O ex-sargento defendia a restituição do presidente deposto João Goulart. Por causa disso, foi preso em 11 de março daquele mesmo ano, quando distribuía panfletos em frente ao auditório Araújo Viana, protestando contra a visita a Porto Alegre do então presidente da República, Castelo Branco.
Dali, ele foi levado para a sede da Polícia do Exército e depois para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde foi torturado durante semanas. Por fim, foi encaminhado para a Ilha-Presídio. Lá, ficou encarcerado por cinco meses, sendo submetido a novos espancamentos de tempos em tempos.
Na correspondência a Betinha, ele faz referência às sessões de tortura, que culminaram no seu assassinato em 24 de agosto de 1966, depois do afogamento no rio Jacuí. Seu cadáver foi encontrado boiando num taquaral da Ilha da Pintada, com as mãos amarradas às costas. Foi o primeiro episódio de tortura e morte indiscutivelmente relacionado à ditadura militar (1964-1985) brasileira - o famoso Caso das Mãos Amarradas.
Passados 45 anos, Soares recebeu uma honraria de verdade às margens do estuário onde o seu corpo foi encontrado. Autoridades eleitas democraticamente - graças à luta de pessoas como o ex-sargento - inauguraram no Parque Marinha, na Capital gaúcha, o memorial Pessoas Imprescindíveis, uma homenagem a Manuel Raymundo Soares concretizada na escultura da artista plástica Cristina Toniolo Pozzobon.
“Não podemos esquecer o papel dos próprios militares na resistência. Muitos militares como o sargento Manoel Raymundo não aceitaram ser instrumentalizados pelo regime militar. Querem que a gente os esqueça, mas não vamos esquecer”, lembrou o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão.
O presidente da Assembleia Legislativa, deputado estadual Adão Villaverde (PT) , falou da repercussão do assassinato do ex-sargento em todo o Brasil (o Ato Institucional Nº5 ainda não tinha cerceado com veemência a imprensa). A inconformidade da opinião pública desencadeou inclusive uma CPI no Parlamento gaúcho.
“O caso causou comoção nacional. Foi manchete de todos os jornais. Aqui na Capital, uma multidão acompanhou o cortejo. Onde eles passavam, o comércio fechava as portas em luto. Então, a Assembleia tomou uma atitude e abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os fatos acobertados pela polícia”, observou.
A CPI do Caso das Mãos Amarradas iniciou os trabalhos em 31 de agosto de 1966, sob a presidência do deputado estadual Ayrton Barnasquee relatoria de Antonio Rosa Flores. Ao encerrar as atividades em 19 de junho de 1967, o colegiado indiciou os responsáveis pelo brutal assassinato do ex-sargento: Major Luiz Carlos Mena Barreto e os delegados Itamar Fernandes de Souza e José Morsch (os três ligados ao Dops).
Além disso, a comissão apontou como cúmplices o então Secretário de Segurança Pública, Washington Bermudez, e o Superintendente dos Serviços Policiais, Tenente Coronel Lauro Melchiades Rieth, por esconderem ou apresentarem informações falsas. No entanto, nenhum dos apontados pela CPI foi punido.
Na época, Rosa Flores chegou a abandonar a vida pública por assistir a indiciados pela CPI saírem impunes com tantas provas os incriminando. Ele também esteve no Parque Marinha na inauguração do memorial. “Mas, afinal, não foi um trabalho inútil. Fico feliz de estarmos lembrando do sargento aqui.”
A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário (PT) , lembrou das correspondências que Soares enviava clandestinamente para a esposa. “Numa das cartas, o sargento Manoel escreveu: ‘Tenho uma fé inabalável de que os adversários não conseguirão destruir nosso amor’. Eu tenho convicção de que os adversários de hoje não impedirão a verdade, a cidadania e os direitos humanos.”
O prefeito José Fortunati (PDT) relatou uma homenagem modesta que rendeu a Manoel Raymundo Soares, junto do presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, e o poeta Thiago de Melo: “Nos reunimos nas margens do rio e lemos um poema para o sargento. Fico feliz com esse memorial, que vai perpetuar a história do sargento e lembrar do Caso das Mãos Amarradas, para que ele nunca mais se repita”.
Fonte: Jornal do Comércio
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