Prefácio
Entre
o Passado e o Futuro
A história do Visconde
de Mauá localiza-se exatamente numa
encruzilhada entre um Brasil que
pretendia manter sua estrutura
agro-escravista e monoexportadora, e
um outro Brasil capitalista que
desejava insinuar-se nesse contexto.
As vicissitudes de Mauá, hoje visto
como patrono da burguesia nacional,
ao mesmo tempo que destacam o seu
perfil progressista, realçado pelos
insucessos, evidenciam a dificuldade
extrema de criar bolsões
capitalistas em uma sociedade
essencialmente arcaica.
Representando interesses de uma
oligarquia escravocrata, o governo
imperial bem mostrou seus limites de
classe ao não conseguir impedir que
a trajetória de Mauá resultasse em
naufrágios financeiros.
Mauá viveu num tempo em
que a industrialização se expandia e
começava a produzir os primeiros
entusiasmos eurocentristas - veja-se
a grande exposição na Inglaterra, em
1851, de que resultou a construção
do Palácio de Cristal, em vidro e
ferro, urna homenagem a nova
tecnologia que principiava a surgir.
Ao abordar a relação de
Mauá com essas novas realidades
históricas, o Prof. Raul Carrion
demonstra como os obstáculos criados
pela dependência da Inglaterra
implicavam atraso na possibilidade
de uma industrialização própria.
Notadamente, as vantagens
alfandegárias de que ela dispunha e
que lhe permitiam colocar seus
produtos aqui, de modo a
monopolizar, virtualmente, o mercado
interno. Quando estes privilégios
foram suprimidos pela Lei Alves
Branco, em 1844, Carrion contraria
uma opinião generalizada de que ela
tinha um caráter meramente fiscal e
defende um viés conscientemente
protecionista. Mais ainda, Carrion
destaca a “permuta” da abolição do
tráfico negreiro pela lei de terras,
em 1850, de forma a apaziguar a
c1asse escravocrata - e realça a
importância da supressão do tráfico
no sentido de canalizar capitais
para a expansão dos negócios.
Fundamental no livro sobre o
primeiro burguês do Brasi1 e a visão
de negócios a longo prazo que
Mauá revelou, o que não era a tônica
das tradicionais classes dominantes.
Mauá envolveu-se em múltiplos
empreendimentos e foi quem primeiro
percebeu, por aqui, as
possibilidades abertas pela união do
capital industrial com o capital
financeiro e amiúde enfrentou
as resistências de um governo
permeado de um conservadorismo
arcaico. Ao criar um banco no
Uruguai, Mauá demonstrou uma nova
faceta e que, considerando o
que nos reservaria o futuro, não
deixou de apresentar um toque
irônico, ou seja, o estabelecimento
de um (se assim podemos chamar)
“imperialismo do capital financeiro”
no país vizinho.
Entretanto, é sabido que a ruína
acabou sendo o destino das
iniciativas empresariais de Mauá - e
os motivos são muito bem abordados,
pelo viés marxista do autor.
Recentemente tratado em livro por
Jorge Caldeira e transformado em
filme de sucesso, com Paulo Béti,
Mauá foi deslocado para urna visão
de valorização de seu espírito
empresarial. O texto de Carrion
também faz essa valorização, mas com
a diferença da contextualização, sem
a implícita exaltação do Capitalismo
das obras citadas. No texto de
Carrion, o Capitalismo é submetido
ao crivo da crítica e a queda de
Mauá é relacionada com o contexto
atrasado e dependente no qual atuou.
Ao fazer sua análise, Carrion já
aponta as raízes dos futuros males
que a nossa História econômica
deixaria ao sofrimento deste povo:
uma burguesia “amancebada” com o
capital estrangeiro e um pais
conduzido por suas elites, sob o
signo da dominação do imperialismo
multinacional.
Mauá acreditou no progresso por uma
outra via - o Capitalismo, a
expansão das atividades urbanas como
epicentro da economia, uma nova
forma de ganhar dinheiro que não as
tradicionais: a. terra e os
escravos. Esbarrou em dificuldades
que seu dinamismo e agilidade não
lograram superar, mostrando os
limites do indivíduo em construir a
sua circunstância. Naquele momento,
ele foi progressista, considerando a
realidade histórica concreta.
Atualmente, há quem diga que os
males sociais do Brasil decorrem do
fato de termos um Capitalismo
insuficientemente desenvolvido. Não
se dão conta de que este Capitalismo
que temos corresponde exatamente ao
papel que nos cumpre exercer na
engrenagem mundial do sistema - e de
que fazem parte as citadas mazelas
sociais. Enfim, tudo está
organicamente articulado, num vasto
e complexo jogo de interesses.
Portanto é duvidoso pensar, em nosso
espaço nacional, num Capitalismo
mais desenvolvido ou que com
“mais” Capitalismo reso1veriamos
nossos problemas, considerando o que
é essencial ao próprio Capitalismo.
No século XIX, Mauá é aquele que se
colocava no centro dos debates mais
progressistas e avançados. No século
XX, houve momentos em que se achou
que o maior dilema era a estrutura
arcaica aliada ao imperialismo
contra a burguesia nacional e seus
aliados progressistas à esquerda. O
futuro mostrou que o dilema era
maior e mais profundo e o avanço da
consciência, permitido pela
avaliação dos fatos históricos da
segunda metade do século XX, está a
mostrar o poder hegemônico de uma
burguesia mundializada, alicerçada
na ideologia neoliberal e
mundialmente amancebada. Mais do que
umas com as outras, as burguesias do
mundo da Internacional Capitalista
estão amancebadas com o lucro fácil
e impune. O qual se nutre da miséria
dos povos.
Tudo isso é o mesmo que dizer que,
se no século passado, a luta de Mauá
representava o máximo possível de
luta progressista, a luta de nosso
tempo alargou em muito os limites
daquele máximo possível de então,
aprofundando as questões e ampliando
o horizonte dos objetivos. Até por
estar, nesses objetivos, a percepção
de que esta deve ser uma luta
definitiva.
LUIZ ROBERTO LOPEZ
O VISCONDE DE MAUÁ E O INÍCIO DA
INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Raul K.
M. Carrion*
A maioria dos
historiadores econômicos considera
que os primeiros passos da
industrialização brasileira só
ocorreram entre 1885 e 1895,
seguidos da expansão industrial do
início do século. Poucos dedicaram
uma maior atenção à ação empresarial
de Irineu Evangelista de Sousa, o
Visconde de Mauá, em meados do
século passado, em plena sociedade
escravista – algo, por isso mesmo,
singular e inédito.[1]
Experiência que durou mais de trinta
anos e só foi encerrada em 1878, com
a falência do seu império econômico.
Neste ensaio busca-se – através do
estudo da vida e da intensa
atividade industrial e financeira de
Mauá – lançar algumas luzes sobre o
que foi o primeiro surto industrial
no Brasil.
Que circunstâncias
permitiram que em pleno regime
escravista, sem a existência uma
força de trabalho livre disponível,
sem um mercado interno forte,
surgisse um empresário capitalista
do porte do Visconde de Mauá? Qual o
verdadeiro significado deste homem?
Será o “nacionalista”, pintado por
Nelson Werneck Sodré, em luta contra
o latifúndio retrógrado e afrontando
os interesses britânicos?
Mauá não lutaria apenas com as
resistências dos latifundiários,
levantadas pelos seus representantes
políticos; lutaria também contra os
investimentos britânicos que
disputavam agora a renda nacional,
buscando instalar-se nas áreas mais
rentáveis, sob regime de integrais
garantias, e particularmente as do
transporte, marítimo e terrestre, e
a dos serviços públicos urbanos.
Suas iniciativas, por isso mesmo,
vão sendo dificultadas e
transferidas aos ingleses.[2]
Ou será o empresário
associado aos ingleses de que nos
fala Graham?
Embora alguns historiadores
descrevam Mauá como o primeiro
financista dotado de idéias
nacionalistas e bravo combatedor da
interferência estrangeira, um estudo
acurado e imparcial de documentação
daquela época – e ainda existente –
nos mostra Mauá procurando
entusiasticamente auxiliar e
contribuir para o aumento do poderio
econômico britânico no Brasil. (...)
Acreditava firmemente na importância
dos investimentos ingleses feitos no
Brasil (...) Defendeu os interesses
ingleses quando surgiram
divergências com companhias
brasileiras, mesmo sabendo que as
primeiras não tinham razão, apenas,
como dizia, simplesmente para
preservar o “crédito do Brasil em
Londres”. (...) O que realmente o
preocupava era a modernização do
país, e os meios para alcançar este
objetivo, pensava ele,
encontravam-se nas mãos do homens de
empresa de diversas nacionalidades,
legítimos representantes do sistema
capitalista.[3]
Ou, enfim, será o
self-made man, defensor do
livre-mercado, em luta contra o
Estado - inibidor do
progresso e da “modernidade”
- como nos cantam em prosa e verso,
cine e vídeo os neoliberais de hoje?
Que circunstâncias
levaram à falência o homem mais rico
da América do Sul, poucos anos antes
da abolição da escravidão e da
proclamação da República? Em que
sentido e até que ponto essa figura
singular, atípica, nos revela as
características da burguesia
brasileira em formação?
Estas são algumas das
questões que tentamos responder no
decorrer deste ensaio.
A INFLUÊNCIA INGLESA E LIBERAL NA
FORMAÇÃO DE IRINEU EVANGELISTA DE
SOUSA
Irineu Evangelista de
Sousa - Barão, depois Visconde de
Mauá - nasceu em 28 de dezembro de
1813 na Freguesia de Nossa Senhora
da Conceição do Arroio Grande,
município de Jaguarão, no atual
Estado do Rio Grande do Sul. Era
filho de João Evangelista de Ávila e
Sousa e de Mariana Batista de
Carvalho. Cresceu sem luxos, na
pequena estância de criação de gado
que seus pais haviam recebido para
“iniciar a vida”. Em 1819, seu pai
foi assassinado por motivos não
esclarecidos em uma viagem de
negócios ao Uruguai, quando Irineu
tinha apenas 5 anos. Dos 5 aos 9
anos, Irineu viveu na casa materna
com a única irmã, três anos mais
velha. Em vez de mandar Irineu
aprender as lides do campo com algum
parente até estar em condições de
assumir o controle da estância, a
mãe decidiu ensinar-lhe a escrever e
a fazer contas. O menino demonstrou
grande facilidade para esses
misteres, e progrediu rapidamente. A
família pressionou Mariana para que
casasse de novo, o que acabou
ocorrendo. Como o novo marido não
queria saber de filhos de outro pai
em sua casa, Mariana buscou um
esposo para a filha Guilhermina –
então com apenas 12 anos – e
entregou Irineu ao tio paterno José
Batista de Carvalho, capitão de
longo curso que fazia viagens em seu
veleiro entre o Rio da Prata,
Portugal e as Índias e trabalhava
para um dos maiores comerciantes e
traficantes portugueses do Rio de
Janeiro.
Assim, em 1823, com
apenas nove anos, Irineu partiu de
Rio Grande em um brigue carregado de
charque, farinha de trigo e couros,
com destino ao Rio de Janeiro, onde
chegou após mais de um mês de
viagem. Ali, Irineu foi entregue à
João Rodrigues Pereira de Almeida,
futuro Barão de Ubá, um dos maiores
comerciantes de grosso
(atacadista) do Império (que também
era banqueiro, industrial e armador,
além de influente na política da
capital), para trabalhar como
caixeiro em sua casa comercial.
Irineu ali permaneceu durante quatro
anos, demonstrando grande capacidade
e tino comercial, tanto que com
apenas 13 anos de idade tornou-se o
guarda-livros do patrão. Mas, em
1828, a forte crise econômica
atingiu inúmeras casas comerciais
portuguesas, inclusive a firma de
Pereira de Almeida, levando-o à
falência. Sua maior credora era a
filial no Brasil da firma inglesa
Carruthers & Irmãos - uma das
maiores da praça - dirigida por
Ricardo Carruthers. Com apenas 16
anos, Irineu jogou um importante
papel nas negociações para uma
solução amigável e foi contratado
por Carruthers como auxiliar de
contabilidade.
Com Carruthers, Irineu
aprendeu contabilidade, aritmética e
inglês, e passou a ler nos originais
os autores prediletos do novo
patrão: Adam Smith, Stuart Mill,
Milton, Shakespeare. Absorveu os
hábitos sóbrios e a mentalidade
capitalista dos ingleses, e aprendeu
o valor do crédito para os negócios
mais amplos. Em pouco tempo
tornou-se o gerente da firma
inglesa.
Aos 23 anos, quando Ricardo
Carruthers decidiu aposentar-se e ir
residir na Escócia, passou a ser seu
sócio. Com uma renda assegurada de
cerca de mil contos de réis, ele
dirigia a próspera firma Carruthers
do Rio de Janeiro, importando da
Inglaterra ferragens, máquinas,
tecidos, produtos manufaturados, e
exportando cacau, açúcar, algodão
café, fumo. Seu nome consolidou-se
na praça e começou a ser conhecido
também no Rio da Prata e cercanias.
No final dos anos trinta
Irineu – simpático às idéias
liberais e pessoalmente vinculado ao
Rio Grande do Sul – inicia sua
participação política apoiando de
forma discreta a Revolução
Farroupilha. O historiador das
Revoluções Cisplatinas, Alfredo
Varela, em carta de 1838 ou 1939,
referindo-se à situação terrível dos
prisioneiros da República de
Piratini na Fortaleza de Santa Cruz,
relata: “Esses 33 prisioneiros
morreriam de fome e de nudez se a
mão oculta lhes não ministrasse
o alimento e a roupa, e para que aí
(no Rio Grande) se saiba de quem é
essa mão oculta, cumpre-me declarar
que é a do rio-grandense Irineu
Evangelista de Sousa.”[4]
E Alberto de Faria, um de seus
biógrafos, afirma que “na ponta do
Curvelo, em Santa Tereza, residência
de Mauá, encontravam abrigo
revoltosos foragidos (...) aí se
tramou a evasão de Onofre P. da
Silveira da fortaleza de Santa
Cruz.”[5]
Mas, em fins de 1842, quando
aumentam as perseguições aos
revoltosos, Irineu, pressionado
pelos conservadores, abjura desse
apoio e publica um artigo no
Jornal do Commercio – porta-voz
da reação – afirmando não ter
qualquer conexão com os rebeldes do
Rio Grande do Sul.[6]
Terminada a luta, nova reviravolta:
“os gaúchos do Rio, tendo à frente
Irineu, fundaram um grêmio
provisório, para assistir aos
patrícios. Foram à fortaleza,
recebê-los em comissão presidida por
Irineu (...). Alugaram um prédio à
rua da Imperatriz, onde os alojaram,
fornecendo-lhes, ainda aí, roupa,
comida e cigarros.”[7]
Em 1840, aos 27 anos de
idade, Irineu decide viajar para a
Europa para visitar o amigo Ricardo
Carruthers. A viagem à Inglaterra, o
impressiona de forma decisiva com
relação ao industrialismo inglês,
que passa a aspirar para o Brasil.
Convence Carruthers a realizar novas
inversões no país. É criada em
Manchester a firma “Carruthers,
De Castro & Cia” (De Castro
correspondia a José Henry Reydell de
Castro, amigo de juventude de
Irineu, que morava em Manchester),
tendo Irineu como o sócio
comanditário. Essa firma, durante
anos, será o meio através do qual
Mauá obterá os recursos na
Inglaterra para as empresas que
criará no Brasil. Outras filiais
serão abertas posteriormente: “Carruthers,
Sousa & Cia.”, em Buenos
Aires; “Carruthers, Dixon & Cia.”,
em Nova York. Inicia-se, então, uma
nova fase na vida do comerciante
Irineu Evangelista de Sousa que logo
se tornará industrial, banqueiro e
político.
ANTECEDENTES DA DIFÍCIL
INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Com a descoberta das
primeiras jazidas de ouro em 1698,
Minas Gerais tornou-se o centro
econômico da colônia e o seu
principal mercado consumidor. Pouco
à pouco, desenvolveram-se ali – e em
menor medida no Rio de Janeiro –
incipientes manufaturas têxteis e
metalúrgicas e o artesanato em
geral. A primeira reação da
metrópole veio em 1751 com a
proibição do exercício do ofício de
ourives em Minas Gerais, com o
pretexto de impedir o contrabando do
ouro. A Carta Régia de 1766 estendeu
esta proibição à Bahia, Pernambuco e
Rio de Janeiro, mandando fechar
quase duas centenas ourivesarias. Em
1779, ao deixar o cargo de vice-rei
do Brasil, o Marquês de Lavradio
alertará para a “independência que
os povos de Minas se tinham posto
dos gêneros da Europa,
estabelecendo, a maior parte dos
particulares, nas suas próprias
fazendas, fábricas e teares, com o
que se vestiam a si e à sua família
e escravatura, fazendo panos e
estopas e diferentes outras drogas
de linho e algodão, e ainda de lã”,
concluindo “que uns povos compostos
de tão más gentes, em um país tão
extenso, fazendo-se independentes,
era muito arriscado e podem algum
dia dar trabalho de maior
conseqüência.”[8]
Temerosa de uma maior autonomia
política e alarmada com a
concorrência ao comércio do Reino, a
rainha Maria I, de Portugal, editou
o famoso Alvará de 1785, proibindo
as manufaturas têxteis na colônia,
exceto as de panos grossos de
algodão para a vestimenta de
escravos e a confecção de sacos:
Eu, a rainha (...) hei por bem
ordenar que todas as fábricas
manufaturas ou teares de galões, de
tecidos ou de bordados de ouro e
prata; de veludos, brilhantes,
cetins, tafetás ou de qualquer outra
qualidade de seda; de belbutes,
chitas bombazinas, fustões ou de
qualquer outra qualidade de fazenda
de algodão ou de linho, branca ou de
cores; e de panos baetas, droguetes,
saetas ou de outra qualquer
qualidade de tecido de lã (...)
sejam extintas e abolidas em
qualquer parte onde se acharem nos
meus domínio do Brasil.[9]
As instruções do
Ministro Martinho de Melo e Castro
ao vice-rei Luís de Vasconcelos
Souza, não deixam dúvidas em relação
às intenções do referido Alvará:
Quanto às fábricas e manufaturas, é
indubitavelmente certo que, sendo o
Estado do Brasil o mais fértil e
abundante em frutos e produções da
terra, e tendo seus habitantes,
vassalos desta coroa, por meio da
lavoura e da cultura, não só tudo
quanto lhes é necessário para
sustento da vida, mas muitos artigos
importantíssimos para fazerem, como
fazem, um extenso e lucrativo
comércio e navegação; e se a estas
incontestáveis vantagens ajuntarem
as da indústria e das artes para o
vestuário, luxo e outras comodidades
precisas, ou que o uso e costume têm
introduzido, ficarão os ditos
habitantes totalmente independentes
da sua capital dominante; é por
conseqüência indispensavelmente
necessário abolir do Estado do
Brasil as ditas fábricas e
manufaturas”.[10]
É só através do Alvará
de 1º de abril de 1808 – quando a
corte imperial portuguesa se
transferiu para o Brasil – que essas
proibições foram revogadas. No ano
seguinte, novo Alvará concedeu
“isenção de direitos aduaneiros às
matérias-primas necessárias às
fábricas nacionais, isenção de
imposto de exportação para os
produtos manufaturados do país e a
utilização dos artigos nacionais no
fardamento das tropas reais.” Além
de “privilégios exclusivos, por 14
anos, aos inventores ou introdutores
de novas máquinas” e a “distribuição
anual de 60 mil cruzados (...) às
manufaturas que necessitassem
auxílio, particularmente as de lã,
algodão, seda, ferro e aço.”[11]
Mas, logo a política de
incentivo à industrialização
chocou-se com os interesses
ingleses. A carta régia de 1808, que
abriu os portos brasileiros ao
comércio internacional, estabeleceu
uma taxa de 24% sobre os artigos
importados. Quatro meses depois, um
decreto régio reduziu para 16% a
tarifa para as mercadorias
pertencentes à portugueses ou
transportadas em navios portugueses.
Em resposta, a Inglaterra exigiu um
tratamento preferencial e obteve,
através do tratado de 1810, a tarifa
de 15%, inferior, inclusive, à paga
pelos portugueses (que só
conseguirão essa tarifa em 1818).
Com isso, o mercado brasileiro foi
entregue às manufaturas inglesas,
inibindo por muitos anos o
desenvolvimento industrial do país.
Ressalte-se que enquanto essas
concessões eram feitas à Inglaterra,
“o açúcar e o café brasileiros, e
outros artigos similares aos
produzidos nas colônias inglesas,
foram proibidos de entrar nos
mercados britânicos, embora Portugal
pudesse enviar esses produtos para a
Inglaterra para reexportação (...)
esta estipulação protegia os navios
cargueiros e os comerciantes
ingleses.”[12]
Em 1827, esgotada a vigência do
tratado de 1810 com a Inglaterra,
este é renovado por mais 15 anos em
pagamento à “ajuda” inglesa ao
reconhecimento da independência
brasileira. Em 1826, a tarifa
preferencial de 15% é estendida à
França e, em 1928, a todas
mercadorias estrangeiras,
dificultando ainda mais a
industrialização do país.
A REFORMA TARIFÁRIA DE 1844
Em 1815, pressionado
pela Grã-Bretanha, Portugal havia
assinado um tratado que proibia o
tráfico negreiro em qualquer região
da África ao norte do equador. A
convenção adicional de 1817 criou o
direito de visita (vistoria
dos navios portugueses suspeitos de
tráfico). O tratado
anglo-brasileiro de 1827, arrancado
sob forte pressão inglesa,
estabeleceu que a partir de 1830 o
tráfico seria definitivamente
proibido e igualado à pirataria,
tornando extensivas ao Brasil todas
as cláusulas dos tratados de 1815 e
1817, entre Portugal e Inglaterra,
inclusive o direito de visita.
Nada disso, porém, foi capaz de
refrear o tráfico que, ao contrário,
intensificou-se, causando grandes
atritos entre o Brasil e a
Inglaterra. Em resposta, o governo
inglês editou um ato majorando os
direitos de entrada do açúcar
produzido nas regiões escravistas –
o que atingiu diretamente os
produtos brasileiros – e
intensificou a repressão aos navios
brasileiros.
É nesse contexto que caduca, em
1844, o tratado comercial com a
Inglaterra. Apesar das pressões
inglesas para a sua renovação, o
Parlamento brasileiro negou-se a
fazê-lo, em represália à
sobretaxação dos nossos produtos e
às demais medidas que a Inglaterra
vinha tomando contra o tráfico
negreiro. A seguir, foi aprovada a
Lei Alves Branco, que elevou as
tarifas de importação para valores
entre 30 a 60%. Esta Lei isentou as
indústrias “instaladas no país” de
pagarem impostos sobre as
importações. Ao contrário do que
alguns afirmam, a Lei Alves Branco
não possuía um caráter meramente
“fiscalista” (procura de uma maior
arrecadação), mas tinha um viés
conscientemente protecionista:
Nenhuma nação deve fundar
exclusivamente todas suas esperanças
na lavoura, na produção da matéria
bruta, nos mercados estrangeiros. Um
povo sem manufatura fica sempre na
dependências dos outros povos e, por
conseguinte, nem pode fazer
transações vantajosas, nem avançar
um só passo na carreira de sua
riqueza. A indústria fabril interna
de qualquer povo é o primeiro, mais
seguro e mais abundante mercado de
sua indústria. É de mister, com fé
firme da indústria fabril em grande,
por meio de uma tarifa anualmente
aperfeiçoada e mais a mais acomodada
ao desenvolvimento do nosso país.
Não nos aterrem os juros dos
capitais e os salários tão elevados
no nosso país; defendidos por uma
bem feita tarifa, os capitais
aparecerão e se acumularão; os juros
e salários baixarão em tempo.”[13]
Dotado de larga visão
empresarial, Irineu logo percebeu
que a nova política tarifária abria
grandes perspectivas para os
negócios industriais e bancários[14],
ao mesmo tempo que criava empecilhos
para o comércio importador. Chamou,
então, Carruthers ao Brasil e o
convenceu a liquidar a empresa
comercial e a investir em outros
ramos de atividades. Sem pressa,
começou a desfazer-se dos seus
ativos, sempre a bom preço.
Percebendo a importância das
relações pessoais na sociedade
escravista e atrasada em que vivia,
aderiu à maçonaria, adquiriu uma
bela mansão no Catete e tratou de
enchê-la de convidados ilustres,
estabelecendo relações de intimidade
com as pessoas mais influentes do
governo e da elite oligárquica.
A seguir, a primeira
preocupação de Irineu Evangelista de
Sousa foi criar o que considerava
ser a empresa básica, a “mãe das
outras indústrias, a indústria do
ferro”. Para isso, entendeu-se com o
Ministro do Império Conselheiro
Joaquim Marcelino Brito, obtendo a
garantia de que lhe seria concedida
a canalização das águas do rio
Maracanã para o abastecimento de
água do Rio de Janeiro, caso tivesse
condições de fabricar os canos para
essa obra.
Em
meados de 1846, adquiriu a um preço
favorável o “Estabelecimento de
Fundição e Estaleiros da Ponta de
Areia”, em Niterói. A compra incluía
um grande terreno à beira mar, os
telheiros que serviam de oficina,
máquinas, ferramentas e 28 escravos
especializados que ali trabalhavam.
No total, pagou sessenta contos de
réis, dinheiro suficiente para
comprar 5 mil sacas de café, a
produção anual de uma grande
fazenda. Uma semana depois, assinou
com o Ministério do Império,
encarregado da administração do Rio
de Janeiro, o contrato para
canalizar o rio Maracanã com os
tubos de ferro que iria fabricar.
Encontrando grande
dificuldade para contratar no Brasil
mão-de-obra especializada para a
ampliação do empreendimento, delegou
a Reynell de Castro a tarefa de
conseguí-la na Inglaterra. Este,
depois de percorrer Manchester e
Liverpool, conseguiu, a muito custo,
um engenheiro, um mestre maquinista,
um mestre modelador, quatro
caldeireiros e seis moldadores.
Foram enormes, também, os problemas
operacionais para conseguir os
insumos básicos para a nascente
industria, assim como para a
obtenção e manutenção dos
maquinários.
No
primeiro ano quadruplicou o capital
da empresa e iniciou as obras, que
progrediram a olhos vistos. Só que
os pagamentos por parte do governo
não se realizavam, mesmo já havendo
passado mais de um ano. Não
encontrando resposta para os seus
apelos, e sob a ameaça de falência,
diversificou a sua produção,
passando a fabricar pregos, sinos,
máquinas de serrar, peças para
engenhos de açúcar, guindastes e
molinetes. Passou a fazer consertos
de navios e montou uma empresa em
Rio Grande para operar um rebocador
a vapor construído em seu estaleiro.
Só em 1848, com a posse de novo
ministério conservador - onde tinha
bons amigos - conseguiu que lhe
pagassem as obras, além de obter um
empréstimo de 300 contos de réis, a
juros de 6% ao ano, com cinco anos
de carência até o pagamento da
primeira prestação. A partir daí,
tudo foi mais fácil:
A fábrica da Ponta de Areia
transformou-se em uma firma sólida,
que podia agora dedicar tempo a
melhorar seus produtos e a buscar
novos mercados. Não demorou muito
para que dali começassem a sair
algumas inovações que seu dono
julgava adequadas ao mercado
brasileiro: engenhos de açúcar
completos, movidos a vapor, bem mais
produtivos que os toscos mecanismos
tocados por bois e rodas d’água em
uso no país; pontes de ferro que
podiam ser montadas em pouco tempo
mesmo nos rios mais largos; canhões
de bronze para os navios de guerra;
navios a vapor completos; fornos
siderúrgicos e bombas de sucção. O
pessoal não parava de aumentar. Em
vez dos 28 escravos originais, havia
agora quase 300 operários, divididos
em 5 oficinas: fundição de ferro,
fundição de bronze, acessórios,
construção naval e caldeiraria. Um
quarto dos empregados era ainda de
escravos, quase todos especializados
(apenas cerca de 10 eram serventes).
O principal contingente de operários
era formado por brasileiros livres
(cerca de um terço do total), e o
restante vinha do mundo inteiro;
havia portugueses, ingleses, suíços,
espanhóis, belgas, alemães e
austríacos trabalhando em Niterói.[15]
A EXTINÇÃO DO TRÁFICO NEGREIRO E
A LEI DE TERRAS
Em 1845, o governo
brasileiro notificou à Inglaterra
que a vigência do tratado de 1827
estava por caducar, incluído o
direito de visita. Em resposta,
o gabinete inglês decretou em agosto
de 1845 a Bill Aderdeen,
autorizando os navios ingleses a
perseguir, aprisionar e destruir
barcos de países estrangeiros em
águas internacionais, desde que
suspeitassem que se dedicavam ao
tráfico de escravos. Foi um duro
golpe contra os traficantes
brasileiros e contra os fazendeiros
escravistas do café. Os incidentes
multiplicaram-se.
Convencido da inevitabilidade do fim
do tráfico negreiro, o governo
imperial tomou diversas iniciativas
legislativas para adaptar o país
para à nova realidade. Em troca da
aceitação pelos grandes
proprietários da extinção do
tráfico, aprovou uma nova Lei de
Terras, eliminando doações de terras
e o direito de posse, assegurando
aos grandes fazendeiros as terras
ocupadas por pequenos camponeses e
escravos alforriados. Ao impor como
única forma de acesso à terra a
compra – e a um preço
premeditadamente elevado – excluiu
as massas pobres do campo e os
futuros libertos de qualquer de
acesso à terra. Quanto aos
imigrantes, forçava-os a trabalharem
para os grandes proprietários por
longos anos, até que pudessem
acumular o suficiente para adquirir
algum pedaço de terra.
A Lei de Terras visava,
fundamentalmente, a três objetivos:
1) proibir as aquisições de terras
por outro meio que não a compra
(...); 2) elevar o preço das terras
e dificultar sua aquisição (...); e
3) destinar o produto das vendas de
terras à importação de “colonos”.
(...) De tudo a quanto se propunha a
Lei de 1850, somente medraram as
determinações que dificultavam o
acesso à terra por meio da posse
ou da compra a baixo preço. Em
suma, na sua execução prevaleceram
unicamente os dispositivos que
estavam em harmonia com o objetivo
imediato da classe latifundiária:
obrigar o imigrante a empregar sua
força de trabalho nas grandes
fazendas de café. (...) Esse seria o
instrumento básico de que careciam
os latifundiários, já cientes da
falência do escravismo, para (...)
importar trabalhadores europeus em
larga escala.[16]
Em sintonia com a Lei de
Terras, foi elaborada uma legislação
de colonização que subsidiava com
recursos públicos a vinda de
imigrantes europeus para substituir
os escravos que não mais viriam:
“Pagar o transporte e a instalação
de imigrantes com dinheiro do Estado
era uma opção cara – naquele momento
o custo para colocar um camponês
europeu numa fazenda era três vezes
maior que o valor de um escravo. A
‘solução’ encontrada foi a de ratear
a diferença com toda a sociedade”[17].
Em 1849, o governo
designou uma comissão - composta
pelo Ministro da Justiça Eusébio de
Queirós, Clemente Pereira, Nabuco de
Araújo, Carvalho Monteiro, Caetano
Soares e Irineu Evangelista de Sousa
(com 37 anos) - para elaborar o
Código de Comércio do Império, outro
instrumento necessário para os novos
tempos que se anteviam. Os trabalhos
da comissão se realizaram na casa do
futuro Visconde de Mauá e o projeto
foi aprovado no Senado em apenas
duas sessões. Em retribuição aos
serviços prestados, Irineu recebeu
do Imperador o Hábito da Ordem de
Cristo, a mais alta condecoração
a que um plebeu poderia almejar.
Logo a seguir foi eleito Presidente
da Comissão da Praça de Comércio do
Rio de Janeiro.
Finalmente, em 1850,
no bojo de fortes pressões da
Inglaterra - cuja esquadra chegou a
canhonear navios em portos
brasileiros, bombardear Paranaguá e
ameaçar de fazer o mesmo no Rio de
Janeiro - foi aprovada a Lei Eusébio
de Queirós, extinguindo o tráfico
negreiro. A partir daí, o enorme
volume de recursos aplicado no
comércio de escravos passava a
buscar novos campos de investimento:
A necessidade de aplicação desses
capitais exigiu a promulgação de
outras leis: a lei referente à
incorporação de sociedades anônimas;
a lei de organização dos bancos; a
concessão de privilégios para
navegação das vias internas e de
caminhos de ferro. Alves Branco,
grande amigo de Mauá, põe em marcha
uma tabela, organizada
anteriormente, que completa o quadro
das medidas protecionistas
preparadoras do primeiro surto
industrial que o Brasil vai
conhecer. Mauá encontrara enfim
ambiente propício para desenvolver
sua atividade de industrial, nova
etapa que galga com extremo
entusiasmo.[18]
A INTERVENÇÃO NO PRATA: A POLÍTICA A
SERVIÇO DOS NEGÓCIOS
Com o fim do tráfico
negreiro e a perda do controle da
rota africana, o Brasil voltou as
suas atenções para o Prata, onde
defendia a livre navegação do rio
Paraná, caminho mais rápido para
Cuiabá. Ali, o ditador argentino
Rosas - intransigente opositor à
livre navegação do Paraná - invadira
o Uruguai em 1843 e mantinha desde
então o bloqueio de Montevidéu por
terra. A cidade definhava a olhos
vistos e só se mantinha devido aos
subsídios ingleses e franceses. Mas,
em 1849, o novo governo francês
suspendeu os subsídios ao Uruguai,
obrigando este a buscar o apoio
brasileiro contra Rosas. O ministro
Paulino, temeroso de comprometer
oficialmente o Império, solicitou a
Irineu que este fosse o
intermediário da ajuda financeira ao
governo uruguaio, acenando com uma
ajuda futura aos seus negócios e com
a perspectiva de maiores ganhos a
partir da modificação da situação do
Uruguai. Inicia-se, nesse episódio,
a atuação do futuro Visconde de Mauá
na região do Prata, onde manterá
grandes interesse econômicos por
longos anos e onde jogará importante
papel político em aliança com o
Império.
O acordo secreto, com
cláusulas leoninas – entre as quais
a renúncia pelo Uruguai a cerca de
um quinto dos territórios que
litigava com o Brasil e o pagamento
de juros de 40% ao ano – é assinado
em setembro de 1850 pelos governos
do Brasil e do Uruguai e por Irineu
Evangelista de Sousa, que se
compromete a fornecer dinheiro e
armas, contratar mercenários na
Europa, saldar dívidas antigas do
governo de Montevidéu, conseguir
peças de artilharia e navios de
guerra. O esforço de guerra
brasileiro garante generosas
encomendas ao estaleiro de Irineu na
Ponta de Areia, em Niterói. A
diplomacia brasileira, agindo com
grande habilidade, consegue a
neutralidade da Inglaterra, uma
aliança defensiva e ofensiva com o
Paraguai, a rendição e a troca de
lado de Oribe, o apoio de Urquiza
contra Rosas. Com a vitória
assegurada, em outubro de 1851, o
Brasil impõe novas condições ao
Uruguai:
O tratado secreto foi desdobrado em
cinco outros, assinados pelos dois
governos: um de aliança permanente,
que permitia a intervenção de um
país no outro – e ninguém imaginava
o Uruguai intervindo no Brasil –
para assegurar governos
constitucionais; um tratado de
limites que colocava a fronteira dos
dois países onde o Brasil queria; um
tratado de extradição que obrigava o
governo do Uruguai, onde não havia
escravidão, a prender e devolver
escravos fugidos do Brasil; um
tratado de comércio e navegação que
obrigava o Uruguai a exportar sem
impostos seu gado – a imposição foi
feita pelos charqueadores gaúchos,
interessados em baratear o preço da
matéria-prima trazida do país
vizinho – e abria a navegação do rio
da Prata a todos os países; por fim,
uma Convenção de Reconhecimento de
Dívida, pela qual o dinheiro
emprestado por Irineu Evangelista de
Sousa, mais os juros, se tornavam
dívida pública do país.[19]
Em fevereiro de 1852,
Rosas é derrotado em Monte Caseros.
Em maio, o novo governo uruguaio,
pressionado pelo Império – que
ordena à esquadra brasileira a
realização de manobras ao largo de
Montevidéu e ameaça estacionar
tropas onde entende que a fronteira
deve ficar, além de ocupar o
território uruguaio que julgasse
equivalente ao valor dos empréstimos
devidos – reconheceu o acordo
secreto de 1850 e seus adendos de
1851. A partir desse dia, Irineu
Evangelista de Sousa tornou-se
legalmente o maior credor do governo
uruguaio e quase o dono da economia
pública local. Dali para a frente,
terminava a fase da sangria do
bolso, já que a ajuda para a guerra
se encerrara, e começava uma outra,
a da cobrança. Pelo tratado, ele
tinha de nomear um representante
seu, com poderes para fiscalizar a
atuação da Alfândega e as contas do
governo. Esse representante, mais a
atuação firme do embaixador
brasileiro, eram sua maior esperança
de ver de volta o seu dinheiro.
O NOVO BANCO DO BRASIL E A
EXPANSÃO DOS NEGÓCIOS DE MAUÁ
A extinção do tráfico
negreiro teve conseqüências
econômicas imediatas. Enormes
quantias de dinheiro, envolvidas
nessa atividade ilegal, passaram a
buscar novas aplicações rentáveis e
surgiram na contabilidade nacional.[20]
Uma parte desses capitais liberados
foi canalizada para as importações,
elevando a arrecadação da Alfândega
entre 1850 e 1852 em mais de 40%. A
alta do café também aumentou a renda
com os impostos sobre a exportação
em mais de 20%. O Tesouro encheu
suas burras. Amadureciam as
condições para o projeto de Irineu
Evangelista de Sousa de fundar um
banco: “Reunir os capitais que se
viam repentinamente deslocados do
ilícito comércio, e fazê-los
convergir a um centro donde pudessem
ir alimentar as forças produtivas do
país, foi o pensamento que me surgiu
na mente ao ter a certeza de que
aquele fato era irrevogável.”[21]
Em 2 de março de 1851, o
Jornal do Commércio publicou
o aviso de uma reunião, no pavimento
superior da Praça de Comércio, para
marcar o ato de fundação de um
grande banco na cidade do Rio de
Janeiro. Conforme acertado de
antemão, Irineu foi aclamado
presidente da nova instituição. O
capital subscrito totalizava 10 mil
contos de réis, um terço do
orçamento do Império para aquele
ano. A 21 de agosto de 1851, poucos
meses depois de aprovados os seus
estatutos, o banco entrou em pleno
funcionamento sob o nome de Banco do
Brasil[22],
ficando autorizado a emitir letras
até o limite de 50% do seu capital.
Já no primeiro ano, o banco emitiu
1.500 contos em letras.
A NAVEGAÇÃO DO RIO AMAZONAS E A
PRIMEIRA FERROVIA DO BRASIL
Solucionada questão do
Prata, o governo brasileiro
voltou-se para a ocupação da
Amazônia, ameaçada pelos interesses
expansionistas dos EUA que pregavam
a livre navegação do rio Amazonas.[23]
Irineu Evangelista de Sousa foi
convocado para montar uma linha de
navegação no grande rio. Para isso,
recebe o privilégio da sua navegação
por 30 anos e uma subvenção anual de
160 contos de réis para a primeira
linha que estabelecesse. Em fins de
1852, estava criada a Companhia de
Navegação e Comércio do Amazonas,
com capital de 2.000 contos. Em
1853, três linhas de navios a vapor
começaram a funcionar: Belém-Manaus,
Belém-Cametá e Manaus-Tabatinga.
Após, diversas outras linhas foram
criadas, navegando 3.828 km do
Amazonas e 1.320 km de seus
afluentes. Depois de um ano, a
empresa começou a dar lucro.
Planejando vôos maiores,
Mauá abriu o capital da Ponta de
Areia, elevado-o para 1.250 contos
através da subscrição de ações (seis
vezes mais que o seu capital em
1850). Isso não só deixou a empresa
mais forte[24]
como transferiu dinheiro para o seu
bolso, dando-lhe condições de
investir em outros grandes projetos
que tinha em mente.
Em abril de 1852, ganhou
do governo imperial uma concessão
para a construção da primeira
ferrovia do Brasil, entre a Praia da
Estrela e Raiz da Serra, Petrópolis.
Para viabilizá-la, formou uma
empresa com um capital inicial de
1.300 contos - a Estrada de Ferro de
Petrópolis - tendo garantia
governamental de 5% de juros ao ano,
sobre o capital empregado. Um
episódio pitoresco, por ocasião da
inauguração das obras de construção
da ferrovia, em 1852, com a presença
do imperador e altas autoridades,
expressa bem o choque de
mentalidades entre o burguês Irineu
e a oligarquia escravista:
A uma hora da tarde, em pleno sol,
todo o grupo em trajes de gala
iniciou uma caminhada pelo pasto até
um ponto marcado no capim, onde os
esperava o vigário da paróquia local
para dar a benção aos trabalhos.
Concluída a oração, Irineu entregou
ao imperador uma pá de prata, com a
qual este cavou três vezes a terra,
despejando o produto num carrinho de
jacarandá incrustado de prata.
Depois passou a pá a um ministro,
que continuou a operação, repetindo
em seguida o gesto e passando o
instrumento a outro ministro.
Irineu, homem com a fé nos símbolos
dos maçons, exultava: todo o poder
de uma sociedade escravocrata que
desprezava solenemente o trabalho
curvava humildemente a espinha ante
seu valor. Para realçar ainda mais o
significado do gesto, fez questão de
enfileirar todos os operários
contratados para trabalhar na obra a
pouca distância dos governantes. Com
suas roupas de festa, leves, aquilo
também não deixava de ser um
instrutivo divertimento para eles:
viam mãos enluvadas pegando de mau
jeito a pá, rostos muito vermelhos
pelo desconforto que produziam
roupas de veludo e casacas naquele
soleirão. Rompia-se assim a aura
sagrada que envolvia um poder que
sempre fez questão da distância do
trabalho, que nunca quis nada que
sugerisse mistura com o vulgo – mas
que parecia agora muito prosaico.[25]
A inauguração do
primeiro trecho da Estrada de Ferro
Mauá – a 3ª da América Latina e a
21ª do mundo, com 14,5 km de
extensão - ocorreu em abril de 1854,
com a presença da família Imperial,
ministros e convidados especiais. Na
ocasião, Irineu Evangelista de Sousa
recebeu do Imperador o título de
Barão de Mauá (antigo nome do porto
de Estrela).
A
partir dessa primeira ferrovia,
multiplicam-se as iniciativas para a
construção de novas estradas de
ferro - seja com capitais nacionais,
seja com capitais ingleses - sempre
com a participação de Mauá. Entre
elas, podemos citar a Estrada de
Ferro Dom Pedro II, a São Paulo
Railway, a Recife and São
Francisco Railway Company, a
Bahia and São Francisco Railway
Company, a Minas and Rio
Railway Company.
Em maio de 1852, Mauá
venceu a concorrência para a
iluminação pública do Rio de Janeiro
e criou a Companhia de Iluminação a
Gás do Rio de Janeiro, com capital
de 1.200 contos. Em março de 1854, a
população da capital foi chamada às
ruas para assistir serem acesos os
primeiros 637 lampiões a gás, a
terça parte do total previsto no
contrato.
Irineu Evangelista de
Sousa fechou o ano de 1852
comandando empresas com um capital
total de 15.750 contos de réis -
incluídos os 10.000 contos do Banco
do Brasil - o que correspondia à
metade de toda a produção de café e
a dois terços do imposto de
importação do país, a maior fonte de
renda do governo. A expansão dos
capitais sob o seu controle
aumentara, em apenas 3 anos, em
cerca de 6.500%, não computados aí
os 1.000 contos investidos no
Uruguai. A alavanca para toda essa
expansão era o Banco do Brasil.
MAUÁ CHOCA-SE COM OS LIMITES DA
SOCIEDADE ESCRAVISTA BRASILEIRA
Diante de tão
vertiginoso crescimento,
levantaram-se as primeiras vozes de
advertência e de admoestação,
principalmente dos setores mais
conservadores, temerosos da
modernização do país. O próprio
Imperador preocupou-se com o
crescente poder deste banqueiro. Na
fala do trono, em maio de 1853, deu
o recado: era preciso criar um banco
solidamente construído o qual,
obviamente, não era o de Irineu
Evangelista de Sousa. Em seguida, no
Senado, o Visconde de Itaboraí
apresentou o projeto de criação de
um banco oficial, feito com o
dinheiro de particulares - no total
de 30 mil contos de capital - cujo
presidente seria nomeado diretamente
pelo Imperador. Na fundamentação da
sua proposta, pregou contra a
concorrência entre os bancos “causa
principal de quase todas as crises
comerciais”. Depois de afirmar que
os bancos existentes eram inseguros,
e que só sua submissão ao governo e
o fim da concorrência entre eles
remediaria a situação, propôs a
possibilidade deles se fundirem e
virem a participar da fundação do
novo banco, sob o comando do
governo. O resultado foi uma corrida
dos depositantes ao Banco do Brasil
e ao Banco do Comércio (criado em
1838), para retirar o seu dinheiro.
Essa situação, pegou
Irineu no contrapé: ele tinha quatro
grandes investimentos em andamento:
os empréstimos ao governo uruguaio,
a estrada de ferro, a companhia de
gás e a navegação do Amazonas. Todos
em fase de gastos, com perspectiva
de retorno só a médio prazo. Justo
neste momento, o banco - o
instrumento de captação de capitais
com que contava para financiar a
conclusão de seus projetos - era
inviabilizado. Sua única base de
apoio era a fundição de Ponta da
Areia, sem fôlego para tanto. Irineu
foi obrigado a capitular e acertou a
entrega do banco em troca do
fornecimento pelo governo de um
empréstimo de 600 contos para
salvá-lo da bancarrota.
Em julho de 1853, a
Câmara aprovou a criação do novo
banco. O governo recebeu tudo:
capitais, móveis, funcionários
treinados e o nome. Em troca,
assumiu o compromisso de entregar a
Irineu e aos demais acionistas dos
dois bancos que se fundiram (o do
Brasil e o Comercial) 80 mil das 150
mil ações do novo banco. Em vez dos
3 cargos originais, a Diretoria foi
aumentada para 15 membros, todos
remunerados com altos salários. Logo
o novo Banco elevou os juros para
melhor remunerar os aplicadores, sem
maiores preocupações com o fomento
das atividades produtivas[26].
Em dezembro de 1853,
Irineu renunciou à diretoria do novo
banco e - quando em abril de 1854
recebeu as suas ações - aproveitou o
momento de alta para vendê-las e
reaver o seu capital. A entrada em
funcionamento, no início de 1854, da
sua estrada de ferro, da Companhia
de Gás, e o início dos primeiros
lucros na sua Companhia de Navegação
e Comércio do Amazonas, reverteram a
situação crítica por que havia
passado no ano anterior. Ficou
pronto para um novo ciclo de
negócios.
UM PRECURSOR DO CAPITAL
FINANCEIRO EM PLENA SOCIEDADE
ESCRAVISTA
Estando o espaço
creditício tradicional ocupado pelo
novo banco (posto a serviço do
capital parasitário), Mauá planejou
uma instituição financeira
internacional – com sede no Brasil e
uma grande agência na Inglaterra –
com o objetivo de captar capitais
europeus para serem investidos em
empresas brasileiras e para o
financiamento do comércio exterior
do país (aproveitando-se da
diferença entre os juros internos e
externos), além de atividades de
câmbio. Adiantando-se à sua época e
ao seu meio, Mauá sonhava – em
meados do século passado e em plena
sociedade escravista – com um banco
associado a ferrovias e a
industrias, levando o progresso
econômico ao país:
Em poucos anos, uma filial do
Banco Mauá se acharia estabelecida
em cada uma das capitais das vinte
províncias do Império, além de
muitas outras em localidades de
alguma importância do Brasil; e,
secundado esse mecanismo de crédito
com filiais em Londres e em Paris,
ficariam criados no Banco Mauá &
Cia. elementos com base para
alimentarem operações de crédito e
finanças, que interessariam em
grande escala ao progresso
econômico do nosso país. (...) vasto
mecanismo de crédito que (...) se
constituiria o centro de todo
o movimento monetário e financeiro
da América Meridional em ligação
íntima com os principais centros
monetários da Europa. Realizado este
pensamento, as empresas brasileiras
(...) não teriam por certo de
arrastar-se abatidas aos pés da
usura desapiedada de maus elementos
financeiros da praça de Londres; 5%
de garantia e não 7% seria base
suficiente para eu e meus agentes
termos conseguido a coadjuvação do
capital europeu para as nossas
empresas de viação e quaisquer
outras, se bem demonstrada utilidade
para os capitais a empregar,
encontrariam apoio fácil e eficaz”.[27]
Essa empresa seria um grande banco
de investimentos multinacional – se
os termos já tivessem sido
inventados. (...) Sua experiência
brasileira tinha lhe mostrado que as
empresas industriais e de transporte
dependiam cada vez mais de
financiamento, e que um banco que
não tivesse apenas a função de
emprestar dinheiro a terceiros, mas
funcionasse também como gerente de
grandes projetos, daria grandes
lucros. Este seria, anos mais tarde,
o esquema básico do capitalismo
financeiro, que só se consolidaria
na Europa na década seguinte, e nos
Estados Unidos no final do século.
Mas o projeto de Mauá, que previa
inclusive a abertura de capital do
banco, e uma vasta rede de empresas
de capital aberto subordinada a ele,
só se implementaria em definitivo
depois da Primeira Guerra Mundial,
já no século XX.[28]
Para escapar à
legislação das sociedades anônimas,
sujeitas à aprovação e intervenção
governamental, aproveitou-se de
brechas na legislação e criou em
julho de 1854 – tendo como sócios
alguns brasileiros e várias empresas
dedicadas ao comercio exterior, na
sua maioria inglesas e francesas – a
Mauá, Mac Gregor & Cia.,
sociedade de responsabilidade
limitada, formada por 182
investidores. O capital inicial
seria de 30 mil contos de réis, o
mesmo do Banco do Brasil.
Como era de esperar,
logo começou um cerrado bombardeio à
nova iniciativa de Mauá. Depois de
muitas marchas e contramarchas –
tendo o governo proibido a divisão
do capital da Mauá, Mac Gregor &
Cia. em ações – Mauá teve que
criar o novo banco com objetivos bem
mais limitados, reduzindo o seu
capital para 20 mil contos e
direcionando-o fundamentalmente para
a transferência de fundos entre a
Europa e o Brasil e para o mercado
de câmbios.
Logo
conseguiu acumular vultuosos lucros
e começou a buscar novas
oportunidades para investimentos
produtivos. Afora as obras públicas,
as opções não eram muitas em um
mercado consumidor restrito, onde
imperava uma política de altas taxas
de juros. Em 1855, Mauá associou-se
a mais quatro empreendimentos: uma
fábrica de velas e sabões, uma
empresa para explorar ouro no
Maranhão, uma companhia de
transportes urbanos e uma firma para
a construção de diques flutuantes.
O ano de 1857 vai
encontrar Mauá comandando 10
empresas. Algumas estavam
consolidadas, como o banco Mauá,
Mac Gregor & Cia, a fábrica da
Ponta da Areia, a Companhia de
Iluminação a Gás do Rio de Janeiro,
a Companhia de Navegação do
Amazonas, a Companhia de Luz
Esteárica. Outras, como a mineradora
do Maranhão, a ferrovia
Santos-Jundiaí e a companhia de
diques flutuantes, ainda eram
interrogações. Já a Companhia
fluminense de transportes e a
ferrovia de Petrópolis estavam
condenadas[29].
Mas, a política
governamental de priorização da
agricultura e de altas taxas de juro
- com o objetivo de transformar os
ex-traficantes de escravos em
felizes rentistas ou comissários dos
produtores de café - bloqueava o
campo de ação dos empresários
progressistas e as perspectivas da
industrialização do país.
Mauá volta os seus
olhos, então, para a região platina.
Em julho de 1857, cria o Banco
Mauá & Cia, em Montevidéu,
autorizado a emitir bilhetes (que
funcionavam como papel moeda) no
triplo do valor dos depósitos
existentes. Em 1859 esse banco já
conta com agências em Salto e
Paissandu; logo em Cerro Largo e
Mercedes. Em janeiro do mesmo ano, a
pedido de Urquiza, abre uma sucursal
do Banco Mauá em Rosário, sede da
Confederação Argentina. Este será o
primeiro estabelecimento de crédito
argentino, o único durante oito
anos. Logo abrirá sucursais também
em Buenos Aires e Gualeguaichi. Mauá
investe em terras e compra na cidade
de Mercedes uma enorme estância de
160 mil hectares. Desenvolvendo uma
pecuária empresarial, estimula a
melhoria das raças vacum e cavalar,
importa rebanhos de carneiros para a
produção de lã de qualidade: “Em
1860, o Barão de Mauá publicou
avisos na imprensa européia
oferecendo prêmios ao inventor do
melhor procedimento para carne
congelada (...) Na grande exposição
Universal de Londres de 1861, Mauá
concorreu com produtos nacionais e
uruguaios de suas estâncias
modernizadas: lãs de seus rebanhos,
gado vacum, etc., destacando-se os
produtos do Uruguai.”[30]
Dessa sua intensa atividade
empresarial no Uruguai dirá Alberto
de Faria: “o Banco Mauá e Cia. e o
Barão de Mauá figuravam em tudo
quanto se fazia de útil no Uruguai:
diques e estaleiros para navios
(...), plantações de algodão,
curtumes (...), fábrica de gelo,
plantações e moinhos de trigo (...),
tijolos, ladrilhos, etc., tudo.”[31]
Mas, as notícias no
Brasil e em outras partes do mundo
não são boas. Em junho de 1857, a
fábrica da Ponta de Areia é
destruida por um incêndio (segundo
alguns, por uma sabotagem dos
ingleses) e os prejuízos, não
cobertos por seguros, alcançam 500
contos de réis, a perda de
tecnologia e a descontinuidade da
produção. Na Inglaterra, seu sócio
Reynell de Castro enterra 1.700
contos de réis em ações da estrada
de ferro Recife-São Francisco, que
logo se revelaria uma mau negócio.
Neste momento, explode
uma grave crise bancária nos Estados
Unidos. O câmbio baixa de 27 para
22,7 pence por mil réis, em 4 meses.
A pedido do ministro Sousa Franco -
que luta para sustentar a o valor da
moeda nacional frente a libra, mas
não tem o apoio do Banco do Brasil -
Mauá faz uma jogada arriscada.
Convencido que a queda é artificial
e logo se recuperará, obtém do
governo uma garantia para até 750
mil libras, faz empréstimos em
Londres no valor de 1.800 mil libras
(85% do capital de todas as suas
empresas), e investe na compra de
moeda nacional ao preço de 25,5
pence por mil réis. Ao resgatar
esses empréstimos em setembro de
1858, o câmbio já retornara a 27
pence por mil réis, rendendo um bom
lucro para o seu banco.
Mas, a política
protecionista do governo, iniciada
em 1844, começa a ser desmontada por
pressão dos ingleses e dos setores
agrários que não viam com bons olhos
o incentivo a industrialização em um
país “predestinado” para a produção
agrícola:
A
comissão encarregada de estudar a
revisão tarifária, que acabou de
efetivar-se em 1857, e num sentido
oposto ao que fora estabelecido por
Alves Branco, não hesitaria em
formar assim o seu ponto de vista:
“Uma tarifa que encareceu com o peso
de fortes direitos os instrumentos
agrários, e dificultou a sua
aquisição, uma tarifa que encareceu
os gêneros necessários à
subsistência da classe dos
trabalhadores, a conservação de
imposto que dificultam a saída de
seus produtos, e a sua concorrência
com seus similares nos mercados
exteriores, e colocam os nossos
lavradores na triste colisão, ou de
abandonarem a lavoura da terra, ou
de suportarem rudes golpes por amor
da indústria fabril.” (Relatório
da Comissão encarregada da revisão
da tarifa em vigor que acompanhou o
projeto da tarifa apresentada pela
mesma Comissão ao Governo Imperial,
Rio, 1853, p. 285)
Argumentação especiosa, sem a menor
dúvida, que refletia a resistência a
uma política de industrialização e
apoio tradicional à política de
preservação dos interesses da classe
dominante agrária, desejosa de
defender a sua renda, infensa à
criação de condições que permitiriam
o aparecimento da burguesia. A cisão
nessa classe dominante tradicional
não atingira ainda o grau que
permitiria a uma de suas frações
aceitar, esposar e defender, nessa
seriação crescente, a introdução de
relações capitalistas na economia
brasileira. A tradição escravista e
feudal detinha o processo
inexorável. Em 1857, assim, a tarifa
reabre as portas do mercado interno:
“A diminuição dos direitos recaiu,
em geral, sobre os gêneros
alimentícios e instrumentos e
utensílios destinados à lavoura. As
matérias-primas foram sujeitas a uma
taxa de 5%, revogando-se os
privilégios concedidos às
fábricas nacionais; todos os que
se dedicavam a alguma indústria,
grande ou pequena, ficavam doravante
sujeitos ao mesmo regime.” (Nícia
Vilela Luz: A Luta pela
Industrialização do Brasil
(1808-1930), S.Paulo, 1961, p.
24)[32]
Em 1860, através da
reforma Silva Ferraz, o governo
isentou de direitos alfandegários os
materiais importados destinados à
lavoura e os navios construídos no
estrangeiro, além de restringir a
circulação monetária, trazendo
enormes dificuldades à produção
industrial no país. A fábrica da
Ponta de Areia – que Mauá havia
acabado de reconstruir com pesados
investimentos – foi inviabilizada:
A legislação sobre artefatos de
ferro foi se modificando. Navios a
vapor e alguns de vela, dos que a
Ponta da Areia conseguiria fornecer
72 nos primeiros onze anos de sua
existência, tiveram ingresso do
estrangeiro, livres de direito!
Da mesma forma, entraram maquinismos
a vapor e ainda outros, de sorte que
a concorrência com os produtos
similares do exterior tornou-se
impossível e o estabelecimento
decaiu. (...) falharam em sua
totalidade as encomendas do
governo, e o serviço particular era
mínimo; foi, portanto, preciso
fechar as portas das oficinas à
míngua de trabalho.”[33]
Mauá tentou vendê-la aos
ingleses, mas o rompimento de
relações do Brasil com a Inglaterra,
em 1863, devido à “questão
Christie”, inviabilizou o negócio.
Assim, dezessete anos após sua
inauguração, a primeira grande
indústria instalada no Brasil é
liquidada[34],
causando um prejuízo de cerca de mil
contos de réis. Mauá também decidiu
fechar a empresa Fluminense de
Transportes e a empresa de diques
flutuantes, que não se haviam
mostrado lucrativas, além de cortar
os investimentos na mineradora do
Maranhão. Para fazer caixa diante de
tantos reveses, Mauá ainda precisou
vender suas ações na ferrovia
Santos-Jundiai.
Como se tudo isso não
bastasse, em maio de 1862 é criado
em Londres “The London and
Brazilian Bank, com capital
inicial de um milhão de libras
esterlinas (o equivalente a 10 mil
contos de réis), que passaria a
disputar espaços diretamente com
Mauá, em um mercado até então
relativamente livre de competidores.
Três meses depois, surge o “The
London and River Plate Bank”,
com um capital inicial de 600 mil
libras esterlinas, para atuar nos
principais mercados do Prata,
concorrendo diretamente com Mauá,
que em Montevidéu monopolizava as
atividades bancárias. O cerco ia se
fechando.
Apesar dos contratos do
The London and Brazilian Bank
terem chegado ao Brasil somente em
julho de 1862, já em 2 de outubro do
mesmo ano o governo brasileiro
autorizava o seu funcionamento
através de decreto (a exigência de
aprovação pelo Parlamento só valia
para as empresas brasileiras). No
entendimento das autoridades do
país, se o banco era estrangeiro não
existiam razões para desconfianças
nem se deviam criar empecilhos para
a sua instalação...
Seguramente, o início da
década de 60 – de consolidação da
oligarquia agro-exportadora do café
e de expansão do imperialismo inglês[35]
– não prenunciava nada de bom para
Mauá.
A FRUSTRADA TENTATIVA DE
SALVAR-SE COLOCANDO-SE SOB A
BANDEIRA INGLESA
Para enfrentar o perigo
que lhe surgia com a criação do
The London Brazilian Bank, Mauá
fez uma manobra surpreendente.
Vendeu sua mais lucrativa empresa –
a Companhia de Iluminação a Gás do
Rio de Janeiro – ao maior acionista
individual deste banco e propôs a
fusão do Mauá, Mac Gregor & Cia
com o The London Brazilian Bank,
para a formação de um grande banco
de caráter internacional, no qual
entraria com três quintos do
capital, sem exigir qualquer
participação na sua direção (e
inclusive pedia que o seu nome não
constasse nele). Por sua proposta,
revolucionária para a época, o novo
banco deveria abrir agências em
Paris, Lisboa e Porto, para se
juntarem às dezessete agências que
ambos já tinham na América do Sul e
Europa. Em carta a seu amigo
uruguaio Andrés Lamas, em 8 de
agosto de 1865, Mauá explica seus
motivos para essa associação com os
ingleses:
Porque compreendi todo o alcance da
guerra injusta e desleal que me
faziam é que me resolvi a pôr meus
interesses debaixo da bandeira
inglesa, ficando assim a meu ver
amparados; também queria ocultar o
meu nome, o que não me foi possível
(...) Estava tranqüilo quanto aos
recursos na marcha regular dos
sucesso, e os resultados provavam
que teria razão - agora, antes que
me possam ferir de novo, encontrarão
pela frente a bandeira inglesa.[36]
Depois de longas
negociações – em que os novos sócios
exigiram a colocação do seu nome na
nova entidade financeira - que
passaria a se chamar The London
Brazilian & Mauá Bank – foi
acertado que Mauá indicaria apenas
um dos sete diretores, ele próprio.
Em dezembro de 1865 o novo banco é
anunciado em Londres. Mauá
providencia a transferência de seus
contratos e concessões,
conseguindo-o facilmente no Uruguai
e na Argentina e em quase todos os
negócios brasileiros. Quanto ao
London and Brazilian Bank,
comunica ao governo brasileiro a sua
mudança de nome e a continuidade de
suas operações nas mesmas condições,
só que com uma nova razão social. A
data do início das operações foi
marcada para 1º de janeiro de 1866.
Mas o governo
brasileiro, diante da participação
de Mauá no novo banco, impôs
condições: o novo banco, apesar de
constituído em Londres, precisaria
organizar-se de acordo com a lei
brasileira de sociedades anônimas.
Ou seja: se os ingleses ficassem sem
um sócio brasileiro, continuariam
gozando dos benefícios da lei das
sociedades anônimas inglesas; se
aceitassem o sócio brasileiro,
passariam a estar submetidos à lei
das sociedades anônimas brasileiras.
Estava fechado o caminho para a
fusão e a situação de Mauá
debilitara-se enormemente, pois
Alexandre Mac Gregor se retirou-se
da parceria que até agora mantinha
com Mauá.
Dono, ainda, de uma
fortuna pessoal considerável, Mauá
reuniu seus parceiros brasileiros na
Mauá, Mac Gregor & Cia e lhes
propôs liquidar esta empresa,
criando em seu lugar uma nova
empresa, em que ele seria o único
sócio responsável, e na qual
colocaria como garantia todos os
seus bens pessoais. Se ao final de
três anos ele não conseguisse
ressarcir os sócios minoritários de
todos os seus investimentos, estes
teriam o direito de lhe vender suas
cotas pelo valor nominal, e elas
seriam pagas com o seu dinheiro
pessoal. Assim, em vez do grande
banco internacional idealizado por
Mauá, nasceu em 1º de janeiro de
1867 uma simples empresa comercial
com um único sócio responsável:
Irineu Evangelista de Sousa, então
com 53 anos de idade. A Mauá &
Cia nascia para diminuir, não
para crescer. Mesmo assim, os ativos
da nova empresa eram enormes:
De sua mesa saíam ordens para os
diretores de dezessete empresas
instaladas em seis países (...) o
barão geria bancos no Brasil,
Uruguai, Argentina, Estados Unidos,
Inglaterra e França; estaleiros no
Brasil e no Uruguai; três estradas
de ferro no interior do Brasil; a
maior fábrica do país, uma fundição
que ocupava setecentos operários;
uma grande companhia de navegação;
empresas de comércio exterior;
mineradoras usinas de gás; fazendas
de criação de gado; fábricas
variadas. (...) Quando o barão
resolveu, em 1867, reunir a maior
parte das empresas num único
conglomerado, o valor total dos
ativos chegou aos 115 mil contos de
réis. Só havia um número no país
comparável a este: orçamento do
Império, que consignava todos os
gastos do governo dirigido por se
vizinho, Dom Pedro II, com 97 mil
contos de réis naquele mesmo ano.[37]
Mas no final de 1869
havia findado o prazo que Mauá havia
solicitado para recompor o capital
da Mauá & Cia, e o resultado
financeiro tinha sido o inverso do
esperado. Em vez de melhorar, a
empresa tinha se decomposto ainda
mais. Em fevereiro de 1870 é feita a
reunião dos sócios e explicado o
difícil quadro. Diversos sócios
pediram o seu dinheiro de volta.
Para pagá-los, Mauá hipotecou parte
de seus bens pessoais ao Banco do
Brasil.
Em 1871, a subida do
ministério Rio Branco, seu amigo
pessoal, lhe desanuviou um pouco a
situação. A pressão brasileira sobre
o Uruguai - através do seu
embaixador em Montevidéu - lhe
ajudou a colocar em ordem os seus
negócios neste país. Aqui, conseguiu
renegociar os juros de sua dívida
com o Banco do Brasil, em condições
mais favoráveis, e arrancou uma
autorização para vender em Londres a
Companhia de Navegação do Amazonas,
com o objetivo de liquidar suas
dívidas pendentes e recompor sua
fortuna pessoal. A exitosa venda, em
março de 1872, da Companhia de Gás
de Montevidéu, proporcionou-lhe uma
injeção de quase meio milhão de
libras no caixa da Casa Mauá. As
coisas pareciam começar a melhorar.
Mauá retomou, então,
iniciativas que marcarão época. Em
1873, criou a Companhia Agrícola,
Pastoril e Industrial – com 250 mil
hectares, mais de 200 mil cabeças de
gado, uma charqueada e uma fábrica
de carnes em conserva. Em 1874, foi
o responsável pelo estabelecimento
da ligação telegráfica, via cabo
submarino, entre o Brasil e a Europa
– cuja concessão cedeu gratuitamente
aos ingleses – inaugurada pelo
Imperador D. Pedro II em 22 de junho
desse ano. Em reconhecimento,
recebeu do Imperador o título de
Visconde de Mauá.
O TRISTE FIM DE UM BURGÊS EM UMA
SOCIEDADE ESCRAVISTA E DEPENDENTE
Em fins de 1874, Mauá
foi chamado às pressas à Montevidéu
pois nova revolução havia explodido,
levando ao poder o caudilho colorado
Varella. A nova política monetária
do governo Varella causa, em 23 de
fevereiro de 1875, uma verdadeira
corrida aos bancos para trocar os
seus bilhetes por ouro. A situação
deixa o Banco Mauá a descoberto em
relação a um cheque de 200 mil
libras do Banco Alemão. Em situação
emergencial, Mauá solicitou um
empréstimo de 300 mil libras ao
Banco do Brasil, para cobrir esse
cheque e ter uma reserva de
segurança. Como garantia, ofereceu
as ações da Companhia Agrícola,
Pastoril e Industrial, que valiam o
dobro disso. Surpreendentemente o
Banco do Brasil negou-se a
conceder-lhe o empréstimo salvador.
Apesar de possuir um ativo bem
superior ao seu passivo e apesar de
possuir bens suficientes para cobrir
essas 300 mil libras, Mauá fica
momentaneamente insolvente e foi
obrigado, em 17 de maio de 1875, a
fechar as portas e entrar em
processo irreversível de liquidação.
Depois que os peritos (do Banco do
Brasil e do Tesouro Nacional)
constataram a solvência de Mauá &
Cia, foi declarada sua moratória
por três anos, prazo para a
liquidação de todos os seus débitos
para com os credores.
Ficava claro que nem o
capitalismo europeu em expansão – em
especial o inglês – nem a oligarquia
escravista brasileira estavam
dispostos a tolerar os negócios de
Mauá. Haviam-no aceito, até certo
ponto, enquanto este os servia e não
os ameaçava. Agora, porém, devia ser
descartado. E o foi.
Mauá ainda tentou
resistir. Uma de suas esperanças era
conseguir cobrar os valores que o
governo uruguaio lhe devia. O
alheamento do Império em relação ao
problema e o caos político e
econômico do país vizinho, sacudido
por sucessivas revoluções,
inviabilizaram essa solução. A outra
esperança de Mauá era a cobrança da
dívida de quase 500 mil libras
esterlinas que a São Paulo Railway
tinha com ele, mas a empresa inglesa
exigiu que o julgamento da causa
ocorresse na Inglaterra. O Supremo
Tribunal de Justiça – depois de ter
garantido a Mauá, em 1869, o direito
de demandá-la no Brasil – voltou
atrás e, 8 anos depois, abdicando da
soberania nacional, adotou a tese de
que só a justiça inglesa era
legítima para decidir. Só que, a
essa altura, pelas leis inglesas, o
prazo para qualquer ação jurídica já
havia caducado, e Mauá não conseguiu
reaver um único tostão.
Apesar de todos esses
percalços, Mauá pagou no prazo de
três anos 75% dos credores. Como
ainda faltavam 25%, a sua falência
foi decretada em 1878. Mas ainda lhe
restavam muitos bens pessoais,
muitos deles no exterior. Um a um,
esses bens, inclusive sua casa e
seus objetos pessoais, foram por ele
vendidos para pagar os seus
credores. Seis anos depois, consegue
quitar o seu último débito. Em 30 de
janeiro de 1884, o Juiz Miguel
Calmon pronunciou a sentença de
reabilitação comercial de Mauá,
então com 70 anos de idade.
A fim de retomar a sua
vida após a falência, tomou
emprestado de seu filho Henrique 200
contos de réis e outros tantos de
seus amigos Inácio Tavares, Juan
Frias e Simão Porciúncula. Com esse
pequeno capital recomeçou a vida
como corretor, montando um
escritório no Rio de Janeiro e
readquirindo sete mil ações da
Companhia Agrícola, Pastoril e
Industrial. Passa a viver em uma
casa alugada em Petrópolis. Em 21 de
outubro de 1889, aos 75 anos de
idade, morreu de “diabetes e
pneumonia”.
A família de Mauá
recebeu os pêsames do Imperador. O
Banco do Brasil fechou as suas
portas na Corte em sinal de luto e o
mesmo fizeram inúmeras casas
bancárias no Rio e em Petrópolis.
O INDIVÍDUO VENCIDO PELAS
CIRCUNSTÂNCIAS
A análise da trajetória
desse grande empresário moderno, que
foi o Visconde de Mauá, nos permite
importantes conclusões sobre os
primeiros passos da industrialização
brasileira.[38]
A primeira delas, é no
sentido de que o primeiro surto
industrial no Brasil - em pleno
regime escravista - só foi possível
devido à intervenção econômica do
Estado, através da política
tarifária de Alves Branco, posta em
prática a partir de 1844. As novas
taxas alfandegárias - ainda que em
grande parte de inspiração
fiscalista - acabaram com os
privilégios que os ingleses detinham
desde 1810 e constituíram-se em uma
proteção para a criação de
indústrias no país. Mas este
incentivo à industrialização pouco
significado teria sem a abolição do
tráfico negreiro em 1850, liberando
enormes quantidades de capitais, até
então aplicados nesse lucrativo
negócio. Portanto, é a conjunção
dessas duas circunstâncias que irá –
apesar do meio escravista
desfavorável ao desenvolvimento das
forças produtivas – propiciar a ação
de Irineu Evangelista de Sousa e
alguns outros poucos pioneiros, em
geral influenciados pelo exemplo da
industrialização inglesa, no sentido
do desenvolvimento de atividades
industriais e bancárias no Brasil:
O fenômeno Mauá teria sido
impossível se já não houvesse
capitais acumulados dentro do Brasil
e cuja disponibilidade aumentou após
a cessação do tráfico de escravos
africanos. Mas o próprio Visconde
não foi mais do que um tipo de
transição, ainda um capitalista
inserido na formação escravista,
embora se chocasse com a estreiteza
dos seus limites para a realização
de empreendimentos modernos que, sob
outro aspecto, não deixavam de
prenunciar o advento do capitalismo.[39]
É importante notar que
essa industrialização inicial não se
dá contra ou em confronto com a
sociedade escravista de então[40],
apesar das contradições latentes que
iriam se manifestar mais adiante. Ao
contrário, se dá em estreita aliança
com suas classes dominantes – os
grandes proprietários escravistas e
os grandes comerciantes
exportadores/importadores – e
alavancada pela oligarquia
governante. Pois, estas novas
oportunidades de negócios que
surgem, são alternativas de
aplicações rentáveis para os
capitais ociosos nas mãos destas
oligarquias. E, inclusive, através
da modernização dos meios de
transporte e de mecanismos mais
ágeis e menos onerosos de
financiamento, uma forma de diminuir
os custos da produção agrícola
escravista (especialmente cafeeira),
dando-lhe uma sobrevida.
Assim, observamos que
esta burguesia - que nasce das
entranhas da sociedade escravista -
está desde o seu início atrelada à
classe dominante escravista e ao seu
governo, dele dependendo em tudo: da
proteção alfandegária, da garantia
de fornecimento de produtos ou
serviços ao governo (único grande
comprador neste mercado quase
inexistente)[41],
e da concessão de empréstimos do
Tesouro, autorizados diretamente
pelo poder legislativo. Como nos diz
Faoro, “A indústria vivia, como tudo
o mais, ao arbítrio do governo,
maior fornecedor de capitais e maior
comprador de mercadorias. Fora do
seu calor, a atividade econômica
murchava e morria.”[42]
Outra característica
desta burguesia nascente, é sua
estreita vinculação e associação com
os capitais estrangeiros, no caso o
capital inglês, que dava os seus
primeiros passos rumo à sua fase
imperialista:
Notemos que Mauá foi banqueiro e
quase todas suas iniciativas
empresariais visaram suprir serviços
públicos, como concessões do Estado
em condições de monopólio e, em
vários casos, com subvenções ou
empréstimos do Estado. Foi assim que
organizou empresas de transportes
urbanos e de iluminação pública a
gás, companhias de navegação fluvial
a vapor, várias estradas de ferro e
a comunicação por meio de cabo
submarino. Entre suas numerosas
empresas, quase a única de
transformação industrial direta - o
Estaleiro e Fundação Ponta de Areia,
que chegou a reunir cerca de mil
trabalhadores -, mesmo esta surgiu
do projeto de fornecimento de tubos
de ferro ao Governo, com vistas à
canalização das águas do rio
Maracanã. Por conseguinte, os
empreendimentos de Mauá eram
compatíveis com o regime escravista
e contribuíram para tornar viável
seu funcionamento, num período já de
declínio. Ademais, uma vez que
dependia do Estado, empenhou-se em
intensa atividade política e teve
bom relacionamento com vários
gabinetes ministeriais do Império,
que o nobilitou com os títulos de
barão e visconde. Quando o Império
se recusou a cobrir os débitos do
Banco Mauá, faliu. E faliu também
porque, na construção da Estrada de
Ferro Santos a Jundiaí (que veio
chamar-se São Paulo Railway),
recebeu uma rasteira do capital
inglês, ao qual diversas vezes
recorreu, antecipando um
comportamento comum à burguesia
brasileira posterior.[43]
È neste contexto que
devemos situar a intensa e
contraditória atividade empresarial
de Mauá - comerciante, industrial,
banqueiro, financista, político -
sua vertiginosa ascensão e sua
rocambolesca queda. Nem anjo, nem
diabo: um capitalista em uma
sociedade escravista, dominada pela
Inglaterra, onde, como hoje, as
oligarquias governantes concediam
maiores facilidades aos capitais
estrangeiros do que aos capitais
nacionais. Manipulando suas
influências no governo, ao mesmo
tempo que por este era usado em
inúmeras jogadas geopolíticas.
Associado aos ingleses, ao mesmo
tempo que em conflito com eles à
medida que crescia e se expandia.
Adiantando-se ao seu tempo e à
realidade do seu país, Mauá
aproveitou-se das circunstâncias
favoráveis e construiu, em menos de
10 anos, uma grande império
empresarial e uma grande fortuna.
Mas suas bases, assentes
em uma sociedade escravista e
dependente, não eram sólidas. Logo
as oligarquias dominantes trataram
de colocar um freio a essas
atividades “subversivas” ou
enquadrá-las rigidamente. O
relatório da Comissão de Inquérito
sobre a situação financeira do país,
criada pelo ministro Ângelo Ferraz
em 1859 – o mesmo que iniciou o
desmonte das proteções alfandegárias
em 1857 – é eloqüente:
a história do mundo [...] não
apresenta outro exemplo de uma
desmoralização social tão repentina,
de uma corrupção de hábitos
santificados por séculos de duração,
tão assustadora como temos
presenciado no Brasil de 1854 para
cá [...] Antes bons negros da costa
da África para felicidade sua e
nossa [...] do que finalmente
empresas mal-avisadas, muito além
das legítimas forças do país, as
quais perturbando as relações da
sociedade produzindo uma deslocação
de trabalho, têm promovido, mais que
tudo a escassez e alto preço de
todos os víveres.[...] quanto
mais não é de lastimar que o nosso
povo fosse ainda envenenado
moralmente pela introdução do
detestável sistema de bancos de
emissão, criaturas do monstro -
cobiça comercial! Não vimos sem
grande receio a facilidade com que
os governos, Imperial e provincial,
prestam nestes últimos anos a sua
garantia a várias empresas.[44]
A pressão dos setores
escravistas e dos ingleses pelo fim
das tarifas alfandegárias[45]
- que oneravam suas importações -
pelo fim dos “privilégios” para as
indústrias; a transformação do Banco
do Brasil - agora sob o controle da
oligarquia governante - em uma
alternativa para a aplicação
rentável dos capitais parasitários,
a crescente má vontade contra essas
“inovações” - que contrariavam a
tradicional “vocação agrícola” do
Brasil; a falta de um mercado de
trabalho livre; tudo isso foi
vulnerabilizando as posições de Mauá
e outros pioneiros:
a maioria esmagadora das empresas
criadas depois da reforma de tarifas
de 1844 não conseguiu sobreviver
devido à falta de mão-de-obra
qualificada, concorrência por parte
das esferas mais lucrativas de
aplicação do capital e,
especialmente, devido ao
enfraquecimento do protecionismo
alfandegário iniciado a partir de
1857. Em particular, em 1858
decaíram ou foram fechadas fábricas
têxteis da capital, mesmo as que
recebiam ajuda por parte do governo.
Depois da diminuição de impostos
sobre a importação de navios a
vapor, de alguns tipos de veleiros e
de máquinas a vapor, o estaleiro de
Mauá viu-se forçado ao conserto de
navios pequenos e em 1861 foi
fechado.[46]
É nesse contexto que
inicia a derrocada de Mauá e de seu
império empresarial. Dele se
conservarão inúmeras obras pioneiras
– a maioria delas agora sob controle
dos capitais ingleses[47]
- e as primeiras experiências
capitalistas em um solo pouco
propício. Experiências que só serão
retomadas, em um novo nível, após a
Abolição da Escravatura e a
Proclamação da República, que abrem
de fato o caminho para o
desenvolvimento do capitalismo no
Brasil.
Amancebada desde o seu
início com o capital estrangeiro,
subordinada à grande propriedade da
terra, dependente do governo,
temerosa do povo[48],
a burguesia brasileira estará
marcada desde a sua origem pela
pusilanimidade e a falta de um
verdadeiro projeto nacional. Tal
qual o é hoje.
*Raul K. M. Carrion é
graduado em História pela UFRGS,
Coordenador do Centro de Estudos
Marxistas (CEM/RS) e do Centro de
Debates Econômicos e Sociais do Rio
Grande do Sul (CEDESP/RS). É
co-autor de Luz e Sombras
(Editora da Universidade/UFRGS e
CEM/RS), Fios de Ariadne,
Os Trabalhos e os Dias e As
Portas de Tebas (todos pela
Editora da UPF e CEM/RS). Publicou
(org.) Globalização,
Neoliberalismo e Privatizações: quem
decide este jogo?, Século
XXI: Barbárie ou Solidariedade?,
A Crise do Capitalismo
Globalizado na Virada do Milênio
(todos pela Editora da
Universidade/UFRGS e CEDESP/RS)
[1]
“Irineu Evangelista de Souza
- Barão e depois Visconde de
Mauá - domina a década com
trabalhos de industrial
ousado, banqueiro,
construtor de ferrovias,
empresário de navegação,
introdutor de inovações
tecnológicas, político,
diplomata. Sua ação
estende-se por todo o Brasil
e mesmo áreas vizinhas, como
o Uruguai, sem falar em
participações bancárias,
como as de Montevidéu,
Buenos Aires, Nova Iorque,
Paris, Londres, Manchester.
Nas condições do Brasil de
meados do século XIX, é
quase aparição fantasmal,
pois mesmo agora seria
considerado temerário. Sua
biografia é a história de um
homem moderno em meio
acanhado, de industrial e
financista entre
agricultores e comerciantes
tímidos.” [IGLÉSIAS,
Francisco. A
industrialização brasileira.
São Paulo: Brasiliense,
1993., pp. 46-47].
[2]
SODRÉ, Nelson Werneck.
História da burguesia
brasileira. Rio de
Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967, p. 124.
[3]
GRAHAN, Richard.
Grã-Bretanha e o início da
modernização no Brasil.
São Paulo: Brasiliense,
1973, pp. 210-211.
[4]
VARELA, Alfredo.
Revoluções Cisplatinas.
Citado por BESOUCHET, Lídia.
Mauá e seu tempo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira,
1978, p. 38.
[5]
FARIA, Alberto de. Mauá.
São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1933, p.
53.
[6]
CALDEIRA, Jorge. Mauá:
empresário do Império.
São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p.172
[7]
GANNS, Cláudio. A
Trajetória de um Pioneiro
(Em torno da vida de Mauá).
In: MAUÁ, Visconde de.
Autobiografia – Exposição
aos credores e ao público./O
meio circulante no Brasil.
Rio de Janeiro: TOPBOOKS,
1998, p. 33.
[8]
Relatório do Marquês de
Lavradio ao seu sucessor,
vice-rei Luís de Vasconcelos
e Souza. In: LIMA,
Heitor Ferreira. História
político-econômica e
Industrial do Brasil.
São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1976, pp. 56-57.
[9]AZEVEDO,
Carlos e ZAGO Jr., Guerino.
Do tear ao computador –
As lutas pela
industrialização do Brasil.
São Paulo: Política Editora,
1989, p. 12.
[11]
LUZ, Nícia Vilela. A luta
pela industrialização do
Brasil (1808 a 1930).
São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1961, p.15
[12]
MANCHESTER, Alan K.
Preeminência inglesa no
Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1973, p. 88.
[13]
BRANCO, Manuel Alves.
Proposta e relatório
apresentados à Assembléia
Geral Legislativa na
Primeira Sessão da Sexta
Legislatura pelo Ministro e
Secretário de Estado dos
Negócios da Fazenda. Rio
de Janeiro: 1845, p. 34.
[14]
“No decênio posterior a 1850
observam-se índices dos mais
sintomáticos disto:
fundam-se no curso dele 62
empresas industriais, 14
bancos, 3 caixas econômicas,
20 companhias de navegação a
vapor, 23 de seguros, 4 de
colonização, 8 de mineração,
3 de transporte urbano, 2 de
gás e finalmente 8 estradas
de ferro.” [PRADO JÚNIOR,
Caio. História econômica
do Brasil. 2ª ed. São
Paulo, Brasiliense, 1949, p.
202]
[15]
CALDEIRA. Op. Cit., pp.
191-192.
[16]
GUIMARÃES, Alberto Passos.
Quatro séculos de
latifúndio. São Paulo:
Fulgor, 1964, pp. 120-121.
[17]
CALDEIRA. Op. Cit., p. 199.
[18]
BESOUCHET. Op. Cit., pp.
40-41.
[19]
CALDEIRA. Op. Cit., p. 233.
[20]
“Foi necessário esperar até
a extinção do tráfico, em
1851, para que surgisse
oportunidade semelhante à de
1808. Os capitais líquidos
retirados abruptamente do
negócio permitiram,
finalmente, a melhoria nas
condições de liquidez. (...)
as taxas de juros afinal
entraram em queda. (...) A
nova realidade pôde ser
ensaiada no Rio, com grandes
obras de Mauá, financiadas
pelos capitais do tráfico
captados a juros baixos, e
no Nordeste, com a venda de
escravos para o Sudeste”.
[CALDEIRA, Jorge. A Nação
Mercantilista . São
Paulo: Editora 34, 1999,
p.384-3875]
[21]
MAUÁ. Autobiografia...
Op. Cit., p. 116.
[22]
O primeiro Banco do Brasil
surge em 1808, com a vinda
de D. João VI, mas só passa
a funcionar de fato no ano
seguinte, sendo liquidado em
1829. Em 1833, durante a
Regência, foi novamente
autorizado a funcionar, mas
não conseguiu concretizar a
subscrição de ações.
Ressurge em 1851, com Mauá a
frente, com o caráter de
banco privado.
[23]
Em 1849, o tenente Matthew
Maury, da marinha
norte-americana – ao
retornar de uma excursão
científica pelo rio Amazonas
e tomado pela febre
expansionista que dominava o
país – lançou uma cruzada
pela livre navegação do
mesmo, argumentando que a
riquíssima bacia amazônica
não passava de uma
continuidade da do
Mississipi, que a direção
dos ventos levava todos os
navios que passavam pela foz
do Amazonas diretamente aos
portos do sul da União, que
esse imenso tesouro era
desconhecido do Brasil e que
o primitivo governo daquele
país, com sua política
“japonesa”, impedia o acesso
a tais riquezas; enfim, que
os bens da terra pertenciam
àqueles que fossem capazes
de aproveitá-los e a
abertura do Amazonas
significava para os EUA o
mesmo que a compra da
Louisiana, não havendo tempo
a perder. A cruzada de Maury
encontrou eco no Brasil
através das Cartas do
Solitário de Tavares
Bastos. As diplomacias
norte-americana e brasileira
apressaram-se em estabelecer
acordos com os países
banhados pelo rio: no Peru e
na Colômbia, os brasileiros
chegaram antes dos
norte-americanos e
negociaram acordos de
navegação pelos quais o rio
só ficaria aberto à
navegação dos países
ribeirinhos; na Bolívia e
Equador os emissários
brasileiro chegaram
atrasados, e esses países
estabeleceram acordos com os
EUA, pelos quais seus rios
amazônicos ficavam abertos à
navegação de navios de
quaisquer países; por fim,
os representantes de ambos
países chegaram a Venezuela
antes que qualquer acordo
estivesse fechado e este
país não tomou nenhuma
posição. Esse quadro de
disputa pela Amazônia impôs
ao Brasil a busca da sua
rápida integração ao país,
sob pena de perdê-la.
[FARIA. Op. Cit., pp.
197-198; CALDEIRA.
Mauá... Op. Cit., pp.
237-240]
[24]
“Nesta empresa, construída
de acordo com modelos
ingleses e sob a direção de
engenheiros ingleses,
trabalhavam mais de mil
pessoas.” [KARAVAEV, A.
Brasil, passado e presente
do “capitalismo periférico”.
Moscou: Progresso, 1987, p.
70]
[25]
CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., pp. 260-261.
[26]
“Encarava-se o Banco do
Brasil como uma grande
caixa de descontos local
que devia realizar essas
operações pela taxa mais
alta que fosse possível
obter (...) qualquer
operação de finanças nem
era compreendida. [MAUÁ.
Autobiografia... Op.
Cit., p. 214-215]
[27]
MAUÁ. Autobiografia...
Op. Cit., pp. 219-220.
[28]
CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., p. 417.
[29]
A estrada de rodagem União e
Industria devia alimentar e
tornar rentável a estrada de
ferro Petrópolis,
trazendo-lhe as cargas da
província de Minas; forçado
a abrir mão dessas cargas
para a estrada de ferro D.
Pedro II, Mauá afirmou: “a
estrada de ferro de
Petrópolis (...) era
entregue ao extermínio!
Minha opinião naquele transe
doloroso na vida dessa
companhia, achando-me fora
do Brasil, foi que se
levantassem os trilhos e se
vendesse em hasta pública o
material da empresa”. [MAUÁ.
Autobiografia... Op.
Cit., p. 1127-128]
[30]
ACEVEDO, Eduardo. Manual
de História Uruguaya.
In:
BESOUCHET. Op. Cit., p. 102.
[31]
FARIA. Op. Cit., p. 287.
[32]
SODRÉ. História da...
Op. Cit., p. 115.
[33]
MAUÁ. Autobiografia...
Op. Cit., p. 102-104.
[34]
“daquele estabelecimento
saíram fabricados tubos de
ferro para o encanamento das
águas do Maracanã. Tubos de
ferro para o encanamento do
Andaraí Grande. Lampiões de
ferro, canos destinados ao
fornecimento de gás para a
cidade do Rio de Janeiro.
Navios utilizados pelo país
nas lutas contra Oribe,
Rosas e Solano López. Navios
para a navegação no Rio
Amazonas. Rebocadores a
vapor para a Barra do Rio
Grande. Navios costeiros,
que franqueavam toda a costa
brasileira de Manaus ao Rio
Grande do Sul, concorrendo
com navios ingleses e
franceses. A ponte de ferro
de Santo Amaro na Estrada de
Jericó. A ponte de ferro
sobre o Rio Alcântara (...)
na Província do Rio de
Janeiro. A ponte de ferro
sobre o Rio Paraíba. O
portão de ferro da Quinta
Imperial da Boa Vista. O
navio Presidente Dantas,
que inaugurou a linha
fluvial do São Francisco, de
Juazeiro até Salgado, na
Província de Minas Gerais.
Máquinas para a Imprensa
Nacional, enxadas, martelos,
pregos, trilhos, etc.”
[BESOUCHET. Op. Cit., p. 95]
[35]
“o período de
desenvolvimento máximo do
capitalismo pré-monopolista,
o capitalismo em que
predomina a livre
concorrência, vai de 1860 a
1870. (...) é exatamente
depois desse período que
começa o enorme ‘ascenso’ de
conquistas coloniais, que se
exacerba (...) a luta pela
partilha territorial do
mundo.” [LENIN. Obras
Escolhidas. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1982, v.1, p.
633]
[36]
MAUÁ, Visconde de. Citado
por CALDEIRA, Mauá...
Op. Cit., p. 430.
[37]
CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., p. 17.
[38]
“A figura de Mauá aparece,
nestes estudos, não para ser
posta em uma evidência ímpar
(...) Mas para caracterizar
uma época. Para mostrar como
foi ele, não o criador de um
ambiente, mas o produto do
meio em que viveu. (...)
Tivesse sido ele uma
culminância individual e
soberba única, nada teria
aqui a lembrá-lo, porque os
estudos que vimos fazendo
não giram em torno de
pessoas, ainda que heróicas
ou sobre-humanas, para se
dirigirem aos traços da
sociedade, às
características da sua
formação, ao seu processo de
desenvolvimento. (...) Mauá
não aparece, pois, nestes
estudos, como homem notável
– que foi – mas como
personificação de uma
orientação política, numa
das suas faces mais
expressivas, a das
iniciativas
econômico-financeiras. Ele
foi, sem dúvida, o grande
homem que um de seus
biógrafos admirou. Mas
condicionado às
peculiaridades da sua época,
que lhe foi propícia e que
ele representou, como poucos
a representaram.” [SODRÉ,
Nelson Werneck. Panorama
do Segundo Império. Rio
de Janeiro: GRAPHIA, 1998,
pp. 236, 237, 240]
[39]
GORENDER, Jacob. A
burguesia brasileira.
São Paulo: Brasiliense,
1981, p. 13.
[40]
Muito se tem falado de uma
postura abolicionista de
Mauá. Na verdade, sua
posição sobre a questão era
contraditória. Por um lado,
colocava em seus contratos
de prestação de serviços
público cláusulas onde se
obrigava a “não empregar o
braço escravo” e desde 1853
pregou a utilização de
imigração branca para
substituir o braço escravo;
nessa mesma década, fundou
colônias agrícolas no
Amazonas com 600 açorianos e
500 algarvianos; nas suas
estâncias do sul colocou 500
açorianos e trouxe chineses
que plantavam chá, arroz,
alfafa para suas
propriedades no Uruguai; em
1872, estabeleceu 200 hindus
em suas fazendas em Macaé e
outros 100 em Sapopemba. Ao
mesmo tempo, era incapaz de
visualizar a incorporação
dos escravos na nova ordem
social e temia uma abolição
prematura, pois “a única
fonte ou mercado de
trabalho que o Brasil
tinha até então conhecido
era o braço africano”
e “mais dez a quinze anos de
inércia e a grande lavoura,
já em decadência, se
arruina à míngua de braços”.
Defendia, antes de qualquer
emancipação dos escravos, a
viabilização de um
substituto ao braço servil,
assumindo uma postura
pragmática frente à
abolição. [MAUÁ.
Autobiografia.... Op.
Cit., p. 202]
[41]
O próprio Mauá mostra ter
consciência disso quando –
referindo-se à sua fábrica
da Ponta da Areia – afirma:
“Desde que o estabelecimento
ficou montado para
produzir em grande
escala, havia-me eu
aproximado dos homens de
governo do país em demanda
de TRABALHO para o
estabelecimento industrial,
cônscio de que essa proteção
era devida, mormente
precisando o Estado
dos serviços que eram
solicitados, em
concorrência com
encomendas que da Europa
tinham que ser enviadas, e
já foi dito quanto o
estabelecimento prosperou no
período em que essa proteção
lhe foi dada.” [MAUÁ.
Autobiografia... Op.
Cit., p. 108-109]
[42]
FAORO, Raymundo. Os donos
do poder. Porto Alegre:
Editora Globo, 1958, p. 219.
[43]
GORENDER. Op. Cit., pp.
12-13
[44]
Relatório da Comissão de
Inquérito sobre a situação
financeira do país (1859).
Citado por PRADO JÚNIOR,
Caio. Evolução Política
do Brasil e Outros Estudos.
São Paulo: Editora
Brasiliense, 1971, p. 83-85.
[45]
“Se, a princípio, foram os
interesses britânicos o
grande obstáculo ao
estabelecimento de um
protecionismo alfandegário,
a partir de meados do século
XIX os seus maiores
adversários foram, dentro do
próprio país, as hostes
liberais cujas doutrinas
eram tão convenientes aos
interesses da lavoura
monocultora que, juntamente
com a organização comercial
que apoiava, dirigiam,
então, os destinos do
Império.” [LUZ. Op. Cit.,
p.45]
[46]
KARAVAEV. Op. Cit., pp.
70-71 [a data correta do
fechamento da Ponta da Areia
é 1863 – R.C.]
[47]
Adquiridas pelos ingleses, a
Companhia de Navegação da
Amazônia transformou-se na
Amazon Stean Navigation
Company, a Estrada de
Ferro Petrópolis virou
Leopoldina Railway, a
companhia de gás tornou-se
The Rio da Janeiro Gás
Company Ltd., a estrada
de ferro Santos-Jundiaí foi
absorvida pela São Paulo
Railway Co. Ltd.; já a
Cia. Carris de Ferro do
Jardim Botânico
transformou-se a
Botanical Garden Rail Road,
primeira empresa dos EUA a
instalar-se no Brasil.
[48]
Nesse sentido, a posição de
Mauá, contrária à República,
é esclarecedora dos limites
políticos do “liberalismo”
da nascente burguesia
brasileira: “Não desejo para
meu país a liberdade e as
instituições dos outros
Estados da América (...)
basta a livre manifestação e
desenvolvimento do princípio
legal na esfera de ação que
a Constituição lhe garantiu.
Até aí acompanho a idéia
liberal; fora desse terreno,
nem uma linha. Essa causa da
liberdade que se liga ao
futuro da democracia e que é
a causa da América,
repito, eu não a quero para
nosso país (...) se a
desgraça permitir que a
negra nuvem que apenas
aponta em nosso horizonte
político, sem que por hora
nos inquiete, chegasse a
tomar aspecto ameaçador
(...) espero e confio que
qualquer que seja a opinião
que tenha na ocasião as
rédeas do poder – esteja a
opinião conservadora ou a
idéia liberal representada
no Governo – há de possuir a
energia e vigor precisos
para em tal momento sufocar
os elementos que queiram
transformar a nossa ordem
social.” [MAUÁ. Anais da
Câmara, sessão de
26.01.1874. In: FARIA,
Alberto de. Mauá. São
Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1933, pp. 470-475]
[1]
BESOUCHET. Op. Cit., pp.
40-41.
[1]
CALDEIRA. Op. Cit., p. 233.
[1]
“Foi necessário esperar até
a extinção do tráfico, em
1851, para que surgisse
oportunidade semelhante à de
1808. Os capitais líquidos
retirados abruptamente do
negócio permitiram,
finalmente, a melhoria nas
condições de liquidez. (...)
as taxas de juros afinal
entraram em queda. (...) A
nova realidade pôde ser
ensaiada no Rio, com grandes
obras de Mauá, financiadas
pelos capitais do tráfico
captados a juros baixos, e
no Nordeste, com a venda de
escravos para o Sudeste”.
[CALDEIRA, Jorge. A Nação
Mercantilista . São
Paulo: Editora 34, 1999,
p.384-3875]
[1]
MAUÁ. Autobiografia...
Op. Cit., p. 116.
[1]
O primeiro Banco do Brasil
surge em 1808, com a vinda
de D. João VI, mas só passa
a funcionar de fato no ano
seguinte, sendo liquidado em
1829. Em 1833, durante a
Regência, foi novamente
autorizado a funcionar, mas
não conseguiu concretizar a
subscrição de ações.
Ressurge em 1851, com Mauá a
frente, com o caráter de
banco privado.
[1]
Em 1849, o tenente Matthew
Maury, da marinha
norte-americana – ao
retornar de uma excursão
científica pelo rio Amazonas
e tomado pela febre
expansionista que dominava o
país – lançou uma cruzada
pela livre navegação do
mesmo, argumentando que a
riquíssima bacia amazônica
não passava de uma
continuidade da do
Mississipi, que a direção
dos ventos levava todos os
navios que passavam pela foz
do Amazonas diretamente aos
portos do sul da União, que
esse imenso tesouro era
desconhecido do Brasil e que
o primitivo governo daquele
país, com sua política
“japonesa”, impedia o acesso
a tais riquezas; enfim, que
os bens da terra pertenciam
àqueles que fossem capazes
de aproveitá-los e a
abertura do Amazonas
significava para os EUA o
mesmo que a compra da
Louisiana, não havendo tempo
a perder. A cruzada de Maury
encontrou eco no Brasil
através das Cartas do
Solitário de Tavares
Bastos. As diplomacias
norte-americana e brasileira
apressaram-se em estabelecer
acordos com os países
banhados pelo rio: no Peru e
na Colômbia, os brasileiros
chegaram antes dos
norte-americanos e
negociaram acordos de
navegação pelos quais o rio
só ficaria aberto à
navegação dos países
ribeirinhos; na Bolívia e
Equador os emissários
brasileiro chegaram
atrasados, e esses países
estabeleceram acordos com os
EUA, pelos quais seus rios
amazônicos ficavam abertos à
navegação de navios de
quaisquer países; por fim,
os representantes de ambos
países chegaram a Venezuela
antes que qualquer acordo
estivesse fechado e este
país não tomou nenhuma
posição. Esse quadro de
disputa pela Amazônia impôs
ao Brasil a busca da sua
rápida integração ao país,
sob pena de perdê-la.
[FARIA. Op. Cit., pp.
197-198; CALDEIRA.
Mauá... Op. Cit., pp.
237-240]
[1]
“Nesta empresa, construída
de acordo com modelos
ingleses e sob a direção de
engenheiros ingleses,
trabalhavam mais de mil
pessoas.” [KARAVAEV, A.
Brasil, passado e presente
do “capitalismo periférico”.
Moscou: Progresso, 1987, p.
70]
[1]
CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., pp. 260-261.
[1]
“Encarava-se o Banco do
Brasil como uma grande
caixa de descontos local
que devia realizar essas
operações pela taxa mais
alta que fosse possível
obter (...) qualquer
operação de finanças nem
era compreendida. [MAUÁ.
Autobiografia... Op.
Cit., p. 214-215]
[1]
MAUÁ. Autobiografia...
Op. Cit., pp. 219-220.
[1]
CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., p. 417.
[1]
A estrada de rodagem União e
Industria devia alimentar e
tornar rentável a estrada de
ferro Petrópolis,
trazendo-lhe as cargas da
província de Minas; forçado
a abrir mão dessas cargas
para a estrada de ferro D.
Pedro II, Mauá afirmou: “a
estrada de ferro de
Petrópolis (...) era
entregue ao extermínio!
Minha opinião naquele transe
doloroso na vida dessa
companhia, achando-me fora
do Brasil, foi que se
levantassem os trilhos e se
vendesse em hasta pública o
material da empresa”. [MAUÁ.
Autobiografia... Op.
Cit., p. 1127-128]
[1]
ACEVEDO, Eduardo. Manual
de História Uruguaya.
In:
BESOUCHET. Op. Cit., p. 102.
[1]
FARIA. Op. Cit., p. 287.
[1]
SODRÉ. História da...
Op. Cit., p. 115.
[1]
MAUÁ. Autobiografia...
Op. Cit., p. 102-104.
[1]
“daquele estabelecimento
saíram fabricados tubos de
ferro para o encanamento das
águas do Maracanã. Tubos de
ferro para o encanamento do
Andaraí Grande. Lampiões de
ferro, canos destinados ao
fornecimento de gás para a
cidade do Rio de Janeiro.
Navios utilizados pelo país
nas lutas contra Oribe,
Rosas e Solano López. Navios
para a navegação no Rio
Amazonas. Rebocadores a
vapor para a Barra do Rio
Grande. Navios costeiros,
que franqueavam toda a costa
brasileira de Manaus ao Rio
Grande do Sul, concorrendo
com navios ingleses e
franceses. A ponte de ferro
de Santo Amaro na Estrada de
Jericó. A ponte de ferro
sobre o Rio Alcântara (...)
na Província do Rio de
Janeiro. A ponte de ferro
sobre o Rio Paraíba. O
portão de ferro da Quinta
Imperial da Boa Vista. O
navio Presidente Dantas,
que inaugurou a linha
fluvial do São Francisco, de
Juazeiro até Salgado, na
Província de Minas Gerais.
Máquinas para a Imprensa
Nacional, enxadas, martelos,
pregos, trilhos, etc.”
[BESOUCHET. Op. Cit., p. 95]
[1]
“o período de
desenvolvimento máximo do
capitalismo pré-monopolista,
o capitalismo em que
predomina a livre
concorrência, vai de 1860 a
1870. (...) é exatamente
depois desse período que
começa o enorme ‘ascenso’ de
conquistas coloniais, que se
exacerba (...) a luta pela
partilha territorial do
mundo.” [LENIN. Obras
Escolhidas. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1982, v.1, p.
633]
[1]
MAUÁ, Visconde de. Citado
por CALDEIRA, Mauá...
Op. Cit., p. 430.
[1]
CALDEIRA. Mauá... Op.
Cit., p. 17.
[1]
“A figura de Mauá aparece,
nestes estudos, não para ser
posta em uma evidência ímpar
(...) Mas para caracterizar
uma época. Para mostrar como
foi ele, não o criador de um
ambiente, mas o produto do
meio em que viveu. (...)
Tivesse sido ele uma
culminância individual e
soberba única, nada teria
aqui a lembrá-lo, porque os
estudos que vimos fazendo
não giram em torno de
pessoas, ainda que heróicas
ou sobre-humanas, para se
dirigirem aos traços da
sociedade, às
características da sua
formação, ao seu processo de
desenvolvimento. (...) Mauá
não aparece, pois, nestes
estudos, como homem notável
– que foi – mas como
personificação de uma
orientação política, numa
das suas faces mais
expressivas, a das
iniciativas
econômico-financeiras. Ele
foi, sem dúvida, o grande
homem que um de seus
biógrafos admirou. Mas
condicionado às
peculiaridades da sua época,
que lhe foi propícia e que
ele representou, como poucos
a representaram.” [SODRÉ,
Nelson Werneck. Panorama
do Segundo Império. Rio
de Janeiro: GRAPHIA, 1998,
pp. 236, 237, 240]
[1]
GORENDER, Jacob. A
burguesia brasileira.
São Paulo: Brasiliense,
1981, p. 13.
[1]
Muito se tem falado de uma
postura abolicionista de
Mauá. Na verdade, sua
posição sobre a questão era
contraditória. Por um lado,
colocava em seus contratos
de prestação de serviços
público cláusulas onde se
obrigava a “não empregar o
braço escravo” e desde 1853
pregou a utilização de
imigração branca para
substituir o braço escravo;
nessa mesma década, fundou
colônias agrícolas no
Amazonas com 600 açorianos e
500 algarvianos; nas suas
estâncias do sul colocou 500
açorianos e trouxe chineses
que plantavam chá, arroz,
alfafa para suas
propriedades no Uruguai; em
1872, estabeleceu 200 hindus
em suas fazendas em Macaé e
outros 100 em Sapopemba. Ao
mesmo tempo, era incapaz de
visualizar a incorporação
dos escravos na nova ordem
social e temia uma abolição
prematura, pois “a única
fonte ou mercado de
trabalho que o Brasil
tinha até então conhecido
era o braço africano”
e “mais dez a quinze anos de
inércia e a grande lavoura,
já em decadência, se
arruina à míngua de braços”.
Defendia, antes de qualquer
emancipação dos escravos, a
viabilização de um
substituto ao braço servil,
assumindo uma postura
pragmática frente à
abolição. [MAUÁ.
Autobiografia.... Op.
Cit., p. 202]
[1]
O próprio Mauá mostra ter
consciência disso quando –
referindo-se à sua fábrica
da Ponta da Areia – afirma:
“Desde que o estabelecimento
ficou montado para
produzir em grande
escala, havia-me eu
aproximado dos homens de
governo do país em demanda
de TRABALHO para o
estabelecimento industrial,
cônscio de que essa proteção
era devida, mormente
precisando o Estado
dos serviços que eram
solicitados, em
concorrência com
encomendas que da Europa
tinham que ser enviadas, e
já foi dito quanto o
estabelecimento prosperou no
período em que essa proteção
lhe foi dada.” [MAUÁ.
Autobiografia... Op.
Cit., p. 108-109]
[1]
FAORO, Raymundo. Os donos
do poder. Porto Alegre:
Editora Globo, 1958, p. 219.
[1]
GORENDER. Op. Cit., pp.
12-13
[1]
Relatório da Comissão de
Inquérito sobre a situação
financeira do país (1859).
Citado por PRADO JÚNIOR,
Caio. Evolução Política
do Brasil e Outros Estudos.
São Paulo: Editora
Brasiliense, 1971, p. 83-85.
[1]
“Se, a princípio, foram os
interesses britânicos o
grande obstáculo ao
estabelecimento de um
protecionismo alfandegário,
a partir de meados do século
XIX os seus maiores
adversários foram, dentro do
próprio país, as hostes
liberais cujas doutrinas
eram tão convenientes aos
interesses da lavoura
monocultora que, juntamente
com a organização comercial
que apoiava, dirigiam,
então, os destinos do
Império.” [LUZ. Op. Cit.,
p.45]
[1]
KARAVAEV. Op. Cit., pp.
70-71 [a data correta do
fechamento da Ponta da Areia
é 1863 – R.C.]
[1]
Adquiridas pelos ingleses, a
Companhia de Navegação da
Amazônia transformou-se na
Amazon Stean Navigation
Company, a Estrada de
Ferro Petrópolis virou
Leopoldina Railway, a
companhia de gás tornou-se
The Rio da Janeiro Gás
Company Ltd., a estrada
de ferro Santos-Jundiaí foi
absorvida pela São Paulo
Railway Co. Ltd.; já a
Cia. Carris de Ferro do
Jardim Botânico
transformou-se a
Botanical Garden Rail Road,
primeira empresa dos EUA a
instalar-se no Brasil.
[1]
Nesse sentido, a posição de
Mauá, contrária à República,
é esclarecedora dos limites
políticos do “liberalismo”
da nascente burguesia
brasileira: “Não desejo para
meu país a liberdade e as
instituições dos outros
Estados da América (...)
basta a livre manifestação e
desenvolvimento do princípio
legal na esfera de ação que
a Constituição lhe garantiu.
Até aí acompanho a idéia
liberal; fora desse terreno,
nem uma linha. Essa causa da
liberdade que se liga ao
futuro da democracia e que é
a causa da América,
repito, eu não a quero para
nosso país (...) se a
desgraça permitir que a
negra nuvem que apenas
aponta em nosso horizonte
político, sem que por hora
nos inquiete, chegasse a
tomar aspecto ameaçador
(...) espero e confio que
qualquer que seja a opinião
que tenha na ocasião as
rédeas do poder – esteja a
opinião conservadora ou a
idéia liberal representada
no Governo – há de possuir a
energia e vigor precisos
para em tal momento sufocar
os elementos que queiram
transformar a nossa ordem
social.” [MAUÁ. Anais da
Câmara, sessão de
26.01.1874. In: FARIA,
Alberto de. Mauá. São
Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1933, pp. 470-475]