se constituirá em 1908 - e a criação do jornal A VOZ DO TRABALHADOR. Suas principais decisões: que a luta política partidária seja mantida fora dos sindicatos; que só sejam aceitos na COB os sindicatos de trabalhadores assalariados que tenham por objetivo central a resistência; luta pela jornada de 8 horas; denúncia da guerra e do militarismo; comemoração pública do 1º de maio. Nesse ano de 1906, registra-se a existência do jornal La Parola dei Socialisti, editado pelo “Círculo Karl Marx” de São Paulo.[48]

Em outubro de 1906, foi deflagrada em Porto Alegre a chamada “Greve dos 21 dias”, que acabou conquistando uma vitória parcial na dura luta pela redução da jornada de trabalho. O movimento começou em 4 de setembro de 1906 com a greve dos marmoristas, dirigida pelos anarquistas, que pleiteavam a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Logo no seu início, os operários organizam o “Sindicato dos Marmoristas e Anexos” e lançam um manifesto ao conjunto dos trabalhadores da cidade pedindo a sua adesão à luta pela jornada de 8 horas. O chamamento repercute profundamente entre os trabalhadores da cidade. Poucos dias depois, os pedreiros declaram-se em greve geral. Sucessivamente, somam-se à greve os metalúrgicos, os carpinteiros, os marceneiros, os tecelões, os pintores, os alfaiates, os estivadores, os correeiros. Depois de oito dias a paralisação dos serviços industriais de Porto Alegre era quase total. Perto do final do movimento, os comerciários também aderiram à greve. No processo da luta, foram formadas a “Federação Operária do Rio Grande do Sul” (FORGS) - que assume a direção do movimento - a “União dos Pedreiros” e a “União dos Chapeleiros”. Ao todo, segundo relatório da FORGS, foram 9.000 trabalhadores que paralisaram suas atividades em Porto Alegre nesta greve. Atemorizados, os patrões propuseram a redução da jornada de trabalho para 9 horas:

(...) foi firmado um acordo pelo qual era fixada para todo o proletariado a jornada de 9 horas de trabalho. Até então a jornada era de 9, 91/2, 10, 101/2 e 11 horas de trabalho. Os marmoristas, porém, não se conformaram com esse acordo e continuaram em greve (...) finalmente venceram e foi para eles estabelecido o horário de 8 horas.”[49]

Entre 1906 e 1910, refletindo de certa forma a orientação reformista da II Internacional, os socialistas gaúchos passaram a adotar uma orientação cada vez mais conciliadora na luta de classes e assumir uma política de aproximação ao Partido Republicano Riograndense - que acenava com a falácia positivista da “integração do proletariado à sociedade” - com o objetivo de conquistar alguns espaços no parlamento. Os anarquistas respondem travando uma violenta polêmica contra os socialistas, através das páginas do jornal libertário A LUTA, relançado em 1906. O resultado é a crescente influência dos anarquistas no movimento operário gaúcho:

(...) essa influência vai crescendo à proporção em que cresce o comprometimento dos socialistas com a classe dominante. (...) Os socialistas (...) se jogam numa aventura: entram numa frente eleitoreira com um “racha” da Partido Republicano Riograndense e lançam o marceneiro  Luiz Leopoldo Wetter como candidato a vereador em Porto Alegre. (...) acabaram sendo usados eleitoralmente, mais uma vez, perderam, e isso afastou de sua órbita de influência uma grande massa de trabalhadores. As teses anarquistas, perante essa massa, brilharam então como verdades incontestáveis. Francisco Xavier da Costa (...) se envolve no jogo da política burguesa, perde espaço na FORGS e ... deixa o caminho aberto para  os anarquistas. Em 1910 esse “aparelho” cai nas mãos de Polidoro Santos. Para não mais ser devolvido aos socialistas. Em outubro de 1911, Xavier da Costa é expulso da “União dos Pedreiros”, perdendo sua condição de “sócio benemérito”. (...) em 1912 ele é eleito vereador pelo Partido Republicano, cargo que vai exercer por mais de duas décadas.[50]

2. 3 - A hegemonia anarquista e as grandes lutas de 1917 e 1919

A eleição de 1911 para a direção da FORGS, marca o começo da preponderância dos anarquistas no movimento sindical gaúcho, situação que perdurará até o início da década de 20, quando os comunistas começarão, paulatinamente, a restar-lhes força. Segundo o relatório da FORGS de 1913, estão filiadas à ela 14 sindicatos de Porto Alegre (2980 sócios), 2 de Rio Grande (140 sócios), 1 de Santa Maria (50 sócios), 1 de Passo Fundo (40 sócios), 1 de Montenegro (40 sócios) e 1 de Caxias (30 sócios), totalizando 20 entidades (3280 sócios). No mesmo relatório, são listadas outras 50 entidades sindicais do Estado ainda não filiadas. Dessas, 5 são de Porto Alegre, 7 de Pelotas, 6 de Rio Grande, 5 de Livramento, 3 de Santa Maria, 2 de Bagé, 2 de São Gabriel, 20 de outros municípios. O jornal oficial da FORGS é A VOZ DO TRABALHADOR. Além da orientação contrária a qualquer participação política - “contra as especulações políticas no meio operário”; “afastamento dos operários dos compromissos políticos”; “uma nova diretoria inteiramente contrária à política operária” - a nova direção da FORGS definia como o seu ideal a “implantação de uma sociedade baseada na solidariedade dos indivíduos e onde haja lugar para todos os que são úteis à coletividade”. Como meios de ação, a “organização de classes, ação direta - constantes reclamações aos patrões, greve nas suas variadas formas”.[51]

De 7 a 15 de novembro de 1912, realiza-se no Rio de Janeiro, no luxuoso palácio Monroe, o “4º Congresso Operário Brasileiro”[52], organizado e financiado pelo 1º tenente e deputado federal Mário Hermes - filho do então presidente da República, Mal. Hermes da Fonseca - com o apoio do presidente da “Liga do Operariado do Distrito Federal”, Pinto Machado. Quando a mesa diretora dos trabalhos negou o credenciamento à bancada da Federação Operária do Rio De Janeiro, dirigida pelo gaúcho Cecilio Vilar - ex-dirigente da FORGS, cujo verdadeiro nome era Humberto Martins - tanto a bancada carioca como a gaúcha retiraram-se do conclave.[53] O assim chamado “Congresso dos Pelêgos” - que reuniu “sessenta e oito elementos” - concedeu a presidência de honra da recém fundada “Confederação Brasileira do Trabalho” ao deputado Mário Hermes, pouco mais se sabendo dela desde então.

A Lei de expulsão de trabalhadores estrangeiros levou a Confederação Operária Brasileira a desenvolver uma grande campanha nacional e, no dia 20 de maio de 1913, a realizar comícios de protesto em todo o país. Entre 8 e 13 de setembro de 1913, a COB realizou o 2º Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro. Dele participaram 117 delegados, representando 2 Federações Estaduais (entre elas a FORGS), 5 Federações locais (entre elas as Federações de Porto Alegre e Pelotas), 52 sindicatos, Sociedades e Ligas e 4 Jornais. Ao todo, estiveram representadas cerca de 350 associações operárias dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Alagoas, Amazonas. O 2º Congresso aconselhou a greve geral revolucionária em caso de guerra externa, definiu o combate o cooperativismo nas entidades sindicais - por “desvirtuar os destinos reais do Sindicato” - e assumiu integralmente a orientação anarquista de combate à política.[54] Falando sobre o 2º Congresso Operário, o Presidente da FORGS - Luiz Derivi - afirmou:

C.O.B. (...) é totalmente contrária à política como elemento da luta operária. (...) O Sindicalismo baseia-se unicamente na luta econômica, excluindo toda a preocupação política (...) A intromissão das discussões políticas(...) no meio operário distraem-no das questões que verdadeiramente o interessam. O sindicalismo baseia todas as conquistas, inclusive a da liberdade, nos constantes melhoramentos econômicos da classe operária.[55]

Entre 1911 e os anos 1917-1919 - quando ocorrem grandes lutas operárias - a FORGS, sob direção anarquista, se firmou como centro dirigente do movimento operário gaúcho e desenvolveu um amplo trabalho cultural, educacional e de propaganda. Diversos novos sindicatos são organizados. Entre suas principais lutas destacam-se diversas greves por categoria do período - tipógrafos de Livramento (1911) e Santa Maria (1913), pedreiros (1911), metalúrgicos (1911), alfaiates (1911), correeiros (1911) e padeiros (1913/15/16) de Porto Alegre, entre outras - o movimento contra a carestia de 1912, a luta contra a guerra, a luta em solidariedade aos trabalhadores estrangeiros perseguidos. Em outubro de 1915, a C.O.B. realizou um “Congresso da Paz” no Rio de Janeiro, no qual o Rio Grande do Sul se fez representar.

Em que pese a forte hegemonia anarquista neste período, persiste alguma influência do antigo grupo socialista em algumas entidades sindicais. Seu porta-voz é o jornal A VANGUARDA de Porto Alegre, cuja epígrafe registra: “Órgão do Partido Socialista. Jornal de Combate”. Em sua edição de 03.10.1914, esse jornal divulga a nominata do Diretório Central deste partido e o seu candidato a deputado federal, Dr. Pereira da Cunha. Em 1908, segundo o CORREIO DO POVO de 03.09, outro Partido Operário Socialista havia sido fundado. Em 1919, o CORREIO DO POVO de 04.03 noticiará a realização de uma reunião para a criação de um Partido Socialista Operário, da qual teriam participado sócios da “União Metalúrgica”, da “Associação dos Trabalhadores em Madeira”, da “União dos Eletricistas”, da “União Operária Musical”, do “Sindicato dos Pintores”, da “União dos Empregados em Açougues” e da “União dos Tecelões”. Esse Partido Socialista Operário apoiou Ruy Barbosa para a Presidência da República nas eleições de abril de 1919.[56]

Observa-se, entre 1912 e 1916, um certo refluxo do movimento operário brasileiro e gaúcho, cujas grandes lutas só serão retomadas no ascenso de 1917-1919:

Nos anos de 1911 até 1913 passa-se por um certo refluxo, quando os desmantelamentos de sindicatos pela polícia serão acompanhados de legislação mais severa para expulsão de estrangeiros. É nesse contexto que tem lugar em 1912 o Congresso convocado pelo filho do Presidente da República. Mas também o ano seguinte assistirá a realização do II Congresso da Confederação Operária Brasileira ainda sob predomínio anarquista. Daí até 1917 uma relativa baixa do movimento grevista é acompanhada de forte mobilização contra expulsão de estrangeiros, contra a guerra e o militarismo, contra a carestia que acompanhou os anos de guerra. O ano de 1917 inaugura um novo ascenso e mesmo uma nova fase de massividade do movimento operário.[57]

Para entendermos o grande ascenso grevista de 1917 é preciso, alem das suas causas de fundo, analisar a conjuntura em que a mesma ocorreu. Miguel Bodea - em seu trabalho sobre a greve geral de 1917, no Rio Grande do Sul - afirma que “O grande movimento grevista que se alastra pelo país em meados de 1917 tem a sua causa conjuntural mais evidente no modo de inserção do Brasil na Primeira Grande Guerra (...) o País transformara-se em um grande fornecedor de gêneros alimentícios às populações civis e às tropas combatentes das nações da ‘Entente’(...).”[58] Os dados oficiais nos indicam que entre 1914 e 1917 as exportações brasileiras de gêneros alimentícios aumentaram, em média, 11 vezes. No caso da carne resfriada e do charque, esses aumentos foram de 47 e de 30 vezes, respectivamente. Já a exportação do arroz aumentou 14 mil vezes e a do feijão 21 mil vezes! As conseqüências disso foram o desabastecimento e a disparada nos preços: pelos cálculos de Bodea, entre 1914 e 1917 os preços praticamente duplicaram (82%), e entre 1914 e 1919 triplicaram (185%). A este enorme crescimento dos preços, corresponderam salários nominais fixos, o que implicou em uma piora considerável das condições de vida dos trabalhadores.

Referindo-se a essa mesma conjuntura, Dules afirma: “Os preços dos gêneros alimentícios continuaram a subir durante os seis primeiros meses de 1917. Artigos de primeira necessidade tendiam a custar de 20 a 150 por cento mais caro do que no ano precedente (...) O aumento do custo de vida foi o tema dos discursos do Primeiro de Maio de 1917.”[59] A essa situação econômica insustentável, é preciso acrescentar um razoável nível de consciência e organização por parte dos trabalhadores, sob influência anarco-sindicalista, e o impacto das primeiras notícias da Revolução da Rússia de fevereiro.

Por outro lado, para melhor compreendermos a greve de 1917 no Rio Grande do Sul, é importante fazer uma rápida análise do desenvolvimento industrial gaúcho no início deste século. Segundo o censo de 1907 - que levantou principalmente as grandes e médias empresas - o Rio Grande do Sul já se tornará o 3º Estado industrial do país, responsável por 15% da produção manufatureira, contra 16% de São Paulo e 33% do Distrito Federal. Neste mesmo ano, no Estado do Rio de Janeiro e no Distrito Federal concentrava-se 31% do total de operários, em São Paulo 14,7% e no Rio Grande do Sul 10,2%. Já em 1920 Era o Estado que possuía “a mais alta porcentagem nacional de firmas industriais de propriedade individual, o maior número de bancos controlados por capitais nacionais e o maior índice de investimentos norte-americanos (no resto do país ainda predominava o capital britânico).”

Segundo o censo de 1920, 40% da população economicamente ativa de Porto Alegre trabalhava em 1919 na indústria ou nos transportes, e 23% no comércio, mostrando uma alta concentração de “classes trabalhadoras urbanas (...) os atores principais do movimento grevista que eclodiria na capital gaúcha no final de julho de 1917.” Quanto à sua composição, é interessante notar que enquanto na cidade de São Paulo os trabalhadores estrangeiros englobavam 54,3% da mão-de-obra na indústria, transportes e comércio, em Porto Alegre eles abarcavam somente 25,3% (censo de 1920).[60] O que, entre outras coisas, se devia ao fato de que a imigração estrangeira no Rio Grande do Sul era mais antiga, e havia sido direcionada fundamentalmente para as áreas rurais do Estado, fazendo com que a maioria dos operários não fossem imigrantes e sim filhos ou netos de imigrantes.

Assim, o ano de 1917 entrou prenhe de grandes mobilizações operárias. Em 18 de abril, a Federação Operária do Rio de Janeiro realizou uma grande assembléia em sua sede, ocasião em que foi decidido o envio de uma mensagem ao Presidente da República protestando contra a eventual entrada do Brasil na guerra e sugerindo medidas contra a crise que sacrificava os trabalhadores. No dia 1º de maio, um grande massa de trabalhadores desfilou pelas ruas da capital protestando contra a carestia e pedindo paz. Ainda durante o mês de maio, irromperam diversas greves em fábricas têxteis do Rio de Janeiro, acompanhadas de comícios, passeatas e choques com a polícia. E, em julho de 1917, eclodiu em São Paulo - já então o principal centro industrial do Brasil - a primeira grande greve geral do país, que logo se estenderia para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

No dia 10 de junho, iniciou a greve dos trabalhadores do cotonifício Crespi, no bairro industrial da Mooca, na capital paulista, reivindicando um aumento de 25%. No dia 15, os grevistas realizam uma passeata pedindo a solidariedade de seus irmãos de classe e sofrem a repressão policial. Rapidamente, o movimento grevista começa a ganhar a adesão dos operários de diversas fábricas, ao mesmo tempo que generaliza-se o descontentamento entre o conjunto dos trabalhadores. No dia 28 de junho, a “União dos Operários em Fábricas de Tecidos de São Paulo” faz um apelo às “Ligas Operárias” do interior do Estado, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais para que declarem o boicote, impedindo que Crespi consiga atender às suas encomendas através de fábricas fora de São Paulo. Neste mesmo dia, outra grande manifestação operária é reprimida pela polícia montada quando se dirigia para a Praça da Sé. No dia 6 de julho , a primeira vitória: a firma Nami Jafet concede um aumento de 20% para o dia e de 25% para a noite. O movimento se estende como rastilho de pólvora e já são milhares de grevistas manifestando-se nas ruas. No dia 9 de julho a polícia dispara contra os trabalhadores e fere gravemente o operário Antonio Martínez; em seguida são fechadas as sedes de todas as “Ligas” e “Uniões” da cidade. A greve atinge quase todas as categorias industriais e de serviços e cresce a indignação proletária e os choques com as forças de repressão.

No dia 10, falece o operário Martínez e a “Comissão de Defesa Proletária” convida a população de São Paulo a acompanhar o enterro. Um “mar de gente” acompanha o cortejo fúnebre, desafiando o enorme aparato policial-militar colocado nas ruas pelo governo. Findo o enterro, uma parte da massa dirigiu-se para a Praça da Sé para ouvir os discursos de protesto; outra parte da multidão, calculada em milhares de pessoas, dirige-se para os bairros do Brás, Mooca, e Cambuci e força o fechamento das empresas que continuam trabalhando. Os dias 12 e 13 de julho foram de confronto aberto. e muitas vezes armado, entre os trabalhadores e as forças da repressão, com o surgimento de barricadas nos bairros operários. Estima-se que em torno de 75 mil o número de trabalhadores em greve. Manifestações de solidariedade chegam de todas as partes. As informações acerca de atos de indisciplina no seio das tropas preocupa as autoridades e os patrões:

Os 1º e 4º Batalhões da Força Pública tornaram-se suspeitos, pois deram-se diversos casos de ‘insubordinação’, isto é, recusa de praticar violências contra os grevistas. (...) há deserções na Força Publica e outros soldados alegam doença para não intervir na repressão contra o povo trabalhador.”[61]

No dia 13 de julho, Crespi e os demais industriais admitiram um aumento de 20% para o conjunto dos trabalhadores. Uma comissão de jornalistas se propôs a mediar o confronto. Depois de algumas negociações, os patrões - além dos 20% de aumento - se comprometeram a não despedir ninguém pela greve, respeitar o direito de associação, pagar os salários a cada 15 dias e melhorar as condições materiais e econômicas dos trabalhadores. Já o Governo, concordou em libertar os operários presos por motivo da greve, reconheceu o direito de reunião, se comprometeu com uma fiscalização rígida das normas trabalhista e com o controle dos preços. No dia 16 de julho, os trabalhadores aceitaram o acordo. Dia 18, “ao comício do Largo da Concórdia aflui uma massa superior a oitenta mil almas. Um verdadeiro oceano humano a espraiar-se pelo Largo até a rua Bresser. Nunca se viu, na cidade, uma concentração tão numerosa, tão comovente e tão conscientemente disciplinada.” O comício é encerrado ao som da Internacional.[62]

No dia 18 de julho, o movimento grevista alastra-se para o Rio de Janeiro. Iniciado em duas pequenas fábricas de móveis, em solidariedade aos grevistas de São Paulo, se estende rapidamente, sendo assumida pela Federação Operária do Rio de Janeiro:

“Na manhã de segunda-feira 23 de julho, calculava-se que 50 mil operários estavam em greve. No mesmo dia, cerca de 20 mil operários metalúrgicos deixaram o serviço. À noite, os alfaiates e os entregadores de pão decidiram aderir ao movimento. No dia 24, os sapateiros fundaram a União dos Cortadores de Calçado e exigiram a jornada de oito horas, bem como aumento salarial de 20 por cento Os grevistas da companhia de tecido América Fabril exigiram aumento de 30 por cento e escolas para as crianças. Os operários de outra companhia têxtil, a Fábrica de Tecidos Aliança, pediram aumento de 30 por cento e o término dos castigos corporais. Bandos de operários percorreram as ruas da cidade. A 24 de julho, enquanto um grupo deles solicitava a adesão de companheiros ao movimento paredista, a polícia investiu contra o mesmo a golpe de espada e patas de cavalo. A multidão, revoltada com este “ataque” policial, marchou em direção ao largo de São Francisco, carregando uma bandeira vermelha e berrando “abaixo o capital”. (...) Enquanto isso, outros grupos executavam os primeiros assaltos e depredações. (...) Em 25 de julho, uma força policial dispersou enorme aglomeração nas vizinhanças da Central de Polícia. (...) os policiais foram recebidos a pedra, saindo ferido na cabeça o tenente que comandava o destacamento. (...) a 26 de julho (...) os operários e patrões das fábricas de calçados chegaram a um acordo com a fixação do salário mínimo de 8$500 (...) os sapateiros retornaram ao trabalho. O movimento grevista, no entanto, ganhou a adesão dos operários de várias fábricas, fortalecida pela do pessoal da limpeza pública. Nos últimos dias de julho, diversos acordos foram efetuados. Os representantes dos operários das fábricas de tecidos, maior dos grupos trabalhistas do Rio, ainda se encontravam em negociações no dia primeiro de agosto. Quando, no dia seguinte, entraram em acordo com o Centro Industrial do Brasil, a “greve geral” carioca chegou ao ponto final. O acordo estabelecia a semana máxima de 56 horas e um aumento de 10 por cento dos vencimentos. Os problemas referentes ao dia de oito horas, trabalho de menores e responsabilidade dos patrões nos acidentes de trabalho seriam resolvidos por leis no Congresso Nacional. E nenhum operário seria dispensado por tomar parte na greve.[63]

Avançando como que “em ondas”, em 31 de julho o movimento grevista chega ao Rio Grande do Sul. Em abril de 1917, um quebra-quebra em Porto Alegre contra os bens dos teutos e teuto-brasileiros, em reação ao afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães, havia levado à ocupação militar da cidade e à proibição de atos públicos. Desde então não haviam ocorrido greves nem o 1º de Maio fora celebrado, tendo em vista a proibição de manifestações públicas. Apesar disso, diante das greves gerais do Rio de Janeiro e de São Paulo - esta em andamento - desde 21 de julho a imprensa portalegrense se indagava sobre a possibilidade da eclosão de uma greve. Depois de algumas reuniões furtivas, a “União Operária Internacional”, anarquista, distribui boletins, convocando uma reunião geral na FORGS para o dia 29, domingo:

“Na reunião, com mais de 500 pessoas, nenhum cargo administrativo da FORGS tomou a palavra e criou-se ainda (não elegeu-se) um órgão sob controle dos anarquistas e dos pedreiros sindicalistas (sem a participação da diretoria da Federação). A Liga de Defesa Popular (LDP) estabelece uma pauta de reivindicações e a entrega aos governos municipal e estadual, eximindo, portanto, a FORGS da responsabilidade do movimento.”[64]

Tudo indica que essas “precauções” foram tomadas para prevenir qualquer intervenção na FORGS em função da greve.[65] Entre os integrantes da LDP encontramos o, pedreiro Luiz Derivi e o gráfico Cecílio Villar, ambos conhecidos anarquistas e ex-dirigentes da FORGS (não sabemos se neste momento continuavam ou não na suas direção, por nos faltarem dados concretos sobre isso), além de Abílio Nequete, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil em 1922. Imediatamente a “Liga” lançou uma proclamação ao povo de Porto Alegre, divulgando as suas reivindicações:

A Liga de Defesa Popular, investida de poderes em solene reunião dos trabalhadores de Porto Alegre (...) vai agir no sentido de obter algumas melhorias que lhes possam atenuar a miséria em que se debatem. Povo! Trabalhadores! (...) A Liga de Defesa Popular espera o apoio do povo de Porto Alegre para obter as seguintes melhorias (...) - Diminuição dos preços dos gêneros de primeira necessidade em geral. - Providência para evitar o açambarcamento do açúcar. - Estabelecimento de um matadouro municipal para fornecer carne à população a preço razoável. - Criação de mercados livres nos bairros operários. - Obrigatoriedade de venda do pão a peso e fixação semanal do preço do quilo. - A Intendência cobrar pelo fornecimento de água 10% sobre os aluguéis cujo valor locativo seja inferior a 40$000. - Compelir a Companhia de Força e Luz a estabelecer a passagem de 100 réis, de acordo com o contrato feito com a municipalidade. - Aumento de 25% sobre os salários atuais. - Generalização da jornada de 8 horas. - Estabelecimento da jornada de seis horas para mulheres e crianças.[66]

Um rápido exame destas reivindicações deixa clara a sua amplitude e o seu forte caráter “popular”, e não exclusivamente “proletário”, demonstrando a intenção explícita de seus dirigentes de ampliar o movimento para o conjunto da população. Talvez, como sugere Silva Jr.[67], o reiterado apelo ao “Povo!” e a própria denominação “Liga de Defesa Popular” - diferentemente do “Comitê de Defesa Proletária” de São Paulo - não fosse casual.

No dia 30, a “Liga” envia, um documento ao presidente do Estado - Borges de Medeiros - e ao intendente municipal - José Montaury, com as reivindicações aprovadas. Na tarde do dia 31, a “Liga” realiza um comício com 5 mil pessoas e decreta a greve geral:

Estalou finalmente a greve geral, há tantos dias anunciada nesta cidade, e cujos prenúncios se fizeram sentir logo após o movimento grevista que na capital da República secundou o de São Paulo. Como era de Prever, o operariado, depois do comício realizado ontem à tarde na Praça Senador Florêncio, onde diversos oradores pregaram a greve geral como único meio de conseguir o decrescimento da carestia da vida, resolveu abandonar o trabalho, tendo muitas fábricas deixado de funcionar ontem mesmo. A agitação nas classes operárias é extraordinária, como se pode notar, desde ontem à tarde, na atitude exaltada de grande número de operários que, em grupos, percorriam as ruas da cidade e estacionavam às esquinas. A sede da Federação Operária tem estado repleta de associados”.[68]

Paralisam as suas atividades os calceteiros pedreiros, marceneiros, carpinteiros, tecelões, chapeleiros, metalúrgicos, estivadores, choferes, carroceiros, padeiros, tipógrafos, comerciários. Os motorneiros e cobradores da Cia. Força e Luz solicitam um aumento de salários e, ao não serem atendidos, entram em greve. Os trabalhadores da Viação Férrea do RGS - controlada pela empresa belga Compagnie Auxiliaire e pela norte-americana Brazil Railway - reivindicam jornada de oito horas, semana inglesa e aumentos salariais de 10 a 30%. Diante da resposta negativa, iniciam a greve em Santa Maria e logo estendem o movimento a todos os municípios, paralisando os transportes a nível estadual. Em Porto Alegre os grevistas dominam a cidade. Zenon de Almeida - que anos depois irá aderir ao Partido Comunista do Brasil - edita o jornal A ÉPOCA, porta-voz da “Liga de Defesa Popular”[69].

No dia 1º de agosto, em um comício na Praça da Alfândega com mais de 4 mil operários, o anarquista João Baptista Noll refere-se explicitamente à revolução russa em andamento: “Camaradas! Que o som produzido pelo choque do malho e da bigorna seja o eco da liberdade a ressoar pelo mundo. (...) O povo da Rússia, dos cossacos, de Tolstoi, Gorki e Kropotkine, depois de uma escravidão quase infinita, conseguiu por si um regime de liberdade”.[70] Um testemunho da época reproduz bem o clima da greve:

Invadindo e dominando todas as grandes companhias, estabelecimentos e várias classes sociais, algumas levadas à força, pelo temor de represálias tremendas que os grevistas prometiam (...) esse movimento assumiu proporções desmesuradas, paralisou totalmente a vida da cidade, sem luz nem pão, sem leite nem carne, sem legumes nem frutas, sem bondes nem carros, sem automóveis nem carroças. (...) grevistas que chegaram à petulância irrisória de colocar destacamentos seus, vigilantes e ameaçadores, em determinadas embocaduras e encruzilhadas, para impedir que os vendedores ambulantes dos artigos imprescindíveis de consumo diário, pudessem chegar ao mercado ou casas dos fregueses. Houve até um simulacro caricato de governo que expedia salvo-condutos a determinados indivíduos para poderem transitar livremente. Dispondo de numerosa gente espalhada aqui e acolá em grupos de catadura menos tranquilizadora, foram a reprováveis atos de violência (...) A cidade semelhava uma praça de guerra, preparada para o combate. Em todos os recantos suspeitos, os pelotões de infantaria, embalados, estacionavam previdentes: patrulhas de cavalaria cruzavam constantemente numa atividade formidável. (...) Os comícios e assembléias operárias eram freqüentes e numerosas, a linguagem tribunícia inflamada, excessiva, abundantíssima; as exigências enormes; as imposições demasiadas e inaceitáveis; a cólera exacerbada e perigosa.[71]

No dia 2 de agosto a LDP é recebida por Borges de Medeiros que lhes comunica a decisão de atender as reivindicações quanto à redução da jornada de trabalho e aumento de salários de 5 a 25% para os empregados do Estado, além de medidas de controle das exportações de arroz, banha, batatas, feijão e farinha. As concessões do presidente do Estado são festejadas por uma multidão de 5 mil pessoas, que aguarda a Comissão a saída do Palácio; esta recomenda a continuidade da greve, pois nem os patrões haviam reduzido a jornada de trabalho e concedido aumentos salariais, nem o governo municipal havia tomado medidas concretas para o controle dos preços. Nesse mesmo dia aderem à paralisação a Companhia Fiat Lux, tamanqueiros, licoreiros, canteiros, e diversas outras empresas.

O Chefe da Polícia, Firmino Paim Filho, pressiona para que a greve seja suspensa, alegando que as reivindicações dos trabalhadores já haviam sido satisfeitas. O CORREIO DO POVO do dia 3 de agosto traz a notícia do fim da greve. Imediatamente a “Liga” distribui um Boletim desmentindo o fim da greve e “concita aos trabalhadores que já tenham entrado em acordo com os patrões, quanto ao aumento de salário e às 8 horas, que continuem em greve até a diminuição dos preços dos gêneros alimentícios, do contrário o que ganharmos voltará para os cofres dos comerciantes.” No dia seguinte, através do Ato 137, o Intendente Municipal José Montaury decretou o tabelamento dos preços do arroz, açúcar, banha, cebola, salame, ovos, erva-mate, leite, manteiga, massa branca, milho, fósforos, polvilhos, pão, sal, charque, querosene, sabão e vela de sebo. Também reeditou o Ato 107, de 1914, regulando as normas para a venda da carne fresca.

Quanto aos patrões, pressionados pelos trabalhadores e pelo próprio governo, concederam aumentos de 25% e jornada de 8 horas para a maioria das categorias. No dia 4 de agosto, a Companhia Força e Luz dá aumento a todos os seus funcionários. Consultada a “Liga”, motorneiros e cobradores só suspendem a greve no dia 5 de agosto, quando a própria “Liga” divulga o seu Boletim aconselhando “a volta ao trabalho de todas as classes que o julgarem conveniente”, ao mesmo tempo que assegura que “as que quiserem prosseguir em greve, por não terem conseguido seu objetivo, a Liga de Defesa e a Federação Operária do Rio Grande do Sul hipotecam a sua solidariedade e se propõem a tudo fazer por elas.” Um comício, realizado nesse mesmo dia, encerra a Guerra dos Braços Cruzados. Algumas categorias permaneceram em greve por alguns dias, até terem as suas reivindicações atendidas. Encerrava-se, de forma vitoriosa, a lutas do proletariado portalegrense.

Já a greve dos ferroviários enfrenta grande dificuldades. O inspetor-geral da VFRGS - Mr. Cartwright - ameaça despedir todos os grevistas e solicita a intervenção das tropas da 7ª Região Militar: “No dia 2 de agosto o General Carlos Frederico de Mesquita comanda a ocupação da Estação de Santa Maria. Em represália os grevistas arrancam trilhos, derrubam pontes e bloqueiam a via com dormente e postes telegráficos em vários pontos do Estado. Alguns trens passam a circular guarnecidos por tropas. Em Passo Fundo há violentos choques entre ferroviários e forças militares.”[72] No dia 9 de agosto a greve foi interrompida sem que as reivindicações dos trabalhadores fossem atendidas. Mas em 17 de outubro de 1917, os ferroviários retomam a sua luta através de uma greve ainda mais violenta e prolongada. Operários armados invadem a estação de Santa Maria, danificam e chocam locomotivas, paralisando completamente o tráfego. A greve se espalha por todo o Estado, com uma violência inaudita. Trilhos são arrancados, linhas telegráficas cortadas, pontes destruídas. Novamente as tropas são mobilizadas e trens militares voltam a circular.[73]

Os ferroviários denunciam os “patrões estrangeiros” que os exploram e não garantem um serviço de qualidade, buscando ganhar o apoio e a simpatia do empresariado gaúcho, insatisfeito com os serviços prestados pela VFRGS. O governo do Estado - interessado em assumir a concessão da Viação Férrea - sinaliza neste sentido através das páginas de A FEDERAÇÃO, propondo a cassação da concessão à Brazil Railway da ferrovia, e passa a trabalhar junto ao governo federal nesse sentido. Borges de Medeiros recomenda cautela e comedimento da Brigada Militar na repressão ao movimento Os ferroviários em greve delegam ao governo do Estado a intermediação junto ao Governo Federal e à Companhia, para negociar um acordo. Em Santa Maria cresce a violência: “em choques de rua, após comício na Praça Saldanha Marinho, no dia 21 de outubro, uma patrulha do exército atira sobre os manifestantes: há 1 morto e 29 feridos.”[74] No dia 27 de outubro a FORGS ameaça com uma greve geral no Estado, caso as reivindicações dos ferroviários não sejam atendidas. No dia 31 de outubro, Mr. Cartwright é exonerado e Borges de Medeiros consegue a concessão de aumentos salariais de 10 a 15%, além da satisfação de grande parte das reivindicações dos grevistas. Três anos depois, o governo estadual assumirá o controle da VFRGS.

Além da greve estadual dos ferroviários, o movimento também se alastrou para algumas cidades do interior. Em Pelotas, se inicia no dia 4 de agosto com a paralisação dos motorneiros e cobradores da Companhia Força e Luz, estivadores, choferes, curtidores, alfaiates, sapateiros e verdureiros. Também é dirigido por um “Comitê de Defesa Popular”. Diferentemente de Porto Alegre, o Intendente Municipal reprime violentamente os grevistas e o movimento se radicaliza. No dia 10 de agosto, realiza-se uma passeata dos trabalhadores no centro da cidade, encerrada com um comício. A repressão da policia e do 11º Regimento de Cavalaria, acaba em um conflito de grandes proporções, com diversos feridos. Em protesto, os grevistas concentram-se à noite na sede da “Liga Operária”. A polícia intervém novamente e os operários resistem. Na refrega um funcionário da Intendência municipal é gravemente ferido - falecendo poucos dias depois - e o cavalo do próprio chefe de polícia é abatido a tiros. Depois de muita luta os grevistas são desalojados. Preocupado com a violência dos conflitos, Borges de Medeiros envia para Pelotas o Chefe de Polícia da capital com a missão de “manter a ordem assegurando o direito de greve àqueles que nela quiserem persistir, bem como garantir a liberdade de ação dos que não estivessem dispostos a acompanhar esse movimento” (A FEDERAÇÃO, 13.08.1917). Em meados de agosto a greve em Pelotas é encerrada, em troca de uma redução nos preços dos gêneros de primeira necessidade. A onda grevista se espraia por diversos municípios do Rio Grande do Sul, perdurando até o mês de novembro.[75]

Em Recife, a onda grevista chegou no mês de setembro, tendo também um caráter geral.

Miguel Bodea, no seu esforço de demonstrar as particularidades do governo positivista de Borges de Medeiros, e de destacar o seu comportamento de “árbitro”, diante das greves de 1917, no Rio Grande do Sul - no que enxerga os prenúncios do trabalhismo gaúcho, antiimperialista, intervencionista e estatizante, e “populista” - desenvolve um relato da greve que tende a idealizar a postura de Borges de Medeiros (sem nunca referir à sua postura altamente repressiva em 1919) e subestimar a independência de classe e a combatividade dos trabalhadores neste movimento. Sem desmerecer as instigantes questões levantadas por Bodea acerca do comportamento distinto das classes dominantes gaúchas - decorrente da diferente inserção do Rio Grande do Sul na economia brasileira, desde os tempos da Colônia - entendo que esse comportamento conciliador em 1917 deve ser debitado, em primeiro lugar, à força e à radicalidade do movimento que, sempre que a repressão foi privilegiada (como em Pelotas e na greve ferroviária), se expressou com grande violência. Também é preciso lembrar que a greve no Rio Grande do Sul fora precedida pelas greves paulista e carioca, com graves confrontos e grandes concessões, feitas a posteriori. De certa forma, pode-se dizer que as classes dominantes gaúchas entenderam que era melhor prevenir do que remediar, fazendo desde o início algumas concessões.[76] Por fim, no caso específico da greve dos ferroviários, havia o claro interesse do governo do Estado em assumir a concessão da ferrovia.

No mesmo sentido, consideramos incorreta a opinião de Adhemar L. Da Silva Jr., de que os anarquistas haviam perdido, nessa época, a hegemonia na FORGS, e de que esta se opunha a greve. E que, por isso, os anarquistas tiveram que iniciar o movimento através da sua “União Operária Internacional” e conduzi-lo através da “Liga de Defesa Popular”.[77] Como já afirmamos anteriormente, vemos isso muito mais como uma questão “tática”, de preservação da FORGS. Todos os dados da época indicam a continuidade da preponderância libertária no movimento sindical gaúcho - inclusive na FORGS - e a inexistência de qualquer polêmica anarquista contra uma pretensa direção “reformista” na Federação. Além disso, o próprio desenrolar da greve nos mostra a perfeita unidade de ação entre a LDP e a FORGS. Por fim, em 1925, diversos ex-anarquistas, que na época do movimento grevista de 1919 “atuavam na Federação Operária”, afirmaram publicamente que “Todas as entidades proletárias que nele tomaram parte, eram filiadas e inspiradas pela Federação Operária do Estado do Rio Grande do Sul e, portanto, apolíticas e sim francamente Sindicalistas”.

Em fins de 1917, depois do quarto torpedeamento de um navio brasileiro pelos alemães e diante da declaração de guerra à Alemanha, os operários das fábricas de tecidos em greve no Rio de Janeiro foram constrangidos a retornar ao trabalho. O Congresso declarou o “estado de sítio” e o governo aproveitou para fechar os sindicatos e os jornais operários que se opunham à guerra.[78] Em dezembro de 1917, procurando antecipar-se às reivindicações operárias, o Governo editou o decreto nº 1.596, regulamentando o trabalho infantil e feminino. Em 1918 é aprovada a lei sobre acidentes de trabalho. Encerra-se, assim, a primeira fase da onda grevista iniciada em 1917.

Mas, nem a repressão, nem as concessões - seja à nível da jornada de trabalho, seja a nível salarial, seja à nível legislativo - conseguiram impedir o avanço do movimento operário ou bloquear a elevação do seu nível de consciência, que começa a assumir novas formas. Sob influência da vitoriosa Revolução Russa, surgem diversos grupos “comunistas” ou “maximalistas” (bolcheviques), inclusive no Rio Grande do Sul.[79] No 1º de Maio de 1918, o anarquista Zenon de Almeida escreve no jornal A LUTA: “Que a Revolução Russa é um acontecimento grandioso na história dos povos, para nós é um fato indiscutível. (...) a burguesia não faria o escarcéu que faz, se alguma coisa de grande a Revolução não anunciasse”. Neste mesmo ano, o semanário O INFLEXÍVEL - editado pelo veterano dirigente socialista Francisco Xavier da Costa - publica entre nós, pela primeira vez no Brasil, a íntegra da Constituição Soviética.[80] No 1º de Maio de 1918, no Rio de Janeiro, uma reunião com 3 mil trabalhadores aprova uma moção a favor da revolução na Rússia e contra a guerra imperialista.

Em Porto Alegre, “desfraldando a bandeira da jornada de oito horas (...) os metalúrgicos deflagraram a maior greve já feita por uma categoria de trabalhadores no Rio Grande do Sul. Ficaram de braços cruzados de 13 de julho a 18 de agosto de 1919 e só voltaram ao trabalho depois da vitória de seu movimento.”[81] No decorrer do mês de agosto, a greve dos metalúrgicos adquire um caráter geral, paralisando milhares de trabalhadores de Porto Alegre. No dia 7 de setembro a polícia reprime violentamente um comício dos grevistas em frente à Prefeitura. [82] Referindo-se a esses movimentos, o imigrante alemão e líder anarquista Friedrich Kniestedt - que chegara em Porto Alegre em 1917 - relata:

(...) os trabalhadores da indústria metalúrgica iniciaram um movimento pelas 8 horas, o qual se estendeu por vários meses. Uma empresa grande e todas as pequenas tinham concordado, faltavam ainda três fábricas grandes. Aí nós trabalhadores da indústria madeireira resolvemos iniciar uma greve de solidariedade. (...) foi aceita uma proposta feita pela direção para entrar em greve pela conquista da jornada de oito horas. (...) depois de uma semana quase todas as marcenarias tinham concordado, depois de duas semanas quase todas as serrarias, e mais uma semana depois também a grande fábrica de cadeiras e móveis de Gerdau concordou. (...) Quando iniciamos a greve, nosso sindicato tinha 68, quando terminou, 1200 membros. (...) Os trabalhadores da indústria metalúrgica tinham vencido sua greve graças à nossa intervenção e, como costuma acontecer, a febre de greves se espalhou. Quase todas as profissões fizeram exigências, todo mundo se organizava, todo dia tínhamos de criar um novo sindicato (...) a coisa funcionou, todas as greves tiveram sucesso total ou parcial. Os funcionários da Força e Luz, bem como os da Companhia Telefônica não se reuniam na nossa sede e conduziam seu movimento de forma quase autônoma. Sob protesto nosso, estes dois sindicatos haviam convocado uma manifestação pública diante da Prefeitura (...) Haviam comparecido mais ou menos 600 trabalhadores. A reunião ainda não começara, quando os presentes foram dispersados por brigadianos a pé e a cavalo. (...) como resultado da reunião um trabalhador morto e vários feridos. (...) No outro dia realizou-se o enterro do trabalhador que fora atingido pelas costas. Milhares de trabalhadores, incluindo mulheres, estavam no cortejo. Por todo o trajeto, militares e policiais ocupavam as ruas. Na Rua da República, pouco antes da ponte, o cortejo foi dispersado a um sinal da polícia. Foram feitos três ataques contra os trabalhadores por parte de militares estaduais; a polícia atirava de forma selvagem. Naturalmente houve feridos também do lado da polícia. O caixão ficou na rua, guardado por umas 30 pessoas. (...) Na mesma noite do enterro a polícia estadual ocupou a sede da Federação e do sindicato da Força e Luz. (...) A polícia (...) rebentou todos os móveis, mesas, cadeiras, armários, etc., livro, fotografias e bandeiras foram rasgados (...)[83]

Em agosto de 1918, tem lugar a greve da Companhia Cantareira Viação Fluminense, a qual aderem outras categorias. Uma parte da tropa enviada para reprimir o movimento adere aos grevistas e sucedem-se violentos choques armados.[84] Finalizada a I Guerra Mundial, eclode no Rio de Janeiro, em novembro, a Insurreição Anarquista de 1918, que abre uma segunda grande onda de lutas proletárias:

Em novembro de 1918, eclodiu uma greve política geral no Rio de Janeiro. Os primeiros a entrar na luta foram 25 mil tecelões, que exigiam aumento de salário e o direito de criar livremente sindicatos. Segundo o plano elaborado por um Comitê Revolucionário especialmente criado, a greve deveria transformar-se em rebelião armada. Os sindicalistas revolucionários e os anarquistas, que participavam desse comitê, decidiram que o sinal para a rebelião seria uma reunião geral dos proletários, em uma das praças da capital. Depois deveriam invadir depósitos militares e apreender armas. (...) em seu meio infiltrou-se um provocador que comunicou à polícia a rebelião em preparação. Na véspera da rebelião, na noite de 17 para 18 de novembro de 1918, a polícia prendeu vários membros do Comitê Revolucionário. Os grupos de operários que se reuniram pela manhã em uma das praças, foram dissolvidos pela polícia. A rebelião armada fracassou. (...) em alguns bairros os operários começaram, de acordo com o plano, a construir barricada, mas logo foram obrigados a recuar. Somente nos arredores do Rio de Janeiro os trabalhadores de Magé, rebelando-se, proclamaram a República Operária, que durou alguns dias. Os revolucionários tentaram mesmo tomar sob seu controle as fábricas, porém destacamentos policiais afogaram em sangue a República Operária - a primeira tentativa dos operários de tomarem o poder em suas mãos. (...) Muitos operários foram mortos e presos. (...) os acontecimentos de novembro de 1918 demonstraram com toda evidência que se havia acumulado, nas fileiras do movimento operário, uma grande energia revolucionária e que espontaneamente os operários eram atraídos a métodos mais revolucionários de ação e que o antagonismo entre o capital e o trabalho havia crescido de maneira excepcional. A questão estava apenas em organizar e dirigir corretamente essa luta. Os sindicalistas mostraram sua incapacidade para continuar desempenhando o papel dirigente. O proletariado brasileiro viu-se diante da necessidade de elaborar uma nova orientação e criar um partido político de tipo bolchevique. [85]

No Rio de Janeiro, em 1919, no comício do 1º de Maio, compareceram 60 mil pessoas e diversos oradores falaram em nome do “Partido Comunista”. O orador mais aplaudido foi o operário José Elias da Silva, que três anos depois participará da fundação do Partido Comunista do Brasil. Em 2 de maio, os operários da construção civil do Rio de Janeiro conquistam a jornada de 8 horas. No mesmo dia, é deflagrada uma greve geral em São Paulo, a qual, em poucos dias, paralisa mais de 50 mil trabalhadores: “O movimento se estendeu a outras cidades do Estado, de maneira bem mais significativa do que acontecera em 1917. (...) Em São Bernardo do Campo, ao sul da capital, o operário Constante Castellani foi morto por uma bala do destacamento policial que fizera fogo para dispersar uma aglomeração de grevistas.”[86] São obtidas diversas vitórias parciais, com redução da jornada e aumentos salariais. No Rio de Janeiro, a partir de 7 maio, diversas categorias entram em greve, e no dia 18 de maio já havia mais de 10 mil trabalhadores paralisados. São conquistados alguns avanços. Também explodem greves na Bahia e em Pernambuco.

No Rio Grande do Sul também são registradas importantes lutas em 1919. Em Santana do Livramento eclode, no dia 13 de março[87], a grande greve nos Frigoríficos Armour, dirigida pela “Liga Comunista de Livramento” - “a primeira greve contra uma empresa imperialista no Estado sulino”[88] - pleiteando aumentos de salários, a jornada de 8 horas, pagamento em dobro nos domingos e nas horas extras. Os patrões mantêm-se intransigentes e o movimento se alastra para os Frigoríficos Wilson, sendo marcado por diversas manifestações de rua. A população, inclusive da vizinha cidade uruguaia de Rivera, apoia os grevistas. Em Rosário do Sul, cidade próxima, a polícia prende diversas lideranças para impedir que a greve se estenda para os Frigoríficos Swift. No dia 1º de Maio, os grevistas realizam uma grande manifestação de ruas, com a presença de um representante da FORGS: “Nessa mesma data, a direção dos Frigoríficos Armour e Wilson publicam um boletim reduzindo de 10 para 9 horas o trabalho diário e aumentando em 10% o salário dos trabalhadores por hora. O movimento estava vitorioso”[89].

No fogo da luta, os trabalhadores procuram avançar sua organização. A 9 de março de 1919, é fundado o “Partido Comunista do Rio de Janeiro”, aberto para “anarquistas, socialistas e todos os que aceitarem o comunismo social”. Em 16 de junho, é formado o núcleo de São Paulo do “Partido Comunista”. E em 21 de junho, abre no Rio de Janeiro a “Primeira Conferência Comunista do Brasil”, na verdade, uma assembléia de todo o movimento anarquista do país. Participam 22 delegados representando grupos “comunistas” do Distrito Federal, Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. Devido a repressão, a Conferência teve que reunir-se nos dias 22 e 23 em Niterói. Mas o encontro se encerra sem chegar a um acordo sobre o programa do novo partido, delegando ao núcleo de São Paulo a tarefa de elaborá-lo. Mas, esse “Partido Comunista” possuía uma contradição insolúvel: por um lado, era constituído, na sua imensa maioria, por convictos “libertários”; por outro, constituía-se como “Partido” (o que era a própria negação do apoliticismo anarquista) e era entusiasta defensor da Revolução Russa, onde a classe operária havia colocado na prática a questão da “tomada do Poder” e da constituição de um “Estado Proletário” (o que era inaceitável dentro da concepção anarquista). Isso só poderia levar, como efetivamente levou, à sua total inoperância.

A solução desta contradição só se dará em 1922, depois que o campo anarquista diferenciou-se e cindiu: de um lado, aqueles que permaneceram atrelados ao anarquismo, contrário à toda ação política e progressivamente anti-soviético; de outro, aqueles que romperam com o anarquismo, aderiram ao marxismo-leninismo (em que pese inúmeras incompreensões) e mantiveram-se fiéis à primeira revolução proletária. De 1920 e 1922, ocorre no interior do movimento sindical uma intensa luta ideológica entre “anarquistas” e “maximalistas ou comunistas”, amadurecendo as condições para o surgimento de um “Partido Comunista” marxista. Nesse processo, jogará um papel importantíssimo a vitória da Revolução Russa.

2.4. - A falência teórica e prática do anarquismo

Em outubro de 1919, fracassa uma greve geral em São Paulo, dirigida pelos anarquistas. Diversos trabalhadores são presos e despedidos, outros deportados para o Rio Grande do Sul ou para o exterior, como Everardo Dias. O ano de 1920 ainda assistiu importantes lutas operárias: em março, a greve dos trabalhadores da Leopoldina Railway e da Companhia de Estradas de Ferro Mogiana, ambas vencidas através de uma brutal repressão. Em Porto Alegre, o destaque é a realização do 2º Congresso Operário do Rio Grande do Sul, de 21 a 25 de março de 1920. O anarquismo ainda prevalece amplamente, mesmo nos grupos autodenominados “comunistas”. Às antigas teses sobre a forma sindicalista de organização, o método da ação direta, o antibelicismo, a luta pelas 8 horas, se juntam novas teses, como a luta contra as deportações. Em abril, no Rio de Janeiro, realiza-se o 3º Congresso Operário Brasileiro, do qual participam 5 gaúchos, além de Deoclécio Fagundes, redator de O GRITO OPERÁRIO, de São Paulo, que havia sido deportado para o Rio Grande dos Sul. Participam 135 delegados, sendo nomeada uma comissão para “coordenar” o temário do Congresso, formada por Edgard Leuenroth, Alberto Lauro, José Alves Diniz, José Elias da Silva e João da Costa Pimenta. Representando a VOZ DO POVO, Astrogildo Pereira participou do Congresso com direito à voz. Esses três últimos estarão em 1922 no Congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil. Da mesma forma que os Congressos anteriores, o terceiro optou pelo maleável “método federativo”, tão apreciado pelo libertários. A filiação à Internacional Comunista foi descartada por esta não ser “uma organização genuinamente sindical”, decidindo-se por um “voto de felicidades”. Ao invés de confiar suas resoluções à COB, nomeou-se uma Comissão executiva do Terceiro Congresso (CETC), com mandato até o Quarto Congresso, compreendendo um Secretário Geral - Leuenroth - um Tesoureiro e cinco secretários itinerantes, entre eles José Elias que logo assumiria a Secretaria Geral por motivos de doença.[90]

O ano que se seguiu ao 3º Congresso Operário Brasileiro foi de “desmantelamento geral da organização operária” e de crise da própria imprensa operária. Para isso contribuíram a “forte reação policial”, as leis anti-anarquistas a retração do mercado de trabalho e a incapacidade do anarquismo de dar respostas as necessidades da nova fase de lutas que se iniciava para o movimento operário: “As greves de 1917, 1918 e 1919 mostraram que o movimento operário estava objetivamente maduro, mas não possuía uma direção conseqüente, capaz de abrir a perspectiva política. Os anarquistas, apesar da firmeza, da combatividade e do devotamento com que lutavam, não podiam desempenhar essa tarefa, em virtude das limitações da sua doutrina.”[91] Como afirma Hardman:

(...) a recusa em considerar a organização necessária ao proletariado para a luta política contra o Estado; a negativa em organizar a classe em partido próprio, com vistas à tomada revolucionária do poder; o apego absoluto à chamada “resistência anticapitalista”, que se traduzia na superestimação do papel do sindicato e da luta econômica; a exaltação das formas espontâneas de luta, de ações voluntaristas e heróicas, individualizadas e desvinculadas das massas; enfim, esses aspectos da teoria e prática dos anarquistas, revelaram o impasse e o beco sem saída a que foi levado o movimento operário no Brasil, neste final dos anos 10. (...) as ações do movimento anarquista não superaram a espontaneidade economicista (...)[92]

No final de 1920, início de 1921, ainda se registram algumas greves operárias, como a dos estivadores de Santos e a dos marítimos das companhias de navegação do Rio de Janeiro - que contou com o apoio dos trabalhadores marítimos do Recife e do sul do país. A sede da “União dos Operários da Construção Civil” do Rio de Janeiro, que preparava uma greve geral de solidariedade aos marítimos, foi invadida e diversos operários presos depois de um conflito armado. Essa greve geral, que fracassou, expressa o refluxo das lutas operárias:

A grande vaga de movimentos operários e populares de 1917-1920 foi reprimida brutalmente. 1921 foi o ano da vazante. Os trabalhadores estavam vencidos. Os sindicatos esfacelados. (...) ficou apenas uma pequena vanguarda. Esta vanguarda continuou a defender os ideais da luta proletária. Meditou nas lições da derrota. Compreendeu que a maior parte da culpa cabia às idéias e aos métodos anarquistas e anarco-sindicalistas. Compreendeu que eram necessários nova ideologia e novos métodos. (...) Os movimentos operários de 1917-1920 não foram orientados pela ideologia marxista-leninista. (...) No seio da classe operária predominavam, então, duas correntes. Uma, oportunista de “esquerda”, com o anarquismo e o anarco-sindicalismo. A outra, oportunista de direita até a traição, com o reformismo apodrecido e policial (...) os anarquistas e anarco-sindicalistas não poderiam triunfar. Nem dirigir nenhuma revolução. Faltava-lhes o conhecimento das noções preliminares. Quais? A teoria da luta de classes. A necessidade do Estado proletário, de transição. O estudo da situação objetiva. A análise da correlação de forças em cada momento dado. A necessidade de uma política proletária de classe. Os avanços e recuos. A ofensiva e a defensiva. A luta legal e a ilegal. A luta no Parlamento e a luta extra-parlamentar. A combinação dessas formas de luta e de muitas outras. (...) O anarquismo pregava a revolução”. Mas não tinha nenhuma idéia concreta da revolução. Não compreendia suas etapas. Nem suas forças motrizes. Nem o papel do proletariado. Nem a aliança com os camponeses. Reduziu, de fato, a luta dos operários à luta econômica e sindical. (...) O anarquismo era uma corrente individualista pequeno-burguesa. Não admitia nenhum partido. Negava, de fato, a política (...) Não tinha disciplina. Nem organização.[93]

Em que pese todas essas limitações do anarco-sindicalismo e do sindicalismo revolucionário - hegemônicos no Brasil até o início dos anos vinte - uma avaliação ponderada do seu papel leva-nos a concordar com a opinião do estudioso soviético Bóris Koval, que afirma:

Diferentemente do anarquismo clássico (Bakunismo) o anarco-sindicalismo adotou algo do marxismo (o ensinamento sobre a luta de classes) (...) e apoiava-se nos sindicatos, como forma fundamental de organizações da luta proletária e célula do futuro “socialismo sindicalista”. (...) Assim, no final do século XIX, início do século XX, surgiu (...) no movimento operário uma nova corrente combativa - o sindicalismo revolucionário, que na pratica era a encarnação da luta proletária nos limites da forma ideológica pequeno-burguesa. Desde os primeiros dias de seu surgimento o sindicalismo revolucionário levou a uma rápida animação do movimento operário e antes de mais nada da luta grevista, dando uma contribuição essencial à formação dos sindicatos.(...) A atuação dos operários tornou-se mais consciente e organizada, fortaleceu-se o sentimento de solidariedade de classe, em vários casos chegou-se a choques armados com a polícia e tropas. (...) Livre da influência direta do oportunismo da II Internacional, a classe operária do Brasil deu sua contribuição à luta das forças internacionalistas de esquerda, encabeçadas pelos bolcheviques russos, contra o social-chauvinismo e o capitulacionismo. (...) pode-se concluir que antes do surgimento da corrente marxista e da fundação do Partido Comunista o sindicalismo revolucionário desempenhou um papel positivo (...) não se transformou imediatamente em freio no caminho do desenvolvimento do movimento operário. Inicialmente, os sindicalistas exerceram uma influência até mesmo positiva, despertando os operários a tomar consciência do novo regime explorador burguês, para a luta (ainda que espontânea e limitada) por seus direitos econômicos e políticos. Durante anos, os sindicalistas foram, no Brasil, a única força revolucionária a conclamar o proletariado à luta e a dirigir essa luta. (...) Deste ponto de vista, o sindicalismo revolucionário no início do século XX desempenhou no Brasil um papel positivo, ativando a luta do proletariado e desse modo contribuindo para sua formação como classe independente.[94]

Mas, ou a classe operária avançava, ou sofreria uma derrota histórica. E ela tratou de avançar.


 

[1] “A extremidade meridional do território que hoje constitui o Brasil permanece durante muito tempo fora de sua órbita. Entrará para a história política e administrativa da colônia em fins do século XVII; mas economicamente só começará a contar em fins do século XVIII. Antes disso é apenas um território arduamente disputado por espanhóis e portugueses de armas na mão, e não terá outra forma de ocupação que a militar.” [PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1949, p. 102]

[2] PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, pp. 8, 7.

[3] Idem, p.15.

[4] TARGA, Luiz Roberto Pecoits. As diferenças entre o escravismo gaúcho e o das plantations do Brasil! - incluindo no que e porque discordamos de FHC In: Ensaios FEE. Porto Alegre: Ano 12, Nº 2, 1991, p.455.

[5]“Em 1780, 36% da população do município de Porto Alegre era constituída de escravos” [MAESTRI, Mário. O escravo gaúcho: resistência e trabalho. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1993, p. 44] “O ‘Mapa das freguesias e moradores de ambos os sexos com diferentes condições e idades com que se acham em outubro de 1780’, nos dá, para uma população de 17.923 habitantes, 5.102 escravos de ambos os sexos, ou seja quase 30 por cento da população. (...) De certa forma, a história do escravismo no sul confunde-se com a história da indústria saldeiril. (...) O ciclo da charqueada inaugura a definitiva estruturação do escravismo como modo de produção dominante de uma ampla região de nossos territórios. (...) Em ‘São Francisco de Paula e seu termo’ (Pelotas), em 1833, teremos 5.169 escravos para 3.555 homens livres e 1.136 libertos. (...) Em 1858, contamos em nossa Província com 70.880 escravos, quase 25% da população!” [MAESTRI FILHO, Mário J. O escravo africano no Rio Grande do Sul. In: DACANAL, J. H. E GONZAGA, S. (Org.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, pp. 37-43] “essa participação não chegava a 10% para um município de pequenos proprietários imigrantes como o de São Leopoldo (...) Por fim, o peso da escravidão nos serviços e no artesanato urbanos, assim como a escravidão doméstica, pode ser bem exemplificado com Porto Alegre (...) que detendo 10,52% da população total da Província, concentrava 11,87% do total dos escravos. Em 1858, no Rio Grande do Sul, 25,08% da população era escrava”. [TARGA. Op. Cit., p. 446]

[6] MAESTRI FILHO. Op. Cit., p. 35.

[7] “O saladero era uma usina capitalista. Utilizava mão-de-obra assalariada, a divisão do trabalho e a especialização. (...) a diferença de produtividade da mão-de-obra fazia com que 100 operários abatessem 500 bois enquanto 100 escravos abatiam 250 (...) Na entressafra, os assalariados platinos eram dispensados, enquanto a charqueada deveria continuar sustentando seus escravos.” [TARGA. Op. Cit., p. 458]

[8] “Uma vez implantados os saladeros, a produção das charqueadas só conseguia monopolizar o mercado brasileiro quando, por efeito das guerras regionais, a produção dos saladeros estivesse desorganizada. Era assim que, por exemplo, o Brasil importava a metade das exportações argentinas de charque durante os últimos 50 anos do século XIX. (...) O charque platino alcançava o mercado brasileiro com um preço inferior ao do charque gaúcho.” [TARGA. Op. Cit., p. 458]

[9] PESAVENTO. Op. Cit., pp. 43-45.

[10] “o movimento imigrantista foi, em São Paulo, uma promoção dos cafeicultores escravistas com o objetivo de resolver seus problemas de penúria de mão-de-obra com a aceleração da desagregação do sistema escravista, enquanto, no sul, o movimento imigrantista isolava e inviabilizava o setor escravista” [TARGA. Op. Cit., p. 471]

[11] TARGA. Op. Cit., p. 465-466.

[12] PICCOLO, Helga Iracema L. O discurso abolicionista no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, UFRGS, mimeografado, s/d, p. 9.

[13] TARGA. Op. Cit., pp. 476-477.

[14] “No que toca à agricultura, a verdadeira acumulação não estava se realizando ao nível da pequena propriedade, que atuava com arcaísmo técnico, mas sim com o comércio, que, através de sua atividade, obtinha lucros superiores aos da exploração agrícola. [PESAVENTO. República velha gaúcha: estado autoritário e economia. In: DACANAL, J. H. E GONZAGA, S. (Org.) RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 201]

[15] SILVA, Felipe Rodrigues da. O Surgimento da Indústria na Economia Rio-Grandense. Porto Alegre: UFRGS, datilografado, 1990, monografia de bacharelado em Ciências Econômicas, p. 33.

[16] PESAVENTO. Op. Cit., p.48-49.

[17] SILVA. Op. Cit., pp. 56-57

[18] “A pequena propriedade propiciou o surgimento de um dos mais importantes requisitos para a industrialização, a mão-de-obra assalariada e de certa qualificação, em bases capitalistas. (...) Tanto o escravo quanto os peões, se eram pouco adaptáveis até mesmo no trabalho fabril, tanto mais eram distanciados de qualquer técnica de produção manufatureira. Somente o imigrante possuía conhecimento de ‘como fazer’ (...)” [SILVA. Op. Cit., pp. 40, 57]

[19] REICHEL, Heloísa Jochims. A industrialização no Rio Grande do Sul na República Velha. In: DACANAL e GONZAGA. Op. Cit., p. 263.

[20] TARGA. Op. Cit., p. 464.

[21] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A crise dos anos 20: conflitos e transição. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1992, pp. 12-13.

[22] LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. São Paulo: Alfa Ômega, 1977, pp. 32-34.

[23] “A partir de 1880/1990 o movimento operário brasileiro sofre transformação qualitativa (...) Italianos, espanhóis e portugueses, entre outros, chegam ao Brasil - agora em levas cada vez maiores - e trazem na bagagem idéias novas. (...) Do precaríssimo número de sindicatos operários, vê-se pulular sua abundância; de um ínfimo número de jornais em favor do proletariado, agora surgem dezenas; da não existência de partidos, aparecem inúmeros, dizendo-se operários. (...) Na segunda fase, entretanto, continua a preponderar o Sindicato de Auxílio Mútuo (...) É pelo Sindicato de auxílio mútuo que boa parte do proletariado, isento de interesse político e de conquistas sociais, se manifesta pagando suaves mensalidades, pois assim ele tem assegurado duas coisas fundamentais: saúde e funeral. (...) As outras formas que predominam no panorama da época é o sindicato de resistência propriamente dito, conservador, e o de base anarco-sindicalista, radical.” [CARONE, Edgard. Algumas características do movimento operário no Brasil (1820-1914). In: Caderno Especial da Revista Princípios nº 41. São Paulo: Editora Anita, 1996, pp. 23-25]

[24] MARÇAL, João Batista. Primeiras Lutas Operárias no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1985, p. 11-14

[25] CARONE, Edgard. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: DIFEL, 1984, pp. 296-300.

[26] CARONE, Edgard. Revista Princípios, Op. Cit., p. 26.

[27] KAUTSKI, Karl. Carta a Engels, 05.01.1893. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Contribuição para uma história da América Latina. São Paulo: Edições Populares, 1982, p. 181.

[28] ENGELS, Friedrich. Carta a Kautski, 26.01.1893. In: Idem, p. 141.

[29] PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. As origens do 1º de maio no Brasil. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1981.

[30] Idem.

[31] “Em 01.05.1895, em Santos, foi comemorada pela primeira vez no Brasil a data internacional do proletariado. Nesta época, já existia o Centro Socialista, com biblioteca contendo obras de Marx e Engels. Um jornal lançou nesta data a idéia de ser fundado um partido socialista, baseado no programa do partido socialista francês. A idéia germinou e, nesse mesmo ano, cerca de quatrocentos delegados operários e intelectuais fundaram, no Rio, o Partido Socialista Operário, cuja vida foi efêmera.” [LINHARES. Idem, p. 37]

[32] Le Socialisme et le Congres de Londres, 1897. Apud PACHECO, Eliezer. O Partido Comunista Brasileiro (1922-1964). São Paulo: Alfa-Ômega, 1984, p. 33.

[33] MARÇAL. Primeiras lutas... Op. Cit., pp. 61-62, 89-90, 39.

[34] CARONE, Edgard. Movimento Operário no Brasil (1877-1944), Op. Cit. pp. 316-322.

[35] COUTINHO, A. Guedes R. Explicando. In: PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz e LUCAS, Maria Elizabeth. Antologia do movimento operário gaúcho (1870-1937). Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS - Tchê!, 1992, p. 78.

[36] MARÇAL. Primeiras lutas... Op. Cit., p. 134.

[37] COUTINHO. Apud Op.Cit., p. 80.

[38] “a Democracia Social, que rompendo com os preconceitos estúpidos da sociedade burguesa, arvorou o pendão do socialismo revolucionário científico e (...) pregou durante seis meses a emancipação das classes proletárias, a guerra ao capital, a emancipação da mulher”. [ECHO OPERÁRIO. Rio Grande, 23.01.1898. In: PETERSEN e LUCAS. Op.Cit. p. 75]

[39] SAUTER, Guilherme. A nossa política. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit. pp. 55-56.

[40] ECHO OPERÁRIO. Rio Grande, 18.01.1898. In:  PETERSEN e LUCAS. Op. Cit. pp. 104-110.

[41] “Esse texto fora apreendido no porto de Rio Grande, com alguns anarquistas, juntamente com um vasto material ‘subversivo’. É a primeira vez que esse texto é publicado no Brasil. Essas publicações na ‘A FEDERAÇÃO’ provocaram uma furiosa reação dos velhos coronéis que acusaram o jornal de estar sendo dirigido por um bando de jacobinos.” [MARÇAL, João Batista. Reflexos da Revolução Russa no Rio Grande do Sul. Datilografado, S/D. p. 2]

[42] PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 111-112.

[43] “Na sua vanguarda, alguns socialistas oriundos do período mutualista e um aguerrido grupo de militantes da social-democracia, imigrantes alemães com experiência sindical e alguns até com militância no Partido Socialista Alemão.” [MARÇAL. Reflexos... Op. Cit. p. 2]

[44] MARÇAL. Primeiras lutas... Op. Cit., pp. 91-92.

[45] Manifesto do Partido Operário ao operariado no Rio Grande do Sul. A DEMOCRACIA, nº 1, pp. 2-3, Porto Alegre, 01.05.1905.

[46] PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 132-134.

[47] PEREIRA, Astrogildo. Formação do PCB: 1922-1928. Lisboa: PRELO, 1976, pp. 34-35

[48] LINHARES. Op. Cit., p. 47.

[49] Relatório da Federação Operária do Rio Grande do Sul [1913]. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (manuscrito). In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit. pp. 164-165.

[50] MARÇAL. Op. Cit. pp. 15-16.

[51] Relatório da FORGS. In: PETERSEN e LUCAS, Op. Cit., pp. 166-172.

[52] “Para irritação dos anarquistas, consideravam-se os congressos socialistas de 1892 e 1902 ‘congressos trabalhistas’, e o Primeiro Congresso Operário de 1906 como o terceiro” [DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil, 1900-1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p. 32]

[53] MARÇAL. Os anarquistas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1995, p. 174.

[54] RODRIGUES, Edgar. Socialismo e sindicalismo no Brasil.. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969, pp. 323-331.

[55] CORREIO DO POVO, 01.10.1913. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., p. 175.

[56] PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 192-195

[57] LOWY, Michael et al. Introdução a uma História do Movimento Operário Brasileiro no Século XX. Belo Horizonte: Vega, 1980, p. 18.

[58] BODEA, Miguel. A Greve Geral de 1917 e as origens do Trabalhismo Gaúcho. Porto Alegre: L&PM, S/D, p. 21.

[59] DULES. Op. Cit., p. 47.

[60] BODEA. Op. Cit., pp. 24-27.

[61] DIAS, Everardo. História das Lutas Sociais no Brasil.. São Paulo: EDAGLIT, 1962, pp. 298-299.

[62] Idem, p. 303.

[63] DULES. Op. Cit., pp. 58-59.

[64] SILVA JR., Adhelmar Lourenço da. A greve geral de 1917 em Porto Alegre. In: Revista anos 90, nº 5. Porto Alegre: Ed. Universidade, 1996, p. 188.

[65] Diferentemente do que sugere SILVA JR., os relatos indicam que a “Liga” não surge a revelia da FORGS e de suas lideranças:  “Em seguida, o Sr. Cecílio Villar comunicou aos presentes que a Federação ia nomear uma comissão intitulada Liga de Defesa Popular, a qual ficaria encarregada de dar os passos necessários para melhorar a situação das classes trabalhadoras (...) Para esse fim, seriam nomeados três dentre os presentes, que se incumbiriam de escolher dois membros de cada uma das associações filiadas, a fim de construírem a referida Liga. Foram nomeados, então, os Srs Cecílio Villar, Luiz Derivi e Salvador Rios” (negritado nosso) [FAGUNDES, Lígia Ketzer e outros. Memória da Indústria Gaúcha (1889-1930). Porto Alegre: FEE, pp. 289-290]

[66]PETERSEN, Silvia R. Ferraz. As greves no Rio Grande do Sul (1890-1919). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p.308-309

[67] SILVA JR. Op. Cit., p. 189.

[68] A FEDERAÇÃO, 01.08.1917. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 203-204.

[69] “Zenon de Almeida teve papel destacado na série de greves de 1917, integrando seu grupo dirigente. ‘Foram greves violentas, com depredações, incêndios e atentados à bomba’, lembra seu filho. Durante a greve geral de 1917 (...) Zenon foi um dos editores de A ÉPOCA, porta-voz da Liga de Defesa Popular, entidade que assume o comando da capital, enquanto Governo, Brigada e Polícia enfiam o rabo entre as pernas nos seus respectivos redutos. (...) com Geyer e Djalma, aperfeiçoou um detonador que transformasse a dinamite em granadas de mão. Djalma, como mecânico e ourives; Geyer, médico, com acesso a produtos químicos; e ele, Zenon, como químico, conseguiram um petardo que, em 1917, apavorou a Brigada, tirando-lhe a iniciativa.” [MARÇAL. Os Anarquistas... Op. Cit. p. 38]

[70] BODEA. Op. Cit., 36.

[71] PEREIRA, Miguel. Esboço Histórico da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.[1919] In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., pp. 204-205.

[72] BODEA. Op. Cit., p. 34.

[73] “Os insurretos apedrejaram estações, quebraram vidros, dinamitaram pontes, arrancaram trilhos, atacaram trens a tiros de revólveres, tentaram demolir importantes obras de arte, entraram em sérios conflitos, desrespeitaram a força armada, autoridades e os funcionários seus dirigentes. Não houve embaraços que não opusessem para impedir o tráfego oficial, com maquinistas e guarnição do Exército e Brigada Militar, que deligenciavam para não serem de todo interrompidas as viagens dos trens, permitindo assim o transporte de forças que deviam acudir apressadas aos pontos de maior agitação, no intuito de obstar às depredações constantemente praticadas pelos tresloucados grevistas” [PEREIRA. Op. Cit. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., p. 206]

[74] BODEA. Op. Cit., p. 60. Também: “Em Santa Maria, um destacamento de primeira linha, a fim de se fazer respeitar e obedecer, atirou contra os amotinados, resultando disso mortes e ferimentos e tremenda excitação que repercutiu ao longe.” [PEREIRA. Op. Cit. In: PETERSEN e LUCAS. Op. Cit., p. 206]

[75] O relato da greve de 1917 no Rio Grande do Sul está baseado fundamentalmente nos trabalhos de PETERSEN. As greves..., PETERSEN e LUCAS. Antologia..., BODEA. A greve..., SILVA JR. A greve..., que só são citados no caso de transcrições literais, procurando evitar o truncamento do texto.

[76] “se o fim da greve geral (...) é para melhorar as necessidades materiais do operariado (...) essa tendência generalizada às principais capitais do sul do país (S. Paulo, Rio e Porto Alegre) corresponde a palpitantes necessidades, legítimas sob muitos aspectos.” [A FEDERAÇÃO, 02.08.1917. In: BODEA, Op. Cit., pp. 39-40] “É extremamente honroso para o Governo do Rio Grande do Sul que agisse antes dos demais nesse sentido. O Dr. Borges de Medeiros (...) exerceu (...) a mais difícil, a mais útil, a mais prática, a mais necessária e urgente das funções especiais do Governo - a previsão dos fenômenos sociais e a providência dos meios para modificar sua intensidade”.[A FEDERAÇÃO, 03.08.1917. In: BODEA, Op. Cit., p. 44, negritado meu]

[77] SILVA JR. Op. Cit., pp. 187-188, 191.

[78] “quando, finalmente, em outubro de 1917, o governo brasileiro, cedendo à pressão imperialista, entrou na guerra, a classe operária não se afastou uma polegada da posição de luta pela paz mantida sem desfalecimento desde o início das hostilidades entre os dois grupos imperialistas.” [PEREIRA. Op. Cit., p. 45]

[79] “surgem novos grupos anarquistas empregando o vocábulo ‘comunista’ na sua denominação. Este foi o caso da Liga Comunista de Livramento (1918) e do Centro Comunista de Passo Fundo (1918).” [PETERSEN. Op. Cit. p. 208]

[80] MARÇAL, Reflexos... Op. Cit., p. 4.

[81] MARÇAL. Primeiras lutas... Op. Cit., p. 49.

[82] “No dia 7 de setembro, cinco mil dos nove mil trabalhadores de Porto Alegre estavam em greve pacífica. (...) A polícia (...) proibiu a realização do comício planejado pelos grevistas. (...) Quando o número dos presentes se elevava a cerca de 500, irrompeu o tiroteio (...) tropas da Brigada Militar, sob as ordens do Governador, invadiram as sedes da Federação Operária, do Sindicato dos Operários da LIGHT e da União Metalúrgica. Seus dirigentes foram desarmados e encarcerados.” [DULES. Op. Cit. pp. 94-95]

[83] KNIESTEDT, FRIEDRICH.. Memórias. In: GERTZ, René E. (editor). Memórias de um imigrante anarquista. Porto Alegre: EST, 1989,  p. 127-128.

[84] “Bandos enormes de populares (...) bateram-se com a polícia e forçaram os estabelecimentos comerciais a cerrar as portas, aos gritos de “fecha, fecha!” Na noite de 6 de agosto, por duas vezes a cavalaria da polícia dispersou a golpes de sabre a multidão. Depois de vários soldados do 58º Batalhão de Caçadores do Exército (...) passarem para o lado da multidão (...) uma grande massa humana, polvilhada de soldados do 58º Batalhão, lançou gritos de “morra” à polícia e aos “poderes constituídos”, de “vivas” ao “anarquismo” e ao “internacionalismo”. A carga de espada da cavalaria policial resultou em tiroteio entre a polícia e a multidão. Esgotada a munição, a cavalaria se retirou e tomou-lhe o lugar um contingente de infantaria da polícia estadual, que trocou tiros com soldados do exército. Cerca de 12 policiais e um número desconhecido de soldados e populares saíram feridos. Duas pessoas morreram no local: Nestor Pereira da Silva, soldado do 58º Batalhão, e José Oliveira do Amaral, civil. (...) Durante o enorme cortejo fúnebre (...) as autoridades não deixaram nenhum operário falar. (...) Recebeu-se, no enterro, a notícia do falecimento de Antonio Lara França, um cabo do 58º Batalhão que fora gravemente ferido na luta de 7 de agosto” [DULES. Op. Cit., p. 65-66]

[85] KOVAL, Bóris. História do Proletariado Brasileiro - 1857 a 1967. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982, pp. 149-151.

[86] DULES. Op.Cit., pp. 73-74.

[87] “Hermínio Linhares, na sua clássica Contribuição à História das Lutas Operárias no Brasil’ (...) reprisa sua informação que ‘em 1924 houve uma grande greve nos Frigoríficos Armour’ (...) Pesquisas recentes, porém, feitas pelo historiador santanense Ivo Caggiani recolocam as coisas nos seus devidos lugares. Essa greve não foi feita em 1924 mas em 1919”. [MARÇAL, João Batista. A primeira greve contra uma multinacional no RS.. Inédito, mimeografado, S/D, p. 2]

[88] LINHARES. Op. Cit., p. 68.

[89] MARÇAL. A primeira greve... Op. Cit., pp. 2-4.

[90] DULES. Op. Cit., pp. 108-116.

[91] BANDEIRA, Moniz et al. O Ano Vermelho: A Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 151.

[92] HARDMAN, Francisco Foot. Anarquistas e anarco-sindicalismo no Brasil. Apud SEGATTO, José Antonio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, pp. 85-86.

[93] BRANDÃO, Octávio. Combates e Batalhas - Memórias, 1º Volume. São Paulo: Alfa Ômega, 1978, pp. 209-211.

[94] KOVAL. História ... Op. Cit., pp. 99-118.

 


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