Os recentes e vigorosos ataques ao Congresso Nacional e aos representantes políticos do povo, em todas as esferas, muito mais ao nível generalizante do que personalizado, atingem as instituições democráticas em geral. A continuidade dos ataques e a moralidade puritana de que se revestem constituem um claro recado das elites, que também detêm a mídia: Que as mudanças sociais e a progressiva conquista da cidadania para os anteriormente excluídos não se alvoreça em demasia. Que há limites para o povo, assim como para a democracia.
O recado é algo como “se continuarem avançando, terminamos com este ciclo de democracia (demasiado longo para as elites conservadoras), como sempre fizemos. Já estamos com a vassoura da moralidade nas ruas, que serviu muito bem a todos os nossos golpistas de plantão. Se somos hipócritas, não importa, continuaremos a produzir manchetes e reportagens parciais em defesa da nossa vassourinha gendarme. Afinal, quem sabe substituímos o custo do Congresso Nacional por investimento em aparelhamento policial?”.
Não há paranóia ou esquizofrenia em tal assertiva; apenas análise histórica. Alguém se lembra de um período de democracia (e legalidade dos comunistas) por um lapso temporal tão longo na história nacional? Pois este longo período de consolidação de uma democracia representativa, nos moldes da burguesia, parece incomodar muita gente. Parece que a permissão dos avanços sob a democracia concedida começa a atingir seu limite. O avanço do país como protagonista no cenário mundial para debater questões estratégicas como energia e comércio, tecnologia e segurança, sua capacidade de firmar soberania sobre a Amazônia e a maior reserva de água doce potável do mundo, além de inúmeros fatores, tornam o Brasil de hoje um perigoso modificador da ordem mundial. A democracia e suas instituições são a base desta nova realidade; miná-las pode atender aos interesses de muitos poderosos, externos e internos.
Questões inadiáveis como uma reforma urbana, que apesar da diversidade de instrumentos jurídicos e legais, custa a avançar. A reforma agrária, então, dispensa comentários, fazendo jus a ser destaque no museu das necessidades imperiosas da nação.
Afinal, vamos convir, com todos os noticiados equívocos praticados no manto da “democracia” e suas manchetes de imoralidades, estamos vivenciando a melhor fase da história econômica do país, sobretudo se considerarmos que vivemos em um estado democrático de direito. É com o iniciar do amadurecimento da democracia que o país começa a colher os melhores frutos de sua história republicana.
A democracia nacional - que ainda engatinha - já encontra feras vociferantes e ameaçadoras contra si. A virginal transparência da coisa pública, cuja finalidade é encontrar os equívocos praticados na república e solucioná-los, virou instrumento de liquidacionismo institucional.
Eu pergunto às elites que dominam a mídia: Quando descobriram irregularidades no Poder Judiciário (seu último reduto pelo direito adquirido, segurança jurídica e proteção da sagrada propriedade privada) aventaram a hipótese de fechá-lo?
Se no episódio “Lalau”, no TRT de São Paulo, foi cogitado que o mesmo deveria ser fechado? Algum órgão jornalístico que se reveste de debatedor democrático elaborou alguma enquete “interativa” se o TRT deveria ser fechado? Se todos os Juízes são corruptos? Se há generalização ou rigor sobre as contas públicas do Judiciário? Talvez em tal vespeiro não seja prudente cutucar; ainda que saibamos que o nepotismo, direto ou cruzado, é uma prática centenária neste Poder. Mesmo sabendo que os cartões corporativos deste Poder (o Judiciário) foram os que indicaram a maior incidência de saques em caixas eletrônicos. Mesmo sabendo-se que o Judiciário é quem julga seus pares e que se houver alguma licitação que a Presidência de um Tribunal de Justiça encaminhe de forma suspeita, será um Juiz subordinado à mesma que apreciará a questão. Ainda assim, o único problema parece ser o Parlamento – o grande vilão da miséria nacional.
Questionar tão profundamente este componente da República (o Judiciário) parece não interessar, pois não é um poder eleito pelo povo e não o representa. Aliás, resiste em aplicar os avanços legais do Congresso, principalmente se estes significam a mitigação da sagrada propriedade privada.
Enquetes interativas acerca do fechamento de um dos poderes da República recaem somente sobre o Poder Legislativo, justo aquele que fiscaliza a República e está aberto ao povo para participar de decisões e elaborações legislativas, como a Lei federal 11.124/2005, que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, alterando substancialmente as políticas públicas de habitação e o desenvolvimento econômico nacional, através da iniciativa popular, fato somente possível no Parlamento (foi a primeira lei sancionada a partir da iniciativa legislativa popular).
Portanto, o alvo parece bem claro: A parte da República que tem representação popular, sua face democrática.
As generalizações deliberadas contra os parlamentares, as divulgações simplistas e parciais de questões destinadas ao fomento de uma indústria de escândalos, em que muitas vezes uma questão simplória que pode ser corrigida (e normalmente o é) por uma sindicância ou processo administrativo, normalmente existente na vida do serviço público (mandatário ou não), viram manchetes em jornais impressos e eletrônicos de circulação nacional.
Vejam bem, não defendo o indefensável. Contra os infratores e suas irregularidades, em qualquer esfera, deve-se travar uma luta inflexível em defesa do patrimônio público, na forma em que a lei assim prevê. Porém, quero evitar que sejam injustiçados aqueles que sempre lutaram pela regularidade e que apuram os fatos dos maus gestores públicos, até porque só temos ciência dos maus políticos porque há os bons. Portanto, a generalização é sempre injusta.
Imaginem se concebêssemos a conduta da classe jornalística a partir da imprensa marrom, seria uma injustiça irreparável e um dano à democracia.
É inadmissível a rapinagem de políticos indiferentes à consciência da necessidade de bem gerir os recursos públicos, que ignoram o povo que os elegeu e os pesados impostos que pagam para garantir a sua fundamental atividade parlamentar. Entretanto, são apenas estes que devem pagar, e não a sociedade como um todo ser tolhida do direito de eleger um parlamentar qualificado para o exercício importante e imprescindível para a democracia.
Punir genericamente nada mais é do que punir a sociedade; além disso, punir de forma genérica, e generalizar em qualquer grau, dificulta a repreensão ao mau político, que se dispersa entre os colegas, desviando o foco sobre a infração isolada. Ademais, o foco certeiro sobre o mau político é que pode propiciar a verdadeira punição, que somente virá pelas urnas, quando – ainda que legal sua conduta – não estará embasada na moralidade média da sociedade – quem efetivamente tem legitimidade e soberania para decidir quem é bom ou mau político.
Lamentavelmente, questões como a sonegação de impostos dos grandes empresários e a péssima distribuição de riquezas, como os baixos salários diante dos lucros e da mais-valia, deixam de ser notícia. O escândalo do spread bancário, que afeta milhões de brasileiros em diversos aspectos, parece menos importante do que um servidor que comprou indevidamente uma camisa com um cartão corporativo do Congresso. A histeria antidemocrática beira ao ridículo, e somente não é hilária por ser demasiadamente perigosa ao povo e à soberania nacional.
Uma mídia poderosa, como muitas do país, que lucram milhões e pagam salários vergonhosos aos seus trabalhadores, acaso não seria um escândalo?
Claro que não, seria muita ingenuidade acreditar nisso. Mas, que deveria ser, isso deveria!
Não raramente, algum arauto da moralidade menciona que em outros países, como U.S.A., Inglaterra, Alemanha, Suécia, etc., qualquer pequeno deslize significaria a vergonha perpétua e o banimento político do infrator.
Primeiro, eu digo que estamos no Brasil, não em outro país, embora alguns membros da elite preferissem usar outro passaporte que não o nosso pujante e multicultural tupiniquim nacional; Segundo, eu pergunto: Na história dos USA, Inglaterra e etc., quantas vezes fecharam seu parlamento? Quantas vezes, nas suas histórias, cassaram deliberadamente deputados por discordância ideológica? Há quantos anos existem as casas parlamentares, ininterruptamente, nestes países que servem de exemplo moral?
A Inglaterra, ao experimentar a ditadura republicana de Cromwell, viu um rei ser decapitado, mas não teve seu parlamento fechado, ao contrário, foi palco da luta política que buscava consolidar uma nova ordem, agora preparatória para a revolução industrial! Por que não citam este exemplo?
Nossa redemocratização e transparência ainda engatinham, temos de cuidar delas, corrigir seus problemas, nunca demonizá-las. É como exterminar um boi porque havia nele alguns carrapatos.
Se o período é próspero, finalmente, é porque a democracia funciona, o que realmente não funciona é a pior distribuição de riquezas do mundo, a exploração de uma elite voraz sobre um povo pobre e trabalhador, o verdadeiro escândalo nacional.
Vejam bem, quero reforçar a importância da mídia livre. Na democracia em que vivemos é imperiosa a liberdade da imprensa. Mas é preciso saber que a opinião da imprensa e da mídia será sempre parcial, imbuída de uma idiossincrasia ideológica dos seus editores. Ninguém, nunca, pode pretender-se universal, sob pena de praticar o totalitarismo ideológico, conduta que a mídia conservadora insiste em atribuir aos progressistas e revolucionários, muito embora ela seja aluna e mestre da difusão da “única forma de liberdade e pensamento livre”; aquela que só permite tais atributos para uma diminuta casta de senhores que resistem em fazer das misérias do mundo, seu pequeno reino de luxo.
Atenção, meus caros pensadores livres. Atenção aos que atacam de forma genérica. Atenção às vassourinhas da moralidade, cuja verdadeira identidade corresponde às rapinas da hipocrisia. Para visualizar o futuro do Brasil, é preciso conhecer o seu passado, o que torna assustador o momento de ataques às instituições democráticas.
O fato de Lula não poder se reeleger - e os progressistas procurarem outro nome para manter o atual projeto nacional e ainda avançar mais-, alimenta uma direita raivosa, nacional e internacional, que não hesitará, caso sofra uma nova derrota nas urnas, em balançar as estruturas novamente, não somente para manter o que tem (ao custo da exploração e da miséria), mas para recuperar o que perdeu, com o avanço da democracia.
No Pasarán!
Eduardo Andreis
Alvorada/Porto Alegre/Brasil
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