Porto Alegre, sábado, 21 de dezembro de 2024

   

Deputado Raul Carrion - PCdoB-RS

17/11/2010

Raul Carrion: “Governo Tarso precisa de coalizão, mas com um núcleo de esquerda”

Em entrevista ao site Sul21, o deputado Raul Carrion afirma que Governo Tarso precisa de coalizão, mas com núcleo de esquerda.
 

Foto:Marco Quintana/Sul21

Por Felipe Prestes

Se deixar, o deputado estadual Raul Carrion (PCdoB) é capaz de falar por horas a fio sobre um tema chave de sua plataforma de atuação na Assembleia Legislativa. O comunista é um defensor da Reforma Urbana e cita sem grande esforço várias áreas de todo o estado cujos moradores contaram com seu auxílio para obter regularização fundiária e obras de urbanização. “O deputado da questão urbana é o Raul Carrion”, diz, assim mesmo, como se falasse de outra pessoa.

Carrion prefere usar o “nós” ao “eu”, e lembra sempre do PCdoB. O comunista deixa claro que o seu partido compreende a necessidade dos governos de Tarso Genro e Dilma Rousseff de repartirem posições com várias legendas, preterindo o parceiro mais antigo, o PCdoB. Ele, porém, faz uma ressalva: “É preciso ter uma coalizão ampla, mas com um núcleo de esquerda, para não perder o rumo”.

O comunista também falou sobre 2012. Disse que hoje o PT está mais aberto e sinaliza que deve apoiar a candidatura de Manuela D’Ávila (PCdoB) à prefeitura de Porto Alegre. Carrion afirma que o partido aceita conversar sobre um apoio a José Fortunati (PDT). Mas ressalta a força do nome da colega de partido. “Ela é a favorita, concordas?”


Sul21: A que o senhor atribui a votação que lhe deu a reeleição? Que segmentos e regiões do estado votam no senhor?

Raul Carrion: Essa votação, por um lado, tem um conteúdo partidário. Sou, há muitos anos, militante do PCdoB e de movimentos sociais. Minha militância iniciou-se em 1963, como estudante secundarista, depois, como estudante universitário. Em seguida, nas lutas contra a ditadura e como trabalhador, operário. Depois fui exilado. Retornei e atuei muitos anos como metalúrgico e no movimento sindical ainda no período da ditadura, pós-anisitia e, por fim, na atividade política. A minha votação foi em 277 municípios. Mas evidentemente mais concentrada (85%) na Grande Porto Alegre. Praticamente 50% em Porto Alegre, onde fui vereador por mais de um mandato e onde temos uma base eleitoral mais forte. Com relação aos setores sociais que votam na gente, é bastante variado. Temos uma militância muito forte na área da Reforma Urbana. Já presidi diversas comissões nesse campo, participo dos conselhos nacional e estadual das cidades. Diria que aqui na Assembleia sou conhecido como o deputado da Reforma Urbana, da questão habitacional, da mobilidade urbana. Outra frente importante é a sindical.

Foto:Marco Quintana/Sul21

Sul21: A Reforma Urbana é a sua prioridade. O que o senhor destaca do que tem feito nesta área e o que pretende fazer no próximo mandato?

RC: Nossa contribuição no campo da Reforma Urbana se dá principalmente
na elaboração de leis e na mediação das demandas da sociedade. Nós, já no primeiro ano de trabalho, constituímos a comissão especial de Habitação Popular e Regularização Fundiária, porque não existe uma comissão dedicada a este tema na AL. Neste processo constituímos um fórum permanente de prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos. Também realizamos dois seminários sobre este assunto. Editamos diversas publicações neste campo. Atendemos algumas dezenas de comunidades em todo o estado que nos procuraram e que nos demandaram apoio. Evitamos o despejo de milhares de famílias e encaminhamos a regularização fundiária de dezenas de comunidades. Para destacar algumas delas, em Santa Maria, a Nova Santa Marta se considera a maior ocupação urbana do país. Há quinze anos tínhamos uma área da Cohab ocupada por 25 mil pessoas, são mais de 6 mil famílias. Nós iniciamos o trabalho da comissão especial por lá.

Conseguimos incluí-la nas obras do PAC. Hoje, esta área já foi repassada da Cohab para a prefeitura de Santa Maria e as obras de urbanização estão em andamento. Foi a partir da nossa ação que trouxemos para a AL o debate sobre a área da Fase (em Porto Alegre), que seria vendida com 1,5 mil famílias (morando lá). Conseguimos bloquear a tentativa da governadora (Yeda Crusius) de vender a área com gente em cima, sem regularização. Já estamos tratando de regularizar. Sem falsa modéstia, o deputado da questão urbana na AL é o Raul Carrion. É uma das marcas do nosso mandato.

Sul21: O que o governo Tarso poderá fazer, em linhas gerais, neste sentido?

RC: Nós participamos ativamente da formulação do programa de governo de
Tarso Genro, especificamente na questão urbana. Apresentamos inúmeras sugestões que foram acolhidas. Entre elas posso colocar diversas propostas para um amplo processo de regularização urbana no nosso estado. Nós temos o problema da regularização urbana, primeiro, em áreas públicas federais – em áreas da extinta rede ferroviária, portuárias, litorâneas, áreas do INSS e assim por diante. O governo federal tem dificuldades de fazer diretamente esta regularização. O Ministério das Cidades tem apoio a dar neste campo, mas é preciso iniciativa do governo estadual. A sistemática de como fazer esta regularização fundiária foi aberta pelo nosso trabalho na Assembleia.

Nós temos dezenas de áreas públicas do estado que também precisam ser regularizadas. Então, propusemos ações globais para a regularização das áreas públicas do estado. Há também áreas dos municípios e privadas que precisam ser regularizadas. O governo Tarso pode também fazer com que o Conselho Estadual das Cidades passe a jogar um papel estratégico, hoje ele está pouco operativo.

Sul21: O senhor tem uma atuação marcante na questão da igualdade racial. O que o senhor pretende trazer para o próximo mandato?

RC: Eu diria que esta questão está dentro de um contexto maior: dos
Direitos Humanos. Nós temos uma luta contra todo o tipo de discriminação – de gênero, de raça, por deficiência física, opção sexual e assim por diante. A questão do racismo é talvez a mais proeminente deste meu trabalho. A questão mais importante é o Estatuto Estadual da Igualdade Racial. O secretário (da Justiça e do Desenvolvimento Social) Fernando Schüller já manifestou concordância com a aprovação do estatuto. Se for possível votaremos neste ano, o que criará uma estrutura legal para que o governo Tarso implemente inúmeros avanços. O estatuto estadual pode avançar em relação ao nacional. O estatuto criado pelo senador (petista Paulo) Paim tinha alcance maior, mas enfrentou muitas dificuldades. Foi necessária uma negociação na qual muitos aspectos foram castrados do estatuto. Agora temos a possibilidade de aprovar um estatuto que avance em questões em que o estatuto nacional não pode avançar.

Sul21: Que questões são estas?

RC: Por exemplo: na questão das cotas, o estatuto nacional praticamente
não conseguiu avançar. Nosso estatuto coloca a questão de princípio e nós temos, além disso, um projeto de lei que cria as cotas raciais na Uergs – lá existe as cotas sociais, mas não existe as raciais. Como o estatuto trata das diretrizes, dos grandes eixos, é preciso também leis específicas. Nós temos um projeto de lei criando as cotas raciais nos concursos públicos no Rio Grande do Sul. Temos um projeto que institui o feriado do Zumbi dos Palmares em 20 de novembro. Temos uma lei já aprovada que normatizou a preservação do patrimônio histórico-cultural dos negros. Outra lei transformou um patrimônio histórico-cultural do RS, o sítio de Porongos, onde houve o massacre dos negros farroupilhas.

Sul21: Havia um sentimento forte de antipetismo aqui no estado e, agora, Tarso Genro se torna o primeiro governador a ser eleito em primeiro turno. O que mudou?

RC: Isso que tu dizes é verdade: houve um antipetismo muito grande. Foi
fruto, no entender do PCdoB, de alguns equívocos na condução de determinados debates políticos pelo PT. Não só de equívocos. Decorre, também, de uma ação das elites de procurar, ao atacar o PT, atacar a esquerda em seu conjunto. Houve dificuldades nas relações do PT com seus aliados. Havia uma visão muito hegemonista que foi levando o PT a certo isolamento no estado. A própria direita batia em cima disso. Eu diria que o Tarso e o PT aprenderam com as experiências, tanto com as positivas quanto com os erros. O Tarso soube construir uma frente, que apontou inclusive alguns destes equívocos. Colocou que o que importa é o campo (de esquerda) e que era preciso tratar esta eleição, pensando também em outros processos eleitorais, examinando a possibilidade de que outras forças aliadas tivessem papel relevante em outras eleições.

Cito o caso da próxima eleição para a prefeitura de Porto Alegre, onde há uma candidatura posta com grande potencial, da nossa companheira Manuela (D’Ávila). Tanto o PT como o Tarso sinalizaram (para uma coligação). Isto mostrou um PT mais maduro, mais aberto. E a própria campanha para o governo do estado foi diferenciada. Se tu observares não era uma campanha petista. Era mais ampla. Era Unidade Popular pelo Rio Grande, pelo Brasil, pelo mundo. As cores eram plurais. São detalhes, mas mostram que é outra visão de frente. Quando a Manuela fez uma campanha desta forma muitos diziam: “Mas onde estão a foice e o martelo?” E ela respondia: “Não sou candidata do PCdoB, mas de uma frente”. Agora o PT fez a mesma coisa.

Sul21: Nesta questão da Prefeitura, para manter a unidade não seria importante apoiar o candidato do PDT (José Fortunati)?

RC: Não sei. Nós achamos que não. O PDT é um aliado que nós temos que
trabalhar aqui no estado, mas objetivamente não esteve no projeto conosco. Nós achamos que uma frente, tendo por base o PT, o PCdoB e o PSB tem todas as condições de conquistar (a Prefeitura). Nós faremos todos os esforços para o PDT estar junto. Mas achamos que hoje (Manuela D’Ávila, do PCdoB) será uma proposta mais avançada. Quando tu tens uma proposta mais avançada, que é viável, deves trabalhar pela proposta mais avançada. O PCdoB trabalha nesta perspectiva. Muitas vezes há uma proposta viável de centro-esquerda, uma de direita e uma de esquerda ou de extrema-esquerda inviável. Aí nós buscamos a mais viável. Agora, no município de Porto Alegre tu discutes a viabilidade de uma chapa com PT, PCdoB e PSB, com a candidatura da Manuela? É a favorita, concordas?

Então, por que não apostar no mais avançado, que já está reunido no RS? Mas é claro que estamos abertos para qualquer discussão. O PCdoB nunca vai para uma composição impondo nada. Mas é indiscutível o nome mais forte para Porto Alegre.

Sul21: Como é que o senhor está vendo a composição dos cargos no governo estadual, com partidos que não fizeram parte da chapa obtendo mais postos que partidos como PCdoB e PSB?

RC: O Lula sempre defendeu que é preciso um governo amplo, de coalizão.
Tem que garantir a possibilidade de governar e não deve ser uma cooptação. Achamos que a primeira parte do governo Lula teve muito mais aspecto de cooptação do que de coalizão. E levou ao que levou. Quando aquela crise ocorreu (do mensalão) – é bom lembrar que aquela crise foi sustada pela vitória do Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados, pelo papel que o PCdoB desempenhou, porque o PT não teria condições de ganhar a presidência da Câmara naquele momento –, o Lula passou a trabalhar bem mais com o governo de coalizão. O estado precisa disso também. Mas, ao mesmo tempo, nós defendemos a existência de um núcleo avançado de esquerda no seio da coalizão, porque tu não podes perder o rumo. Será um equívoco não manter isto, tanto no nível nacional como aqui. Agora, isto não é uma questão de cargos. É realmente este núcleo estar entrosado, articulado. O PCdoB jogou um papel muito importante na formação desta frente e na campanha. E já tem anunciado uma participação através da companheira Abgail, que jogou um papel estratégico na campanha (para o Senado). O PMDB ainda se lamenta de ter deixado de fora o Ibsen Pinheiro. A Abgail (Pereira, candidata ao Senado) fez mais votos do que a governadora, as pessoas não percebem isso, e foi chave para que o (petista Paulo) Paim se elegesse bem.

Então, o PCdoB sabe que deu grandes contribuições nesta eleição e espera ter espaço político para contribuir para que os avanços possam se dar. Mas entende que o Tarso precisa compor com o PDT, e o PDT precisa ter espaços condizentes com sua importância. O mesmo vale para o PTB. Mas também compreendemos que sem o PCdoB dificilmente esta vitória teria se consolidado.

Sul21: No que o governo Dilma deve avançar em relação ao governo Lula?

RC: Nós entendemos que a Dilma tem condições de fazer avanços ainda
maiores que o governo Lula, pelo simples motivo de que o Lula teve herança trágica do governo Fernando Henrique. A Dilma não: pega o Brasil “bombando”, economicamente fortalecido, com 7,5% de crescimento. Então, ela parte de outro patamar, apesar de não ter o carisma, o peso que o Lula tem. Ela vai precisar, mais do que o Lula, de um grande governo de coalizão e de um núcleo de esquerda que segure seu governo.

Creio que o país teve grandes avanços econômicos, mas corremos riscos de desindustrialização – seja porque o câmbio é extremamente problemático, seja porque o Brasil cresceu muito nas commodities. Por outro lado, há um potencial muito grande com a questão do pré-sal. O quadro é positivo. Podemos avançar muito no fortalecimento tecnológico, econômico e na política internacional. Temos graves problemas na saúde e na segurança, que têm que ser enfrentados. Temos potencialidades muito grandes, mas temos desafios grandes também. Achamos que a companheira Dilma terá grandes possibilidades de êxito, e o PCdoB estará junto para contribuir.

Sul21: E na questão social o que deve avançar?

RC: Acho que temos tido grandes avanços na inclusão social e ela
(Dilma) tem chamado atenção à possibilidade de erradicação da miséria. Na questão salarial, hoje temos um salário mínimo muito mais elevado, ganhos reais para o trabalhador. Temos a inclusão de milhões de famílias, que passaram das classes D e E, para a C. Temos o Bolsa Família. Temos planos na área urbana que têm servido para dinamizar economia e dar dignidade às pessoas. Creio que temos que dar seguimento a estes rumos e aprofundar. No campo social, a redução da jornada (de trabalho) é uma questão que se impõe. O desemprego tem diminuído. A redução da jornada poderia praticamente gerar o pleno emprego. A tecnologia avançou tanto, mas a redução da jornada é mínima desde o século retrasado. Chegamos a 48 horas semanais, são 44 hoje e já estará ultrapassado se chegarmos às 40 horas semanais.

Fonte: www.sul21.com.br