APRESENTAÇÃO
Calo-me, espero,
decifro. As coisa talvez melhorem. São
tão fortes as coisas! Mas eu não sou as
coisas e me revolto.
Carlos Drummond de
Andrade
Este livro tem sua
origem no Fórum da Solidariedade -
III Seminário Internacional - A Crise do
Capitalismo Globalizado na Virada do
Milénio, realizado em Porto Alegre,
em outubro de 1999, na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Os 23
textos que o compõem nos dão uma síntese
dos ricos debates ali ocorridos.
O evento - uma
continuação dos I e II Seminários
Internacionais Globalização,
Neoliberalismo, Privatização e
Século XXI: Barbárie ou Solidariedade? -
reuniu pesquisadores e estudiosos do
Brasil, Argentina, Chile, México,
Inglaterra, França, Bélgica, Espanha,
Portugal e China. Da mesma forma que os
anteriores, foi organizado e sustentado,
financeira e materialmente, por um
conjunto de 55 entidades e instituições,
representando um amplo espectro social
de trabalhadores urbanos e rurais,
cooperativados agrícolas, lideranças
comunitárias, estudantes, professores,
intelectuais, profissionais liberais,
pequenos empresários, juizes e agentes
políticos em geral. Para viabilizá-lo,
todos que participaram de sua
organização e realização - inclusive os
conferencistas - o fizeram
gratuitamente.
Em que pese o Fórum
da Solidariedade/Hl Seminário
Internacional realizar-se em pleno
período de aulas, cerca de mil inscritos
lotaram seus nove debates, realizados no
Salão de Atos da UFRGS, durante os cinco
dias do encontro. Pela candência e
qualidade dos debates e dos
conferencistas, a sua repercussão nos
meios de comunicação foi significativa,
extrapolando, em muito, os limites do
evento em si.
De forma plural e sem
restrições - tendo como único
compromisso uma abordagem científica da
realidade - expressaram-se as mais
distintas visões sobre a crise. Lado a
lado, o saber popular, o saber académico
e a práxis política buscaram
desvendar a crise do capitalismo
neoliberal na virada do milénio, sem
concessões; seja ao fatalismo
paralisador dos apologistas do
"deus-mercado", seja dos que anunciam o
"fim dos tempos" para breve.
Tendo como centro da
discussão a grave crise económica,
social e política vivida pelo mundo
nesse final de século - caracterizado
pelo domínio do capital financeiro - os
debates procuraram esclarecer o caráter
e a natureza da crise, suas causas e
consequências económicas, sociais e
políticas. A chamada "Crise Asiática" -
epicentro de sua mais recente
manifestação - mereceu atenção especial
dos conferencistas que nela buscaram
pistas para esclarecer o enigma.
Da mesma forma, impôs-se
a discussão da chamada "crise do
trabalho". Pode-se falar, realmente, de
uma sociedade "pós-trabalho" e da
"extinção da classe operária"? O que
devemos entender por proletariado nos
dias de hoje? Terá caducado a teoria do
valor-trabalho? Pode o capital, como um
todo, ter uma valorização real fora da
esfera da produção? Que novas formas
assume atualmente a extração do
excedente económico? O que está
ocorrendo com o emprego - construção
histórica das lutas dos trabalhadores -
no final desse século?
A revolução
biotecnológica, a polémica sobre os
transgênicos, as profundas
transformações na agricultura e na
pecuária dos dias atuais; a exploração
predatória da natureza pelo capital
sequioso de lucro e a acelerada
degradação do meio-ambiente; o controle
cada vez mais concentrado da terra, das
águas e dos recursos naturais do
planeta; foram outras tantas questões
examinadas pelos palestrantes, visando
uma compreensão global da crise.
Como tudo isso se
reflete no campo das ideias e nas
relações internacionais - nos terrenos
económico, político, diplomático e
militar? Qual o significado e o alcance
da chamada "Terceira Via" Europeia -
hegemónica nos governos
social-democratas da Inglaterra, França
e Alemanha? É ela uma alternativa real
ao neoliberalismo ou não passa de um
neoliberalismo reciclado, com uma face
"menos desumana"? Em que condições, os
Estados Unidos - que hoje subordinam
financeira e militarmente os países
capitalistas avançados da Europa e da
Ásia - assumem cada vez mais o papel de
gendarme do planeta e submetem os povos
e as nações aos seus ditames?
Qual a relação da
profunda crise económica, social e
política do Brasil com a crise do
capitalismo globalizado? Como se
entrelaçam na sociedade brasileira suas
contradições internas e as que lhe são
externas? Que formas particulares assume
a crise no nosso País? Enfim, quais os
caminhos - em âmbito nacional e
internacional - para a superar as causas
da atual crise?
Repudiando a falsa
"neutralidade" entre a barbárie e a
civilização, conscientes de que os
caminhos ou descaminhos das sociedades
humanas dependem fundamentalmente de
decisões dos próprios homens, os
participantes no Fórum da
Solidariedade - III Seminário
Internacional expressam nesta obra
coletiva a sua convicção de que
impõe-se - e é possível - construirmos
uma sociedade mais justa e mais
igualitária, para que a humanidade
supere sua "pré-história" e dê início à
verdadeira História humana.
RAULK.M.CARRION
Historiador
Em nome das entidades
promotoras do Fórum da Solidariedade -
III Seminário Internacional A Crise
do Capitalismo Globalizado na Virada do
Milénio
A Crise do Capitalismo
Globalizado na Virada do Milênio
Organizado por: Raul K.M. Carrion e
Paulo G. Fagundes Vizentini. Porto
Alegre: Editora da Universidade / UFRGS,
2000. 327p.
Centro de Debates
Econômicos, Sociais e Políticos
do Rio Grande do Sul –
CEDESP/RS
Rua General Lima e
Silva, 818 – Cidade Baixa
CEP: 90050-100 – Porto
Alegre / RS – Brasil
Editora da Universidade
/ UFRGS
Av. João Pessoa,415
CEP: 90040-000 – Porto
Alegre / RS
INTRODUÇÃO
“E conforme os burgueses
cantavam, assim dançavam os
professores”.
Friedrich Engels, O papel da violência
na História.
A
crise do capitalismo globalizado na
virada do milênio, título do III
Seminário Internacional realizado pela
UFRGS, pelo CEDESP/RS e entidades
apoiadoras, constitui a principal
realidade na passagem do século XX ao
XXI. Em julho de 1997, quando realizamos
o primeiro evento da série, a situação
vigente era a mencionada na epígrafe de
Engels, pois nos meios acadêmicos ainda
dominavam os louvores ao neoliberalismo
e à globalização. Meses depois,
precipitava-se a crise financeira na
Ásia e, posteriormente, no resto do
mundo, conferindo sentido às análises
críticas levantadas no seminário.
O segundo evento, em 1998, partiu para a
discussão de alternativas ao
neoliberalismo. Apesar de, no final
daquele ano, Fernando Henrique Cardoso
haver logrado sua reeleição, vários
governos estaduais, com projetos opostos
ao neoliberalismo, chegaram ao poder,
com destaque para o Rio Grande do Sul e
Minas Gerais. Paralelamente, iniciava
uma contínua fuga de capitais
especulativos, que a respeitabilidade
acadêmica denominava de “voláteis”.
Meses depois, já no início de 1999, com
a queda das reservas cambiais, a
maxi-desvalorização derrubava o mito do
Real como “moeda forte”.
Neste contexto, o Governo do Estado do
Rio Grande do Sul associou-se às
entidades promotoras do evento,
transformando-o em Fórum da
Solidariedade, em resposta ao Fórum da
Liberdade de perfil neoliberal. Em meio
ao agravamento da crise social, à
alteração do espectro político, à
recessão econômica, a resistência social
organizada cresceu e passou a elaborar
estratégias positivas. No ano 2000, as
comemorações oficiais dos Quinhentos
anos do descobrimento fracassaram
estrondosamente, enquanto a
impopularidade do governo FHC crescia a
ponto de ensejar um cenário de crise de
governabilidade. O próprio empresariado
começou a tomar certa distância do
governo e a estudar alternativas.
A crise financeira que se configura no
plano internacional, afeta diretamente a
inserção econômica internacional do
Brasil. A dificuldade em obter moedas
conversíveis tem constituído,
historicamente, um deflagrador de crises
econômico-sociais, políticas e
institucionais no país. Isto tem levado
a rupturas político-institucionais, à
alternância de governo e constituição de
novos regimes, apoiados em uma nova base
de poder. Estes, por sua vez, engendram
novos projetos nacionais de
desenvolvimento. Assim, é preciso estar
atento, porque uma ruptura afigura-se
como uma possibilidade cada vez mais
concreta, e há que ter em campo um
projeto alternativo para ocupar o espaço
que se abrirá, “antes que algum
aventureiro o faça”.
No plano internacional, as reuniões do
FMI-Banco Mundial em Washington e a da
OMC em Seattle, converteram-se em
manifestações mundiais gigantescas
contra a globalização de perfil
neoliberal. Culminando o processo, a
cidade de Porto Alegre, cujo projeto de
gestão converteu-se em padrão respeitado
internacionalmente, sediará em janeiro
de 2001 o Fórum Social Mundial, em
contraposição ao ideário do Fórum
Econômico de Davos/ Suiça. As análises
científicas críticas, como as de
inspiração marxista, que por mais de uma
década foram desacreditadas pelo
discurso do pensamento único, retomam
seu vigor acadêmico e social, com a
crise do capitalismo neoliberal
globalizado. A sociedade, em meio a
problemas e riscos sérios e a um clima
de incerteza, volta a se manifestar,
buscando políticas de resgate da
dimensão coletiva.
Assim, cremos que cumprimos uma etapa ao
contribuir para despertar a coletividade
para os riscos e a instabilidade da
situação que vigorou no mundo por mais
de uma década, e que constitui uma
ameaça extremamente grave para um país
como o Brasil. Somos extremamente gratos
às instituições e pessoas que apoiaram
nosso projeto de discussão. Quando se
inicia um novo século e milênio, tal
caminho deve ser aprofundado, na busca
de saídas, evitando-se repetir enganos
passados, pois as possibilidades que se
abrem são imensas. Dez anos depois de
proclamado o Fim da História, ela
manifesta-se de forma intensa. Dez anos
depois, a noção de sociedade volta a
adquirir dinamismo, enquanto a de
mercado é desacreditada pela realidade.
PAULO FAGUNDES VIZENTINI