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Deputado Raul Carrion - PCdoB-RS

27/07/2009
Carrion é entrevistado pelo JCRS
O deputado Estadual Raul Carrion em entrevista ao Jornal do Comércio desta segunda-feira (27) fala sobre eleições 2010, governo Yeda, governo Lula e o papel do Partido Comunista nos movimentos políticos e sociais. Confira na íntegra a reportagem com o parlamentar, por Guilherme Kolling e João Egydio Gamboa.
 

Foto:Claudio Fachel/JC

O PCdoB vai dar prioridade à disputa nas eleições proporcionais em 2010. Ao contrário de 2008, quando o partido lançou o maior número de candidatos aos executivos municipais em sua história, desta vez a sigla fará alianças na majoritária, buscando mais espaço nos legislativos.

A informação é do deputado estadual, Raul Carrion (PCdoB), uma das lideranças da legenda no Rio Grande do Sul. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o parlamentar garante que o partido não terá alinhamento automático a nenhuma candidatura - discurso semelhante ao de representantes do PDT, PSB e PP, siglas que também buscam uma nova via ao Palácio Piratini. Carrion entende que essa possiblidade é uma boa alternativa, mas também não descarta que o PCdoB faça coligação com o PT para o governo do Estado.

O deputado ainda avalia a gestão de Yeda Crusius (PSDB), de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e explica como o PCdoB, apesar de pequeno, consegue tanta representação nos movimentos estudantil e sindical.

Jornal do Comércio - Qual é o projeto do PCdoB para as eleições de 2010?

Raul Carrion -
Na eleição passada, o partido deu preferência às candidaturas majoritárias. Lançou em torno de 400 candidatos, inclusive nas capitais. E quadriplicou o número de prefeitos eleitos. Em 2010, o partido vai concentrar seu trabalho nas eleições proporcionais - Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas. Portanto, candidaturas ao governo do Estado e Senado não são prioridade. A meta é eleger dois deputados federais e manter a presença na Assembleia.

JC - O PCdoB vai apoiar o ministro Tarso Genro, candidato do PT ao Piratini?

Carrion
- Vamos analisar todas as possibilidades. A orientação é conversar com os partidos que fazem parte da base do governo Lula, excluindo os que são de oposição. O principal é garantir a continuidade do projeto representado pelo presidente. A eleição nacional será orientadora das alianças (regionais). Tudo indica que haverá composição nacional com o PMDB, com a possibilidade de termos mais de um palanque no Rio Grande do Sul. Além do PT, dialogamos com todos os partidos - PSB, PDT, PTB, PPS...

JC - Líderes do PT sempre citam o PCdoB como possível aliado para 2010.

Carrion -
Isso nos honra, mas essa candidatura do Tarso poderá ou não se tornar ampla. O PCdoB teve candidatura própria à prefeitura de Porto Alegre em 2008 para inovar na política, sair dessa polarização entre bons e maus, de bandidos e mocinhos, entrar na política mais aberta, que é a marca histórica do PCdoB.

JC - Fala-se em uma nova via ao governo do Estado, com vários partidos.

Carrion
- A política no Rio Grande do Sul tem caído em certo maniqueísmo. Apesar de estar abraçado em Brasília com um tal partido, que aqui ele é o demônio. Essa não é uma política consequente. Se temos condições de trabalhar com determinadas forças, não há porque excluí-las. É fundamental manter uma coerência nacional e estadual.

JC - Mas o PPS faz oposição ao governo Lula e o PCdoB se aliou à sigla em Porto Alegre.

Carrion
- Foi a maior coligação, com sete partidos, e teve o PPS. Naquele momento, mostramos uma política ampla. Esse tem que ser o caminho da política. Aliás, é o que Lula está fazendo. Por que o Brasil tem avançado? Porque Lula está fazendo isso.

JC - Em nível estadual, é viável essa nova via que os partidos estão montando?

Carrion
- É uma possibilidade em aberto. Continuamos conversando, temos que ver se é possível essa composição. E não se trata de nomes, Beto Albuquerque (PSB) é um nome  sempre posto...

JC - PMDB, PT e PSDB terão candidato.

Carrion -
Temos a governadora, que está extremamente desgastada, mas se afirma como candidata. O PMBD terá (José) Fogaça ou (Germano) Rigotto, e temos o nome de Tarso. Poderão surgir outras alternativas. Mas tem ainda as duas candidaturas ao Senado e para vice-governador. São quatro posições pelo menos que podem servir de alternativas. Então, estamos dicutindo ideias e um caminho mais aberto, menos sectário, menos dono da verdade.

JC - Há muita resistência ao PT?

Carrion
- Vai depender da capacidade do PT de sair de um isolamento em que foi jogado. A direção avançou nesse sentido, mas há uma disputa no partido. O PCdoB e o PSB vêm criando uma articulação mais ampla, para que o PT repense algumas questões, compreenda essa visão mais ampla, que o Lula está demonstrando no Brasil. Estamos cumprindo nosso papel nesse momento: oxigenar a política no Rio Grande do Sul. E uma coisa fica clara: o PCdoB não tem alinhamento automático.

JC - A coalização nacional será mantida?

Carrion -
Não está definido. Aposta-se na companheira Dilma (Rousseff, PT) e discute-se a candidatura do companheiro do PSB, Ciro Gomes. Temos que compor o campo do governo Lula com uma ou duas candidaturas, para garantir a sua vitória no segundo turno. Isso vai depender de palanques nos estados, que tenham a possibilidade dessa unidade. O PSDB, que representa o neoliberalismo, com (José) Serra ou Aécio (Neves), tem certa força. Aliás, lideram as pesquisas atuais, que não significam nada. Quem vai decidir o resultado é o chamado centro político. Temos que trabalhar para atrair as principais forças de centro. O PMDB tem um papel importante, por isso, as montagens estaduais têm muito a ver com a eleição federal.

JC - Qual sua avaliação do governo Yeda Crusius?

Carrion -
É um governo que tem sido politicamente desastrado. Tem a marca da governadora de arrogância, prepotência e falta de diálogo. Basta ver que já iniciou com os “pratos quebrados” com o seu vice (Paulo Feijó, DEM). Iniciou o governo com uma derrota na Assembleia Legislativa - mesmo com mais de 40 deputados, conseguiu perder no pacotaço. Assumiu com três pretensos secretários abrindo mão de serem secretários. Os fatos estão aí, não é preciso falar.

JC - E do ponto de vista administrativo?

Carrion
- É um governo que, com sua visão neoliberal fundamentalista, tem causado enormes prejuízos em todas as áreas. Tem como meta única e obsessiva o défict zero, que já foi para o espaço com a crise.

JC - Mesmo com os cortes, não será possível mantê-lo?

Carrion -
A arrecadação está em queda vertiginosa. Déficit zero, só se cortar ainda mais. Mas só se vê déficit em todos os países. Os governos estão fazendo isso para movimentar a economia e sair da crise. E a governadora parece que vive no mundo da lua, não é capaz de compreender isso. Em cima de que está o déficit zero? Da educação zero, da saúde zero, da segurança zero, questão social zero e assim por diante. Não estão sendo feitas políticas contra a crise. E se analisarmos a questão da moralidade, é um governo que está mergulhado na crise de falcatruas em todos os campos.

JC - O governo diz que há denuncismo, alega que não há provas até o momento?

Carrion
- Mas e o processo em Santa Maria da roubalheira do Detran? Não existe? Quantos secretários afastados por envolvimento? Tivemos o último episódio com o ex-diretor do Detran, Sérgio Buchmann. O chefe de gabinete da governadora (Ricardo Lied) vai com um delegado falar com Buchmann para que ele avise o filho que vai ser preso. Buchmann percebeu a cilada para tirá-lo do cargo. Tem ainda a questão da ouvidoria, que Adão Paiani levantou, a Operação Solidária. São denúncias gravíssimas. E o governo não reage.

JC - O senhor acha que esse tema vai pautar o debate eleitoral em 2010?

Carrion
- As questões política, econômica, social e da moralidade desse governo estão integradas.

JC - Mas qual será a questão central proposta?

Carrion -
As soluções para os problemas do Rio Grande do Sul não podem ser pensadas em separado das soluções dos problemas nacionais. O governo Lula tem feito coisas fundamentais para a retomada do Rio Grande do Sul. Por exemplo, o novo polo naval de Rio Grande, o aproveitamento energético do carvão, a energia eólica.

JC - A questão central será o alinhamento ao governo federal?

Carrion
- Não é um alinhamento no sentido de subordinação. Mas no sentido de fazer o projeto de desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Não existe um projeto. Estamos vendo uma série de ações do governo federal, mas o governo estadual está de costas para isso. O governo Lula quer fazer um projeto de grandes investimentos, de valorização da economia. E o governo daqui quer fazer caixa. O que importa é o déficit zero, uma questão dissonante.

JC - Então, é possível que haja até três candidaturas com essa visão: PT, PMDB e essa nova?

Carrion
- É preciso verificar se todas essas frentes têm essa visão. Esse é um ponto em que o PCdoB tem trabalhado.

JC - Como o senhor avalia a posição do presidente Lula em defesa da permanência de José Sarney (PMDB-AP) na presidência do Senado?

Carrion -
É para garantir a governabilidade. Não vai ser a bancada do PSDB ou a do DEM que vai dar sustentabilidade ao governo Lula. Essas bancadas tentam tirar o PMDB do apoio.

JC - Com essa crise no Legislativo, muitas pessoas estão defendendo a extinção do Congresso. Alguns falam até que era melhor no tempo da ditadura...

Carrion
- As viúvas da didatura e do fascismo existem. Mas isso não tem peso na sociedade brasileira, ela não tem uma memória tão curta. Vivi essa situação e sei. Mas por isso é importante que certas coisas sejam debatidas. Agora haverá os 30 anos da Anistia, tivemos o aniversário da Constituição cidadã. É preciso estar sempre vigilante contra essas posições fascistoides, que interessam aos grandes e poderosos interesses econômicos e internacionais.

JC - Falamos do Congresso. Mas e na nossa Assembleia Legislativa, como foram os trabalhos no semestre?

Carrion
- Foi um primeiro semestre em que a Assembleia desenvolveu um trabalho importante. Não obsevamos nenhuma denúncia contra o Legislativo. E a Assembleia foi pauta de importantes discussões, como o pré-sal, crack, a legislação sobre as questões ambientais, que estão colocando em dificuldades as pequenas propriedades. Poderíamos citar grandes e inúmeros debates qualificados que a Assembleia apresentou. Claro que existem em setores da mídia um certo ataque às atividades políticas, que colocam os parlamentos como reféns. Quanto mais fraco for o Parlamento, mais fracos são a democracia e o seu poder de resistir a interesses maiores.

JC - Como fica o interesse da nova geração com essa série de denúncias no mundo da política?

Carrion
- Acabei de assistir à conclusão do Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Brasília, com mais de 8 mil estudantes participando. Primeiro foram eleitos os delegados com votações nas  universidades, em que cada chapa apresentava sua proposta e seu programa. Houve seis ou sete chapas nesse encontro final. Todas participam, desde que atinjam um percentual determinado. Prevaleceu uma chapa onde estiveram lideranças do PCdoB, partido que tem a maior força na juventude brasileira.

JC - O presidente eleito, Augusto Chagas, é o décimo estudante filiado ao PCdoB que assume a presidência da UNE. O PCdoB está à frente da entidade desde 1991. Em contrapartida, o partido só ocupa 2% das cadeiras do Congresso. Como o senhor analisa essa discrepância?

Carrion
- Existe uma grande dissonância entre a participação social e a representação parlamentar. Porque a representação parlamentar depende de muitos outros elementos: o poder econômico no Brasil é fundamental.

JC - E na eleição da UNE?

Carrion
- O PCdoB dirige a UNE, mas em aliança, com uma política ampla. São sete partidos que estão na chapa dessa diretoria. E mais os outros partidos nas chapas proporcionais, que comanda. Tem uma força política muito grande. O PCdoB é a principal força hegemônica também na União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes). Não é só na UNE.  É também na Confederação Nacional de Associações de Moradores, que reúne 20 mil associações de moradores, na Central dos Trabalhadores do Brasil.

JC - Por que o partido obtém vitórias nesses setores?

Carrion
- O PCdoB, pela sua origem comunista, é ligado às lutas sociais. É um partido enraizado na juventude, na classe operária, nos trabalhadores, nos movimentos comunitários e populares. Não tem ainda a expressão de uma política partidária. Mas é bom lembrar que o PCdoB, em 87 anos de existência, foi perseguido por 61 anos. Seus militantes eram presos e mortos, torturados e exilados. Ele teve uma dificuldade muito grande de participar da chamada grande política eleitoral. Mas sempre fez um trabalho na base.

JC - O senhor rechaça as acusações de que o PCdoB tenha aparelhado a UNE?

Carrion
- Por que teria aparelhado, se participam todas as forças políticas em um processo em que os delegados são eleitos nas faculdades, voto aberto, e só uma chapa vencedora tinha sete forças políticas, afora as outras.

JC - E a crítica de que as eleições não são diretas?

Carrion
- Todas as entidades de caráter ncaional, sejam estudantis, sindicais, do movimento popular ou empresarias, são indiretas, em congresso. Essa é a norma. Pergunto: quando se elege a direção do PMDB, é eleição direta no Brasil ou eleição dos delegados? Só vale essa lógica para a UNE? Então, é uma lógica evidentemente interesseira, casuística.

Perfil

Raul Kroeff Machado Carrion, 63 anos, é natural de Porto Alegre. Formado em História pela Ufrgs, começou sua militância política aos 17 anos, no movimento secundarista e na organização revolucionária Ação Popular. Ingressou no curso de Engenharia Química na Ufrgs em 1964 e lutou contra a ditadura. Deixou os estudos para se dedicar ao movimento sindical. Em 1968, passou a viver na clandestinidade na região do Vale do Sinos, onde trabalhou como metalúrgico. Em 1969, ingressou no PCdoB, retornando a Porto Alegre e a Ufrgs. Foi preso e torturado em maio de 1971. Exilou-se no Chile e depois na Argentina. Voltou ao Brasil na clandestinidade, em 1976. Viveu três anos em São Paulo e Goiás com identidade falsa. Voltou à Capital gaúcha em 1979, retomando suas atividades como sindicalista metalúrgico. Em 1987, passou a se dedicar à política partidária. No ano seguinte, concorreu à prefeitura de Porto Alegre pelo PCdoB. Foi candidato a vereador em 1992, sendo eleito primeiro suplente - assumiu o mandato por um ano, em 1996. Em 2000 elegeu-se para a Câmara Municipal, sendo reeleito em 2004. Obteve vaga na Assembleia Legislativa em 2006 e exerce mandato de deputado estadual.

Fonte: Jornal do Comércio/RS