APRESENTAÇÃO
Este livro tem origem no seminário
internacional Globalização,
Neoliberalismo e Privatizações: quem
decide este jogo?, realizado em Porto
Alegre, em julho de 1997, na
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Estes ensaios foram elaborados
pelos conferencistas que dele
participaram e são, portanto, uma
síntese das ricas discussões travadas.
Inédito pelas suas características, este
seminário foi montado e sustentado -
inclusive financeiramente - por 29
entidades e instituições do mundo
académico, sociedade civil organizada e
instituições políticas, representando um
vasto leque de intelectuais, estudantes,
sindicalistas, sem-terra, cooperativados
agrícolas, pequenos empresários,
militares, juizes e agentes políticos.
Para viabilizá-lo, todos os que
participaram da sua organização e
realização, inclusive os conferencistas,
o fizeram graciosamente.
Durante cinco dias, distribuídos em
cinco painéis e quatro mesas-redondas,
sucederam-se 25 estudiosos e
especialistas do Brasil, da Argentina,
do Chile e do México.
Estavam representadas neste evento as
mais variadas correntes de opinião e os
mais variados setores sociais, desde a
"academia" até os trabalhadores da
cidade e do campo - os que mais sofrem e
enfrentam as consequências da
globalização neoliberal em curso. Todos
procurando debater os temas desde um
ponto de vista científico - sem
concessões ideológicas -, rompendo com
as visões imediatistas que muitas vezes
entorpecem a luta pelas tão necessárias
transformações. Sem preocupações com o
falso "pluralismo" da discussão estéril
com os porta-vozes e ideólogos do
"pensamento único neoliberal" - que nada
têm a contribuir para o debate -, com o
único objetivo de aprofundar o
conhecimento da realidade.
Mostrando a grande
preocupação com esta problemática,
inscreveram-se e participaram do
seminário aproximadamente 450 lideranças
dos mais variados segmentos sociais,
número que só não foi maior devido ao
encerramento das inscrições por
limitação de espaço. Nas duas noites
abertas à participação do público em
geral - o que foi possível devido à sua
realização em um local maior -, chegamos
a 600 pessoas. Expressando a
oportunidade dos temas tratados, a
qualidade dos debates e o interesse dos
participantes tanto as mesas-redondas
das tardes como os painéis das noites
estiveram bastante prestigiados. Pelas
mesmas razões, o seminário extrapolou em
muito as expectativas, devido à sua
repercussão nos meios de comunicação.
Sem a pretensão de esgotar o assunto - o
que, inclusive, não seria científico -,
o seminário permitiu a compreensão da
realidade da política governamental em
seus inúmeros aspectos. No campo
teórico, em que pese os enfoques
diferenciados, ficou claro que a atual
"globalização neoliberal" - que nos é
apresentada como algo neutro,
inevitável, decorrente do próprio
progresso tecnológico - nada mais é do
que a internacionalização do capital sob
uma das suas possíveis formas - talvez a
mais perversa. Que a "globalização",
longe de ser uma grande novidade, é uma
tendência presente no capitalismo desde
o seu início, que foi exacerbada em sua
etapa imperialista e hoje assume
proporções inéditas. Essa mundialização
do capital se caracteriza por uma
hegemonia sem precedentes do capital
financeiro e especulativo sobre o
capital produtivo, e pela crescente
submissão a ele da maioria dos estados e
nações do mundo. Também a falácia da
"desterritorialização" do capital na
época do "globalismo" foi questionada.
No campo do estudo comparativo das
experiências nacionais, o seminário
permitiu uma importante troca de
informações sobre o Chile, a Argentina e
o México - países precursores do
neoliberalismo no nosso continente - e
sobre a Inglaterra thatcheriana,
desmistificando a realidade desses
países. Por fim, os conferencistas
debruçaram-se com profundidade sobre a
implementação do projeto neoliberal no
Brasil, examinando tanto as
privatizações dos setores estratégicos
da economia nacional como as "reformas"
do Estado - dentro do figurino
neoliberal do "Estado mínimo" - e suas
consequências para o futuro da nação.
Que esta obra coletiva contribua não só
para uma melhor interpretação do mundo,
mas também para a sua transformação. É a
aspiração dos seus autores.
RAUL K. M. CARRION
Membro da Comissão Organizadora do
seminário internacional Globalização,
neoliberalismo, privatização.
Globalização,
neoliberalismo, privatizações: quem
decide este jogo? Organizado por: Raul
K.M. Carrion e Paulo G. Fagundes
Vizentini. Porto Alegre: Editora da
Universidade / UFRGS, 1997. 311p.
Centro de Debates
Econômicos, Sociais e Políticos do Rio
Grande do Sul – CEDESP/RS
Rua General Lima e Silva, 818 – Cidade
Baixa
CEP: 90050-100 – Porto
Alegre / RS – Brasil
Editora da Universidade
/ UFRGS
Av. João Pessoa,415
CEP: 90040-000 – Porto Alegre / RS
Introdução
Apresentadas
quotidianamente como panaceia universal
e elementos associados, ou duas faces
de uma mesma moeda, a globalização e o
neoliberalismo constituem fenómenos que
marcam a época contemporânea. Com certo
atraso em relação a outros países, o
Brasil ainda vive a euforia das
privatizações como caminho que
conduziria à "modernidade" e ao Primeiro
Mundo.
Contudo, a globalização
representa um fenómeno profundo de
transformações, não apenas económicas,
mas civilizacionais. Sua força motriz,
enquanto tentativa de reestruturação do
capitalismo, tem sido a competitividade
e, como condição dela, a Revolução
Científico-Tecnológica. Quanto ao
neoliberalismo, constitui sobretudo uma
tentativa de administração da
globalização em moldes estritamente
conservadores, no sentido de transformar
a economia mundial, reforçando
simultaneamente o domínio das nações e
grupos sociais atualmente hegemónicos.
Neste sentido, a primeira parte deste
livro tenta discutir e explicitar o
conteúdo desses termos, numa perspectiva
histórica e teórica, ressaltando uma
dimensão geralmente escamoteada da
problemática: a de crise e transição.
No Brasil, ainda se
discutem os possíveis efeitos da
globalização, das estratégias
neoliberais e das privatizações.
Contudo, já existem experiências
históricas concretas desses processos,
cujos resultados são inequívocos, embora
a mídia procure construir uma.
realidade virtual paia descrevê-los.
A Inglaterra tatcheriana constituiu um
verdadeiro paradigma e laboratório do
gigantesco reajuste económico dos anos
80, enquanto o Chile, a Argentina e o
México representam os casos mais
importantes na América Latina. Nesses
países as reformas antecederam às
brasileiras e, portanto, delas podemos
extrair conclusões importantes. Este
tema é explorado na segunda unidade do
livro.
Na terceira unidade,
diferentes especialistas analisam em
profundidade os processos de
privatização em curso no setor produtivo
brasileiro, particularmente nas áreas da
mineração, petróleo, energia,
petroquímica, siderurgia e das
telecomunicações, que constituem os
setores de maior interesse para o
capital privado e/ou internacional. A
questão agrária também é abordada,
diante dos efeitos da globalização e,
mais especificamente, da liberalização
das importações no Brasil.
A última unidade traz
artigos sobre as consequências sociais e
estratégicas da redução das dimensões do
Estado, com particular ênfase para as
reformas da administração pública, saúde
e previdência social. Também são
analisados os impactos das novas
tecnologias, da desregulamentação do
trabalho e o desemprego, bem como a
geopolítica das telecomunicações, do
petróleo e da Amazónia. Neste sentido,
traz elementos para uma análise
comparativa em relação às tendências e
resultados do neoliberalismo nos países
analisados anteriormente.
É conveniente destacar
que o enfoque adotado, ainda que muitas
vezes marcado por certa indignação em
relação aos fenómenos analisados e suas
consequências para o povo e o
desenvolvimento brasileiros, procura
afastar-se da mera denúncia
ético-política e alcançar uma
compreensão objetiva do processo em toda
sua complexidade. Isto é particularmente
importante para o mundo académico, bem
como para o político-partidário, ainda
fortemente marcados por certa
perplexidade e indignação, pois o
dinamismo das transformações em curso
tem deixado para trás os que se limitam
a este tipo de enfoque.
Finalmente, o livro
tenta inovar ao estabelecer uma ponte
entre o mundo académico e o sindical,
não apenas no que se refere ao
público-alvo como também na abordagem
multifacetada empregada, através dos
estudos de uns e da experiência prática,
viva e cotidiana de outros, visando
desvendar uma realidade muitas vezes
difícil de decifrar. Neste sentido, não
poderia encerrar esta introdução sem
manifestar um profundo reconhecimento a
Raul Carrion por sua capacidade
articuladora na sugestão e organização
do Seminário e no apoio prático à
reunião dos materiais para o livro, e
que traz em sua pessoa a síntese destas
duas dimensões.
Paulo Fagundes
Vizentini, setembro de 1997.