Raul K. M. Carrion
A primeira e primordial consideração
de Stalin, como a de qualquer outro
chefe de governo, era a segurança de
seu país. No verão de 1939, ele
estava convencido (...) que Hitler
iria à guerra. Ele decidiu que a
Rússia não devia ser posta na
perigosa situação de ter de
enfrentar sozinha o Exército alemão.
Se uma forte aliança com o Ocidente
se afigurava impossível, então por
que não voltar-se para Hitler, que
repentinamente estava batendo à sua
porta? Em fins de julho de 1939,
Stalin se tornara convencido, é
claro, não somente de que a França e
a Inglaterra não queriam uma aliança
firme, mas também que o objetivo do
governo de Chamberlain na Inglaterra
era induzir Hitler a fazer suas
guerras na Europa Oriental. Stalin
duvidava que a Inglaterra honrasse
sua garantia à Polônia de uma forma
melhor que a França mantivera suas
obrigações com a Checoslováquia. E
tudo que tinha ocorrido no Ocidente
nos últimos dois anos tendia a
aumentar sua desconfiança: a
rejeição por Chamberlain das
propostas soviéticas, depois do
“Anschluss” e depois da ocupação
nazista da Checoslováquia, no
sentido de traçar planos para deter
nova agressão nazista; o
apaziguamento de Hitler em Munique,
por Chamberlain, assunto do qual a
Rússia fora excluída; as delongas e
hesitações de Chamberlain em
negociar uma aliança defensiva
contra a Alemanha (...). Se
Chamberlain era justo e honrado ao
apaziguar Hitler em setembro de
1938, sacrificando a Checoslováquia,
Stalin era injusto e desonrado ao
apaziguar o Fhürer um ano
depois às custas da Polônia, que se
esquivara de qualquer forma de ajuda
soviética?
Um Estado operário isolado não pode
deixar de manobrar entre os campos
imperialistas hostis. Manobrar
significa apoiar temporariamente um
deles contra os outros. Saber qual
dos dois campos é o mais
conveniente, ou o menos perigoso, de
se apoiar em determinado momento não
é uma questão de princípios, mas de
cálculos e previsão práticas.
(...) Mas realmente, que há de
inesperado e imprevisto na tentativa
do Kremlin de obter as maiores
vantagens possíveis de sua aliança
com Hitler? (...) Durante as
prolongadas negociações com a
delegação anglo-francesa no verão de
1939, o Kremlin exigiu abertamente o
controle dos Estados Bálticos. Como
a Inglaterra e a França não
aceitaram este controle, Stalin
rompeu as negociações. Isto indicava
claramente que um acordo com Hitler
asseguraria a Stalin, pelo menos, o
controle dos Estados bálticos. (...)
Nas condições da guerra mundial,
tratar a questão do destino dos
pequenos Estados do ponto de vista
da “independência nacional”,
“neutralidade”, etc., é permanecer
no terreno da mitologia
imperialista. A luta é pelo domínio
mundial. A questão da existência da
URSS será resolvida nela. (...) ao
procurar garantias militares contra
o imperialismo, o Estado operário
(...) pode se ver obrigado a violar
a independência deste ou daquele
pequeno Estado. Derramar lágrimas
sobre a rudeza da luta de classes no
plano interno ou internacional pode
ser próprio de filisteus
democráticos mas não de
revolucionários proletários. Em 1921
a República Soviética sovietizou à
força a Geórgia, que constituía um
caminho aberto para o assalto
imperialista no Cáucaso. (...) a
salvação da revolução socialista
impunha-se aos princípios
democráticos formais.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho
analisamos os acontecimentos que
antecederam a II Guerra Mundial e
culminaram com o acordo
germano-soviético de não-agressão.
Inicialmente, examinaremos o
imediato pós-guerra - a nova divisão
do mundo, seus tratados, acordos e
alianças - sem o que não
compreenderemos as profundas
contradições que levaram ao ascenso
do nazi-fascismo e à II Guerra
Mundial. A chamada política de
apaziguamento - adotada pelas
democracias ocidentais frente ao
rearmamento alemão e às agressões da
Alemanha, Itália e Japão - será
examinada no contexto das
contradições interimperialistas e
das contradições entre o capitalismo
e o socialismo. Procuraremos fugir
tanto das análises psicológicas -
que debitam o apaziguamento
ao caráter pusilânime de tal ou qual
estadista - quanto das análises
ingênuas, que vêem a sua origem no
louvável esforço das democracias
ocidentais em evitar a guerra, a
qualquer custo. Na verdade, a
política de apaziguamento foi
uma estratégia consciente e
premeditada da Inglaterra, da França
e dos Estados Unidos, no sentido de
lançar a Alemanha nazista contra a
URSS, com o objetivo de enfraquecer
ambas, para impor sua hegemonia
sobre o resto do mundo.
Mas que acabou voltando-se contra os
seus próprios criadores. Por fim,
examinaremos o contexto em que foi
assinado o tratado germano-soviético
de não-agressão, apresentado por
alguns como o causador da II Guerra
Mundial.
O interesse desse
trabalho está no fato de que, apesar
da historiografia posterior à
Segunda Guerra Mundial ter examinado
exaustivamente o tema e concluído,
quase unanimemente, pela
responsabilidade principal das
chamadas democracias ocidentais no
incentivo às forças do Eixo
em suas aventuras guerreiras - com o
claro objetivo de as lançarem contra
a União Soviética
- nota-se nos dias de hoje uma
tentativa de revisão histórica do
que já era considerado como um
consenso, mesmo entre os
historiadores ocidentais. Nestes
tempos de derrota do socialismo e de
“fundamentalismo de mercado”,
tornou-se moda desqualificar toda a
experiência soviética – sem
diferenciar os seus erros dos seus
acertos - mesmo que às custas da
mistificação histórica.
Cabe-nos, como
estudiosos da história - sem
dobrar-nos à avalanche do
“pensamento único” dos dias de hoje
- procurar restabelecer a verdade
histórica, analisando criticamente
os novos argumentos trazidos à
discussão. Sem medo de corrigir
interpretações que tenham
envelhecido devido à descoberta de
novos fatos. Cientes de que todo o
conhecimento, inclusive o histórico
(mas não somente ele), é um processo
de aproximação “assintótica” da
verdade, com a qual nunca coincide.
Por isso mesmo, todo o conhecimento
(e não só a história) é um processo
de permanente construção.
ANTECEDENTES
Para compreendermos a
política de apaziguamento das
potências ocidentais - que
contribuiu de forma decisiva para a
eclosão da Segunda Guerra Mundial -
e o paradoxal Pacto
Germano-Soviético, é necessário que
examinemos os seus antecedentes,
aqui incluídas a vitória da
Revolução Socialista na Rússia, a
nova divisão do mundo após a
Primeira Guerra Mundial - através do
sistema Versalhes-Washington - e o
ascenso do nazi-fascismo, resposta
do grande capital ao crescimento das
lutas revolucionárias,
principalmente dos povos da Europa.
O
Sistema de Versalhes
A 18 de janeiro de 1919,
inaugurou-se em Versalhes a
conferência dos “vencedores”, para
ditarem as condições da paz no
pós-guerra. Estavam representados 27
países que, de uma forma ou outra,
participaram da aliança contra a
Alemanha, a Áustria-Hungria, a
Turquia e a Bulgária. Foram
excluídas desta conferência tanto a
Alemanha e suas aliadas, quanto a
Rússia socialista, apesar desta ter
participado da guerra ao lado dos
aliados. Na prática, três países
decidiram sobre o destino da futura
paz: Inglaterra, França e Estados
Unidos. Após quase quatro meses de
discussões, as duríssimas condições
da paz são comunicadas à delegação
alemã. Diante da insatisfação alemã
e da tentativa de amenizar as
condições impostas, os aliados
ameaçaram com a ocupação militar.
Pressionada, a Assembléia Nacional
Alemã autorizou a assinatura do
Tratado, por 237 contra 138 votos.
O
tratado é firmado em Versalhes, no
dia 28 de junho de 1919. Através
dele, além de pesadas indenizações,
a Alemanha é obrigada a renunciar a
todas suas colônias, ceder a
Alsácia-Lorena à França, a zona de
Eupen-Malmedy à Bélgica, o Schleswig
setentrional à Dinamarca. Além
disso, a Alemanha reconhece a
independência da Polônia e tem que
lhe entregar Poznam, a Prússia
Ocidental e parte da Alta Silésia.
Também perde Memel, posteriormente
anexado à Lituânia (1923). Durante
15 anos, o Sarre passa a ser
administrado pela Sociedade das
Nações, a qual cede a exploração do
seu carvão à França. Mas, Dantzig
não é entregue à Polônia, sendo
transformada em “cidade livre”. A
margem direita do rio Reno é
dividida em três zonas de ocupação,
a serem evacuadas no prazo de 5, 10
e 15 anos, e a Alemanha perde o
controle sobre seus rios navegáveis.
É obrigada a entregar todo o seu
material de guerra e a quase
totalidade da sua esquadra, e fica
proibida de possuir couraçados e
submarinos. O seu exército é
limitado a 100 mil homens, e é
proibido de manter um Estado Maior,
ter carros de combate, aviões
militares, artilharia pesada e
antiaérea. As suas fortificações ao
leste são desmanteladas.
Em 10 de setembro de
1919, é assinado o Tratado de paz
com a Áustria em Saint
Germain-en-Laye. O Império
Áustro-Húngaro é desmembrado,
devendo a Áustria reconhecer a
independência da Hungria. Pelo
Tratado, a Áustria entrega a Boêmia
e a Morávia para a Checoslováquia.
Perde a Dalmácia e a
Bósnia-Herzegóvina que - junto com a
Sérvia e Montenegro e os territórios
perdidos pela Hungria - constituirão
a Iugoslávia. Entrega o Sul do
Tirol, Triestre, Istria, e partes da
Dalmácia, Caríntia e Carniola, à
Itália. Cede a Bucovina à Romênia.
Por fim, fornece os territórios da
Galícia ocidental para formar o sul
da Polônia do pós-guerra. Pelo mesmo
tratado, a Áustria - reduzida a 84
mil km2 e isolada do mar
- foi proibida de unir-se à Alemanha
e tem o seu exército limitado a 30
mil homens.
Em 27 de novembro de
1919, é firmado o Tratado de paz com
a Bulgária, em Neuilly. A Bulgária
teve que entregar o sul da Drobudja
à Romênia, a Macedônia ocidental à
Iugoslávia e os seus territórios
Trácios à Grécia, perdendo a sua
costa no Mediterrâneo. O seu
exército foi limitado a 20 mil
homens.
Em 4 de junho de 1920 -
depois do sufocamento do Poder
Soviético de Bela Kun por tropas
francesas, romenas e checoslovacas -
foi assinado com a Hungria o Tratado
de Trianon, reduzindo o seu
território a um terço da sua
superfície de 1914 e isolando-a do
mar. Por ele, a Hungria foi obrigada
a ceder a Eslováquia e a Rutênia à
Checoslováquia, e a entregar a
Croácia, a Eslovênia e parte do
Banato à Iugoslávia. Também teve que
ceder a Transilvânia e a outra parte
do Banato à Romênia. Proibida de
unir-se à Áustria, teve o seu
exército limitado a 35 mil homens.
Em 10 de agosto de 1920,
é assinado o Tratado de paz de
Sèvres com a Turquia (não ratificado
pelo Parlamento turco). A Turquia é
obrigada a ceder a Trácia oriental,
Esmirna e as Ilhas Egéias (exceto
Rodes) à Grécia; Síria e Cilícia à
França; Iraque, Palestina, Chipre e
Egito à Inglaterra (que também obtém
o protetorado da Arábia); Rodes e o
Dodecaneso à Itália. Ainda lhe são
impostas a independência da Armênia
e a autonomia do Curdistão. O seu
exército é limitado a 50 mil homens.
O ex-Império Russo -
derrotado pela Alemanha,
convulsionado pela revolução
socialista de 1917, em pleno
processo de guerra civil, também é
esquartejado pelos “vencedores”. Em
dezembro de 1917, a Romênia
monárquica ocupou a Bessarábia. Em
1917, o governo soviético foi
obrigado a reconhecer a
independência da Finlândia
e, em março de 1918, a assinar a paz
de Brest-Litovsk
com a Alemanha, a Áustro-Hungria e a
Turquia
O posterior desmoronamento dos
exércitos centrais, possibilitou, em
fins de 1918, a denúncia do acordo
de Brest-Litovsk e a retomada do
poder pelos bolcheviques na Estônia,
Lituânia, Letônia e Ucrânia.
Mas, mais uma vez, a intervenção
militar das potências capitalistas
impôs ao Poder Soviético uma “paz de
salteadores”. Em fevereiro de 1919,
os exércitos polacos apoderaram-se
de Brest-Litovsk, dando início a
guerra russo-polonesa. Em abril de
1920, as tropas polonesas invadiram
a Ucrânia e pouco depois tomaram
Kiev. Em sua contra-ofensiva, o
Exército Vermelho avançou até às
portas de Varsóvia, que só foi salva
pelas tropas francesas do general
Weygand. Em julho de 1920, através
da conferência de Spa, as potências
ocidentais propuseram como fronteira
entre a Rússia e a Polônia a “Linha
Curzon”.
Em outubro de 1920 é estabelecido um
armistício e em março de 1921 o
Estado Soviético é obrigado a
assinar a paz de Riga, através da
qual a Polônia avança 250 km a leste
de sua fronteira étnica
e desloca a sua fronteira com o
Estado soviético 150 km para o
Leste, apossando-se da Galícia, da
Ucrânia Ocidental, da Bielo-Rússia
ocidental e de Vilna.
Em fins de 1920, o tratado de
Dorpat, ao obrigar o governo
soviético a reconhecer a Estônia, a
Letônia e a Lituânia como estados
formalmente independentes, sob a
clara tutela ocidental - “consagrou
não somente a fixação das fronteiras
mais desfavoráveis que a região de
Leningrado tivera algum dia, como
amputou também a Rússia setentrional
do território de Pétsamo, que nunca
estivera incluído (nem antes de
1914, nem em qualquer outra época)
no Grão -Ducado ‘Histórico’ da
Finlândia.”
Com os tratados de paz
impostos, consolidou-se a
preponderância francesa no
continente europeu, através do
avassalamento da Alemanha e de seus
aliados. Também foi assegurado o
papel dominante da Inglaterra no
Oriente próximo e sobre as
comunicações marítimas. Ao mesmo
tempo que buscava esmagar as
potências centrais, o sistema de
Versalhes teve uma orientação
claramente anti-soviética. Além da
conferência de paz de Paris ter-se
tornado o Estado-Maior da
intervenção armada contra o Estado
Soviético, os estados imperialistas
procuraram formar um “cordão
sanitário” contra o comunismo,
através da criação da Polônia e dos
pequenos estados bálticos, e da
anexação da Bessarábia à Romênia. Em
todos esses países foram instalados
governos francamente reacionários.
Momentaneamente derrotadas em suas
tentativas de liquidar com o Poder
Soviético, as grandes potências
ocidentais começaram de imediato a
armar o tabuleiro de xadrez para as
suas futuras jogadas. Em 1921,
forma-se a aliança entre a Polônia e
a Romênia, contra a Rússia. Em 1922,
é constituída a Entente do Báltico -
entre a Polônia, a Estônia, a
Letônia e a Finlândia - também
voltada contra a URSS. Diante da
tentativa de cercá-lo e isolá-lo,
o Estado Soviético responde com uma
aproximação da Alemanha, assinando
em 1922 o Tratado de Rapallo
que restabelece as relações
diplomáticas e, através de um acordo
secreto, permite a instalação na
URSS de fábricas alemãs para a
produção de armamentos proibidos
pelo Tratado de Versalhes.
Diante do agravamento da crise da
economia alemã - assoberbada pelo
pagamento das indenizações de guerra
- e do risco de uma revolução
social, as potências ocidentais
decidem fortalecer a Alemanha, para
opô-la ao “perigo vermelho” do
Oriente.
Um dos precursores dessa idéia é o
general alemão Max Hoffmann que já
em 1922 afirmava:
Nenhuma potência européia pode
conceder a outra uma influência
preponderante sobre a futura Rússia.
Este problema só pode ser resolvido
pela União dos grandes Estados
europeus, principalmente a França, a
Inglaterra e a Alemanha. É preciso
que, por uma intervenção militar,
essas potências aliadas derrubem o
poder soviético e restabeleçam a
situação na Rússia, no interesse das
forças econômicas inglesas,
francesas e alemãs. A participação
financeira e econômica dos Estados
Unidos da América seria preciosa.
Para isso, é criado em 1924 o Plano
Dawes, investindo grande quantidade
de capitais - sobretudo
norte-americanos (cerca de 70%), mas
também ingleses - na Alemanha. O
que, contraditoriamente, pouco a
pouco lhe permitirá recuperar e
ampliar o antigo potencial
econômico-militar. A Conferência de
Locarno (1925) estabelece diversos
acordos bilaterais com a Alemanha,
em uma tentativa de melhorar as suas
relações com as potências
ocidentais. Em 1926, ela é admitida
na Sociedade das Nações, inclusive
no seu Conselho de Segurança. Começa
a desenhar-se no horizonte a futura
tática de utilização da Alemanha
como um dique contra a URSS e a
revolução socialista.
Uma das
cláusulas do Tratado de Versalhes
estabelecia a criação da Sociedade
das Nações, sob o pretexto de
defender a paz e a segurança
internacional, prevendo a aplicação
de sanções econômicas, financeiras e
militares ao país que cometesse uma
agressão. Na realidade a Sociedade
das Nações transformou-se em um dos
centros da luta militar e
diplomática contra o Estado
Soviético e em um instrumento da
política imperialista e colonial das
grandes potências, especialmente a
França e a Inglaterra. Assim - sob o
argumento de que os povos das
colônias arrebatadas à Alemanha e à
Turquia eram incapazes de se
autogovernarem - entregou à França,
sob mandato, a Síria, o Líbano, o
Togo e uma parte do Camerum; à
Inglaterra a Palestina, a
Transjordânia, o Iraque, Tanganica e
outros territórios; ao Japão as
Ilhas Marianas, Carolinas e
Marshall. Como o Senado dos Estados
Unidos se negou a ratificar o
Tratado de Versalhes, estes não se
incorporaram à Sociedade das Nações.
Na prática, a Sociedade das Nações
nunca impôs, durante toda a sua
existência, qualquer sanção a um
país agressor (em geral, alguma
potência imperialista) nem prestou
qualquer ajuda a uma nação agredida.
Os
acordos de Washington
Durante a Primeira
Guerra Mundial, o Japão havia
consolidado as suas posições na
China, em detrimento dos interesses
dos outros países imperialistas, em
especial os Estados Unidos e a
Inglaterra. Havia imposto à China
acordos que lhe proporcionavam
grandes privilégios econômicos e
políticos, e assumira o domínio de
Tsa-Chou, do porto de Tsing-Tao e
das concessões alemãs na península
de Chantung. A ratificação desses
“direitos” pela conferência de paz
de 1919, em Paris, foi uma das
razões da não ratificação do Tratado
de Versalhes pelos norte-americanos.
Desde então, os Estados Unidos
pressionaram pela revisão das
resoluções da conferência de paz de
Paris, quanto ao Extremo Oriente.
Na
conferência de Washington, realizada
entre novembro de 1921 e fevereiro
de 1922, participaram nove países,
entre os quais os Estados Unidos, a
Inglaterra, a França, a China e o
Japão. Mais uma vez foi negado ao
Estado Soviético a participação em
suas deliberações. Desta conferência
resultaram quatro acordos que
complementaram os Sistema de
Versalhes. O primeiro deles, o
Pacto Naval, determinou a
tonelagem máxima de cada potência e
tinha por objetivo limitar a
expansão da armada japonesa. Fixou
525 mil ton. para as esquadras
inglesa e norte-americana, 315 mil
ton. para a japonesa e 175 mil ton.
para a francesa e a italiana. O
Tratado de Chantung obrigava o
Japão a retirar-se da Sibéria
soviética e das regiões de Chantung
e Kiaochow, na China. O Tratado
das Quatro Potências - Estados
Unidos, Grã-Bretanha, França e Japão
- mantinha o status quo no
Pacífico. Já o Tratado das Nove
Potências, reconhecia a
independência e a inviolabilidade
territorial da China, mas impunha à
China uma política de portas
abertas para todas as nações do
mundo (o que interessava diretamente
aos Estados Unidos, que haviam
chegado tarde ao reparto da China, e
nela não possuíam concessões).
Os acordos de Washington
representaram um fortalecimento
fundamentalmente dos Estados Unidos
e um debilitamento do Japão,
complementando o sistema de tratados
de Versalhes.
O
ascenso do nazi-fascismo
A revolução russa de
1917, além de dar origem ao primeiro
Estado Socialista do mundo, acelerou
enormemente os processos
revolucionários em todo o mundo e a
luta anti-colonial. As revoluções
alemãs de 1918, 1919 e 1923; a
insurreição finlandesa de 1918; a
criação da República Soviética
Húngara em 1919; a greve
insurrecional de 1917 em Turim, e a
greve geral de 1920 em toda a
Itália, seguida da ocupação das
fábricas; a revolta da armada
francesa do Mar Negro, em 1919, o
aumento do movimento grevista na
França e na Inglaterra; a criação da
Internacional Comunista em 1919 e o
surgimento de Partidos Comunistas
nos principais países; enfim, a
crescente simpatia da classe
operária e dos povos coloniais pela
URSS, criaram uma situação de
profunda crise para o sistema
capitalista. Diante dessa crise - ao
mesmo tempo econômica, política e
social - o grande capital, deixando
de lado quaisquer veleidades
democráticas, optou por governos
autoritários de caráter fascista.
Em 1922, Mussolini -
após a “marcha sobre Roma” - é
chamado pelo rei para formar o
governo e instaura o fascismo na
Itália, com o beneplácito do grande
capital, do Vaticano e das
democracias ocidentais.
Três anos depois toda e qualquer
oposição seria banida.
Em 1923, o general Primo de Rivera
impõe uma ditadura militar na
Espanha, enquanto que na Bulgária se
instala o governo Zankov, fruto de
um outro golpe militar. Na Alemanha,
Hitler e Lüdendorff conclamam em
Munique à “marcha sobre Berlim”, mas
são desbaratados. Em 1926, Polônia,
Portugal e Lituânia substituem a
democracia liberal por regimes
autoritários. Em 1929, a Iugoslávia
sofre o auto-golpe de estado do rei
Alexandre.
A crise de 1929 - cujos efeitos se
estendem pelo menos até 1933 - terá
por conseqüência o acirramento das
lutas sociais e o reforço das
tendências fascistas do grande
capital em todo o mundo, em especial
na Europa.
Em 1932, forma-se o governo Salazar
em Portugal e a Lituânia torna-se um
Estado autoritário, de partido
único. Em 1933, depois de uma
vitória eleitoral, Hitler é nomeado
chanceler, assume o poder e, em nome
do nacionalismo e do anticomunismo,
implanta o nazismo na Alemanha. No
mesmo ano, Dollfus dá um golpe de
estado e instaura uma ditadura
marcadamente fascista na Áustria. Em
1934 são instalados governos
ditatoriais na Estônia (Konstantin
Paets) e na Letônia (Karlis
Ulmanis). Na França a tentativa de
golpe fascista dos bandos armados
dos Croix de Feux e dos
Cavaleiros do Rei é derrotada pela
resistência popular. Em 1936, o
general Franco - com o apoio da
Alemanha e da Itália - levanta-se
contra o governo republicano, dando
início à guerra civil espanhola.
Nesse mesmo ano, o general Metaxas
dá um golpe de estado na Grécia.
Salvo a França e alguns países
Escandinavos, praticamente toda a
Europa continental está submetida a
governos fascistas ou
filo-fascistas. Mesmo nesses países
onde a democracia liberal se mantém,
importantes setores das classes
dominantes olham com simpatia o
fenômeno fascista. No Japão, o
primeiro ministro Konoye Fuminaro
proclama em 1938 a instauração de
uma “Nova Ordem” na Ásia Oriental,
fecha os partidos políticos e cria o
partido único em 1940.
A POLÍTICA DE “APAZIGUAMENTO”
Considera-se o 1º de
setembro de 1939, dia do início da
invasão da Polônia pela Alemanha,
como a data do início da 2ª Guerra
Mundial. Mas, pode-se dizer que, de
certa forma, esta já havia iniciado
bem antes, através de uma série de
agressões localizadas entre 1931 e
1939, só tendo se ampliado com o
ataque à Polônia.
O primeiro elo dessa corrente de
agressões ocorreu em setembro de
1931, quando o Japão invadiu a
Mandchúria, no Nordeste da China e
na fronteira da URSS.
O governo de Chiang Kai-chek, em
luta contra os comunistas chineses,
não ofereceu uma resistência efetiva
aos invasores japoneses. Estes,
criaram no território ocupado a
República “independente” do
Mandchuko, colocando a sua frente um
governo fantoche. A China apelou à
Sociedade das Nações e às
democracias ocidentais, que nada
fizeram: “A Grã-Bretanha, preocupada
pela depressão econômica, se negou a
prestar o seu apoio às sanções
contra o Japão.”
Os EUA, diretamente atingidos por
essa expansão japonesa (que
contrariava frontalmente as
resoluções da Conferência de
Washington), também aceitou a
ocupação japonesa. Na ocasião, o
Presidente norte-americano Hoover
assim explicou a sua postura:
Se os japoneses nos tivessem
declarado diretamente: “Não podemos
mais observar acordos [de
Washington, G.D.] por que a ordem
não foi restabelecida na China. A
metade da China foi bolchevizada e
colabora com a Rússia (…) Nossa
existência estará ameaçada se
tivermos por vizinho, ao Norte, a
Rússia bolchevista e, nos flancos
uma China que pode ser bolchevizada,
(…) dêem-nos a possibilidade de
restabelecer a ordem na China e nós
seremos obrigados a fazê-lo para
nossa defesa (…)” A esta proposta a
América não poderia, certamente,
apresentar sérias objeções.
Ficava claro que tanto a
Sociedade das Nações (França,
Inglaterra, Itália, Japão) como os
Estados Unidos - apesar do seu
discurso em defesa da autonomia dos
povos e em defesa da paz - moviam-se
unicamente em função de seus
interesses estratégicos: o grande
inimigo a isolar era a URSS.
A ascensão de Hitler ao
poder na Alemanha, em 1933, também
pode ser considerada como mais um
passo no rumo da 2ª Guerra Mundial.
Apesar disso, contou com a decidida
simpatia das elites dirigentes e o
apoio do grande capital das
principais democracias capitalistas
que consideravam que “a Alemanha
deveria se tornar a potência
dominante sobre o continente europeu
e que o nacional-socialismo era a
única barreira contra o comunismo.”
Aliás, Hitler soube jogar
magistralmente com a histeria
anticomunista da burguesia mundial,
arrancando-lhe concessões crescentes
em nome do combate ao “bolchevismo”.
Já em 1924, no penúltimo capítulo de
Mein Kampf - intitulado
“Orientação para leste ou política
de leste” - Hitler afirmara:
Nós, os nacionais-socialistas (…)
Fazemos parar a eterna corrente
germânica em direção ao sul e ao
ocidente da Europa e lançamos a
vista para as terras de leste. (…)
Quando, hoje em dia, falamos, na
Europa, de nosso solo, pensamos, em
primeira linha, somente na Rússia e
Estados adjacentes, a ela
subordinados. O próprio destino
parece querer nos indicar a direção.
O destino ao abandonar a Rússia o
bolchevismo, roubou ao povo russo a
classe educada que criara e
garantira a sua existência como
Estado. (…) Devemos enxergar no
bolchevismo russo a tentativa do
judaísmo, no século vinte, de
apoderar-se do domínio do mundo. (…)
Não é a orientação para o Ocidente e
para o Oriente que deve ser o futuro
objetivo de nossa política externa
e, sim, a política do Oriente
necessária ao nosso povo.
Deixando claro o
sentimento das democracias
ocidentais em relação ao nazismo, o
primeiro ministro inglês Baldwin
diria na época: “Todos nós temos
conhecimento do desejo da Alemanha
de avançar em direção ao Leste.,
exposto por Hitler no seu livro. Se
avançasse para o Leste, o meu
coração não se partiria... Se na
Europa surgisse uma disputa, eu
gostaria que fosse entre os
bolcheviques e os nazistas.”
O rearmamento alemão
Em março de 1935, a
Alemanha declarou formalmente que
não reconhecia mais as restrições
militares do Tratado de Versalhes,
ampliou as suas forças terrestres
para 12 corpos de exército e 36
divisões, criou a sua Força Aérea e
restabeleceu o serviço militar
obrigatório. As “potências”
ocidentais e a Sociedade das Nações,
afora tímidas notas formais de
protesto, nada fizeram. Na
Inglaterra, essa política de
fortalecimento militar da Alemanha
correspondia à política do chamado
grupo de Cleveden - organizado por
Neville Chamberlain, Lord Halifax e
o casal Astor - que considerava ser
“necessário criar uma frente das
potências capitalistas, onde o
Império Britânico e a França
exerceriam seu poder nos impérios
coloniais, e à Alemanha caberia a
tarefa de dominar a Europa
centro-oriental, destruindo o Estado
Soviético e o movimento operário no
continente.”
Como anotaria em suas Memórias
Ernst Heinkel, o construtor de
aviões nazista:
Os políticos desses países, que de
início haviam condenado o armamento
da Alemanha, incentivaram-na, eles
próprios, a armar-se, e (…) alguns
anos mais tarde, engenheiros e
militares desses países vieram
consultar os técnicos alemães sobre
a forma de acelerar a participação
da Alemanha no armamento da Europa,
afastando as restrições impostas.
Explorando esse
anticomunismo, Hitler assinou em
janeiro de 1934 um pacto de
não-agressão com a Polônia de
Pilsudski (que tinha o general Beck
como Ministro do Exterior).
A 2 de maio de 1935, com o objetivo
de satisfazer a opinião pública
francesa, Pierre Laval assina um
pacto franco-soviético, mas não
demonstra a mínima vontade de
concretizá-lo.
Em junho de 1935, depois de intensas
negociações secretas, à revelia da
França e transgredindo o Tratado de
Versalhes, foi assinado o Acordo
Naval Anglo-Germânico, pelo qual a
Alemanha obteve o direito de
quadruplicar a sua frota, até
atingir 35% do poderio marítimo
inglês,
e de construir submarinos.
No mesmo ano, o Sarre foi
reincorporado à Alemanha, com seus
imensos recursos econômicos.
Em julho de 1935,
reunido em Moscou, o VII Congresso
da Internacional Comunista afirmava
que o fascismo “não é uma simples
mudança de um governo por outro,
mas antes a substituição de uma
forma estatal de domínio de classe
da burguesia – a democracia burguesa
– por outra: pela ditadura
terrorista declarada”. Conclamou à
frente única operária e definiu a
Alemanha como o principal inimigo da
paz, junto com o Japão e a Itália.
Tendo em vista que a agressão
fascista ameaçava outros países além
da URSS, o congresso concluiu que “a
guerra que a burguesia desse país
travar para repelir esse ataque pode
tomar o caráter de uma guerra de
libertação, na qual não podem deixar
de intervir a classe operária nem os
comunistas do país em questão.”
Agressão à Abissínia, militarização
da Renânia, Guerra Civil Espanhola,
ocupação da Mandchúria
Encorajada por tanta
impunidade, em outubro de 1935 a
Itália lançou as suas tropas contra
a Abissínia, violando os Estatutos
da Sociedade das Nações. Esta,
depois do repudiado plano
Hoare-Laval - que entregava a metade
da Abissínia para a Itália - “um
belo exemplo, depois repetido em
Munique, de usar a máquina da paz
contra a vítima da agressão”,
determinou unicamente um embargo
comercial parcial, autorizando a
venda à Itália de petróleo e outros
produtos vitais para a sua ação
militar.
Em maio de 1936, depois de massacrar
a população abissínia, inclusive com
o uso de gases tóxicos, as tropas
italianas entraram em Addis-Abeba e
proclamaram Victor Emmanuel III
imperador da Etiópia.
Em março de 1936 -
transgredindo abertamente o tratado
de Versalhes - a Alemanha ocupou a
Renânia desmilitarizada com somente
3 batalhões, atingindo a fronteira
franco-alemã. A França esboçou a
mobilização de 12 divisões, mas
antes consultou se a Inglaterra
também agiria. Diante da resposta
negativa, nada fez, apesar da
superioridade absoluta de forças que
tinha sobre a Alemanha. Também os
Estados Unidos deram o seu
beneplácito a mais essa investida
nazista. Atemorizada, a Bélgica
retirou-se do Pacto de Locarno e da
aliança com Grã-Bretanha e França, e
declarou-se neutra. No mesmo ano, a
Alemanha deu início a construção na
Renânia da Linha Sigfried.
Em julho de 1936, o
general Franco colocou-se à frente
de um levante de caráter fascista
contra o governo republicano da
Espanha, com total apoio da Itália e
da Alemanha:
Em 28 de julho de 1936, no início do
conflito, quando parecia que Franco
não poderia transportar seus mouros
e legionários de Marrocos à
península, Hitler lhe enviou 30
aviões Junker de transporte
para cruzar o estreito. Esta ajuda
foi seguida por um rio de munições,
canhões, tropas, aviões, pilotos e
mecânicos, enviados com o
beneplácito de Hitler e Mussolini.
Em 1937, Franco tinha sob o seu
mando 30.000 soldados italianos e
12.000 alemães. Chegou a ter até
100.000 soldados italianos. O Papa
também prestou a sua ajuda
espiritual a Franco “este leal filho
da Igreja”. As tropas italianas que
embarcavam para a Espanha recebiam a
benção papal antes de abandonar o
solo italiano.
Tão logo iniciou a
guerra civil espanhola, a França, a
Inglaterra, a Alemanha e a Itália
criaram um hipócrita Comitê de
Não Intervenção - que colocava
em pé de igualdade o legítimo
governo da República e os militares
rebelados - e que fazia “olhos de
mercador” à intervenção aberta da
Alemanha e da Itália em favor dos
fascistas espanhóis. Enquanto estas
duas potências do Eixo inundavam a
Espanha com suas armas e tropas, a
França, a Inglaterra e os Estados
Unidos se negavam a vender armas ao
governo republicano, sob o pretexto
de “não intervenção”, e ainda
impunham esse embargo ao resto do
mundo. Só a União Soviética - apesar
do seu isolamento, e dos riscos que
isto envolvia - ousou romper esse
bloqueio que as “democracias
liberais” e o nazi-fascismo
impuseram ao governo republicano da
Espanha, fornecendo-lhe apoio
material e político.
Depois de longos três anos de luta -
durante os quais antifascistas de
todo o mundo combateram lado a lado
com o povo espanhol nas famosas
brigadas internacionais - em março
de 1939 a Republica Espanhola foi
derrotada.
Em outubro de 1936, a
Alemanha e a Itália criaram um bloco
militar denominado “Eixo
Berlim-Roma”.
Em novembro do mesmo ano, a Alemanha
e o Japão assinaram o Pacto
Anticomintern que - com o objetivo
de ganhar a simpatia dos meios
dirigentes da Inglaterra e da França
- conclamava a uma luta comum contra
as atividades da Internacional
Comunista, dentro e fora dos seus
países.
Em 1937, a Itália aderiu a ele. Em
abril de 1939, um mês após a sua
vitória, Franco fez o mesmo.
Em julho de 1937, o
Japão - que já ocupara impunemente a
Mandchúria - se lançou sobre o resto
da China. Uma a uma, foram caindo as
principais cidades chinesas: Nanquim
(dezembro de 1937), Cantão (outubro
de 1938), Hankow (outubro de 1938).
Virtualmente derrotada a resistência
de Chiag-Kai-chek, os japoneses
impõem o governo fantoche
pró-japonês de Wang Ching-Wei. Em
fevereiro de 1939, foi tomada a ilha
de Hainan, posição estratégica para
um posterior assalto à Indochina
francesa. Washington e Londres
limitaram-se a enviar notas formais
de protesto a Tóquio, enquanto na
prática contribuíam para o esforço
de guerra japonês.
Mais uma vez, a URSS foi o único
país a opor-se a essa agressão.
Na verdade, as “aspirações
expansionistas do Japão não
encontram resistência por parte dos
círculos imperialistas dos EUA, da
Inglaterra e da França, que contavam
aproveitar a possibilidade que se
lhes oferecia para reprimir o
movimento revolucionário na China e
atacar a União Soviética.”
Dando razão a esses círculos, em
1938 o Japão empreendeu, a partir da
Mandchúria, um ataque armado direto
à URSS, na região do lago Khassan,
mas foi derrotado.
A
anexação da Áustria
Dentro da estratégia das democracias
ocidentais de incentivar a expansão
da Alemanha nazista para o leste e
de lançá-la contra a União
Soviética, a França e a Inglaterra
passaram a sinalizar o seu
beneplácito em relação às pretensões
de Hitler quanto à Áustria, à
Checoslováquia e a Dantzig, desde
que não fosse usada a violência. Em
novembro de 1937, Lord Halifax
entrevistou-se com Hitler:
Halifax disse tudo o que Hitler
esperava ouvir. Elogiou a Alemanha
nazista “como o baluarte da Europa
contra o bolchevismo”, e evidenciou
simpatia para com as reivindicações
alemãs. Deteve-se particularmente em
certas questões onde “alterações
possíveis poderiam estar destinadas
a se resolverem com o passar do
tempo.” Eram Dantzig, Áustria a
Checoslováquia. “A Inglaterra está
interessada em que qualquer
alteração se faça por meio da
evolução pacífica e se evitem
métodos que possam causar
perturbações de longo alcance.”
(...) As observações de Halifax
(...) eram um convite a Hitler para
promover a agitação nacionalista
alemã em Dantzig, Checoslováquia e
Áustria, e uma garantia de que a
agitação não encontraria resistência
externa. Tais insinuações não foram
feitas apenas por Halifax. Em
Londres, Eden disse a Ribbentrop: “O
povo da Inglaterra reconhece que uma
maior aproximação entre a Alemanha e
a Áustria terá de ocorrer algum
dia”. As mesmas notícias vinham da
França. Papen, numa visita a Paris,
“surpreendeu-se ao notar” que
Chautemps, o ‘premier’, e Bonnet,
então Ministro das Finanças (...)
não tinham objeções a uma acentuada
ampliação da influência da Alemanha
na Áustria”, obtida através de
“meios evolucionários”, nem na
Checoslováquia “na base da
reorganização numa ação de
nacionalidades”.
Estavam preparadas as
condições para que o ano de 1938
ficasse gravado na história como o
ano da anexação da Áustria e da
capitulação de Munique. Estas ações
foram precedida de uma intensa
atividade diplomática de Hitler:
Já em novembro de 1937 recebera da
Inglaterra garantias nesse sentido.
Elas foram confirmadas por
Henderson, embaixador britânico em
Berlim. A 3 de março de 1938,
Henderson informou a Hitler, em
caráter estritamente confidencial,
que era favorável ao Anschluss
[V. Documentos e Materiais das
Vésperas da Segunda Guerra Mundial,
t.. I, Moscou 1948, p. 70]. Em
começos de 1938, durante suas
entrevistas em Berlim com o
ex-presidente dos Estados Unidos
Herbert Hoover, Hitler recebera as
mesmas garantias. (…) em setembro de
1937 Hitler obtivera o consentimento
de Mussolini para essa operação. (…)
A Áustria estava entregue aos
nazistas.
Agora só faltava o golpe
de misericórdia. Depois de ordenar a
Seyss-Inquart, chefe dos nazistas
austríacos que intensificasse as
agitações pró-Alemanha na Áustria,
Hitler mandou chamar o chanceler
Schuschnigg, a quem ameaçou com uma
imediata invasão do país e
apresentou um ultimato:
todos os austríacos tinham que
aceitar a doutrina do
nacional-socialismo; os nazistas
austríacos poderiam se dedicar sem
impedimento algum a suas “atividades
legais”; todos os nazistas
encarcerados, inclusive os
assassinos de Dollfuss, tinham que
ser postos em liberdade; havia que
nomear Seysss-Inquart ministro do
Interior, e o exército austríaco
tinha que aceitar imediatamente no
seu seio a uma centena de oficiais
do exército alemão. Depois de dez
horas (…) Schuschnigg aceitou a
maioria das exigências,
acrescentando que desejava
esclarecer alguns pontos com o
presidente Wilhelm Miklas.
De volta à Áustria,
Schuschnigg convocou um plebiscito
para 13 março de 1938 para decidir
sobre o futuro da Áustria. Furioso,
Hitler exigiu que o plebiscito fosse
suspenso e ordenou a Wehrmacht
que se mantivessem pronta para
invadir a Áustria. Abandonado pelas
democracias ocidentais, Schüschnigg
capitulou, afirmando na radio que
“tivemos que inclinar-nos ante a
força, pois não estamos dispostos,
sequer nesta terrível situação, a
derramar sangue alemão. Ordenamos ao
exército austríaco que se retire,
sem oferecer resistência.”.
A meia noite do dia 11 de março de
1938, Seyss-Inquart foi nomeado
chanceler da Áustria, momento em que
as primeiras unidades alemãs já
estavam cruzando a fronteira. Ao
meio dia Viena foi ocupada pelas
tropas da Alemanha. O presidente
Miklas se demitiu. Schuschnigg foi
mantido encarcerado durante 17
meses. Hitler declarou a Áustria
nova Land (província) do
Reich sob o nome de Ostmark,
tendo Seyss-Inquart como
regente:
País capitalista algum protesta, nem
mesmo pró forma, contra este ato de
agressão A Inglaterra e a França
reconhecem imediatamente a anexação.
Os Estados Unidos fecham a embaixada
em Viena e a substituem por um
Consulado. O Vaticano tampouco se
opõe à ocupação da Áustria católica.
Diferentemente das
democracias liberais, a URSS
condenou a agressão e conclamou
todos a se oporem aos invasores. A
resposta foi a contemporização com o
agressor:
Quando em 18 de março, a União
Soviética solicitou que se adotasse
uma ação coletiva contra aquela
evidente agressão, o
primeiro-ministro Neville
Chamberlain, replicou timidamente
que ele não queria estabelecer “um
grupo exclusivo de nações que
torpedeasse as perspectivas de paz
na Europa.” As sombras do
apaziguamento começaram a
estender-se sobre a Europa.
Com a ocupação da
Áustria, a Alemanha dava mais um
importante passo para a guerra. Além
de aumentar sua “Grande Alemanha” em
mais de 6.500.000 habitantes, no
terreno estratégico Hitler havia
tomado a chave do sistema de
comunicações do Danúbio, estabeleceu
fronteiras com a Itália e cercou a
Checoslováquia. Como expôs Jodl,
chefe do Gabinete de Operações do
Grande Quartel-General Alemão:
A Anschluss permitiu, por sua vez,
atingir não somente um antigo
objetivo nacional, mas teve como
resultado um crescimento de nossa
capacidade de combate e um
melhoramento notável de nossas
posições estratégicas. Se até então
o território da Checoslováquia
avançara ameaçadoramente dentro da
própria Alemanha, (“Ferrão de vespa”
em direção da França e base aérea
para os aliados, sobretudo para a
Rússia), agora a Checoslováquia se
acha presa nos dentes de uma tenaz.
A
capitulação de Munique
Os círculos mais
reacionários da Inglaterra - tomados
pela miopia, e preocupados somente
em dirigir o avanço alemão para o
Leste - passaram a incentivar novos
atos de agressão da Alemanha. Já no
dia 14 de março de 1938, o jornal
britânico The Daily Express
afirmava: “A ocupação da Áustria
pela Alemanha não muda nada. Afinal
de contas a Áustria era um país
germânico mesmo antes de Hitler
enviar para lá suas tropas.
Devemo-nos ocupar de nossos próprios
negócios. A Checoslováquia não nos
interessa.”
Em 16 de abril de 1938, foi firmado
o acordo anglo-italiano, dando carta
branca aos italianos na Abissínia e
total liberdade para agirem em favor
de Franco na Espanha, em troca dos
bons ofícios italianos na Europa
Central. Em carta a Eden, Churchill
comentaria:
O pacto italiano é, desde logo, um
completo triunfo para Mussolini, já
que aceitamos (...) que consolide a
sua conquista da Abissínia e que
execute violências na Espanha. (...)
Eu creio que o pacto anglo-italiano
seja só um primeiro passo, e que o
segundo consistirá em uma tentativa
de barganhar com Alemanha um tratado
ainda mais enganador que adormeça ao
público britânico enquanto permite
crescer as forças armadas alemãs e
desenvolverem-se os planos da
Alemanha no Leste da Europa. Na
semana passada, Chamberlain disse em
segredo (...) que “não abandonava a
esperança de alcançar acordos
semelhantes com Alemanha”.
Estava aberto o caminho
para a agressão à Checoslováquia. Em
maio de 1938, alegando perseguição
aos alemães que viviam nos Sudetos,
Hitler faz ameaças e desloca tropas
para a fronteira checa. Estes
respondem concentrando 400.000
homens na fronteira e recebem o
apoio da União Soviética, da
Inglaterra e da França. Hitler
recuou momentaneamente, mas orientou
Henlein, o chefe nazista nos
Sudetos, a intensificar as ações dos
seus seguidores. Ao mesmo tempo,
intensificou as pressões
diplomáticas sobre a França e a
Inglaterra. Temeroso, Chamberlain -
em acordo com a França - enviou Lord
Runciman a Praga, na qualidade de
árbitro oficioso. Pressionados por
Runciman, os checos fizeram grandes
concessões: concordaram em dividir a
Checoslováquia em cantões (como a
Suíça), garantir a participação
proporcional de todas as
nacionalidades no governo e na
direção das empresas do Estado,
conceder de empréstimos aos Sudetos
para melhorar sua situação
econômica. Mas quanto mais cediam,
mais Hitler ameaçava e intensificava
a agitação nos Sudetos, a ponto do
presidente Benes se obrigar a
proclamar a lei marcial.
Apavorado, Chamberlain tomou um
avião em Londres e aterrizou em
Berchtesgaden no dia 15 de setembro
de 1938. Era a primeira das três
humilhantes viagens feitas por ele à
Alemanha, na tentativa de apaziguar
Hitler. Este foi enfático: os
Sudetos deviam ser imediatamente
incorporados ao Terceiro Reich,
senão estalaria a guerra geral:
Chamberlain afirmou que se Hitler
não queria nada mais que os Sudetos
alemães a Inglaterra não se oporia a
isso,
e só pediu alguns dias para
consultar o seu ministério. De
regresso a Londres, conferenciou com
os membros do seu gabinete e com o
presidente do Conselho Francês,
Eduardo Daladier, e seus ministro de
Assuntos Exteriores, George Bonnet.
Entrementes, Hitler buscava o apoio
da Polônia para a sua agressão à
Checoslováquia. Aproveitando-se da
situação difícil em que esse país se
encontrava, o reacionário governo de
Varsóvia reivindicou a região de
Teschen, rica em carvão, e assegurou
que não vacilaria em usar a força
para conquistá-la.
No dia 20 de setembro, sem qualquer
consulta a Praga, a Inglaterra e a
França comunicaram à Checoslováquia
que, para evitar a guerra, ela
deveria entregar todas as regiões
habitadas por maiorias alemãs a
Hitler, anular o Tratado
soviético-checoslovaco de
assistência mútua, assinar um acordo
econômico com a Alemanha
(francamente desfavorável) e proibir
toda propaganda antifascista. Se
aceitasse essas condições, a
Inglaterra e a França se
comprometiam em garantir a sua
independência. Caso contrário,
retirariam suas garantias.
O gabinete checo decidiu ceder e
apresentou a sua demissão. No dia 22
Chamberlain foi ao encontro de
Hitler em Godesberg para
entregar-lhe os Sudetos. Mas Hitler
declarou que agora não bastavam
essas condições, que a Alemanha
exigia a imediata ocupação de todas
as regiões de fala alemã no país e
dava o prazo até 1º de outubro para
que os checos aceitassem. Atordoado,
o chanceler britânico voltou a
Londres, para novas tratativas com
os franceses. Indignados, os checos
rechaçaram o ultimato de Godesberg:
Mal a nota de rejeição havia sido
recebida pelos enviados inglês e
francês em Praga, às cinco da tarde
do dia 19, já o ministro britânico,
Sir Basil Newton, avisou o Ministro
do Exterior checo, Dr. Kamil Krofta
de que se o governo checo a ela se
apegasse a Inglaterra se
desinteressaria do destino do país.
M. De Lacroix, o embaixador francês,
associou-se a essa declaração, em
nome da França.
A
Inglaterra sinalizava conceder tudo
o que Hitler exigia:
Os ingleses também estavam se
movendo: se sabe que a FA
interceptou a chamada que
Chamberlain havia feito à sua
Embaixada em Berlim às 11h30
anunciando que estava pronto para ir
outra vez à Alemanha. Às 12h30,
enquanto François-Poncet se ia,
chegou Henderson com a proposta
oficial de Chamberlain de que as
cinco potências celebrassem uma
conferência: “Estou pronto para ir
eu mesmo a Berlim.” (…) O embaixador
Attolico voltou às 2h40 (…) Durante
a tarde se convidou as outras duas
potências, Grã-Bretanha e França, à
conferência. As duas aceitaram,
Checoslováquia não recebeu o
convite. (…) Hitler explicou que não
estava disposto a perder tempo com
plebiscitos nas zonas em litígio.
(…) Já que só pedia as zonas de fala
alemã e as outras três potências
estavam de acordo com isso, o única
que restava por tratar era o modo de
levar a cabo a cessão. (…) o único
obstáculo era a evacuação imediata
dos territórios por parte dos
checos. (…) Às primeiras horas da
madrugada se firmava o acordo de
Munique. (…) Chamberlain pediu a
Hitler a garantia de que - supondo
que os checos fossem tão arrogantes
como para rechaçar os acordos de
Munique - a aviação não bombardearia
alvos civis. Hitler prometeu.
Formalizando a capitulação, o Acordo
de Munique
foi assinado junto com um tratado de
amizade anglo-germânico, tendo por
signatários Hitler e Chamberlain.
Além de entregar os Sudetos e seus
3.100.000 habitantes à Alemanha -
impunha que a Checoslováquia
resolvesse o problema das minorias
nacionais polonesa e húngara.
Autorizava os exércitos alemães a
entrarem na Checoslováquia no dia 1º
de outubro e exigia que os checos
abandonassem nas regiões ocupadas
toda a classe de bens, em especial
as munições. Além de entregar as
suas defesas naturais, os checos
estavam proibidos de destruir as
fortificações que haviam construído.
Cinco semanas depois, Hitler se
vangloriava: “Só vim a compreender a
magnitude de tudo aquilo no momento
em que me vi pela primeira vez no
meio da linha fortificada checa: me
dei conta do que significava ter
tomado toda uma frente de quase dois
mil quilômetros de fortificações sem
haver disparado nem um só tiro.”
O Acordo ainda previa a realização
de plebiscitos em outras partes da
Checoslováquia. Assinado o acordo,
os representantes do governo checo
foram convidados a comparecer na
sala de sessões, sendo-lhes dito
pelo representante francês que era
um veredicto sem apelo e sem
correções possíveis. Nos círculos
dirigentes de todas as potências
capitalistas o júbilo foi enorme.
Dava-se mais um passo no sentido de
empurrar a Alemanha para o leste.
Sumner Welles, Sub-Secretário de
Estado dos Estados Unidos assim
caraterizou o ponto de vista desses
círculos:
Naquele anos de pré-guerra, os
grandes grupos financeiros e
comerciais das democracias
ocidentais, inclusive numerosos
grupos dos Estados Unidos, estavam
persuadidos que a guerra entre a
União Soviética e a Alemanha só
podia ser favorável a seus próprios
interesses. Estimavam que a Rússia
sofreria uma derrota inevitável e
que o comunismo seria aniquilado.
Mas, em conseqüência do conflito, a
Alemanha ficaria tão enfraquecida
que, por longos anos, seria incapaz
de apresentar um perigo real para o
resto do mundo.
É preciso que se registre que
durante todo o período em que a
Inglaterra e a França planejavam a
entrega da Checoslováquia, a União
Soviética - mantida a margem de
qualquer negociação
- reafirmava a sua firme disposição
de honrar os compromissos que havia
assumido em relação àquela nação,
inclusive através de um
pronunciamento público de Litvinov
da tribuna da Sociedade das Nações,
em 21 de setembro de 1938:
O texto do tratado continha uma
cláusula que fora introduzida às
instâncias de Benes. Estabelecia que
os compromisso do tratado
soviético-checoslovaco eram válidos
somente se a França executasse os
seus, assumidos diante da União
Soviética ou da Checoslováquia. No
momento mais critico da luta em
torno do problema, quando tornou
claro que a França não cumpriria os
compromissos assumidos, a União
Soviética recusou-se a “tirar
vantagens” desta cláusula. O Governo
soviético declarou oficialmente que
estava disposto a levar uma ajuda
militar à Checoslováquia mesmo que a
França não o fizesse e mesmo que a
Polônia ou a Romênia impedissem a
passagem das tropas soviéticas. Mas
ressaltava que a ajuda seria
concedida com a condição de que “a
Checoslováquia se defendesse e
solicitasse a ajuda soviética.
Para as fronteiras ocidentais da
URSS foi deslocado um grande
agrupamento de tropas. Em 28 de
setembro estavam preparadas para
serem expedidas para a
Checoslováquia 4 brigadas de aviação
(548 aviões de combate), o que foi
comunicado ao adido militar francês
na URSS, Pallasse, e ao governo
checoslovaco. Contudo, o governo
Benes-Hodza tomou pela via da
traição nacional e preferiu
capitular, o que não permitiu à URSS
ajudar em 1938 o povo checoslovaco e
abriu aos hitlerianos o caminho para
a completa ocupação e desmembramento
do país.
Depois de adonar-se da
terceira parte do país e de quase um
terço da sua população, Hitler
apresentou novas demandas: a
construção de uma estrada de caráter
militar através do país, o direito
de arbitrar a sorte da Eslováquia e
da Rutênia e a fixação dos
territórios que caberiam à Hungria e
à Polônia. Assim, no início de
novembro Hitler obrigou os checos a
cederem Teschen aos polacos,
e as áreas fronteiriças da
Eslováquia e da Rutênia à Hungria.
A vitória de Hitler foi total:
O ajuste definitivo de 20 de
novembro de 1938 forçou a
Checoslováquia a entregar à Alemanha
11.000 milhas quadradas de
território, onde viviam 2.800.000
sudetos alemães e 800.000 checos.
Nessa área estavam todas as imensas
fortificações checas que constituíam
até então a mais formidável linha
defensiva na Europa, com a possível
exceção da linha Maginot, na França.
Mas não era tudo. Todo o sistema
ferroviário, rodoviário, telegráfico
e telefônico de comunicações foi
destruído. Segundo os algarismos
alemães, o país desmembrado perdeu
66% de seu carvão, 80% de sua
linhita, 86% de suas substâncias
químicas, 80% de seu cimento, 80% de
seus têxteis, 70% de seu ferro e
aço, 70% de seu potencial elétrico e
40% de suas florestas.
Esquartejada a
Checoslováquia, Ribbentrop viajou
para a França, em dezembro de 1938,
para assinar com Bonnet um pacto
franco-alemão que - em troca do
reconhecimento por Hitler do
status quo na Alsácia-Lorena -
deixava livres as mãos da Alemanha
no Leste.
Poucos dias depois da assinatura
desse acordo, Bonnet foi interrogado
no Comitê de Relações Exteriores da
Câmara “se a França cumpriria suas
obrigações pelos pactos
franco-polonês e franco-soviético,
se esses países fossem atacados.
Bonnet respondeu que não acreditava
que qualquer desses dois países
fosse capaz de se defender contra a
Alemanha nazista. Acrescentou que
novos movimentos alemães no leste
não alterariam a posição estratégica
da França.”
O recado era claro. Coulondre,
embaixador francês em Berlim,
escreverá a Bonnet:
Com efeito, o desejo de expansão
para o Leste por parte do III Reich
parece-me tão certa como a sua
renúncia, pelo menos de momento, a
qualquer conquista no Ocidente (...)
quer-me parecer que se vê desenhar
pouco a pouco (...) as formas do
grande empreendimento alemão:
tornar-se senhor da Europa Central,
tornando seus vassalos a
Checoslováquia e a Hungria, e criar
depois a grande Ucrânia sob
hegemonia alemã (...) Para tanto,
seria necessário dominar a Romênia,
convencer a Polônia, espoliar a URSS
(...) nos meios militares já se fala
da cavalgada até ao Cáucaso e a
Baku.
Analisando esses
acontecimentos em outubro de 1938,
quase um ano antes do ataque à
Polônia, um atilado e privilegiado
observador registrou: “a guerra é
hoje mais provável do que nunca
(...) deverá irromper depois das
próximas colheitas (...) a Polônia
é, sem dúvida alguma a próxima
vítima da lista de Hitler (a
estupidez cega dos poloneses durante
a recente crise, auxiliando a
destruição da Checoslováquia)”.
A
destruição final da Checoslováquia
Nos primeiros dias de março de 1939,
instigados por Hitler, os
separatistas da Eslováquia e da
Rutênia proclamaram a sua
independência. O governo
checoslovaco demitiu, a 6 de março o
governo autônomo da Rutênia e, no
dia 9 de março, o seu similar
eslovaco, e decretou a lei marcial.
Imediatamente, Hitler convocou a
Berlim o presidente checo Emil Hacha
(Benes havia se refugiado nos EUA),
comunicando-lhe que a Wermacht ia
invadir a Bohemia e a Morávia, mas
se ele assinasse a capitulação não
haveria derramamento de sangue. Na
madrugada do dia 15 de março de
1939:, sem a esperança de qualquer
apoio da Inglaterra ou da França,
Hacha assinou a rendição:
O acordo principal se assinou pouco
antes das 4 da manhã. Em um segundo
documento, Hacha aprovava a entrega
imediata aos alemães da aviação e do
armamento checo. (…) Enquanto
iniciava a sua invasão da
Checoslováquia, as 8h02 da manhã o
trem especial de Hitler saía da
estação de Anhalt. (…) Keitel
mantinha Hitler informado sobre o
avanço do exército. As 9 da manhã,
este já se encontrava nas ruas de
Praga. Não houve derramamento e
sangue. (…) As 4 da tarde,
levantaram a barreira da fronteira
para que Hitler entrasse na
Checoslováquia (…) Chegou a Praga ao
entardecer. (…) Começou a ditar uma
lei que estabelecia um sistema de
“Protetorado” alemão sobre a Bohemia
e a Morávia. (…) A primeira reação
procedente de Londres foi a de tomar
o assunto como se não fosse de sua
incumbência (…) uma semana depois,
Chamberlain se serviu de um
intermediário para assegurar a
Hitler que estava a favor da ação
que a Alemanha havia levado a cabo,
ainda que não pudesse dize-lo de
público por encontra-se a mercê de
airados ataques de Churchill e
companhia. (…) o controle de Praga
pôs a disposição de Hitler as
reservas de ouro que necessitava
para superar o enorme déficit
orçamentário do Reich; lhe
proporcionava, ainda, aeroportos com
que ameaçar a Polônia e a Rússia; e
uma redução de mil e seiscentos
quilômetros de frente para defender.
Lhe proporcionava tanques,
artilharia e aviação checas; além
disso, colocava a Romênia e a
Iugoslávia em suas mãos, pois os
exércitos desses países se equipavam
em grande parte graças à fábrica de
armas Skoda de Pilsen.
Depois de ocupar toda Checoslováquia
e anexar a Bohemia e a Morávia,
Hitler transformou a Eslováquia em
um domínio dirigido por um governo
fantoche. A imprensa reacionária dos
EUA, Inglaterra e França aconselhava
Hitler a unir a Ucrânia Soviética à
Ucrânia Subcarpática, induzindo a
Alemanha a uma guerra com a URSS.
Bullit, embaixador dos EUA em Paris,
informou seu governo:
A Alemanha tentará apoderar-se da
Ucrânia, que é o celeiro da União
Soviética. Ao faze-lo, a Alemanha se
extenuará de tal maneira que não
poderá sustentar o esforço e acabará
se esfacelando. O Japão ocupará ou
tentará ocupar a Sibéria e
desmoronará igualmente em
conseqüência de um esforço demasiado
grande. Abandonando a Rússia à sua
sorte, a Inglaterra e a França
afastarão a ameaça de seus próprios
países.
Mais
prudente, a Alemanha entregou a
Ucrânia Subcarpática à Hungria,
evitando um conflito com a União
Soviética. O que as democracias
ocidentais ainda não haviam
percebido é que a Alemanha
considerava a guerra com a URSS uma
prova muito difícil e entendia
necessário - antes de atacá-la -
fortalecer-se no ocidente,
principalmente pela derrota da
França que podia ameaçar-lhe o
flanco, na região estratégica do
Rhur, maior centro industrial do
país.
A União Soviética foi a
única a protestar e não reconhecer a
ocupação da Checoslováquia: “Nem a
Inglaterra nem a França fizeram o
menor gesto para salvá-la, embora em
Munique tivessem solenemente
garantido à Checoslováquia contra a
agressão”.
Ao contrário, “os britânicos
reconheceram as autoridades alemãs
na Boêmia, e o Banco da Inglaterra
entregou-lhe seis milhões de libras
em ouro checo (...) Um entendimento
geral com Hitler continuava sendo o
objetivo britânico.”
A
ocupação de Memel, o ataque à
Mongólia, a ocupação da Albânia
Aproveitando-se da cumplicidade das
potências ocidentais, a Alemanha
prosseguiu a sua marcha para o
leste. A 22 de março, arrebatou
Memel à Lituânia, mediante um
“acordo”. No dia seguinte, firmou um
tratado germano-romeno, fazendo
daquele país um apêndice da economia
alemã e uma base militar da
Alemanha. A 7 de abril de 1939, a
Itália ocupou a Albânia. Nesses
dias, a Alemanha denunciou o acordo
naval com a Inglaterra e o Tratado
de não agressão à Polônia.
Em maio, o Japão atacou a República
Popular da Mongólia - à quem a URSS
estava unida por um tratado de
assistência mútua - nas proximidades
do rio Calquin-Gol, com o objetivo
de ocupá-la e chegar até as
fronteiras soviéticas na região do
lago Baikal. Mas foi derrotado pelas
Forças Armadas conjuntas da URSS e
da Mongólia. Era cada vez mais
evidente o cerco que se procurava
fazer à URSS.
Em março de 1939, referindo-se a
política das democracias ocidentais
de não deter os agressores, Stalin
alertava em seu Informe ao XVIIIº
Congresso do Partido Comunista
(bolchevique) da URSS:
A política de não-intervenção
eqüivale a tolerar a agressão, a
desencadear a guerra e,
conseqüentemente, a transformá-la em
guerra mundial. Na política de não
intervenção ressalta a aspiração, o
desejo de não impedir aos agressores
que realizem sua obra tenebrosa: de
não impedir, por exemplo, que o
Japão se envolva na guerra com a
China e, melhor ainda, com a União
Soviética; de não impedir a
Alemanha, principalmente, de se
imiscuir nos assuntos europeus, de
se lançar numa guerra contra a União
Soviética; de permitir a todos os
beligerantes que se atolem até a
cabeça no pântano de guerra, de
encorajá-los dissimuladamente nesse
sentido; de enfraquecê-los
mutuamente e, em seguida, quando
estiverem suficientemente débeis,
aparecer em cena com forças frescas,
de intervir, naturalmente “no
interesses da paz” e de ditar
condições aos beligerantes
enfraquecidos.
Em julho de 1939 - exatamente quando
se travavam os combates às margens
do Calquin-Gol - a Inglaterra
assinava em Tóquio o acordo
nipo-inglês - conhecido como o
“Munique do Leste” pelo seu abandono
da China - onde a Inglaterra
declarava “reconhecer a situação
atual da China e as necessidades
particulares das forças armadas
japonesas que operavam na China” e
“a não encorajar atos ou medidas que
pudessem trazer embaraços ao
exército japonês na China”.
O FRACASSO DAS NEGOCIAÇÕES
TRIPARTITES E O ACORDO
GERMANO-SOVIÉTICO
É nesse contexto que
têm início as conversações da União
Soviética com a França e a
Inglaterra. Diante dos rumores de
uma próxima agressão à Romênia, rica
em petróleo, no dia 18 de março o
embaixador inglês em Moscou
entrevistou-se com Litvinov para
saber da atitude soviética no caso
de uma agressão de Hitler à Romênia.
Este, em nome do Governo Soviético,
propôs a imediata convocação de uma
conferência de representantes da
Inglaterra, França, URSS, Romênia,
Turquia e Polônia para tomar medidas
eficazes contra a ameaça. No dia
seguinte, o Governo inglês respondeu
negativamente à proposta.
No dia 21 de março, a
França e a Inglaterra propuseram a
assinatura de uma declaração, junto
com a URSS e a Polônia, pela qual,
no caso de um novo ato de agressão,
esses países se consultariam
urgentemente para examinar as
medidas a tomar. Embora considerando
a medida pouco eficaz, o Governo
Soviético se prontificou a
assiná-la. Mas a Polônia,
profundamente reacionária e
anti-soviética, negou-se a firmar a
declaração se a URSS o assinasse. Ao
mesmo tempo que se negava a realizar
tratativas concretas com a URSS,
Chamberlain ofereceu garantias
unilaterais - que não tinha
condições de cumprir - à Polônia.
Mas nada fez de concreto.
A França também deu garantias à
Polônia. Ambas tentaram arrastar a
União Soviética a oferecer as mesmas
garantias, sem qualquer
contrapartida. Na verdade, coerentes
com a sua estratégia, incentivavam o
confronto entre a Alemanha e a URSS.
Negociações políticas para acalmar a
opinião pública
Mas, a única alternativa capaz de
deter a agressão nazi-fascista - e,
portanto, evitar a Segunda Guerra
Mundial - era uma união militar
entre a França, a Inglaterra e a
URSS. Por isso, em 17 de abril de
1939, o Governo Soviético voltou a
propor a assinatura de um pacto de
assistência mútua e de um convênio
militar entre a União Soviética, a
Inglaterra e a França, além da
concessão de garantias a todos os
países fronteiriços à URSS, do
Báltico ao Mar Negro.Recém em 8 de maio a
Inglaterra e a França se dignaram
dar uma resposta à URSS, mais uma
vez negativa, onde alegavam que isso
podia ser interpretado pela Alemanha
como uma agressão.
Contraditoriamente, nesses mesmos
dias A França e a Inglaterra
assinaram com a Turquia um tratado
de assistência mútua. Enquanto isso,
“a Polônia, e a Romênia (...) se
recusavam a aceitar a garantia russa
ou mesmo a admitir que tropas
soviéticas atravessassem seus
territórios para enfrentar um ataque
alemão. A Letônia, a Estônia e a
Finlândia também se negavam
sistematicamente a aceitar qualquer
garantia russa.”
Mas, a Inglaterra e a França
continuaram insistindo para que a
URSS desse garantias unilaterais à
Polônia e à Romênia, sem
contrapartida. A URSS respondeu que
só seria negociado um pacto com
compromissos recíprocos.
Estimulado por essa conduta de
Chamberlain e Daladier de abortar
qualquer acordo sério com a URSS,
Hitler iniciou uma intensa campanha
contra a Polônia, exigindo a
devolução de Dantzig e o livre
trânsito alemão pelo corredor
polonês. A tensão chegou ao seu
ponto máximo. No dia 19 de maio, na
Câmara dos Comuns, Churchil fez um
pronunciamento onde criticou a
política externa inglesa e lembrou
que “as propostas apresentadas pelo
Governo da URSS prevêem uma tríplice
aliança da Inglaterra, França e
União Soviética, de cujos benefícios
podem aproveitar-se também outros
países.”
Lloyd George também defendeu o
tríplice pacto: “Sem a ajuda da URSS
não poderemos cumprir nossos
compromissos com a Polônia e a
Romênia. Por que não firmou ainda o
Governo acordo de assistência mútua
com a URSS?”
No mesmo sentido pronunciou-se Eden.
Pressionado pela opinião pública,
Chamberlain manobrou e no dia 25 de
maio propôs ao Governo soviético um
pacto tripartite genérico, vinculado
à Sociedade das Nações, sem nenhum
convênio militar concreto. A
contraproposta soviética,
apresentada no dia 2 de junho,
independizava o pacto de qualquer
procedimento estabelecido na
Sociedade das Nações, discriminava
os Estados que receberiam garantias
e determinava que o pacto e o
convênio militar entrariam em vigor
simultaneamente. Depois de muitas
discussões, questão da desvinculação
do pacto da Sociedade das Nações foi
aceita. Já as negociações em torno
dos Estados que receberiam garantias
- principalmente no que se refere às
antigas províncias bálticas
- começaram a arrastar-se em torno
das mais absurdas polêmicas. Baufre,
um dos negociadores franceses, e
posteriormente um destacado general,
escreveu referindo-se às propostas
soviéticas: “Era difícil ser mais
concreto e mais claro (…) o
contraste entre esse programa e as
confusas abstrações franco-inglesas
é surpreendente (…) Os argumentos
soviéticos eram ponderáveis (…) A
nossa posição era falsa.”
No dia 8 de junho, Lord Halifax,
Ministro das Relações Exteriores da
Inglaterra, comunicou à Maiski,
embaixador soviético em Londres, a
viagem de William Strang, mero
funcionário do Departamento
Diplomático, para prosseguir as
tratativas em Moscou. Era uma clara
demonstração do desinteresse inglês
em uma rápida assinatura do pacto.
Em fins de junho, as negociações já
duravam 75 dias. Desses, a URSS
utilizara 16 dias para preparar as
suas respostas; a Inglaterra e a
França, 59. Enquanto isso a situação
na Europa se agravava cada vez mais.
No começo de julho havia sido obtido
o acordo em torno dos Estados
“garantidos” no pacto. Iniciaram-se,
então, as discussões sobre o
Convênio Militar. Os soviéticos
insistiam em que o pacto e o
convênio militar formavam um todo
único, entrando em vigor
simultaneamente. Os ingleses e os
franceses desconversavam e queriam
tratá-los separadamente, como dois
documentos distintos. No fundo,
evitavam assumir qualquer
compromisso militar concreto com a
URSS. Maiski relata: “no início de
julho foi-me comunicado que teve
lugar o seguinte diálogo entre
Chamberlain e Wood, Ministro da
Aviação: - O que há de novo acerca
das negociações sobre o pacto? -
perguntou Wood. Chamberlain fez um
gesto de irritação e respondeu: -
Ainda não perdi a esperança de
frustrar a assinatura desse
malfadado pacto.”
O historiador inglês David Irving
também faz menção à essa postura de
Chamberlain: ”Em 25 de maio, as
escutas realizadas pela FA ao
correspondente do The Times
em Berlim, Mr. James Holburn,
mostravam que, durante a sua estadia
em Londres, havia tomado
conhecimento de que Chamberlain não
tinha a intenção de aliar-se com
Stalin: ainda esperava retomar,
algum dia, o contato direto com
Hitler.”
Como o Governo soviético não abriu
mão da unidade entre o tratado e o
convênio militar, recém no dia 24 de
julho o Governo inglês aceitou esta
tese. Haviam se passado mais três
semanas. Não satisfeitos, franceses
e ingleses polemizaram durante
vários dias sobre o conceito de
“agressão”. Enquanto prolongava ao
máximo as negociações com a URSS, a
Inglaterra agilizava os contatos
diretos e indiretos com a Alemanha,
procurando chegar a um acordo com a
mesma:
as fontes autorizadas diziam desde
Londres sobre que Chamberlain estava
buscando o modo de renunciar à
delicadas garantias dadas à Polônia.
(…) A fins de julho, tudo parecia
indicar que Chamberlain e seus
conselheiros estavam dispostos a um
segundo Munique. Por iniciativa
britânica, já se haviam celebrado
conversações entre Sir Horace
Wilson, um dos conselheiros mais
conciliadores de Chamberlain, e o
doutor Helmuth Wohlthat, membro do
pessoal de economia de Gõring.
Wilson havia proposto um profundo
acordo político, econômico e militar
com Hitler, em troca de certas
garantias. (…) Em 4 de agosto,
Neville Chamberlain suspendia por
dois meses as sessões do Parlamento.
Simultaneamente (…) Sir Horace
Wilson convidou o embaixador Herbert
von Dirksen ao seu apartamento
particular e lhe propôs a grandes
traços “uma sólida colaboração em
política mundial” entre a
Grã-Bretanha e a Alemanha. Se Hitler
aceitasse as condições, indicou
Wilson, então a Grã-Bretanha
pressionaria a Polônia para que
concordasse com as exigências
alemãs.
Wilson (...) propunha um tratado
anglo-alemão de não agressão e
não-interferência, uma acordo de
desarmamento e uma cooperação no
comércio externo. Um pacto
semelhante “permitiria aos ingleses
se livrarem de seus compromissos em
relação à Polônia.”
Essas negociações são
registradas por diversos
historiadores: tratativas entre
Ashton-Gwatkin - chefe da Seção
Econômica do Ministério dos Assuntos
Estrangeiros britânico - e Goering;
entre Horace Wilson e Robert Hudson
- Ministro do Comércio Ultra-marino
- e Helmut Wohltat;
entre Roden Buxton - membro da
Câmara dos Comuns - e Kordt -
Conselheiro da embaixada alemã;
entre Halifax e Dirksen - embaixador
alemão;
entre Wohlthat e Hudson e Wilson;
entre Dahlerus e Chamberlain,
Halifax e Cadogan.
Em todos esses contatos, uma
constante: o estabelecimento de um
pacto entre a Inglaterra e a
Alemanha,
dividindo áreas de interesse em
troca do abandono da Polônia e do
rompimento das negociações em torno
do pacto de assistência mútua com a
URSS. Assim, enquanto protelavam as
negociações em Moscou, buscavam
deixar a Polônia e a União Soviética
entregues à própria sorte.
O
impasse nas negociações militares
No dia 25 de julho,
Halifax comunicou a Maiski que
chegara-se a um acordo em Moscou
para iniciar de imediato as
negociações militares, mas não
demonstrou nenhuma pressa para
enviar a delegação inglesa. No dia
31 de julho, o Parlamento foi
sacudido por violentas discussões
sobre a política exterior britânica;
a oposição exigiu que fosse enviado
a Moscou alguém de alto nível, o
próprio Ministro do Exterior, para
negociar. Justificando os quatro
meses e meio que já duravam as
negociações, Chamberlain alegou que
as conversações em 1903 com o Japão
duraram 6 meses, a Entente
anglo-francesa de 1904 exigira 9
meses e a Entente anglo-russa de
1907, 15 meses. O recado era claro:
o Governo inglês ainda pretendia
demorar muito até a conclusão do
acordo. A indicação do chefe da
delegação militar - Sir Reginald
Drax, ancião almirante da Marinha -
surpreendeu a todos, pois era um
ilustre desconhecido, sem qualquer
peso político. O governo francês
seguiu o mesmo caminho, indicando o
general Doumenc. Os demais membros
de ambas delegações não passavam de
quadros médios das Forças Armadas.
Só no dia 5 de agosto as delegações
saíram de Londres, e ainda
escolheram o meio de transporte mais
demorado: um navio que demorou 5
dias em chegar a Leningrado. Só aí
já se haviam ido mais 15 dias. A
leitura dos arquivos do embaixador
alemão em Londres - Dirksen -
publicadas depois da guerra, lançam
luz sobre esses movimentos
protelatórios dos ingleses, neste
momento envolvidos em negociações
secretas com a Alemanha:
Que “outras negociações” seriam
essas? (…) O relatório que Dirksen
enviou a Berlim a 1º de agosto de
1939 (A.3107) é muito mais concreto
(…): 1) A Alemanha compromete-se a
não se imiscuir nos negócios do
Império Britânico. 2) A Inglaterra
compromete-se a respeitar plenamente
as esferas de interesses alemães no
Leste e no Sudeste europeus. Isso
teria como conseqüência que a
Inglaterra renunciaria às garantias
concedidas a certos Estados situados
nessas esferas. [Polônia?] A
Inglaterra compromete-se em seguida
a trabalhar para que a França
repudie sua aliança coma União
Soviética e renuncie a todos os
interesses que tenha no Sudeste da
Europa. 3) A Inglaterra
compromete-se a pôr fim às
conversações atualmente mantidas com
a União Soviética, visando a
conclusão de um pacto.
Alegando que ainda não haviam
chegado a uma conclusão sobre o
conceito de “agressão”, as
instruções inglesas orientavam a sua
Missão no sentido de desenvolver as
negociações militares com a máxima
lentidão, até que o acordo político
fosse concluído.
Ao contrário das delegações da
França e da Inglaterra, a delegação
soviética era do mais alto nível
possível, sendo formada pelo
marechal Voroshilov (Comissário do
Povo de Defesa da URSS), almirante
Kuznetsov (Comissário do Povo da
Marinha), Loktionov (Chefe das
Forças Aéreas), Shaposnikov e
Smorodinov (Chefe e subchefe,
respectivamente, do Estado Maior do
Exército). No início da primeira
reunião, no dia 12 de agosto, a
delegação soviética propôs que cada
delegação apresentasse os poderes de
que estava investida para as
negociações, e começou apresentando
os seus amplos poderes: “manter
negociações (…) e assinar um
convênio militar sobre a organização
da defesa militar da Inglaterra,
França e URSS contra a agressão na
Europa.”
A seguir, o general Doumenc leu os
seus poderes, bem mais limitados.
Quando chegou a vez do almirante
Drax, constatou-se que o mesmo não
dispunha de nenhum poder por escrito,
ficando evidente a falta de
seriedade com que a parte inglesa
estava tratando as negociações. O
almirante ficou de solicitar poderes
por escrito ao seu Governo (que só
chegaram dia 21 de agosto). Apesar
disso, foram iniciadas as
negociações. No dia 14, a parte
soviética levantou uma questão
crucial: no caso de agressão à
Polônia ou à Romênia será autorizada
a entrada de tropas soviéticas no
território desses países?
Como as partes inglesa e francesa
responderam com evasivas e, ao
final, ficaram de consultar à
Polônia e à Romênia, a parte
soviética fez constar por escrito
que sem uma solução favorável para
essa questão o pacto seria inviável
pela simples razão que a URSS
ficaria impossibilitada de cumprir
com os seus compromissos.
Como até o dia 17 não havia chegado
uma resposta, foram suspensas as
negociações e marcada nova reunião
para o dia 21 pela manhã.
Segundo Léon Noel, - embaixador
francês em Varsóvia no período - em
19 de agosto, o chefe do
estado-maior polaco, general
Stachiewicz, informou mais uma vez,
ao adido militar francês, sobre a
negativa do Governo polaco em
relação à passagem de tropas
soviéticas pelo território polaco,
em caso de agressão alemã.
O adido militar francês teria dito:
“Não me fale de vossa recusa. É
melhor que em Moscou a nossa
delegação possa manobrar como se
vocês ainda não tivessem formulado a
vossa recusa.”
Era evidente a má fé seja dos
negociadores franceses, seja dos
negociadores ingleses. Como no dia
21 de agosto nem Londres, nem Paris,
dessem qualquer resposta, a parte
soviética resolveu suspender as
negociações por prazo indeterminado:
As forças armadas soviéticas não
poderão colaborar com as forças
armadas da França e da Inglaterra,
se estiverem impedidas de entrar no
território da Polônia e da Romênia
(…) A delegação militar soviética
não entende como os Governos e os
Estados Maiores da Inglaterra e da
França, ao enviarem à URSS as suas
delegações militares, não lhes
tenham dado indicações precisas
sobre questão tão elementar (…) Se
os franceses e os ingleses
transformam essa questão em um
grande problema, isso significa que
existe fundamento para duvidar de
que desejem, realmente, uma
colaboração militar séria com a
URSS. Assim, a responsabilidade pela
protelação das negociações militares
recai sobre as partes francesa e
inglesa.
Ficava claro para os
dirigentes soviéticos que as outras
duas partes, principalmente a
inglesa, só pretendiam ganhar tempo,
às custas da URSS, para tentar
chegar a um acordo com Hitler,
usando as negociações tripartites
como instrumento de barganha com a
Alemanha.
E, se possível, lançando a Alemanha,
a Itália e o Japão contra uma URSS
isolada.
É evidente que o Governo soviético
procurava não cair nessa armadilha e
buscava alternativas que evitassem
ou, ao menos, adiassem o seu
isolamento e a agressão
nazi-fascista.
A busca
de alternativas pela URSS para
romper o isolamento
Tudo indica que a partir
de abril-maio de 1939 - após a
ocupação da Checoslováquia sem
qualquer reação das democracias
ocidentais, e após a agressão
japonesa à Mongólia e à União
Soviética, seguida do pacto
nipo-britânico (que entregou a China
ao Japão) - a URSS, sem abandonar a
tentativa de um acordo com a
Inglaterra e a França, colocou na
ordem-do-dia a busca de alguma
alternativa que evitasse o seu
isolamento e o risco de ter que
enfrentar uma guerra em duas frentes
- no Oriente e no Ocidente.A substituição de Litvinov
por Molotov
mostrou a importância que o governo
da URSS concedia a essas negociações,
mas também sinalizou uma possível
mudanças de rumo. No seu relatório
ao Soviete Supremo, em 31 de maio,
Molotov centrou o ataque na
Alemanha, mas fez duras críticas à
França e a Inglaterra: “Aumenta cada
vez mais a arrogância das potências
agressoras. Por outro lado, os
representantes dos países
democráticos mostram-se
desinteressados pela política de
segurança coletiva (...) tendo
adotado uma atitude de não
resistência à agressão”.
Simultaneamente, as negociações
econômicas com o Reich
permitiram aproximações e sondagens
indiretas. Hitler parece ter
percebido essas alterações. A miopia
e a intransigência das potências
imperialistas, que trabalhavam com a
estratégia de lançar a Alemanha
contra a URSS, levou as negociações
de Moscou ao fracasso e forçou a
URSS a aceitar o pacto de não
agressão proposto por Hitler.
Assim, decidido a atacar
a Polônia e temeroso do pacto
tripartite, Hitler começou a
sinalizar para Moscou a
possibilidade de uma aproximação. Em
fins de maio o embaixador alemão em
Moscou propôs a Molotov restabelecer
as negociações comerciais
germano-soviéticas, interrompidas e
fevereiro; a parte soviética fez ver
a necessidade, para isso, de uma
melhoria das relações políticas. Em
fins de junho novo contato do
embaixador alemão com Molotov,
insistindo na melhoria das relações
entre os dois países e indicando
sinais de boa vontade alemã:
assinatura de pactos de não agressão
com os países bálticos, mudança do
tom da imprensa alemã em relação à
URSS. Em fins de julho, em um jantar
oferecido em Berlim a Astajov -
encarregado de negócios soviético -
Schnurre afirma que a Alemanha
estava disposta a um amplo acordo
com a URSS sobre todos os problemas,
do Báltico ao Mar Negro. Segundo as
notas do próprio Schnurre, “Astajov
(…) considerou que o ritmo para a
aproximação deverá ser,
provavelmente, muito lento (…) A
política exterior
nacional-socialista ameaça a União
Soviética”
Os dados disponíveis indicam que foi
só em fins de julho - com o ataque à
Polônia já marcado - que Hitler
decidiu dar passos mais decididos no
sentido de buscar um acordo com a
URSS, que lhe garantisse não ser
atacado pelo Leste:
Trinta e um de julho: Schulenburg, o
embaixador alemão em Moscou, recebe
um nervosos, urgente e secreto
despacho no qual lhe é ordenado
informar, ainda naquele dia “a data
e a hora do encontro que dele,
Embaixador, teria com Molotov. O
nervosismo de Ribbentrop tem razão
de ser: é que no dia 22 chegara às
mãos de Hitler uma notícia que
deixou o irascível Führer ainda mais
inquieto. Von Valezsek informava de
Paris que franceses e ingleses
estavam enviando missões militares a
Moscou, “a fim de provarem a
seriedade das intenções políticas
russo-franco-inglesas”. Naquele
momento ainda não era do
conhecimento de Hitler que as tais
Missões inglesa e francesa não
tinham autoridade para a assinatura
de qualquer acordo ou pacto, nem no
terreno comercial, muito menos no
campo militar. Mas, então, Stalin,
afrontado com a má qualidade dos
delegados que lhe enviaram Londres e
Paris, já estava convicto de que era
inexeqüível um acordo militar de
qualquer espécie com as democracias
ocidentais.
O Estado Maior geral havia disposto
que a data ótima para atacar a
Polônia era o 25 de agosto. (…) Foi
aqui, em Bayreuth, onde Hitler
abordou efusivamente a Neurath com
estas palavras: ‘O que vou te dizer
vai te deixar assombrado: que te
parece se chegamos a um acordo com a
Rússia? (…) Mas Hitler continuou
temendo uma negativa do ditador
soviético. Seguindo suas instruções,
no dia 2 de agosto Ribbentrop
insinuou ao encarregado de negócios
soviético que Moscou e Berlim deviam
decidir entre si o destino da
Polônia; e acrescentou, a modo de
isca tentadora, que não havia
“nenhum problema entre o Báltico e o
Mar Negro” que não pudesse ser
solucionado.
Maiski confirma o relato
deste encontro de Ribbentrop com
Astajov (na data de 3 de agosto).
Conforme as notas de Ribbentrop -
citadas por Maiski - “a seu ver, o
Governo soviético deseja seguir uma
política de compreensão mútua com
Alemanha. (…) O encarregado de
negócios procurou, várias vezes,
fazer recair a conversa sobre
questões mais concretas. Mas eu dei
a entender que estou disposto a ser
mais concreto só no caso do Governo
soviético declarar a conveniência de
dar um novo caráter às relações.”
Fica claro que até então não existia
qualquer negociação concreta em
torno do pacto de não agressão entre
os dois governos, mas somente
sondagens. No dia 4 de agosto o
embaixador alemão - Schulenburg, -
encontrou-se com Molotov, relatando
a Berlim: “Minha impressão geral é
que o Governo Soviético está no
momento disposto a concluir um
acordo com a Grã-Bretanha e a
França, se elas atenderem aos
desejos soviéticos (...) Será
necessário considerável esforço de
nossa parte para modificar a posição
do governo soviético.”
No dia 14 de agosto, Schnurre enviou
um telegrama a Schulenburg avisando
que Astajov o visitara e comunicara
que o Governo soviético se dispunha
a “discutir por grupos de questões
tudo o que se referisse à relações
germano-soviéticas e propunha manter
as negociações em Moscou. Já
Ribbentrop solicitou ao embaixador
alemão que visitasse Molotov e
declarasse em nome do Governo alemão
que “não há contradição de
interesses entre a Alemanha e a
URSS; não existe motivo para atitude
agressiva de uma parte à outra; não
há questão entre o Báltico e o Mar
Negro que não possa ser resolvida de
modo satisfatório para ambos os
países” e que “a fim de normalizar
com maior rapidez as relações
germano soviéticas, estava disposto
a visitar, ele próprio, Moscou, com
a condição de ser recebido por
Stalin.” No dia 15 de agosto,
Schulenburg informou a boa
receptividade de Molotov mas, quanto
à visita de Ribbentrop à Moscou, que
isso “requer uma preparação
adequada”; além disso teria
perguntado se o Governo Alemão se
dispunha a assinar com a URSS um
pacto de não-agressão, de garantias
aos Estados do Báltico e influir
para melhorar as relações
nipo-soviéticas (é interessante
lembrar que no dia 14 tanto a França
quanto a Inglaterra haviam
respondido com evasivas à questão
crucial da passagem das tropas
soviéticas pelo território polonês).
Em 16 de agosto, Ribbentrop
respondeu positivamente a todas as
questões levantadas por Molotov, e
insistiu na urgência da sua viagem à
Moscou, a partir do dia 18. Mais uma
vez a resposta soviética foi no
sentido de que primeiro fosse
estabelecido um convênio comercial e
financeiro e que só depois se
discutisse um pacto de não-agressão.
Estava clara a tentativa do Governo
soviético de ganhar tempo para ver
se as negociações do pacto
tripartite com a Inglaterra e a
França - paralisadas por falta de
resposta desses dois países em
relação à questão da Polônia - saíam
do atoleiro em que se encontravam.
No dia 20 de agosto, Hitler enviou
uma mensagem à Stalin comunicando
que na véspera fora assinado o
convênio comercial e financeiro e
insistindo para que recebesse
Ribbentrop, o mais tardar a 22 ou 23
de agosto. Convencido - depois de
quase cinco meses de infrutíferas
conversações - de que a Inglaterra e
a França não tinham a intenção real
de firmar um pacto de assistência
mútua, o Governo Soviético suspendeu
no dia 21 de agosto as negociações
com esses dois países e concordou
com a vinda a Moscou de Ribbentrop
no dia 23 de agosto.
O historiador inglês David Irving,
que teve acesso a uma série de
arquivos nazistas - confirma, com
pequenas diferenças, esse desenrolar
dos acontecimentos:
no dia 9, o próprio Halifax falava
com Dirksen. Desta vez prometia que
a Grã-Bretanha estava disposta a
“contribuir na medida do possível”
para chegar a um entendimento com a
Alemanha. (…) Quando no dia 11
Hitler falou com o professor Carl
Burckhardt, alto comissário da Liga
das Nações em Dantzig (…) (recordou
Burckhardt anos mais tarde) seguiu
dizendo: “tudo o que faço se dirige
contra a Rússia. Se o ocidente se
mostra incapaz de compreender isso,
então me verei obrigado a chegar a
uma acordo com os russos e voltar-me
contra o ocidente primeiro, para
depois dirigir todas as minhas
forças contra a URSS.” No dia 12 de
agosto (…) Ribbentrop (…) levou
Hitler a um lado e lhe disse algo em
voz baixa: Molotov acabava de
concordar em princípio a receber um
negociador alemão em Moscou. (…) 14
de agosto, Ribbentrop enviou um
telegrama à embaixada de Moscou com
estas dramáticas instruções: havia
que informar a Molotov que
Ribbentrop estava disposto a ir
pessoalmente à Moscou. (…) Os russos
deram um passo atrás. No dia 18 de
agosto, Ribbentrop mandou um
telegrama urgente ao seu embaixador
e lhe disse que estaria autorizado a
firmar um protocolo adicional
secreto (…) apesar de tudo, Molotov
não parecia muito disposto a
recebê-lo em Moscou antes do dia 26
ou 27. (…) Hitler (…) no dia 20 de
agosto decidiu escrever uma nota
pessoal a Stalin - algo sem
precedentes (…) - para que aceitasse
a presença de Ribbentrop em Moscou
antes de três dias. (…) Na tarde do
dia 21 de agosto chegou a resposta
de Moscou: Molotov havia convocado o
embaixador às três da tarde. Ainda
tiveram que passar mais horas
angustiantes. Por fim, Ribbentrop
trouxe o informe do embaixador (…) o
Kremlin estava encantado em receber
a Herr Ribbentrop em dois dias, como
havia pedido Hitler. (…) Ribbentrop
partiu para Moscou (…) com
instruções pessoais de Hitler de
ceder a qualquer exigência
soviética: para assegurar a
assinatura de Molotov.
Apesar do Governo alemão
ter feito questão, nessa mesma
noite, com 2 dias de antecedência,
de divulgar pela radio a notícia da
viagem de Ribbentrop à Moscou, nem a
França, nem a Inglaterra se dignaram
a qualquer iniciativa diplomática
junto a URSS. Sua estratégia
continuava sendo fazer um acordo com
Hitler, mesmo que às custas da
Polônia (como já fora feito com a
Áustria e a Checoslováquia), e
fazê-lo aproximar-se ainda mais das
fronteiras soviéticas:
desde o dia 16 de agosto, a FA havia
estado controlando furtivamente as
conversações telefônicas entre Sir
Horace Wilson e o embaixador
britânico em Berlim. Wilson buscava
desesperadamente alguma fórmula para
devolver Dantzig ao Reich. No dia 20
de agosto, havia dito em segredo ao
agregado de imprensa alemão em
Londres que estava disposto a “ir em
segredo à Alemanha” se fosse
necessário. À última hora do dia 22
de agosto, o embaixador britânico
chamou por telefone para solicitar
uma entrevista com o Fuhrer no dia
seguinte. Tinha uma carta do
primeiro ministro britânico dirigida
a Hitler (…) Segundo a escuta
realizada, a carta de Chamberlain
propunha um período de distensão
enquanto se solucionavam os
problemas de Dantzig e da minoria
alemã da Polônia.
O
acordo germano-soviético de não
agressão
Mas, Hitler há muitos
meses já havia decidido a invasão da
Polônia e a operação militar para o
ataque já estava em andamento desde
o dia 15 de agosto.
O Führer não estava disposto
a suspendê-la em troca de Dantzig,
que era um mero pretexto para a
agressão. Sabedor disso, e sem
qualquer perspectiva de chegar a
curto prazo a uma aliança militar
com a França e a Inglaterra, no dia
23 de agosto o Governo Soviético
firmou com a Alemanha um acordo de
não-agressão por 10 anos.
Pelo art. 1º desse acordo, ambas as
partes se comprometiam a abster-se
de qualquer agressão entre si. No
art. 2º, ambos os países assumiam o
compromisso de não apoiar a um
terceiro, se uma das partes fosse
objeto de hostilidades por esse
terceiro país. O art. 3º rezava que
a Alemanha e a URSS “continuariam em
contato, no futuro, para manter
consultas, a fim de informar-se,
mutuamente, de questões que
afetassem os seus interesses”. No
art. 4º, ambos países
comprometiam-se a não participar de
grupos hostis à outra parte O art.
5º afirmava que os litígios que
surgissem entre a Alemanha e a URSS
deveriam ser resolvidos por meios
pacíficos.
Segundo diversos historiadores,
também houve um protocolo secreto,
definindo as áreas de influência da
Alemanha e da URSS e as fronteiras a
serem respeitadas em caso de
conflito militar com a Polônia.
Segundo Schirer, esse “Protocolo
Secreto” afirmava:
Os plenipotenciários
abaixo-assinados, por ocasião da
assinatura do Tratado de
não-agressão entre a Alemanha e a
União Soviética, discutiram em
conversações estritamente
confidenciais a questão da
delimitação de suas esferas de
interesse na Europa Ocidental.
1.
No caso de uma transformação
territorial e política nos
territórios pertencentes aos Estados
Bálticos (Finlândia, Letônia e
Lituânia) a fronteira ao norte da
Lituânia representará a fronteira
das esferas de interesse tanto da
Alemanha como da URSS.
2.
No caso de uma transformação
política e territorial dos
territórios pertencentes ao Estado
polonês, as esferas de interesse
quer da Alemanha como da URSS serão
limitadas aproximadamente pela linha
dos rios Narew, Vístula e San.
3.
Quanto ao interesse de se manter um
Estado polonês independente e de
como as fronteiras deste Estado
seriam traçadas, podem ser
definitivamente determinadas somente
no curso dos futuros acontecimentos
políticos. Em qualquer caso, ambos
os governos resolverão esta questão
por meio de um entendimento
amistoso.
Tudo indica que houve realmente esse
protocolo secreto, anexo ao acordo
germano-soviético de não-agressão,
relacionado com o ataque - por todos
previsto e sabido - que a Alemanha
preparava contra a Polônia.
Precisamente para evitar esse
ataque, a URSS havia procurado
durante 5 meses, infrutiferamente,
estabelecer um tratado de ajuda
mútua e um convênio militar com a
França e a Inglaterra. Sabendo-se
que a Polônia fazia fronteiras com a
URSS, e que em 1920, pela paz de
Riga, lhe havia arrancado pela força
uma parte da Ucrânia e da
Bielo-Rússia - com o apoio das
potências ocidentais - seria
ingenuidade imaginar que a URSS
fosse aceitar que a Alemanha
ocupasse toda a Polônia,
inclusive os territórios que lhe
tinham sido usurpados naquela
ocasião.Da mesma forma, parece lógico
que a URSS procurasse resguardar a
sua segurança, exigindo que a
Alemanha respeitasse as fronteiras
dos países Bálticos - Lituânia,
Letônia, Estônia, Finlândia -
Estados criados pelo Tratado de
Versalhes em territórios do antigo
Império Russo (e onde o processo
revolucionário havia sido abortado
pela intervenção armada
imperialista), com o único objetivo
de cercá-la e de “deter o
comunismo”.
A
assinatura do acordo
germano-soviético de não-agressão
também viabilizou a melhoria das
relações com o Japão - com quem a
URSS se encontrava em luta na região
da Mongólia desde maio de 1939.
Depois de uma nota de protesto
contra o acordo de não-agressão,
considerado contrário à letra e ao
espírito do Pacto Anticomintern, o
Japão foi obrigado a modificar a sua
política externa em relação à URSS,
e buscar solucionar os conflitos
existentes. Assim, em 15 de setembro
de 1939, a URSS, a Mongólia e o
Japão assinaram um acordo acabando
com o conflito de Calguin-Gol,
complementado em 13 de abril de
1941, por um acordo de não-agressão,
por 5 anos.
Churchill, referindo-se ao acordo
germano-soviético de não-agressão,
dirá em suas memórias:
para os Sovietes era uma necessidade
vital procurar que os exércitos
alemães se concentrassem no Oeste
(…) Agora as suas fronteiras
situavam-se muito mais ao Leste do
que na guerra anterior. A Rússia
necessitava, pela força ou pela
astúcia, ocupar os Estados Bálticos
e grande parte da Polônia antes de
sofrer o ataque inimigo. Esta
política foi realista em alto grau.
E Isaac Deutscher –
crítico implacável de Stalin e do
governo soviético – assim opinou
sobre o acordo germano-soviético:
No pacto prometeram permanecer
rigorosamente neutros um em relação
ao outro, caso um deles se
envolvesse na guerra. O documento
não continha garantias de amizade,
salvo a obrigação dos dois governos
solucionarem suas divergências
‘mediante a troca amigável de
opiniões’. (...) ele, Stalin, não
sentiu remorsos. No seu entender a
guerra era, de qualquer maneira,
inevitável; mesmo que ele não
tivesse feito acordo com Hitler, a
guerra teria rebentado logo ou um
pouco mais tarde, em condições
incomparavelmente menos favoráveis
ao seu país. (...) Ele, Stalin,
estava apenas afastando a
conflagração da Rússia. (...) não
tinha dúvida que a Polônia
sucumbiria e que as potências
ocidentais não poderiam ou não
quereriam dar-lhe ajuda efetiva.
Conseqüentemente, via a Alemanha
trocar sua posição por um possível
ataque à Rússia situada várias
centenas de quilômetros a leste.
Compreendeu que tinha o dever de
reduzir o risco estratégico inerente
a esta troca; e só poderia reduzi-lo
tomando parte no desmembramento da
Polônia. (...) Stalin agia
unicamente em função de intuitos
imediatos de segurança, sem visar a
expansão pela expansão (...) Seu
propósito agora era ganhar tempo e,
mais uma vez, tempo, para executar
seus planos econômicos, construir o
poderio russo e depois lançar esse
poderio na balança quando os outros
beligerantes estivessem nas últimas.
Mesmo Pierre Broué – que prefere
apresentar o acordo de Munique como
um fracasso de Stalin em sua
busca de uma aliança com Paris e
Londres, e não como uma
capitulação das democracias
ocidentais – é obrigado a
reconhecer que “o Pacto
Germano-Soviético tinha (...) um
caráter defensivo para a própria
URSS (...) ao desviar para o oeste o
avanço alemão.”
Já Mandel – depois de concordar que
“considerando a irresolução (...)
dos governos francês e inglês sobre
a colaboração militar em uma
agressão alemã contra a Polônia, o
governo soviético tinha todo o
direito de garantir sua segurança
imediata no caso de uma conquista
alemã desse país”
- questiona o protocolo secreto e o
veto de Stalin à criação de um
Estado polaco sob controle nazista.
Quanto a Fernando Claudin, depois de
sugerir – sem base nos fatos
históricos - que o acordo
germano-soviético “era visualizado
por Stalin como o prólogo de um
acordo de largo alcance com a
Alemanha hitleriana” e que os
dirigentes da URSS adotavam
“posições que, na prática,
estimulavam as conquistas alemãs na
Europa”,
desvia a discussão para a questão do
“modo como este pacto foi utilizado
e aplicado”:
Não vamos abordar aqui o problema de
saber se o pacto germano-soviético
resultou de uma opção deliberada de
Stalin, posto ante duas
possibilidades – aliança com a
Alemanha ou aliança com as
‘democracias’. Nem discutiremos a
viabilidade da segunda possibilidade
– como o faz ainda hoje a versão
oficial soviética Este problema
permanece como objeto de debate
entre os historiadores e só poderá
ser plenamente esclarecido quando os
arquivos soviéticos forem
franqueados (...) Admitindo que o
objetivo essencial da diplomacia
soviética fosse impedir que as
potências imperialistas
constituíssem um bloco contra a URSS
e que, para impedir essa
eventualidade, não restasse ao
governo soviético outra opção,
em agosto de 1939, senão o pacto com
a Alemanha, isto não justifica, em
si mesmo, o modo como este
pacto foi utilizado e aplicado por
Stalin.
Roy
Medvedev, historiador russo, crítico
ferrenho de Stalin, diria anos mais
tarde:
o fato é que não se pode incluir o
pacto germano soviético de
não-agressão na lista dos crimes e
erros de Stalin. O governo Soviético
viu-se obrigado a assinar esse pacto
porque a Inglaterra e a França
favoreciam o fascismo alemão e
impediam que fossem consumadas
negociações que levassem à
assinatura de um pacto de
assistência mútua com a URSS. (...)
a França e a Grã-Bretanha
entregavam-se a um jogo político
perigoso: as duas esperavam
conseguir um acordo com Hitler e
procuravam desviar a agressão alemã
na direção do Leste. (...) Foram os
meios dirigentes da Inglaterra e da
França (...) que permitiram à
Alemanha reconstruir uma poderosa
máquina militar, na esperança de que
essa força se voltasse contra o
bolchevismo. (...) Tais
circunstâncias obrigavam a União
Soviética a se proteger, procurando
aproveitar-se dos conflitos em que
se achavam envolvidos os Estados
imperialistas: em 1939, o pacto de
não-agressão com a Alemanha serviu a
esse fim. (...) a União Soviética
não podia ficar indiferente à sorte
dos ucranianos e dos bielorussos,
cujos territórios haviam sido
anexados quando do ataque polonês ao
jovem Estado soviético. A chegada do
Exército Vermelho aos territórios da
Bielorrússia e da Ucrânia era,
portanto, um ato de libertação
justificada (...) a União Soviética
não se apoderou de territórios
originalmente pertencentes à
Polônia: para os ucranianos e
bielorrussos, esta operação do
Exército Vermelho não foi mais que
um ato de libertação.
No mesmo rumo vai
Giuliano Procacci quando afirma que
“hoje não são poucos os estudiosos
certamente insuspeitos de simpatias
por Stalin que reconhecem que,
depois de Munique, as margens de
manobra para a diplomacia soviética
se haviam restringido a tal ponto
(...) que não permitiam opções
diferentes das que foram feitas.”
E Nelson Werneck Sodré, conhecido
historiador brasileiro, escreveu
sobre o acordo germano-soviético:
“as manobras políticas dos chamados
Aliados eram feitas para incitar
Hitler contra a União Soviética. Os
dois - Alemanha e União Soviética -
deveriam se enfrentar e se destruir.
(...) a União Soviética precisava se
preparar para um conflito que era
inevitável. (...) A União Soviética
fez bem em assinar o pacto e ocupar
uma área da Polônia. Se não, os
alemães iriam ocupar. A cláusula nem
precisaria ser secreta.”
Jacob Gorender também considera o
acordo germano-soviético foi uma
imposição da política da
imperialista que visava isolar a
URSS, mas critica a sua
interpretação pela liderança
soviética como uma aliança:
Penso que, nas circunstâncias de
1939, a União Soviética não tinha
alternativa, a não ser fazer o pacto
de não-agressão com a Alemanha.
Todas as tentativas de um acordo
efetivo com a Inglaterra e com a
França para uma reação contra a
política agressiva da Alemanha,
tinham fracassado. Era evidente que
a França e a Inglaterra, através dos
seus diplomatas, faziam todo o
possível para bloquear a consumação
de um acordo anti-hitlerista.
Isolada, não restou à União
Soviética outra saída além do pacto
de não-agressão com a Alemanha.
(...) O erro foi que a liderança
stalinista interpretou o pacto de
não agressão como um pacto de
aliança (...) Hoje é possível ver
que o pacto de não-agressão foi uma
imposição da política hipócrita
aplicada pela Alemanha, França
Inglaterra em 1939. A União
Soviética não tinha saída.
ATAQUE
ALEMÃO À POLÔNIA E A JÁ PREVISÍVEL
PASSIVIDADE INGLESA E FRANCESA
Quando a Alemanha atacou a Polônia,
no dia 1º de setembro de 1939, nem
Inglaterra nem a França moveram um
único dedo para ajudá-la, apesar de
todas as promessas e compromissos.
Protegidos detrás da linha
Maginot, os exércitos franceses
não se moveram 1 milímetro.
Mas a repressão aos comunistas foi
feroz.
Do outro lado do canal da Mancha, a
orgulhosa Albion tampouco se moveu.
Nenhum avião decolou da Inglaterra
ou da França
para ajudar a Polônia contra os
ataques da Luftwaffe ou das
divisões Panzer. Suas
poderosas marinhas tampouco entraram
em ação para apoiar a Polônia. Ambas
restringiram-se a declarar no dia 3
de setembro uma guerra “platônica” à
Alemanha, enquanto assistiam
passivamente a ocupação da Polônia.
A sua imobilidade no front
oeste determinou a derrota polonesa,
como reconheceram depois da guerra
diversos generais hitlerianos:
O General Guderian escreve: “Ficamos
espantados, abismados mesmos, que os
franceses não tivessem aproveitado a
ocasião oferecida. Era impossível,
àquela época, compreender as razões
de tal abstenção”. (...) O General
Keitel declarara, a esse respeito,
em Nuremberg: (...) concluímos que a
França e a Inglaterra não tinham com
seriedade, a intenção de fazer a
guerra.” (...) E a mesma conclusão é
tirada pelo General von Lossberg:
“por que os franceses não se
aproveitaram de sua esmagadora
superioridade para empurrar de
roldão as nossas fracas tropas (...)
de Oeste, mesmo que fosse apenas
para atingir o Reno e lá
paralisarem, praticamente a bacia do
Ruhr? Teria sido para nós um golpe
mais ou menos mortal!” (...) Do
general Jodl em Nuremberg: “Em 1939
a catástrofe foi evitada porque as
110 Divisões, que possuíam
aproximadamente os franceses e os
ingleses, permaneceram completamente
inativas diante das 23 Divisões
alemãs do Oeste!”
Se tivessem se movimentado as forças
que dispunham de uma enorme
superioridade (…), a guerra teria
terminado inevitavelmente. Na
Polônia ter-se-iam interrompido as
ações de combate. No máximo dentro
de uma semana estariam perdidas as
minas do Sarre e a região do Ruhr.
O Presidente Roosevelt proclamou a
neutralidade dos Estados Unidos. O
reacionário e anti-soviético governo
polaco
- que poucos meses antes participara
dos despojos da Checoslováquia; que
se negara a firmar qualquer
documento em que figurasse a
assinatura da URSS; que se opusera a
permitir a passagem de tropas
soviéticas pelo seu território,
sequer para defendê-la - capitulou
vergonhosamente, apesar do heroísmo
do povo polaco. O governo polaco de
Moscicki fugiu para a Romênia, onde
solicitou asilo. Já no dia 7,
Ryds-Smigly - comandante em chefe do
exército da Polônia - abandonou
Varsóvia, deixando a sua defesa aos
cuidados dos trabalhadores. Os
generais polacos, acostumados
somente a reprimir o povo, fugiram
para a Romênia. Só no dia 17 de
setembro,
depois de o governo polonês haver
abandonado o país, a União Soviética
ocupou a Ucrânia ocidental e a
Bielo-Rússia ocidental:
No dia 17 de setembro de 1939 (…) as
tropas russas ocuparam metodicamente
as províncias polacas do Leste. Dois
dias mais tarde tinham a metade da
Polônia em suas mãos. O Führer não
contava com essa rápida penetração
dos vermelhos. Os russos se moveram
com tal rapidez que não só lhe
cortaram o caminho em direção aos
ricos poços de petróleo de Galitzia,
como lhe bloquearam a passagem às
jazidas da Romênia.”
Em 28 de setembro de 1939, Molotov e
Ribbentrop se reuniram e
estabeleceram um novo Tratado de
Amizade e de Fronteiras, que
estipulava que a Polônia deixaria de
existir como Estado independente.
Segundo este tratado, a Polônia
ficava dividida “seguindo mais ou
menos a velha linha Curzon,
assinalada em dezembro de 1919 pelo
Conselho Supremo Aliado como a
possível fronteira leste da
Polônia.”
Outro historiador diria: “a URSS
(...) se anexava pura e simplesmente
a Rússia Branca, a Lituânia [o que é
uma incorreção], a Galitzia Oriental
e os confins da Ucrânia (territórios
onde, a dizer a verdade, os polacos
de origem constituíam em geral uma
minoria).
Um mês depois, através de eleições
para as assembléias populares, estas
regiões instauraram o poder dos
sovietes no seu território
e solicitaram o ingresso na URSS,
sendo integradas, respectivamente,
nas Repúblicas da Ucrânia e da
Bielo-Rússia.
É
interessante, neste ponto, destacar
a opinião de Trotsky sobre esses
acontecimentos. Ao contrário do que
muitos trotsquistas contemporâneos
divulgam, Trotsky, sem abandonar as
suas críticas a Stalin e ao regime
soviético, defendeu abertamente a
ocupação da Polônia Oriental pela
URSS e as transformações
revolucionárias que aí ocorreram,
assim como apoiou o posterior ataque
da URSS à Finlândia reacionária:
O Kremlin participa de uma nova
divisão da Polônia, o Kremlin se
apodera dos Estados Bálticos, o
Kremlin se dirige para os Balcãs, a
Pérsia e o Afeganistão; em outras
palavras, o Kremlin continua a
política do imperialismo czarista.
Será que também neste caso temos o
direito de qualificar de
imperialista a política do Kremlin?
(...) A revolução proletária que se
produziu no território do império
czarista tentou, desde o seu início,
conquistar – e durante muito tempo
conquistou – os países bálticos;
tentou penetrar a Romênia e a Pérsia
e, em certo momento, dirigiu seus
exércitos para Varsóvia (1920). As
linha da expansão revolucionária
foram semelhantes às do czarismo,
uma vez que a revolução não modifica
as condições geográficas. Por isso,
precisamente, já naquela época, os
mencheviques falaram de imperialismo
bolchevique, como calcado nas
tradições da diplomacia czarista. A
democracia pequeno-burguesa recorre,
ainda hoje em dia, e de bom grado, a
este argumento. Nisso, repito eu,
não temos motivo algum para
imitá-la. (...) a ocupação da
Polônia oriental pelo Exército
Vermelho é um “mal menor” em
comparação com a ocupação deste
mesmo território pelas tropas
nazistas.
Foi extremamente eloqüente em sua
unanimidade e sua fúria, a campanha
que lançou a burguesia mundial por
ocasião da guerra fino-soviética.
Nem a perfídia, nem a violência,
anterior a esta guerra excitaram a
indignação da burguesia, pois toda a
história da política mundial foi
escrita em termos da perfídia e da
violência. Seu medo e sua indignação
despertaram diante da perspectiva de
uma reviravolta social na Finlândia,
idêntica à provocada pelo Exército
Vermelho na Polônia Oriental. O que
foi colocado em questão, foi uma
nova ameaça para a propriedade
capitalista. A campanha
anti-soviética, que tinha em todos
os pontos um caráter de classe,
revelou uma vez mais que a URSS
(...) continua sendo ainda um Estado
operário que apavora a burguesia no
mundo inteiro. (...) A submissão da
Polônia oriental, garantia da
aliança com Hitler e garantia contra
esse mesmo Hitler, é acompanhada da
nacionalização da propriedade
semifeudal e capitalista na Ucrânia
ocidental e na Bielorússia
ocidental. Sem essa medida, o
Krêmlin não poderia incorporar à
URSS os territórios ocupados. A
Revolução de outubro estrangulada e
profanada fazia saber por isto que
ela ainda estava viva.
Referindo-se a essas opiniões de
Trotsky, Deutscher afirmará:
Totsky insistiu com a maior firmeza
que a União Soviética continuava
sendo um Estado Operário, com
direito a ser defendido
incondicionalmente contra todos os
seus inimigos capitalistas,
fascistas e democráticos. Nem sequer
negou a Stalin o direito de negociar
com Hitler, ainda que ele mesmo
pensava que o pacto
germano-soviético não havia dado
nenhuma vantagem importante à União
soviética; ele teria preferido uma
aliança soviética com o ocidente.
Mas sustentava que o problema de com
quem devia aliar-se a União
Soviética devia ser resolvida
unicamente tendo por base a
conveniência, e que a escolha não
implicava nenhum princípio político
ou moral, porque tanto as potências
ocidentais como o Terceiro Reich
lutavam só por seus interesses
imperialistas. O que Trotsky
repudiava na política de Stalin não
era tanto a sua escolha de um aliado
ou sócio, senão fazer da escolha uma
virtude e proclamar a sua
solidariedade ideológica com
qualquer que fosse seu aliado do
momento.
Em 28 de setembro, a URSS assinou um
acordo de assistência mútua com a
Estônia, em 5 de outubro, com a
Letônia e em 10 de outubro com a
Lituânia.
Em 1º de outubro, o próprio
Churchill, falando na Câmara dos
Comuns, reconheceu:
É de toda evidência que os russos
deviam forçosamente montar guarda
nessa linha, a fim de garantir seu
país contra a ameaça nazista. Seja
como for, essa linha existe, o
estabelecimento de uma frente
oriental é hoje um fato consumado e
a Alemanha nazista não ousa atacar
essa frente. Quando o Sr. Ribbentrop
foi convocado a Moscou, na última
semana, era para tomar conhecimento
desse fato e reconhecer que os
nazistas deviam renunciar inteira e
imediatamente a suas pretensões
sobre os Estados Bálticos e sobre a
Ucrânia.
Também William Shirer, crítico da
URSS e do acordo germano-soviético,
teve que reconhecer a habilidade e a
firmeza do Governo Soviético nas
negociações após o ataque de Hitler
à Polônia:
Stalin apresentava sua conta e
Hitler, pela primeira vez, pelo
menos teve que pagá-la. Ele estava
abandonando imediatamente não só a
Estônia mas a Látvia, ambas as quais
- concordara no Pacto Nazi-Soviético
- pertenciam à esfera dos interesses
soviéticos. Antes de terminado o
dia, renunciava também à Lituânia,
na fronteira nordeste da Alemanha, a
qual, segundo as cláusulas secretas
do Pacto de Moscou, pertencia à
esfera do Reich. (…) Hitler guerreou
contra a Polônia e ganhou a batalha,
mas o maior vencedor foi Stalin,
cujas tropas quase não disparam um
tiro. A União Soviética obteve quase
metade da Polônia e um baluarte nos
Estados Bálticos. Isso bloqueava a
Alemanha mais solidamente do que
nunca em dois de seus principais
objetivos a longo prazo: o trigo
ucraniano e o petróleo romeno, dos
quais ela tinha grande necessidade
se quisesse sobreviver ao bloqueio
britânico. Mesmo a região
petrolífera de Borislav- Drogobycz,
na Polônia, que Hitler desejava, foi
exigida por Stalin, e com êxito, e
este último prazeirosamente
concordou em vender aos alemães o
equivalente da produção anual dessa
área.
E o ex-embaixador dos
EUA na URSS, Joseph Davies, anotou
em seu diário em novembro de 1939:
Nenhuma pessoa bem informada podia
ter concebido tampouco, há seis
meses, que a Alemanha pagaria um
preço tão elevado à Rússia para
manter fechadas suas portas do leste
quando atacou a Polônia. (...) Tudo
isso cria uma situação nada
vantajosa para Hitler. Entregou o
Báltico (...) retirou-se da Ucrânia;
seu poder econômico está restrito
somente à Romênia e a uma limitada
influência sobre a Bulgária ou a
Hungria. (...) Considerando o grande
conceito de “Lebensraun” (Espaço
Vital) que Hitler predisse ao seu
povo e ao mundo, encontra-se agora
reduzido a um círculo muito pequeno.
Sua única saída parece ser
atualmente a oeste. (...) os
Sovietes estão seguindo uma política
independente baseada somente no seu
próprio interesse e (...) Hitler não
está muito satisfeito com isso.
Depois de examinarmos
todo esse quadro, seria interessante
perguntar-nos se Hitler se atreveria
a atacar a Polônia, caso a
Inglaterra e a França aceitassem o
acordo de ajuda mútua com a URSS?
Ou, caso mantivesse esse ataque, se
nessas circunstâncias conseguiria
fazer frente, simultaneamente, a
essas três potências militares? Ou,
imaginar o que poderia ter
acontecido no caso do ataque alemão
à Polônia ocorrer sem a existência
do acordo de não-agressão
germano-soviético?
Não teria sido, nesse caso,
inevitável o confronto entre a URSS
isolada e a Alemanha desde o
primeiro dia da Segunda Guerra
Mundial? E a quem, exatamente,
interessava essa situação? Mas a
histórias não é feita de “SEs”!
ERROS DA
URSS E DO MOVIMENTO COMUNISTA
INTERNACIONAL
O grande erro vinculado à assinatura
do tratado de não-agressão
germano-soviético, foi confundir um
acordo entre os Estados Soviético e
Alemão (firmado por razões militares
e de Estado) com a tática e a
estratégia do movimento comunista
internacional. Ainda que esta
questão seja controversa, o que é
certo é que, além de uma grande
confusão entre os militantes,
ocorreram alterações na política do
movimento comunista internacional,
sob influencia da nova postura da
URSS. Paolo Spriano, referindo-se às
reações de partidos comunistas da
Europa Ocidental, após a assinatura
do “pacto”, afirma:
Assim, inicialmente o Comintern
caracterizou a II Guerra Mundial
como uma guerra interimperialista,
similar à I Guerra Mundial, contra a
qual deviam levantar-se todos os
povos do mundo. Mas, demonstrando
que esta caracterização errônea era
meramente instrumental, não levantou
a palavra de ordem de transformá-la
em guerra civil dentro de cada país
beligerante. Seja porque na França e
na Inglaterra isso significaria
abrir as portas para a vitória da
agressão nazista, seja porque na
Alemanha isso significaria um
chamamento a que os operários
alemães derrubassem Hitler; algo sem
qualquer viabilidade prática naquele
momento, que só acrescentaria
dificuldades ainda maiores para a
diplomacia Soviética. Em 1946, o
próprio Stalin refutará essa
caracterização errônea da guerra ao
afirmar que “a Segunda Guerra
Mundial teve desde o início
um caráter de guerra antifascista e
de libertação, e uma de suas tarefas
também era o restabelecimento das
liberdades democráticas”.
O historiador inglês Alexander
Werth, analisando a postura
soviética após o tratado
germano-soviético, afirma que
“durante o período do Pacto (...) a
imprensa russa guardou um acentuado
alheamento a respeito da Alemanha
nazista. Não foram feitos
comentários favoráveis sobre
quaisquer aspectos do regime nazista
em qualquer época”.
Mas, a 31 de agosto, ao defender o
acordo germano-soviético perante o
Soviete Supremo, Molotov afirmou: “É
recente o fato de que os nazistas
alemães seguiam uma política externa
essencialmente hostil à União
Soviética. Sim, há bem pouco tempo a
URSS e a Alemanha eram inimigas.
Agora a situação mudou e já não o
somos mais.”
E, segundo Ellenstein, em 30.11.39,
o Pravda publicou uma declaração
atribuída a Stalin de que “não é a
Alemanha que ataca a França e a
Inglaterra; foram a Inglaterra e a
França que atacaram a Alemanha”.
No mesmo rumo foi a Declaração
Conjunta Germano-Soviética de
29.09.39: “os Governos da União
Soviética e da Alemanha declaram que
a liquidação da guerra entre a
Alemanha, de um lado, e a
Grã-Bretanha e a França, de outro,
seria do interesse de todas as
nações. Não obstante, se os esforços
de ambos os governos forem
infrutíferos (...) a
responsabilidade da continuação da
guerra pesará somente sobre a
Grã-Bretanha e a França.”
Ainda que a tese de que a declaração
de guerra partira da Inglaterra e da
França, e não da Alemanha, pudesse
ser formalmente correta, é evidente
que isso era politicamente
insustentável, pois fora uma
resposta a toda uma série de
agressões alemãs. A 31 de outubro,
voltando a falar perante o Soviete
Supremo, Molotov aprofundaria essa
análise “pragmática”:
o
conceito de ‘agressão’ mudou
inteiramente. Não podemos empregar
hoje esta palavra no mesmo sentido
em que fazíamos há três anos ou
quatro meses atrás.
Agora a
Alemanha se bate pela paz, enquanto
a Inglaterra e a França favorecem a
continuação da guerra. Como vedes,
os papéis se inverteram.
Tanto na Inglaterra quanto na
França, os adeptos da guerra
declararam à Alemanha uma guerra
ideológica que recorda as velhas
lutas religiosas. (...) Uma guerra
deste tipo não se justificaria hoje
por nenhum motivo. A ideologia
hitleriana, como qualquer outra
ideologia, pode ser aceita ou
recusada: este é um problema que diz
respeito às idéias políticas
pessoais. Mas qualquer um pode ver
que uma ideologia não pode ser
destruída com a força. Por isto, não
é só insensato, é mesmo criminoso
fazer passar esta guerra como uma
luta pela destruição do hitlerismo,
sob a falsa bandeira de uma batalha
pela democracia.
Na verdade, procurava-se dar uma
justificativa “teórica” para algo
que devia ser explicado por
imposições de caráter militar e por
“razões de Estado”. Angustiado por
esse tipo de análise forçada, Ilya
Ehrenburg diria: “Lembrava-me que
Bonnet e Chamberlain haviam sonhado
com um ataque de Hitler contra a
Ucrânia: o pacto germano-soviético
fora ditado pela necessidade. A
drôle de guerre e as
perseguições contra os comunistas
demonstravam que Daladier não
tencionava combater contra Hitler.
Todavia, as palavras de Molotov
sobre os ‘antifascistas míopes’ me
abalaram. (...) para mim o inimigo
principal continuava sendo o
fascismo.”
Apesar dos erros, não procedem,
porém, as afirmações de que só após
a invasão da URSS (21.07.41) os
partidos comunistas retomaram a luta
contra o nazi-fascismo. Em 6 de
junho de 1940, frente ao avanço
alemão e ao derrotismo nos altos
escalões do governo e das Forças
Armadas francesas, o PCF, mesmo
proscrito, fez um chamamento à
defesa de Paris ameaçada, onde
afirmava:
O Partido Comunista consideraria
como traição a entrega de Paris aos
invasores fascistas. Considera a
organização da sua defesa como o
primeiro dever nacional. Para isso é
necessário: 1. Mudar o caráter da
guerra, transformando-a numa guerra
nacional pela independência e pela
liberdade. 2. Libertar os deputados
e militantes comunistas, assim como
dezenas de milhares de operários
encarcerados ou internados. 3. Deter
imediatamente os agentes do inimigo,
que pululam no Parlamento, nos
Ministérios e inclusive no
Estado-Maior e aplicar-lhes um
castigo exemplar. 4. Estas primeiras
medidas despertariam o entusiasmo
popular e tornariam possível a
formação de milícias populares, o
que se deve decretar sem demora. 5.
Armar o povo e fazer de Paris uma
cidadela inexpugnável.
Diante da capitulação da
burguesia francesa frente às hordas
nazistas,
o PCF publicou em 10 de julho de
1940 um manifesto ao povo da França
conclamando à luta implacável contra
os ocupantes e o governo antipopular
de Vichy e à constituição, em torno
da classe operária, de uma “Frente
pela liberdade, independência e
renascimento da França”. A
Internacional Comunista e os
comunistas procuravam organizar a
resistência em todos os países
ocupados:
a diretriz do Comintern de 22 de
Junho de 1940 (...) dava a
importante indicação de organizar,
atuando com a maior cautela, a
resistência às medidas dos
invasores: “Frustrando as
provocações e evitando as ações
prematuras, é necessário sustentar e
organizar de todas as maneiras a
resistência das massas às medidas de
violência depredação e
arbitrariedade contra o povo por
parte dos invasores. (...) Quaisquer
que sejam as condições, os
comunistas devem estar com o povo e
marchar sempre nas primeiras filas
da sua luta libertadora” (...) A
atividade dos comunistas franceses
para organizar o movimento de
resistência deu os primeiros frutos
no Outono de 1940 (...) O PCF
conseguiu formar grupos armados no
âmbito de uma Organização Especial
de Combate, embrião de ‘uma
organização militar adaptada às
condições da luta clandestina e do
terror fascista. A resistência aos
invasores fascistas foi crescendo
também noutros países subjugados.
Exortados pelo Partido Comunista da
Bélgica (...) em junho de 1940 os
operários de Liège paralisaram o
trabalho; em setembro foram 10.000
mineiros de Borinage. (...) O
Partido Comunista da Noruega
organizou no outono do mesmo ano
manifestações e comícios
antifascistas em várias cidades do
país. Os comunistas polacos
começaram a criar organizações de
luta contra os ocupantes nazis.
Outro sério erro de Stalin e do
governo soviético – que causou
grandes prejuízos na fase inicial da
luta - foi a ilusão na possibilidade
de adiar a guerra com a Alemanha
nazista por um prazo demasiado
longo, inclusive através de um certo
“apaziguamento” de Hitler. Isso
levou a que os fortes indícios da
preparação de um ataque alemão
fossem desconsiderados e a que os
inúmeros avisos nesse sentido fossem
considerados “provocações” das
democracias ocidentais, com o único
objetivo de precipitar a guerra da
Alemanha contra a URSS.
Mas isso não dá razão aos que
afirmam que a URSS não aproveitou o
tempo ganho com o acordo
germano-soviético para melhor
preparar-se para esse embate. O
problema é que o rápido
desmoronamento das democracias
ocidentais frente à agressão nazista
- sem luta e sem desgaste para as
hordas hitlerianas, entregando-lhe
intactos seus parques industriais e
sua máquina militar - acabou por
fortalecer enormemente o poderio
bélico do nazi-fascismo, tornando
mais difíceis as coisas para a URSS.
Tampouco têm fundamento os relatos
que apresentam a liderança soviética
como totalmente despreparada e
acovardada diante da agressão alemã.
É Isaac Deutscher, insuspeito de
qualquer simpatia pela liderança
soviética, quem diz:
Sem dúvida, Stalin empregou os vinte
e dois meses de trégua no
desenvolvimento intensivo das
indústrias bélicas russas e no
treinamento das Forças Armadas
segundo a mais recente experiência
militar. (...) Apesar de todos os
seus erros de cálculo, Stalin não
estava despreparado para enfrentar a
emergência. Havia armado solidamente
o país e reorganizado suas forças
militares. Seu espírito prático não
se aferrara a nenhum dogma
estratégico unilateral. Não embalara
o Exército Vermelho numa falsa
impressão de segurança por trás de
alguma variedade russa da Linha
Maginot (...) A Rússia iria vender
espaço a troco de tempo; o espaço
vendido ficaria imprestável para o
inimigo, que por ele teria de pagar
um preço escorchante. Era este o
único meio pelo qual, depois de
todos os erros e cálculos inexatos,
Stalin podia bater-se com o
conquistador da Europa. E
enfrentou-o com uma força de vontade
superior. [DEUTSCHER. Op. Cit., pp.
414, 419, 421]
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, parece-nos
evidente que a chamada “Política de
Apaziguamento” que as democracias
ocidentais mantiveram frente às
agressões dos regimes fascistas,
correspondeu a uma política
consciente dos principais países
capitalistas, com o objetivo de
isolar o Estado Soviético e a
direcionar as agressões da Alemanha
militarista no rumo do Leste
Europeu.
Ao mesmo tempo que se buscava
utilizar a Alemanha como um aríete
contra o primeiro Estado Socialista
do mundo, se procurava enfraquecer
essa rival imperialista com uma luta
desgastante contra a URSS. Assim,
matava-se “dois coelhos com uma só
cajadada”.
Intoxicadas pelo anticomunismo, as
“democracias liberais” não viam que
essa política oportunista às
conduzia ao suicídio.
Secundariamente - e aí estão as
diferenças entre homens como
Chamberlain e Churchill, Daladier e
De Gaulle - contou a pusilanimidade
dos principais líderes dos governos
ocidentais. Mas mesmo o fato de tais
ou quais homens - e não outros -
estarem, naquele momento, à frente
de seus governos, expressa
claramente que eram quem melhor
representava os interesses dos
círculos dirigentes de seus países
nos dias de então.
O
incentivo e o apoio aberto ao
rearmamento alemão, a conivência com
as agressões japonesas no extremo
Oriente, italianas na Abissínia, e
ítalo-alemã na Espanha, sinalizaram
já no início da década de trinta que
o grande capital da Inglaterra, da
França e dos Estados Unidos, apoiava
o nazi-fascismo como tropa de choque
contra o movimento operário e
socialista. A entrega da Áustria,
logo dos Sudetos e, a seguir, de
toda a Checoslováquia, mostraram ao
mundo que as democracias ocidentais
não tinham o menor respeito pelas
pequenas nações ou pelos compromisso
assumidos. Quanto mais avançavam os
agressores, mais a França, a
Inglaterra e os Estados Unidos,
cediam, de maneira calculada,
incentivando-os a novas agressões.
Enquanto prodigavam Hitler com
propostas de “acordos”, “pactos” e
“acertos” sobre uma nova divisão do
mundo, negavam-se a qualquer acordo
defensivo com a URSS. Ao contrário,
no mesmo momento em que o Japão
agredia a China, a Mongólia e a
URSS, no Extremo Oriente, a
Inglaterra assinava o acordo
nipo-inglês ou a “Munique do Leste”,
como ficou conhecido. Buscava-se
impor ao Estado Soviético o total
isolamento e uma guerra em duas
frentes.
A “novela” das
negociações tripartites entre a
URSS, a Inglaterra e a França está
suficientemente documentada para
tirar as nossas dúvidas acerca das
verdadeiras intenções das
democracias ocidentais. O mesmo
Chamberlain, que acorrera três vezes
à Alemanha, de forma humilhante, a
negociar com Hitler a entrega da
Checoslováquia, se negou a viajar
sequer uma vez até Moscou, para
negociar o único acordo que poderia
ter detido a aventura nazi-fascista
e evitado a guerra. Ao contrário,
enviou, ostensivamente, um delegação
desqualificada e sem poderes, e
nunca escondeu que não tinha a menor
intenção de assinar qualquer tratado
com a URSS. Enquanto isso, até o
último minuto tentou negociar com a
Alemanha o abandono da Polônia. A
França e os Estados Unidos não
ficaram muito atrás nas suas
atitudes. A total inatividade dessas
nações capitalistas quando se
concretizou a agressão alemã à
Polônia, mostrou ao mundo a quem
elas tentavam colocar na linha de
fogo das tropas alemãs quando
propunham que à URSS oferecesse
garantias unilaterais a uma Polônia
que se negava sequer a admitir a
entrada de um único soldado
soviético para defendê-la.
Não nos cabe emitir
“julgamentos” sobre os
acontecimentos históricos - em
particular sobre a “política de
apaziguamento” e o acordo
germano-soviético de não-agressão -
mas tentar explicá-los. Nesse
sentido, independentemente das
opiniões que tenhamos sobre Stalin e
os erros que cometeu, uma coisa não
se pode negar: a URSS adotou durante
anos uma política de denúncia e de
enfrentamento ao nazi-fascismo e
tentou por todos os meios um tratado
com a França e a Inglaterra, para
detê-lo enquanto era tempo. Mas
sempre recebeu a resposta “não”. Em
luta no Oriente com o Japão já há
quatro meses, foi só quando perdeu
toda a esperança em um acordo com as
democracias liberais, e faltavam
menos de dez dias para o ataque
alemão à Polônia, que a URSS aceitou
um acordo de não-agressão com a
Alemanha, com o objetivo de ganhar
tempo e terreno para o inevitável e
futuro confronto contra ela. Que
outra nação não teria agido desta
forma para preservar o seu futuro?
Assim colocada a
questão, fica claro que a
responsabilidade do início da
Segunda Guerra Mundial - se tomarmos
o ataque à Polônia como o seu
deflagrador - coube em primeiro
lugar à Alemanha
e, em segundo lugar, à política de
“apaziguamento” e de “incitamento”
das democracias ocidentais para que
a Alemanha atacasse à Leste. O
acordo germano-soviético de
não-agressão em nenhum momento pode
ser responsabilizado por isso.
Inclusive, as informações históricas
comprovam que esse ataque não só
estava planejado desde abril de
1939, como que já havia sido posto
em marcha no dia 15 de agosto, oito
dias antes da assinatura do referido
acordo. Na verdade, as causas de
fundo da Segunda Guerra Mundial
foram as contradições
interimperialistas decorrentes do
desenvolvimento desigual do
capitalismo, às quais se somaram as
contradições entre o Socialismo
emergente e o Capitalismo em crise.
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“No empreendimento em curso
de revisão da história do
século XX, no que concerne
em particular ao comunismo,
a questão dos acordos entre
a União Soviética e a
Alemanha nazista ocupa um
lugar central. Para alguns,
Stalin teria seguido desde
os anos 30 uma política de
aliança, conflitiva mas
determinada, com Hitler. A
prova disso seria o pacto
germano-soviético,
expressão, segundo eles, de
uma estratégia ofensiva e
não defensiva. Difundido em
dezembro de 1996 pela
France 3, o filme
Hitler-Stalin: ligações
perigosas, realizado por
Jean-François Delassus e
Thibaut d’Orion,
assessorados pelo
historiador Stéphane
Courtois, defende esta tese
até a caricatura. (...)
Navegando sobre a vaga de
nossa memória coletiva
hesitante, certos
historiadores revisionistas
apresentam este pacto
inesperado somente sob a sua
natureza pérfida. Ou os
mitos da punhalada pelas
costas e de um plano
premeditado, construídos a
partir de leituras
simplistas dos
acontecimentos que levaram
ao pacto.” [GORODETSKY,
Gabriel. Les dessous du
pacte germano-soviétique.
Le Monde Diplomatique,
juillet 1997, pp. 22-23.] No
mesmo sentido revisionista
vão outros trabalhos de
“Evgueni Gnedin,
Katatrofa i vtoroe rozhdenie,
Fond im. Gertsena, Amterdam,
1977(...), Jiri Hochman (The
Soviet Union and the Failure
off Collective Security,
1934-1938, Ithaca: Cornell
University Press, Londres,
1984, pp. 124 e 171
(...), Vojthec Mastny,
Russia’s Road to the Cold
War: Diplomacy, Warfare and
the Politics of Communism
(1941-1945), Columbia
University Press, New York,
1979 (...) Robert Tucker,
Stalin in Power: The
Revolution from above,
1928-1941, Norton, New
York, 1990, chapitres
10-21.” [Idem, p. 22] “A
política externa de Stalin
de finais dos anos trinta
centrava-se em relações cada
vez mais íntimas com a
Alemanha nazi, culminando
com o Pacto Nazi-Soviético
de 1939. Este pacto foi na
realidade uma aliança”.
[MINER-GULLAND, Robin e
DEJEVSKY, Nikolai.
Rússia: dos Czares aos
Sovietes. Madrid:
Edições del Prado, 1997, v.
2, p.173]
“Não há dúvidas que a
atitude dos estadistas
ocidentais, que foram tão
longe no apaziguamento a
Hitler em Munique, encerrava
a esperança de que ele
lançaria suas forças contra
os russos, mais que contra o
Ocidente, nem de que estavam
dispostos inclusive a
alentá-lo nesta política,
que parecia a muitos deles o
resultado natural do pacto
Anticomintern”. [COLE,
G.D.H. História del
pensamiento Socialista:
Socialismo y Fascismo
(1931-1939), vol. VII.
México, DF: Fondo de Cultura
Econômica, 1965, p. 35]
“O ponto difícil das
negociações com a
Grã-Bretanha e a França
residia em que o governo
soviético afirmava, não sem
certa razão, que para
auxiliar a Polônia carecia
de enviar tropas para além
da fronteira polaca, e a
Polônia negava-se em
absoluto e consentir que um
único soldado russo pusesse
os pés no seu solo.” (JOLL,
James. A Europa desde
1870. Lisboa: Dom
Quixote, 1995, p.552)
“Com os alemães
arriscamo-nos a perder a
nossa liberdade, com os
russo perderemos a nossa
alma.” [BECK. In: BAUER,
Eddy. História Polémica
da Segunda Guerra Mundial.
Mem Martins: Publicações
Europa-América, 1967, v. 1,
p. 270]
Ao orientar-se nesse
sentido, o Governo Soviético
levava em conta as opiniões
de Lenin - por ocasião da
paz de Brest Litovski:
“Enquanto não ocorra a
revolução socialista
internacional, que abarque a
vários países e tenha força
suficiente que lhe permita
ajudar a vencer ao
imperialismo internacional,
enquanto isso não ocorra, o
dever inelutável dos
socialistas triunfantes em
um só país (e especialmente
se é um país atrasado)
consiste em não
aceitar o combate com os
gigantes do imperialismo, em
tratar de recusar o combate,
de esperar que a contenda
entre os imperialistas
debilite a estes ainda
mais, acerque ainda mais
a revolução em outros
países.” [LENIN, V.I. O
infantilismo “esquerdista” e
o espírito pequeno-burguês.
In: Obras Escogidas.
Moscou: Ediciones en lenguas
extranjeras, 1960, t.2, pp.
745] “Nossa preparação
militar não terminou ainda,
por isso a consigna geral
segue a mesma: manobrar,
recuar e esperar,
continuando essa preparação
com todas as forças. Sem
renunciar em geral, nem
muito menos, aos acordos
militares com uma coalizão
imperialista contra a outra
em aqueles casos em que
esses acordos, sem violar os
fundamentos do Poder
Soviético, possam fortalecer
a sua situação e paralisar o
ataque contra ele por parte
de qualquer potência
imperialista. (...) é
preciso observar a maior
prudência, circunspecção e
firmeza para não ajudar, com
um passo irrefletido ou
precipitado, aos elementos
extremistas dos partidos
militares do Japão ou da
Alemanha. (...) nesses dois
países, os elementos
extremistas do partido
militar estão a favor de uma
ofensiva imediata e geral
contra a Rússia para ocupar
todo o seu território e
derrotar o Poder Soviético.”
[LENIN, V.I. Tesis sobre
la situación política
actual. (1918)
In: LENIN, V.I. Obras
Escogidas.
Moscou: Ediciones en Lenguas
Extranjeras, 1960, t. 2, p.
770]
Molotov. Apud WERTH,
Alexander. A Rússia na
Guerra. Rio de
Janeiro: Civilização
Brasileira, 1966, vol. 1, p.
41.
No dia 3 de setembro,
Grã-Bretanha e França
entraram na guerra, embora
pouco houvesse em matéria de
luta até maio do ano
seguinte. Enquanto a
Blitzkrieg trunfava no
leste, os aliados suportavam
o tédio da Stzkrieg,
ou a “guerra de mentirinha.
[KITCHEN, Martin. Um
mundo em chamas: uma breve
história da 2ª Guerra
Mundial na Europa e na Ásia
– 1939/1945. Rio de
Janeiro: ZAHAR, 1993, p. 19]
“Ora, hoje, pessoas muito
sérias desejariam nos fazer
crer que a Segunda Guerra
Mundial nasceu no espírito
de alguns ambiciosos, de
alguns loucos. Não, a
Segunda Guerra Mundial foi
preparada, desejada pelos
dirigentes dos grandes
interesses financeiros, para
sair de seu marasmo e para
destruir o socialismo.”
[ROCHE. Op. Cit., p.
60]