A maioria dos historiadores 
				econômicos considera que os primeiros passos da industrialização 
				brasileira só ocorreram entre 1885 e 1895, seguidos da expansão 
				industrial do início do século. Poucos dedicaram uma maior 
				atenção à ação empresarial de Irineu Evangelista de Sousa, o 
				Visconde de Mauá, em meados do século passado, em plena 
				sociedade escravista – algo, por isso mesmo, singular e inédito.[1] 
				Experiência que durou mais de trinta anos e só foi encerrada em 
				1878, com a falência do seu império econômico. Neste ensaio 
				busca-se – através do estudo da vida e da intensa atividade 
				industrial e financeira de Mauá – lançar algumas luzes sobre o 
				que foi o primeiro surto industrial no Brasil.
				
				            Que circunstâncias 
				permitiram que em pleno regime escravista, sem a existência uma 
				força de trabalho livre disponível, sem um mercado interno 
				forte, surgisse um empresário capitalista do porte do Visconde 
				de Mauá? Qual o verdadeiro significado deste homem? Será o 
				“nacionalista”, pintado por Nelson Werneck Sodré, em luta contra 
				o latifúndio retrógrado e afrontando os interesses britânicos?
				
				Mauá não lutaria apenas com as 
				resistências dos latifundiários, levantadas pelos seus 
				representantes políticos; lutaria também contra os investimentos 
				britânicos que disputavam agora a renda nacional, buscando 
				instalar-se nas áreas mais rentáveis, sob regime de integrais 
				garantias, e particularmente as do transporte, marítimo e 
				terrestre, e a dos serviços públicos urbanos. Suas iniciativas, 
				por isso mesmo, vão sendo dificultadas e transferidas aos 
				ingleses.[2]
				
				            Ou será o empresário 
				associado aos ingleses de que nos fala Graham?
				
				Embora alguns historiadores 
				descrevam Mauá como o primeiro financista dotado de idéias 
				nacionalistas e bravo combatedor da interferência estrangeira, 
				um estudo acurado e imparcial de documentação daquela época – e 
				ainda existente – nos mostra Mauá procurando entusiasticamente 
				auxiliar e contribuir para o aumento do poderio econômico 
				britânico no Brasil. (...) Acreditava firmemente na importância 
				dos investimentos ingleses feitos no Brasil (...) Defendeu os 
				interesses ingleses quando surgiram divergências com companhias 
				brasileiras, mesmo sabendo que as primeiras não tinham razão, 
				apenas, como dizia, simplesmente para preservar o “crédito do 
				Brasil em Londres”. (...) O que realmente o preocupava era a 
				modernização do país, e os meios para alcançar este objetivo, 
				pensava ele, encontravam-se nas mãos do homens de empresa de 
				diversas nacionalidades, legítimos representantes do sistema 
				capitalista.[3]
				
				            Ou, enfim, será o 
				self-made man, defensor do livre-mercado, em luta 
				contra o Estado - inibidor do progresso e da “modernidade” 
				- como nos cantam em prosa e verso, cine e vídeo os neoliberais 
				de hoje?
				
				            Que circunstâncias 
				levaram à falência o homem mais rico da América do Sul, poucos 
				anos antes da abolição da escravidão e da proclamação da 
				República? Em que sentido e até que ponto essa figura singular, 
				atípica, nos revela as características da burguesia brasileira 
				em formação?
				
				            Estas são algumas 
				das questões que tentamos responder no decorrer deste ensaio.
				A INFLUÊNCIA INGLESA E LIBERAL 
				NA FORMAÇÃO DE IRINEU EVANGELISTA DE SOUSA
				
				            Irineu Evangelista 
				de Sousa - Barão, depois Visconde de Mauá - nasceu em 28 de 
				dezembro de 1813 na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do 
				Arroio Grande, município de Jaguarão, no atual Estado do Rio 
				Grande do Sul. Era filho de João Evangelista de Ávila e Sousa e 
				de Mariana Batista de Carvalho. Cresceu sem luxos, na pequena 
				estância de criação de gado que seus pais haviam recebido para 
				“iniciar a vida”. Em 1819, seu pai foi assassinado por motivos 
				não esclarecidos em uma viagem de negócios ao Uruguai, quando 
				Irineu tinha apenas 5 anos. Dos 5 aos 9 anos, Irineu viveu na 
				casa materna com a única irmã, três anos mais velha. Em vez de 
				mandar Irineu aprender as lides do campo com algum parente até 
				estar em condições de assumir o controle da estância, a mãe 
				decidiu ensinar-lhe a escrever e a fazer contas. O menino 
				demonstrou grande facilidade para esses misteres, e progrediu 
				rapidamente. A família pressionou Mariana para que casasse de 
				novo, o que acabou ocorrendo. Como o novo marido não queria 
				saber de filhos de outro pai em sua casa, Mariana buscou um 
				esposo para a filha Guilhermina – então com apenas 12 anos – e 
				entregou Irineu ao tio paterno José Batista de Carvalho, capitão 
				de longo curso que fazia viagens em seu veleiro entre o Rio da 
				Prata, Portugal e as Índias e trabalhava para um dos maiores 
				comerciantes e traficantes portugueses do Rio de Janeiro.
				
				            Assim, em 1823, com 
				apenas nove anos, Irineu partiu de Rio Grande em um brigue 
				carregado de charque, farinha de trigo e couros, com destino ao 
				Rio de Janeiro, onde chegou após mais de um mês de viagem. Ali, 
				Irineu foi entregue à João Rodrigues Pereira de Almeida, futuro 
				Barão de Ubá, um dos maiores comerciantes de grosso 
				(atacadista) do Império (que também era banqueiro, industrial e 
				armador, além de influente na política da capital), para 
				trabalhar como caixeiro em sua casa comercial. Irineu ali 
				permaneceu durante quatro anos, demonstrando grande capacidade e 
				tino comercial, tanto que com apenas 13 anos de idade tornou-se 
				o guarda-livros do patrão. Mas, em 1828, a forte crise econômica 
				atingiu inúmeras casas comerciais portuguesas, inclusive a firma 
				de Pereira de Almeida, levando-o à falência. Sua maior credora 
				era a filial no Brasil da firma inglesa Carruthers & Irmãos 
				- uma das maiores da praça - dirigida por Ricardo Carruthers. 
				Com apenas 16 anos, Irineu jogou um importante papel nas 
				negociações para uma solução amigável e foi contratado por 
				Carruthers como auxiliar de contabilidade.
				
				            Com Carruthers, Irineu aprendeu contabilidade, 
				aritmética e inglês, e passou a ler nos originais os autores 
				prediletos do novo patrão: Adam Smith, Stuart Mill, Milton, 
				Shakespeare. Absorveu os hábitos sóbrios e a mentalidade 
				capitalista dos ingleses, e aprendeu o valor do crédito para os 
				negócios mais amplos. Em pouco tempo tornou-se o gerente da 
				firma inglesa.
				
				Aos 23 anos, quando Ricardo Carruthers decidiu aposentar-se e ir 
				residir na Escócia, passou a ser seu sócio. Com uma renda 
				assegurada de cerca de mil contos de réis, ele dirigia a 
				próspera firma Carruthers do Rio de Janeiro, importando da 
				Inglaterra ferragens, máquinas, tecidos, produtos manufaturados, 
				e exportando cacau, açúcar, algodão café, fumo. Seu nome 
				consolidou-se na praça e começou a ser conhecido também no Rio 
				da Prata e cercanias.
				
				            No final dos anos 
				trinta Irineu – simpático às idéias liberais e pessoalmente 
				vinculado ao Rio Grande do Sul – inicia sua participação 
				política apoiando de forma discreta a Revolução Farroupilha. O 
				historiador das Revoluções Cisplatinas, Alfredo Varela, 
				em carta de 1838 ou 1939, referindo-se à situação terrível dos 
				prisioneiros da República de Piratini na Fortaleza de Santa 
				Cruz, relata: “Esses 33 prisioneiros morreriam de fome e de 
				nudez se a mão oculta lhes não ministrasse o alimento e a 
				roupa, e para que aí (no Rio Grande) se saiba de quem é essa mão 
				oculta, cumpre-me declarar que é a do rio-grandense Irineu 
				Evangelista de Sousa.”[4] 
				E Alberto de Faria, um de seus biógrafos, afirma que “na ponta 
				do Curvelo, em Santa Tereza, residência de Mauá, encontravam 
				abrigo revoltosos foragidos (...) aí se tramou a evasão de 
				Onofre P. da Silveira da fortaleza de Santa Cruz.”[5] 
				Mas, em fins de 1842, quando aumentam as perseguições aos 
				revoltosos, Irineu, pressionado pelos conservadores, abjura 
				desse apoio e publica um artigo no Jornal do Commercio – 
				porta-voz da reação –  afirmando não ter qualquer conexão com os 
				rebeldes do Rio Grande do Sul.[6] 
				Terminada a luta, nova reviravolta: “os gaúchos do Rio, tendo à 
				frente Irineu, fundaram um grêmio provisório, para assistir aos 
				patrícios. Foram à fortaleza, recebê-los em comissão presidida 
				por Irineu (...). Alugaram um prédio à rua da Imperatriz, onde 
				os alojaram, fornecendo-lhes, ainda aí, roupa, comida e 
				cigarros.”[7]
				
				            Em 1840, aos 27 anos 
				de idade, Irineu decide viajar para a Europa para visitar o 
				amigo Ricardo Carruthers. A viagem à Inglaterra, o impressiona 
				de forma decisiva com relação ao industrialismo inglês, que 
				passa a aspirar para o Brasil. Convence Carruthers a realizar 
				novas inversões no país. É criada em Manchester a firma “Carruthers, 
				De Castro & Cia” (De Castro correspondia a José Henry 
				Reydell de Castro, amigo de juventude de Irineu, que morava em 
				Manchester), tendo Irineu como o sócio comanditário. Essa firma, 
				durante anos, será o meio através do qual Mauá obterá os 
				recursos na Inglaterra para as empresas que criará no Brasil. 
				Outras filiais serão abertas posteriormente: “Carruthers, 
				Sousa & Cia.”, em Buenos Aires; “Carruthers, Dixon 
				& Cia.”, em Nova York. Inicia-se, então, uma nova fase na 
				vida do comerciante Irineu Evangelista de Sousa que logo se 
				tornará industrial, banqueiro e político.
				ANTECEDENTES 
				DA DIFÍCIL INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
				
				            Com a descoberta das 
				primeiras jazidas de ouro em 1698, Minas Gerais tornou-se o 
				centro econômico da colônia e o seu principal mercado 
				consumidor. Pouco à pouco, desenvolveram-se ali – e em menor 
				medida no Rio de Janeiro – incipientes manufaturas têxteis e 
				metalúrgicas e o artesanato em geral. A primeira reação da 
				metrópole veio em 1751 com a proibição do exercício do ofício de 
				ourives em Minas Gerais, com o pretexto de impedir o contrabando 
				do ouro. A Carta Régia de 1766 estendeu esta proibição à Bahia, 
				Pernambuco e Rio de Janeiro, mandando fechar quase duas centenas 
				ourivesarias. Em 1779, ao deixar o cargo de vice-rei do Brasil, 
				o Marquês de Lavradio alertará para a “independência que os 
				povos de Minas se tinham posto dos gêneros da Europa, 
				estabelecendo, a maior parte dos particulares, nas suas próprias 
				fazendas, fábricas e teares, com o que se vestiam a si e à sua 
				família e escravatura, fazendo panos e estopas e diferentes 
				outras drogas de linho e algodão, e ainda de lã”, concluindo 
				“que uns povos compostos de tão más gentes, em um país tão 
				extenso, fazendo-se independentes, era muito arriscado e podem 
				algum dia dar trabalho de maior conseqüência.”[8] 
				Temerosa de uma maior autonomia política e alarmada com a 
				concorrência ao comércio do Reino, a rainha Maria I, de 
				Portugal, editou o famoso Alvará de 1785, proibindo as 
				manufaturas têxteis na colônia, exceto as de panos grossos de 
				algodão para a vestimenta de escravos e a confecção de sacos:
				
				Eu, a rainha (...) hei por bem 
				ordenar que todas as fábricas manufaturas ou teares de galões, 
				de tecidos ou de bordados de ouro e prata; de veludos, 
				brilhantes, cetins, tafetás ou de qualquer outra qualidade de 
				seda; de belbutes, chitas bombazinas, fustões ou de qualquer 
				outra qualidade de fazenda de algodão ou de linho, branca ou de 
				cores; e de panos baetas, droguetes, saetas ou de outra qualquer 
				qualidade de tecido de lã (...) sejam extintas e abolidas em 
				qualquer parte onde se acharem nos meus domínio do Brasil.[9]
				
				
				            As instruções do 
				Ministro Martinho de Melo e Castro ao vice-rei Luís de 
				Vasconcelos Souza, não deixam dúvidas em relação às intenções do 
				referido Alvará:
				
				Quanto às fábricas e 
				manufaturas, é indubitavelmente certo que, sendo o Estado do 
				Brasil o mais fértil e abundante em frutos e produções da terra, 
				e tendo seus habitantes, vassalos desta coroa, por meio da 
				lavoura e da cultura, não só tudo quanto lhes é necessário para 
				sustento da vida, mas muitos artigos importantíssimos para 
				fazerem, como fazem, um extenso e lucrativo comércio e 
				navegação; e se a estas incontestáveis vantagens ajuntarem as da 
				indústria e das artes para o vestuário, luxo e outras 
				comodidades precisas, ou que o uso e costume têm introduzido, 
				ficarão os ditos habitantes totalmente independentes da sua 
				capital dominante; é por conseqüência indispensavelmente 
				necessário abolir do Estado do Brasil as ditas fábricas e 
				manufaturas”.[10]
				
				            É só através do 
				Alvará de 1º de abril de 1808 – quando a corte imperial 
				portuguesa se transferiu para o Brasil – que essas proibições 
				foram revogadas. No ano seguinte, novo Alvará concedeu “isenção 
				de direitos aduaneiros às matérias-primas necessárias às 
				fábricas nacionais, isenção de imposto de exportação para os 
				produtos manufaturados do país e a utilização dos artigos 
				nacionais no fardamento das tropas reais.” Além de “privilégios 
				exclusivos, por 14 anos, aos inventores ou introdutores de novas 
				máquinas” e a “distribuição anual de 60 mil cruzados (...) às 
				manufaturas que necessitassem auxílio, particularmente as de lã, 
				algodão, seda, ferro e aço.”[11]
				
				            Mas, logo a política 
				de incentivo à industrialização chocou-se com os interesses 
				ingleses. A carta régia de 1808, que abriu os portos brasileiros 
				ao comércio internacional, estabeleceu uma taxa de 24% sobre os 
				artigos importados. Quatro meses depois, um decreto régio 
				reduziu para 16% a tarifa para as mercadorias pertencentes à 
				portugueses ou transportadas em navios portugueses. Em resposta, 
				a Inglaterra exigiu um tratamento preferencial e obteve, através 
				do tratado de 1810, a tarifa de 15%, inferior, inclusive, à paga 
				pelos portugueses (que só conseguirão essa tarifa em 1818). Com 
				isso, o mercado brasileiro foi entregue às manufaturas inglesas, 
				inibindo por muitos anos o desenvolvimento industrial do país. 
				Ressalte-se que enquanto essas concessões eram feitas à 
				Inglaterra, “o açúcar e o café brasileiros, e outros artigos 
				similares aos produzidos nas colônias inglesas, foram proibidos 
				de entrar nos mercados britânicos, embora Portugal pudesse 
				enviar esses produtos para a Inglaterra para reexportação (...) 
				esta estipulação protegia os navios cargueiros e os comerciantes 
				ingleses.”[12] 
				Em 1827, esgotada a vigência do tratado de 1810 com a 
				Inglaterra, este é renovado por mais 15 anos em pagamento à 
				“ajuda” inglesa ao reconhecimento da independência brasileira. 
				Em 1826, a tarifa preferencial de 15% é estendida à França e, em 
				1928, a todas mercadorias estrangeiras, dificultando ainda mais 
				a industrialização do país.
				A REFORMA 
				TARIFÁRIA DE 1844
				
				            Em 1815, pressionado 
				pela Grã-Bretanha, Portugal havia assinado um tratado que 
				proibia o tráfico negreiro em qualquer região da África ao norte 
				do equador. A convenção adicional de 1817 criou o direito de 
				visita (vistoria dos navios portugueses suspeitos de 
				tráfico). O tratado anglo-brasileiro de 1827, arrancado 
				sob forte pressão inglesa, estabeleceu que a partir de 1830 o 
				tráfico seria definitivamente proibido e igualado à pirataria, 
				tornando extensivas ao Brasil todas as cláusulas dos tratados de 
				1815 e 1817, entre Portugal e Inglaterra, inclusive o direito 
				de visita. Nada disso, porém, foi capaz de refrear o tráfico 
				que, ao contrário, intensificou-se, causando grandes atritos 
				entre o Brasil e a Inglaterra. Em resposta, o governo inglês 
				editou um ato majorando os direitos de entrada do açúcar 
				produzido nas regiões escravistas – o que atingiu diretamente os 
				produtos brasileiros – e intensificou a repressão aos navios 
				brasileiros.
				É 
				nesse contexto que caduca, em 1844, o tratado comercial com a 
				Inglaterra. Apesar das pressões inglesas para a sua renovação, o 
				Parlamento brasileiro negou-se a fazê-lo, em represália à 
				sobretaxação dos nossos produtos e às demais medidas que a 
				Inglaterra vinha tomando contra o tráfico negreiro. A seguir, 
				foi aprovada a Lei Alves Branco, que elevou as tarifas de 
				importação para valores entre 30 a 60%. Esta Lei isentou as 
				indústrias “instaladas no país” de pagarem impostos sobre as 
				importações. Ao contrário do que alguns afirmam, a Lei Alves 
				Branco não possuía um caráter meramente “fiscalista” (procura de 
				uma maior arrecadação), mas tinha um viés conscientemente 
				protecionista:
				
				Nenhuma nação deve fundar 
				exclusivamente todas suas esperanças na lavoura, na produção da 
				matéria bruta, nos mercados estrangeiros. Um povo sem manufatura 
				fica sempre na dependências dos outros povos e, por conseguinte, 
				nem pode fazer transações vantajosas, nem avançar um só passo na 
				carreira de sua riqueza. A indústria fabril interna de qualquer 
				povo é o primeiro, mais seguro e mais abundante mercado de sua 
				indústria. É de mister, com fé firme da indústria fabril em 
				grande, por meio de uma tarifa anualmente aperfeiçoada e mais a 
				mais acomodada ao desenvolvimento do nosso país. Não nos aterrem 
				os juros dos capitais e os salários tão elevados no nosso país; 
				defendidos por uma bem feita tarifa, os capitais aparecerão e se 
				acumularão; os juros e salários baixarão em tempo.”[13]
				
				            Dotado de larga 
				visão empresarial, Irineu logo percebeu que a nova política 
				tarifária abria grandes perspectivas para os negócios 
				industriais e bancários[14], 
				ao mesmo tempo que criava empecilhos para o comércio importador. 
				Chamou, então, Carruthers ao Brasil e o convenceu a liquidar a 
				empresa comercial e a investir em outros ramos de atividades. 
				Sem pressa, começou a desfazer-se dos seus ativos, sempre a bom 
				preço.
				
				Percebendo a importância das 
				relações pessoais na sociedade escravista e atrasada em que 
				vivia, aderiu à maçonaria, adquiriu uma bela mansão no Catete e 
				tratou de enchê-la de convidados ilustres, estabelecendo 
				relações de intimidade com as pessoas mais influentes do governo 
				e da elite oligárquica.
				
				            A seguir, a primeira 
				preocupação de Irineu Evangelista de Sousa foi criar o que 
				considerava ser a empresa básica, a “mãe das outras indústrias, 
				a indústria do ferro”. Para isso, entendeu-se com o Ministro do 
				Império Conselheiro Joaquim Marcelino Brito, obtendo a garantia 
				de que lhe seria concedida a canalização das águas do rio 
				Maracanã para o abastecimento de água do Rio de Janeiro, caso 
				tivesse condições de fabricar os canos para essa obra.
				
				Em meados de 1846, adquiriu a um 
				preço favorável o “Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da 
				Ponta de Areia”, em Niterói. A compra incluía um grande terreno 
				à beira mar, os telheiros que serviam de oficina, máquinas, 
				ferramentas e 28 escravos especializados que ali trabalhavam. No 
				total, pagou sessenta contos de réis, dinheiro suficiente para 
				comprar 5 mil sacas de café, a produção anual de uma grande 
				fazenda. Uma semana depois, assinou com o Ministério do Império, 
				encarregado da administração do Rio de Janeiro, o contrato para 
				canalizar o rio Maracanã com os tubos de ferro que iria 
				fabricar.
				
				            Encontrando grande 
				dificuldade para contratar no Brasil mão-de-obra especializada 
				para a ampliação do empreendimento, delegou a Reynell de Castro 
				a tarefa de conseguí-la na Inglaterra. Este, depois de percorrer 
				Manchester e Liverpool, conseguiu, a muito custo, um engenheiro, 
				um mestre maquinista, um mestre modelador, quatro caldeireiros e 
				seis moldadores. Foram enormes, também, os problemas 
				operacionais para conseguir os insumos básicos para a nascente 
				industria, assim como para a obtenção e manutenção dos 
				maquinários.
				
				No primeiro ano quadruplicou o 
				capital da empresa e iniciou as obras, que progrediram a olhos 
				vistos. Só que os pagamentos por parte do governo não se 
				realizavam, mesmo já havendo passado mais de um ano. Não 
				encontrando resposta para os seus apelos, e sob a ameaça de 
				falência, diversificou a sua produção, passando a fabricar 
				pregos, sinos, máquinas de serrar, peças para engenhos de 
				açúcar, guindastes e molinetes. Passou a fazer consertos de 
				navios e montou uma empresa em Rio Grande para operar um 
				rebocador a vapor construído em seu estaleiro. Só em 1848, com a 
				posse de novo ministério conservador - onde tinha bons amigos - 
				conseguiu que lhe pagassem as obras, além de obter um empréstimo 
				de 300 contos de réis, a juros de 6% ao ano, com cinco anos de 
				carência até o pagamento da primeira prestação. A partir daí, 
				tudo foi mais fácil:
				
				A fábrica da Ponta de Areia 
				transformou-se em uma firma sólida, que podia agora dedicar 
				tempo a melhorar seus produtos e a buscar novos mercados. Não 
				demorou muito para que dali começassem a sair algumas inovações 
				que seu dono julgava adequadas ao mercado brasileiro: engenhos 
				de açúcar completos, movidos a vapor, bem mais produtivos que os 
				toscos mecanismos tocados por bois e rodas d’água em uso no 
				país; pontes de ferro que podiam ser montadas em pouco tempo 
				mesmo nos rios mais largos; canhões de bronze para os navios de 
				guerra; navios a vapor completos; fornos siderúrgicos e bombas 
				de sucção. O pessoal não parava de aumentar. Em vez dos 28 
				escravos originais, havia agora quase 300 operários, divididos 
				em 5 oficinas: fundição de ferro, fundição de bronze, 
				acessórios, construção naval e caldeiraria. Um quarto dos 
				empregados era ainda de escravos, quase todos especializados 
				(apenas cerca de 10 eram serventes). O principal contingente de 
				operários era formado por brasileiros livres (cerca de um terço 
				do total), e o restante vinha do mundo inteiro; havia 
				portugueses, ingleses, suíços, espanhóis, belgas, alemães e 
				austríacos trabalhando em Niterói.[15]
				A EXTINÇÃO DO 
				TRÁFICO NEGREIRO E A LEI DE TERRAS
				
				            Em 1845, o governo 
				brasileiro notificou à Inglaterra que a vigência do tratado de 
				1827 estava por caducar, incluído o direito de visita. Em 
				resposta, o gabinete inglês decretou em agosto de 1845 a Bill
				Aderdeen, autorizando os navios ingleses a perseguir, 
				aprisionar e destruir barcos de países estrangeiros em águas 
				internacionais, desde que suspeitassem que se dedicavam ao 
				tráfico de escravos. Foi um duro golpe contra os traficantes 
				brasileiros e contra os fazendeiros escravistas do café. Os 
				incidentes multiplicaram-se.
				
				Convencido da inevitabilidade do 
				fim do tráfico negreiro, o governo imperial tomou diversas 
				iniciativas legislativas para adaptar o país para à nova 
				realidade. Em troca da aceitação pelos grandes proprietários da 
				extinção do tráfico, aprovou uma nova Lei de Terras, eliminando 
				doações de terras e o direito de posse, assegurando aos grandes 
				fazendeiros as terras ocupadas por pequenos camponeses e 
				escravos alforriados. Ao impor como única forma de acesso à 
				terra a compra – e a um preço premeditadamente elevado – excluiu 
				as massas pobres do campo e os futuros libertos de qualquer de 
				acesso à terra. Quanto aos imigrantes, forçava-os a trabalharem 
				para os grandes proprietários por longos anos, até que pudessem 
				acumular o suficiente para adquirir algum pedaço de terra.
				
				A Lei de Terras visava, 
				fundamentalmente, a três objetivos: 1) proibir as aquisições de 
				terras por outro meio que não a compra (...); 2) elevar o preço 
				das terras e dificultar sua aquisição (...); e 3) destinar o 
				produto das vendas de terras à importação de “colonos”. (...) De 
				tudo a quanto se propunha a Lei de 1850, somente medraram as 
				determinações que dificultavam o acesso à terra por meio da 
				posse ou da compra a baixo preço. Em suma, na sua execução 
				prevaleceram unicamente os dispositivos que estavam em harmonia 
				com o objetivo imediato da classe latifundiária: obrigar o 
				imigrante a empregar sua força de trabalho nas grandes fazendas 
				de café. (...) Esse seria o instrumento básico de que careciam 
				os latifundiários, já cientes da falência do escravismo, para 
				(...) importar trabalhadores europeus em larga escala.[16]
				
				            Em sintonia com a 
				Lei de Terras, foi elaborada uma legislação de colonização que 
				subsidiava com recursos públicos a vinda de imigrantes europeus 
				para substituir os escravos que não mais viriam: “Pagar o 
				transporte e a instalação de imigrantes com dinheiro do Estado 
				era uma opção cara – naquele momento o custo para colocar um 
				camponês europeu numa fazenda era três vezes maior que o valor 
				de um escravo. A ‘solução’ encontrada foi a de ratear a 
				diferença com toda a sociedade”[17].
				
				            Em 1849, o governo 
				designou uma comissão - composta pelo Ministro da Justiça 
				Eusébio de Queirós, Clemente Pereira, Nabuco de Araújo, Carvalho 
				Monteiro, Caetano Soares e Irineu Evangelista de Sousa (com 37 
				anos) - para elaborar o Código de Comércio do Império, outro 
				instrumento necessário para os novos tempos que se anteviam. Os 
				trabalhos da comissão se realizaram na casa do futuro Visconde 
				de Mauá e o projeto foi aprovado no Senado em apenas duas 
				sessões. Em retribuição aos serviços prestados, Irineu recebeu 
				do Imperador o Hábito da Ordem de Cristo, a mais alta 
				condecoração a que um plebeu poderia almejar. Logo a seguir foi 
				eleito Presidente da Comissão da Praça de Comércio do Rio de 
				Janeiro.
				
				                Finalmente, em 
				1850, no bojo de fortes pressões da Inglaterra - cuja esquadra 
				chegou a canhonear navios em portos brasileiros, bombardear 
				Paranaguá e ameaçar de fazer o mesmo no Rio de Janeiro - foi 
				aprovada a Lei Eusébio de Queirós, extinguindo o tráfico 
				negreiro. A partir daí, o enorme volume de recursos aplicado no 
				comércio de escravos passava a buscar novos campos de 
				investimento:
				
				A necessidade de aplicação 
				desses capitais exigiu a promulgação de outras leis: a lei 
				referente à incorporação de sociedades anônimas; a lei de 
				organização dos bancos; a concessão de privilégios para 
				navegação das vias internas e de caminhos de ferro. Alves 
				Branco, grande amigo de Mauá, põe em marcha uma tabela, 
				organizada anteriormente, que completa o quadro das medidas 
				protecionistas preparadoras do primeiro surto industrial que o 
				Brasil vai conhecer. Mauá encontrara enfim ambiente propício 
				para desenvolver sua atividade de industrial, nova etapa que 
				galga com extremo entusiasmo.[18]
				
				
				A INTERVENÇÃO NO PRATA: A POLÍTICA A SERVIÇO DOS NEGÓCIOS
				
				            Com o fim do tráfico 
				negreiro e a perda do controle da rota africana, o Brasil voltou 
				as suas atenções para o Prata, onde defendia a livre navegação 
				do rio Paraná, caminho mais rápido para Cuiabá. Ali, o ditador 
				argentino Rosas - intransigente opositor à livre navegação do 
				Paraná - invadira o Uruguai em 1843 e mantinha desde então o 
				bloqueio de Montevidéu por terra. A cidade definhava a olhos 
				vistos e só se mantinha devido aos subsídios ingleses e 
				franceses. Mas, em 1849, o novo governo francês suspendeu os 
				subsídios ao Uruguai, obrigando este a buscar o apoio brasileiro 
				contra Rosas. O ministro Paulino, temeroso de comprometer 
				oficialmente o Império, solicitou a Irineu que este fosse o 
				intermediário da ajuda financeira ao governo uruguaio, acenando 
				com uma ajuda futura aos seus negócios e com a perspectiva de 
				maiores ganhos a partir da modificação da situação do Uruguai. 
				Inicia-se, nesse episódio, a atuação do futuro Visconde de Mauá 
				na região do Prata, onde manterá grandes interesse econômicos 
				por longos anos e onde jogará importante papel político em 
				aliança com o Império. 
				
				            O acordo secreto, com cláusulas 
				leoninas – entre as quais a renúncia pelo Uruguai a cerca de um 
				quinto dos territórios que litigava com o Brasil e o pagamento 
				de juros de 40% ao ano – é assinado em setembro de 1850 pelos 
				governos do Brasil e do Uruguai e por Irineu Evangelista de 
				Sousa, que se compromete a fornecer dinheiro e armas, contratar 
				mercenários na Europa, saldar dívidas antigas do governo de 
				Montevidéu, conseguir peças de artilharia e navios de guerra. O 
				esforço de guerra brasileiro garante generosas encomendas ao 
				estaleiro de Irineu na Ponta de Areia, em Niterói. A diplomacia 
				brasileira, agindo com grande habilidade, consegue a 
				neutralidade da Inglaterra, uma aliança defensiva e ofensiva com 
				o Paraguai, a rendição e a troca de lado de Oribe, o apoio de 
				Urquiza contra Rosas. Com a vitória assegurada, em outubro de 
				1851, o Brasil impõe novas condições ao Uruguai:
				
				O tratado secreto foi desdobrado 
				em cinco outros, assinados pelos dois governos: um de aliança 
				permanente, que permitia a intervenção de um país no outro – e 
				ninguém imaginava o Uruguai intervindo no Brasil – para 
				assegurar governos constitucionais; um tratado de limites que 
				colocava a fronteira dos dois países onde o Brasil queria; um 
				tratado de extradição que obrigava o governo do Uruguai, onde 
				não havia escravidão, a prender e devolver escravos fugidos do 
				Brasil; um tratado de comércio e navegação que obrigava o 
				Uruguai a exportar sem impostos seu gado – a imposição foi feita 
				pelos charqueadores gaúchos, interessados em baratear o preço da 
				matéria-prima trazida do país vizinho – e abria a navegação do 
				rio da Prata a todos os países; por fim, uma Convenção de 
				Reconhecimento de Dívida, pela qual o dinheiro emprestado por 
				Irineu Evangelista de Sousa, mais os juros, se tornavam dívida 
				pública do país.[19]
				
				            Em fevereiro de 
				1852, Rosas é derrotado em Monte Caseros. Em maio, o novo 
				governo uruguaio, pressionado pelo Império – que ordena à 
				esquadra brasileira a realização de manobras ao largo de 
				Montevidéu e ameaça estacionar tropas onde entende que a 
				fronteira deve ficar, além de ocupar o território uruguaio que 
				julgasse equivalente ao valor dos empréstimos devidos – 
				reconheceu o acordo secreto de 1850 e seus adendos de 1851. A 
				partir desse dia, Irineu Evangelista de Sousa tornou-se 
				legalmente o maior credor do governo uruguaio e quase o dono da 
				economia pública local. Dali para a frente, terminava a fase da 
				sangria do bolso, já que a ajuda para a guerra se encerrara, e 
				começava uma outra, a da cobrança. Pelo tratado, ele tinha de 
				nomear um representante seu, com poderes para fiscalizar a 
				atuação da Alfândega e as contas do governo. Esse representante, 
				mais a atuação firme do embaixador brasileiro, eram sua maior 
				esperança de ver de volta o seu dinheiro.
				O NOVO BANCO 
				DO BRASIL E A EXPANSÃO DOS NEGÓCIOS DE MAUÁ
				
				            A extinção do 
				tráfico negreiro teve conseqüências econômicas imediatas. 
				Enormes quantias de dinheiro, envolvidas nessa atividade ilegal, 
				passaram a buscar novas aplicações rentáveis e surgiram na 
				contabilidade nacional.[20] 
				Uma parte desses capitais liberados foi canalizada para as 
				importações, elevando a arrecadação da Alfândega entre 1850 e 
				1852 em mais de 40%. A alta do café também aumentou a renda com 
				os impostos sobre a exportação em mais de 20%. O Tesouro encheu 
				suas burras. Amadureciam as condições para o projeto de 
				Irineu Evangelista de Sousa de fundar um banco: “Reunir os 
				capitais que se viam repentinamente deslocados do ilícito 
				comércio, e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir 
				alimentar as forças produtivas do país, foi o pensamento que me 
				surgiu na mente ao ter a certeza de que aquele fato era 
				irrevogável.”[21]
				
				            Em 2 de março de 
				1851, o Jornal do Commércio publicou o aviso de uma 
				reunião, no pavimento superior da Praça de Comércio, para marcar 
				o ato de fundação de um grande banco na cidade do Rio de 
				Janeiro. Conforme acertado de antemão, Irineu foi aclamado 
				presidente da nova instituição. O capital subscrito totalizava 
				10 mil contos de réis, um terço do orçamento do Império para 
				aquele ano. A 21 de agosto de 1851, poucos meses depois de 
				aprovados os seus estatutos, o banco entrou em pleno 
				funcionamento sob o nome de Banco do Brasil[22], 
				ficando autorizado a emitir letras até o limite de 50% do seu 
				capital. Já no primeiro ano, o banco emitiu 1.500 contos em 
				letras.
				A NAVEGAÇÃO 
				DO RIO AMAZONAS E A PRIMEIRA FERROVIA DO BRASIL
				
				            Solucionada questão 
				do Prata, o governo brasileiro voltou-se para a ocupação da 
				Amazônia, ameaçada pelos interesses expansionistas dos EUA que 
				pregavam a livre navegação do rio Amazonas.[23] 
				Irineu Evangelista de Sousa foi convocado para montar uma linha 
				de navegação no grande rio. Para isso, recebe o privilégio da 
				sua navegação por 30 anos e uma subvenção anual de 160 contos de 
				réis para a primeira linha que estabelecesse. Em fins de 1852, 
				estava criada a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, 
				com capital de 2.000 contos. Em 1853, três linhas de navios a 
				vapor começaram a funcionar: Belém-Manaus, Belém-Cametá e 
				Manaus-Tabatinga. Após, diversas outras linhas foram criadas, 
				navegando 3.828 km do Amazonas e 1.320 km de seus afluentes. 
				Depois de um ano, a empresa começou a dar lucro.
				
				            Planejando vôos 
				maiores, Mauá abriu o capital da Ponta de Areia, elevado-o para 
				1.250 contos através da subscrição de ações (seis vezes mais que 
				o seu capital em 1850). Isso não só deixou a empresa mais forte[24] 
				como transferiu dinheiro para o seu bolso, dando-lhe condições 
				de investir em outros grandes projetos que tinha em mente.
				
				            Em abril de 1852, 
				ganhou do governo imperial uma concessão para a construção da 
				primeira ferrovia do Brasil, entre a Praia da Estrela e Raiz da 
				Serra, Petrópolis. Para viabilizá-la, formou uma empresa com um 
				capital inicial de 1.300 contos - a Estrada de Ferro de 
				Petrópolis - tendo garantia governamental de 5% de juros ao ano, 
				sobre o capital empregado. Um episódio pitoresco, por ocasião da 
				inauguração das obras de construção da ferrovia, em 1852, com a 
				presença do imperador e altas autoridades, expressa bem o choque 
				de mentalidades entre o burguês Irineu e a oligarquia 
				escravista:
				
				A uma hora da tarde, em pleno 
				sol, todo o grupo em trajes de gala iniciou uma caminhada pelo 
				pasto até um ponto marcado no capim, onde os esperava o vigário 
				da paróquia local para dar a benção aos trabalhos. Concluída a 
				oração, Irineu entregou ao imperador uma pá de prata, com a qual 
				este cavou três vezes a terra, despejando o produto num carrinho 
				de jacarandá incrustado de prata. Depois passou a pá a um 
				ministro, que continuou a operação, repetindo em seguida o gesto 
				e passando o instrumento a outro ministro. Irineu, homem com a 
				fé nos símbolos dos maçons, exultava: todo o poder de uma 
				sociedade escravocrata que desprezava solenemente o trabalho 
				curvava humildemente a espinha ante seu valor. Para realçar 
				ainda mais o significado do gesto, fez questão de enfileirar 
				todos os operários contratados para trabalhar na obra a pouca 
				distância dos governantes. Com suas roupas de festa, leves, 
				aquilo também não deixava de ser um instrutivo divertimento para 
				eles: viam mãos enluvadas pegando de mau jeito a pá, rostos 
				muito vermelhos pelo desconforto que produziam roupas de veludo 
				e casacas naquele soleirão. Rompia-se assim a aura sagrada que 
				envolvia um poder que sempre fez questão da distância do 
				trabalho, que nunca quis nada que sugerisse mistura com o vulgo 
				– mas que parecia agora muito prosaico.[25]
				            
				A inauguração do primeiro trecho da Estrada de Ferro Mauá – a 3ª 
				da América Latina e a 21ª do mundo, com 14,5 km de extensão - 
				ocorreu em abril de 1854, com a presença da família Imperial, 
				ministros e convidados especiais. Na ocasião, Irineu Evangelista 
				de Sousa recebeu do Imperador o título de Barão de Mauá (antigo 
				nome do porto de Estrela).
				
				A partir dessa primeira 
				ferrovia, multiplicam-se as iniciativas para a construção de 
				novas estradas de ferro - seja com capitais nacionais, seja com 
				capitais ingleses - sempre com a participação de Mauá. Entre 
				elas, podemos citar a Estrada de Ferro Dom Pedro II, a São 
				Paulo Railway, a Recife and São Francisco Railway Company, 
				a Bahia and São Francisco Railway Company, a Minas and 
				Rio Railway Company.
				
				            Em maio de 1852, 
				Mauá venceu a concorrência para a iluminação pública do Rio de 
				Janeiro e criou a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de 
				Janeiro, com capital de 1.200 contos. Em março de 1854, a 
				população da capital foi chamada às ruas para assistir serem 
				acesos os primeiros 637 lampiões a gás, a terça parte do total 
				previsto no contrato.
				
				            Irineu Evangelista de Sousa fechou o 
				ano de 1852 comandando empresas com um capital total de 15.750 
				contos de réis - incluídos os 10.000 contos do Banco do Brasil - 
				o que correspondia à metade de toda a produção de café e a dois 
				terços do imposto de importação do país, a maior fonte de renda 
				do governo. A expansão dos capitais sob o seu controle 
				aumentara, em apenas 3 anos, em cerca de 6.500%, não computados 
				aí os 1.000 contos investidos no Uruguai. A alavanca para toda 
				essa expansão era o Banco do Brasil.
				MAUÁ CHOCA-SE 
				COM OS LIMITES DA SOCIEDADE ESCRAVISTA BRASILEIRA
				
				            Diante de tão 
				vertiginoso crescimento, levantaram-se as primeiras vozes de 
				advertência e de admoestação, principalmente dos setores mais 
				conservadores, temerosos da modernização do país. O próprio 
				Imperador preocupou-se com o crescente poder deste banqueiro. Na 
				fala do trono, em maio de 1853, deu o recado: era preciso criar 
				um banco solidamente construído o qual, obviamente, não era o de 
				Irineu Evangelista de Sousa. Em seguida, no Senado, o Visconde 
				de Itaboraí apresentou o projeto de criação de um banco oficial, 
				feito com o dinheiro de particulares - no total de 30 mil contos 
				de capital - cujo presidente seria nomeado diretamente pelo 
				Imperador. Na fundamentação da sua proposta, pregou contra a 
				concorrência entre os bancos “causa principal de quase todas as 
				crises comerciais”. Depois de afirmar que os bancos existentes 
				eram inseguros, e que só sua submissão ao governo e o fim da 
				concorrência entre eles remediaria a situação, propôs a 
				possibilidade deles se fundirem e virem a participar da fundação 
				do novo banco, sob o comando do governo. O resultado foi uma 
				corrida dos depositantes ao Banco do Brasil e ao Banco do 
				Comércio (criado em 1838), para retirar o seu dinheiro.
				
				            Essa situação, pegou 
				Irineu no contrapé: ele tinha quatro grandes investimentos em 
				andamento: os empréstimos ao governo uruguaio, a estrada de 
				ferro, a companhia de gás e a navegação do Amazonas. Todos em 
				fase de gastos, com perspectiva de retorno só a médio prazo. 
				Justo neste momento, o banco - o instrumento de captação de 
				capitais com que contava para financiar a conclusão de seus 
				projetos - era inviabilizado. Sua única base de apoio era a 
				fundição de Ponta da Areia, sem fôlego para tanto. Irineu foi 
				obrigado a capitular e acertou a entrega do banco em troca do 
				fornecimento pelo governo de um empréstimo de 600 contos para 
				salvá-lo da bancarrota.
				
				            Em julho de 1853, a 
				Câmara aprovou a criação do novo banco. O governo recebeu tudo: 
				capitais, móveis, funcionários treinados e o nome. Em troca, 
				assumiu o compromisso de entregar a Irineu e aos demais 
				acionistas dos dois bancos que se fundiram (o do Brasil e o 
				Comercial) 80 mil das 150 mil ações do novo banco. Em vez dos 3 
				cargos originais, a Diretoria foi aumentada para 15 membros, 
				todos remunerados com altos salários. Logo o novo Banco elevou 
				os juros para melhor remunerar os aplicadores, sem maiores 
				preocupações com o fomento das atividades produtivas[26].
				
				            Em dezembro de 1853, 
				Irineu renunciou à diretoria do novo banco e - quando em abril 
				de 1854 recebeu as suas ações - aproveitou o momento de alta 
				para vendê-las e reaver o seu capital. A entrada em 
				funcionamento, no início de 1854, da sua estrada de ferro, da 
				Companhia de Gás, e o início dos primeiros lucros na sua 
				Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, reverteram a 
				situação crítica por que havia passado no ano anterior. Ficou 
				pronto para um novo ciclo de negócios.
				UM PRECURSOR 
				DO CAPITAL FINANCEIRO EM PLENA SOCIEDADE ESCRAVISTA
				
				            Estando o espaço 
				creditício tradicional ocupado pelo novo banco (posto a serviço 
				do capital parasitário), Mauá planejou uma instituição 
				financeira internacional – com sede no Brasil e uma grande 
				agência na Inglaterra – com o objetivo de captar capitais 
				europeus para serem investidos em empresas brasileiras e para o 
				financiamento do comércio exterior do país (aproveitando-se da 
				diferença entre os juros internos e externos), além de 
				atividades de câmbio. Adiantando-se à sua época e ao seu meio, 
				Mauá sonhava – em meados do século passado e em plena sociedade 
				escravista – com um banco associado a ferrovias e a industrias, 
				levando o progresso econômico ao país:
				
				Em poucos anos, uma 
				filial do Banco Mauá se acharia estabelecida em cada uma das 
				capitais das vinte províncias do Império, além de muitas outras 
				em localidades de alguma importância do Brasil; e, secundado 
				esse mecanismo de crédito com filiais em Londres e em Paris, 
				ficariam criados no Banco Mauá & Cia. elementos com base para 
				alimentarem operações de crédito e finanças, que interessariam 
				em grande escala ao progresso econômico do nosso país. 
				(...) vasto mecanismo de crédito que (...) se constituiria o 
				centro de todo o movimento monetário e financeiro da América 
				Meridional em ligação íntima com os principais centros 
				monetários da Europa. Realizado este pensamento, as empresas 
				brasileiras (...) não teriam por certo de arrastar-se 
				abatidas aos pés da usura desapiedada de maus elementos 
				financeiros da praça de Londres; 5% de garantia e não 7% seria 
				base suficiente para eu e meus agentes termos conseguido a 
				coadjuvação do capital europeu para as nossas empresas de viação 
				e quaisquer outras, se bem demonstrada utilidade para os 
				capitais a empregar, encontrariam apoio fácil e eficaz”.[27]
				
				Essa empresa seria um grande 
				banco de investimentos multinacional – se os termos já tivessem 
				sido inventados. (...) Sua experiência brasileira tinha lhe 
				mostrado que as empresas industriais e de transporte dependiam 
				cada vez mais de financiamento, e que um banco que não tivesse 
				apenas a função de emprestar dinheiro a terceiros, mas 
				funcionasse também como gerente de grandes projetos, daria 
				grandes lucros. Este seria, anos mais tarde, o esquema básico do 
				capitalismo financeiro, que só se consolidaria na Europa na 
				década seguinte, e nos Estados Unidos no final do século. Mas o 
				projeto de Mauá, que previa inclusive a abertura de capital do 
				banco, e uma vasta rede de empresas de capital aberto 
				subordinada a ele, só se implementaria em definitivo depois da 
				Primeira Guerra Mundial, já no século XX.[28]
				
				            Para escapar à 
				legislação das sociedades anônimas, sujeitas à aprovação e 
				intervenção governamental, aproveitou-se de brechas na 
				legislação e criou em julho de 1854 – tendo como sócios alguns 
				brasileiros e várias empresas dedicadas ao comercio exterior, na 
				sua maioria inglesas e francesas – a Mauá, Mac Gregor & Cia., 
				sociedade de responsabilidade limitada, formada por 182 
				investidores. O capital inicial seria de 30 mil contos de réis, 
				o mesmo do Banco do Brasil.
				
				            Como era de esperar, 
				logo começou um cerrado bombardeio à nova iniciativa de Mauá. 
				Depois de muitas marchas e contramarchas – tendo o governo 
				proibido a divisão do capital da Mauá, Mac Gregor & Cia. 
				em ações – Mauá teve que criar o novo banco com objetivos bem 
				mais limitados, reduzindo o seu capital para 20 mil contos e 
				direcionando-o fundamentalmente para a transferência de fundos 
				entre a Europa e o Brasil e para o mercado de câmbios.
				
				Logo conseguiu acumular 
				vultuosos lucros e começou a buscar novas oportunidades para 
				investimentos produtivos. Afora as obras públicas, as opções não 
				eram muitas em um mercado consumidor restrito, onde imperava uma 
				política de altas taxas de juros. Em 1855, Mauá associou-se a 
				mais quatro empreendimentos: uma fábrica de velas e sabões, uma 
				empresa para explorar ouro no Maranhão, uma companhia de 
				transportes urbanos e uma firma para a construção de diques 
				flutuantes.
				
				            O ano de 1857 vai 
				encontrar Mauá comandando 10 empresas. Algumas estavam 
				consolidadas, como o banco Mauá, Mac Gregor & Cia, a 
				fábrica da Ponta da Areia, a Companhia de Iluminação a Gás do 
				Rio de Janeiro, a Companhia de Navegação do Amazonas, a 
				Companhia de Luz Esteárica. Outras, como a mineradora do 
				Maranhão, a ferrovia Santos-Jundiaí e a companhia de diques 
				flutuantes, ainda eram interrogações. Já a Companhia fluminense 
				de transportes e a ferrovia de Petrópolis estavam condenadas[29].
				            
				Mas, a política governamental de priorização da agricultura e de 
				altas taxas de juro - com o objetivo de transformar os 
				ex-traficantes de escravos em felizes rentistas ou comissários 
				dos produtores de café - bloqueava o campo de ação dos 
				empresários progressistas e as perspectivas da industrialização 
				do país.
				
				            Mauá volta os seus 
				olhos, então, para a região platina. Em julho de 1857, cria o 
				Banco Mauá & Cia, em Montevidéu, autorizado a emitir 
				bilhetes (que funcionavam como papel moeda) no triplo do valor 
				dos depósitos existentes. Em 1859 esse banco já conta com 
				agências em Salto e Paissandu; logo em Cerro Largo e Mercedes. 
				Em janeiro do mesmo ano, a pedido de Urquiza, abre uma sucursal 
				do Banco Mauá em Rosário, sede da Confederação Argentina. Este 
				será o primeiro estabelecimento de crédito argentino, o único 
				durante oito anos. Logo abrirá sucursais também em Buenos Aires 
				e Gualeguaichi. Mauá investe em terras e compra na cidade de 
				Mercedes uma enorme estância de 160 mil hectares. Desenvolvendo 
				uma pecuária empresarial, estimula a melhoria das raças vacum e 
				cavalar, importa rebanhos de carneiros para a produção de lã de 
				qualidade: “Em 1860, o Barão de Mauá publicou avisos na imprensa 
				européia oferecendo prêmios ao inventor do melhor procedimento 
				para carne congelada (...) Na grande exposição Universal de 
				Londres de 1861, Mauá concorreu com produtos nacionais e 
				uruguaios de suas estâncias modernizadas: lãs de seus rebanhos, 
				gado vacum, etc., destacando-se os produtos do Uruguai.”[30] 
				Dessa sua intensa atividade empresarial no Uruguai dirá Alberto 
				de Faria: “o Banco Mauá e Cia. e o Barão de Mauá figuravam em 
				tudo quanto se fazia de útil no Uruguai: diques e estaleiros 
				para navios (...), plantações de algodão, curtumes (...), 
				fábrica de gelo, plantações e moinhos de trigo (...), tijolos, 
				ladrilhos, etc., tudo.”[31]
				
				
				            Mas, as notícias no 
				Brasil e em outras partes do mundo não são boas. Em junho de 
				1857, a fábrica da Ponta de Areia é destruida por um incêndio 
				(segundo alguns, por uma sabotagem dos ingleses) e os prejuízos, 
				não cobertos por seguros, alcançam 500 contos de réis, a perda 
				de tecnologia e a descontinuidade da produção. Na Inglaterra, 
				seu sócio Reynell de Castro enterra 1.700 contos de réis em 
				ações da estrada de ferro Recife-São Francisco, que logo se 
				revelaria uma mau negócio.
				
				            Neste momento, 
				explode uma grave crise bancária nos Estados Unidos. O câmbio 
				baixa de 27 para 22,7 pence por mil réis, em 4 meses. A pedido 
				do ministro Sousa Franco - que luta para sustentar a o valor da 
				moeda nacional frente a libra, mas não tem o apoio do Banco do 
				Brasil - Mauá faz uma jogada arriscada. Convencido que a queda é 
				artificial e logo se recuperará, obtém do governo uma garantia 
				para até 750 mil libras, faz empréstimos em Londres no valor de 
				1.800 mil libras (85% do capital de todas as suas empresas), e 
				investe na compra de moeda nacional ao preço de 25,5 pence por 
				mil réis. Ao resgatar esses empréstimos em setembro de 1858, o 
				câmbio já retornara a 27 pence por mil réis, rendendo um bom 
				lucro para o seu banco.
				            
				Mas, a política protecionista do governo, iniciada em 1844, 
				começa a ser desmontada por pressão dos ingleses e dos setores 
				agrários que não viam com bons olhos o incentivo a 
				industrialização em um país “predestinado” para a produção 
				agrícola:
				
				A comissão encarregada de 
				estudar a revisão tarifária, que acabou de efetivar-se em 1857, 
				e num sentido oposto ao que fora estabelecido por Alves Branco, 
				não hesitaria em formar assim o seu ponto de vista: “Uma tarifa 
				que encareceu com o peso de fortes direitos os instrumentos 
				agrários, e dificultou a sua aquisição, uma tarifa que encareceu 
				os gêneros necessários à subsistência da classe dos 
				trabalhadores, a conservação de imposto que dificultam a saída 
				de seus produtos, e a sua concorrência com seus similares nos 
				mercados exteriores, e colocam os nossos lavradores na triste 
				colisão, ou de abandonarem a lavoura da terra, ou de suportarem 
				rudes golpes por amor da indústria fabril.” (Relatório da 
				Comissão encarregada da revisão da tarifa em vigor que 
				acompanhou o projeto da tarifa apresentada pela mesma Comissão 
				ao Governo Imperial, Rio, 1853, p. 285)
				
				Argumentação especiosa, sem a 
				menor dúvida, que refletia a resistência a uma política de 
				industrialização e apoio tradicional à política de preservação 
				dos interesses da classe dominante agrária, desejosa de defender 
				a sua renda, infensa à criação de condições que permitiriam o 
				aparecimento da burguesia. A cisão nessa classe dominante 
				tradicional não atingira ainda o grau que permitiria a uma de 
				suas frações aceitar, esposar e defender, nessa seriação 
				crescente, a introdução de relações capitalistas na economia 
				brasileira. A tradição escravista e feudal detinha o processo 
				inexorável. Em 1857, assim, a tarifa reabre as portas do mercado 
				interno: “A diminuição dos direitos recaiu, em geral, sobre os 
				gêneros alimentícios e instrumentos e utensílios destinados à 
				lavoura. As matérias-primas foram sujeitas a uma taxa de 5%, 
				revogando-se os privilégios concedidos às fábricas nacionais; 
				todos os que se dedicavam a alguma indústria, grande ou pequena, 
				ficavam doravante sujeitos ao mesmo regime.” (Nícia Vilela Luz:
				A Luta pela Industrialização do Brasil (1808-1930), 
				S.Paulo, 1961, p. 24)[32]
				
				            Em 1860, através da 
				reforma Silva Ferraz, o governo isentou de direitos 
				alfandegários os materiais importados destinados à lavoura e os 
				navios construídos no estrangeiro, além de restringir a 
				circulação monetária, trazendo enormes dificuldades à produção 
				industrial no país. A fábrica da Ponta de Areia – que Mauá havia 
				acabado de reconstruir com pesados investimentos – foi 
				inviabilizada:
				
				A legislação sobre artefatos de 
				ferro foi se modificando. Navios a vapor e alguns de vela, dos 
				que a Ponta da Areia conseguiria fornecer 72 nos primeiros onze 
				anos de sua existência, tiveram ingresso do estrangeiro, 
				livres de direito! Da mesma forma, entraram maquinismos a 
				vapor e ainda outros, de sorte que a concorrência com os 
				produtos similares do exterior tornou-se impossível e o 
				estabelecimento decaiu. (...) falharam em sua totalidade 
				as encomendas do governo, e o serviço particular era mínimo; 
				foi, portanto, preciso fechar as portas das oficinas à míngua 
				de trabalho.”[33]
				
				            Mauá tentou vendê-la 
				aos ingleses, mas o rompimento de relações do Brasil com a 
				Inglaterra, em 1863, devido à “questão Christie”, inviabilizou o 
				negócio. Assim, dezessete anos após sua inauguração, a primeira 
				grande indústria instalada no Brasil é liquidada[34], 
				causando um prejuízo de cerca de mil contos de réis. Mauá também 
				decidiu fechar a empresa Fluminense de Transportes e a empresa 
				de diques flutuantes, que não se haviam mostrado lucrativas, 
				além de cortar os investimentos na mineradora do Maranhão. Para 
				fazer caixa diante de tantos reveses, Mauá ainda precisou vender 
				suas ações na ferrovia Santos-Jundiai.
				
				            Como se tudo isso 
				não bastasse, em maio de 1862 é criado em Londres “The London 
				and Brazilian Bank, com capital inicial de um milhão de 
				libras esterlinas (o equivalente a 10 mil contos de réis), que 
				passaria a disputar espaços diretamente com Mauá, em um mercado 
				até então relativamente livre de competidores. Três meses 
				depois, surge o “The London and River Plate Bank”, com um 
				capital inicial de 600 mil libras esterlinas, para atuar nos 
				principais mercados do Prata, concorrendo diretamente com Mauá, 
				que em Montevidéu monopolizava as atividades bancárias. O cerco 
				ia se fechando.
				
				            Apesar dos contratos 
				do The London and Brazilian Bank terem chegado ao Brasil 
				somente em julho de 1862, já em 2 de outubro do mesmo ano o 
				governo brasileiro autorizava o seu funcionamento através de 
				decreto (a exigência de aprovação pelo Parlamento só valia para 
				as empresas brasileiras). No entendimento das autoridades do 
				país, se o banco era estrangeiro não existiam razões para 
				desconfianças nem se deviam criar empecilhos para a sua 
				instalação...
				
				            Seguramente, o 
				início da década de 60 – de consolidação da oligarquia 
				agro-exportadora do café e de expansão do imperialismo inglês[35] 
				–  não prenunciava nada de bom para Mauá.
				A FRUSTRADA 
				TENTATIVA DE SALVAR-SE COLOCANDO-SE SOB A BANDEIRA INGLESA
				
				            Para enfrentar o 
				perigo que lhe surgia com a criação do The London Brazilian 
				Bank, Mauá fez uma manobra surpreendente. Vendeu sua mais 
				lucrativa empresa – a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de 
				Janeiro – ao maior acionista individual deste banco e propôs a 
				fusão do Mauá, Mac Gregor & Cia com o The London 
				Brazilian Bank, para a formação de um grande banco de 
				caráter internacional, no qual entraria com três quintos do 
				capital, sem exigir qualquer participação na sua direção (e 
				inclusive pedia que o seu nome não constasse nele). Por sua 
				proposta, revolucionária para a época, o novo banco deveria 
				abrir agências em Paris, Lisboa e Porto, para se juntarem às 
				dezessete agências que ambos já tinham na América do Sul e 
				Europa. Em carta a seu amigo uruguaio Andrés Lamas, em 8 de 
				agosto de 1865, Mauá explica seus motivos para essa associação 
				com os ingleses:
				
				Porque compreendi todo o alcance 
				da guerra injusta e desleal que me faziam é que me resolvi a pôr 
				meus interesses debaixo da bandeira inglesa, ficando assim a meu 
				ver amparados; também queria ocultar o meu nome, o que não me 
				foi possível (...) Estava tranqüilo quanto aos recursos na 
				marcha regular dos sucesso, e os resultados provavam que teria 
				razão - agora, antes que me possam ferir de novo, encontrarão 
				pela frente a bandeira inglesa.[36]
				
				            Depois de longas 
				negociações – em que os novos sócios exigiram a colocação do seu 
				nome na nova entidade financeira - que passaria a se chamar 
				The London Brazilian & Mauá Bank – foi acertado que Mauá 
				indicaria apenas um dos sete diretores, ele próprio. Em dezembro 
				de 1865 o novo banco é anunciado em Londres. Mauá providencia a 
				transferência de seus contratos e concessões, conseguindo-o 
				facilmente no Uruguai e na Argentina e em quase todos os 
				negócios brasileiros. Quanto ao London and Brazilian Bank, 
				comunica ao governo brasileiro a sua mudança de nome e a 
				continuidade de suas operações nas mesmas condições, só que com 
				uma nova razão social. A data do início das operações foi 
				marcada para 1º de janeiro de 1866.
				
				            Mas o governo brasileiro, diante da 
				participação de Mauá no novo banco, impôs condições: o novo 
				banco, apesar de constituído em Londres, precisaria organizar-se 
				de acordo com a lei brasileira de sociedades anônimas. Ou seja: 
				se os ingleses ficassem sem um sócio brasileiro, continuariam 
				gozando dos benefícios da lei das sociedades anônimas inglesas; 
				se aceitassem o sócio brasileiro, passariam a estar submetidos à 
				lei das sociedades anônimas brasileiras. Estava fechado o 
				caminho para a fusão e a situação de Mauá debilitara-se 
				enormemente, pois Alexandre Mac Gregor se retirou-se da parceria 
				que até agora mantinha com Mauá.
				
				            Dono, ainda, de uma 
				fortuna pessoal considerável, Mauá reuniu seus parceiros 
				brasileiros na Mauá, Mac Gregor & Cia e lhes propôs 
				liquidar esta empresa, criando em seu lugar uma nova empresa, em 
				que ele seria o único sócio responsável, e na qual colocaria 
				como garantia todos os seus bens pessoais. Se ao final de três 
				anos ele não conseguisse ressarcir os sócios minoritários de 
				todos os seus investimentos, estes teriam o direito de lhe 
				vender suas cotas pelo valor nominal, e elas seriam pagas com o 
				seu dinheiro pessoal. Assim, em vez do grande banco 
				internacional idealizado por Mauá, nasceu em 1º de janeiro de 
				1867 uma simples empresa comercial com um único sócio 
				responsável: Irineu Evangelista de Sousa, então com 53 anos de 
				idade. A Mauá & Cia nascia para diminuir, não para 
				crescer. Mesmo assim, os ativos da nova empresa eram enormes:
				
				De sua mesa saíam ordens para os 
				diretores de dezessete empresas instaladas em seis países (...) 
				o barão geria bancos no Brasil, Uruguai, Argentina, Estados 
				Unidos, Inglaterra e França; estaleiros no Brasil e no Uruguai; 
				três estradas de ferro no interior do Brasil; a maior fábrica do 
				país, uma fundição que ocupava setecentos operários; uma grande 
				companhia de navegação; empresas de comércio exterior; 
				mineradoras usinas de gás; fazendas de criação de gado; fábricas 
				variadas. (...) Quando o barão resolveu, em 1867, reunir a maior 
				parte das empresas num único conglomerado, o valor total dos 
				ativos chegou aos 115 mil contos de réis. Só havia um número no 
				país comparável a este: orçamento do Império, que consignava 
				todos os gastos do governo dirigido por se vizinho, Dom Pedro 
				II, com 97 mil contos de réis naquele mesmo ano.[37]
				
				            Mas no final de 1869 
				havia findado o prazo que Mauá havia solicitado para recompor o 
				capital da Mauá & Cia, e o resultado financeiro tinha 
				sido o inverso do esperado. Em vez de melhorar, a empresa tinha 
				se decomposto ainda mais. Em fevereiro de 1870 é feita a reunião 
				dos sócios e explicado o difícil quadro. Diversos sócios pediram 
				o seu dinheiro de volta. Para pagá-los, Mauá hipotecou parte de 
				seus bens pessoais ao Banco do Brasil.
				
				            Em 1871, a subida do ministério Rio 
				Branco, seu amigo pessoal, lhe desanuviou um pouco a situação. A 
				pressão brasileira sobre o Uruguai - através do seu embaixador 
				em Montevidéu - lhe ajudou a colocar em ordem os seus negócios 
				neste país. Aqui, conseguiu renegociar os juros de sua dívida 
				com o Banco do Brasil, em condições mais favoráveis, e arrancou 
				uma autorização para vender em Londres a Companhia de Navegação 
				do Amazonas, com o objetivo de liquidar suas dívidas pendentes e 
				recompor sua fortuna pessoal. A exitosa venda, em março de 1872, 
				da Companhia de Gás de Montevidéu, proporcionou-lhe uma injeção 
				de quase meio milhão de libras no caixa da Casa Mauá. As coisas 
				pareciam começar a melhorar.
				
				            Mauá retomou, então, 
				iniciativas que marcarão época. Em 1873, criou a Companhia 
				Agrícola, Pastoril e Industrial – com 250 mil hectares, mais de 
				200 mil cabeças de gado, uma charqueada e uma fábrica de carnes 
				em conserva. Em 1874, foi o responsável pelo estabelecimento da 
				ligação telegráfica, via cabo submarino, entre o Brasil e a 
				Europa – cuja concessão cedeu gratuitamente aos ingleses – 
				inaugurada pelo Imperador D. Pedro II em 22 de junho desse ano. 
				Em reconhecimento, recebeu do Imperador o título de Visconde de 
				Mauá.
				O TRISTE FIM 
				DE UM BURGÊS EM UMA SOCIEDADE ESCRAVISTA E DEPENDENTE
				
				            Em fins de 1874, 
				Mauá foi chamado às pressas à Montevidéu pois nova revolução 
				havia explodido, levando ao poder o caudilho colorado Varella. A 
				nova política monetária do governo Varella causa, em 23 de 
				fevereiro de 1875, uma verdadeira corrida aos bancos para trocar 
				os seus bilhetes por ouro. A situação deixa o Banco Mauá a 
				descoberto em relação a um cheque de 200 mil libras do Banco 
				Alemão. Em situação emergencial, Mauá solicitou um empréstimo de 
				300 mil libras ao Banco do Brasil, para cobrir esse cheque e ter 
				uma reserva de segurança. Como garantia, ofereceu as ações da 
				Companhia Agrícola, Pastoril e Industrial, que valiam o dobro 
				disso. Surpreendentemente o Banco do Brasil negou-se a 
				conceder-lhe o empréstimo salvador. Apesar de possuir um ativo 
				bem superior ao seu passivo e apesar de possuir bens suficientes 
				para cobrir essas 300 mil libras, Mauá fica momentaneamente 
				insolvente e foi obrigado, em 17 de maio de 1875, a fechar as 
				portas e entrar em processo irreversível de liquidação. Depois 
				que os peritos (do Banco do Brasil e do Tesouro Nacional) 
				constataram a solvência de Mauá & Cia, foi declarada sua 
				moratória por três anos, prazo para a liquidação de todos os 
				seus débitos para com os credores.
				
				            Ficava claro que nem 
				o capitalismo europeu em expansão – em especial o inglês – nem a 
				oligarquia escravista brasileira estavam dispostos a tolerar os 
				negócios de Mauá. Haviam-no aceito, até certo ponto, enquanto 
				este os servia e não os ameaçava. Agora, porém, devia ser 
				descartado. E o foi.
				
				            Mauá ainda tentou 
				resistir. Uma de suas esperanças era conseguir cobrar os valores 
				que o governo uruguaio lhe devia. O alheamento do Império em 
				relação ao problema e o caos político e econômico do país 
				vizinho, sacudido por sucessivas revoluções, inviabilizaram essa 
				solução. A outra esperança de Mauá era a cobrança da dívida de 
				quase 500 mil libras esterlinas que a São Paulo Railway tinha 
				com ele, mas a empresa inglesa exigiu que o julgamento da causa 
				ocorresse na Inglaterra. O Supremo Tribunal de Justiça – depois 
				de ter garantido a Mauá, em 1869, o direito de demandá-la no 
				Brasil – voltou atrás e, 8 anos depois, abdicando da soberania 
				nacional, adotou a tese de que só a justiça inglesa era legítima 
				para decidir. Só que, a essa altura, pelas leis inglesas, o 
				prazo para qualquer ação jurídica já havia caducado, e Mauá não 
				conseguiu reaver um único tostão.
				
				            Apesar de todos 
				esses percalços, Mauá pagou no prazo de três anos 75% dos 
				credores. Como ainda faltavam 25%, a sua falência foi decretada 
				em 1878. Mas ainda lhe restavam muitos bens pessoais, muitos 
				deles no exterior. Um a um, esses bens, inclusive sua casa e 
				seus objetos pessoais, foram por ele vendidos para pagar os seus 
				credores. Seis anos depois, consegue quitar o seu último débito. 
				Em 30 de janeiro de 1884, o Juiz Miguel Calmon pronunciou a 
				sentença de reabilitação comercial de Mauá, então com 70 anos de 
				idade.
				
				            A fim de retomar a 
				sua vida após a falência, tomou emprestado de seu filho Henrique 
				200 contos de réis e outros tantos de seus amigos Inácio 
				Tavares, Juan Frias e Simão Porciúncula. Com esse pequeno 
				capital recomeçou a vida como corretor, montando um escritório 
				no Rio de Janeiro e readquirindo sete mil ações da Companhia 
				Agrícola, Pastoril e Industrial. Passa a viver em uma casa 
				alugada em Petrópolis. Em 21 de outubro de 1889, aos 75 anos de 
				idade, morreu de “diabetes e pneumonia”.
				
				            A família de Mauá 
				recebeu os pêsames do Imperador. O Banco do Brasil fechou as 
				suas portas na Corte em sinal de luto e o mesmo fizeram inúmeras 
				casas bancárias no Rio e em Petrópolis.
				O INDIVÍDUO 
				VENCIDO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS
				
				            A análise da 
				trajetória desse grande empresário moderno, que foi o Visconde 
				de Mauá, nos permite importantes conclusões sobre os primeiros 
				passos da industrialização brasileira.[38]
				
				            A primeira delas, é 
				no sentido de que o primeiro surto industrial no Brasil - em 
				pleno regime escravista - só foi possível devido à intervenção 
				econômica do Estado, através da política tarifária de Alves 
				Branco, posta em prática a partir de 1844. As novas taxas 
				alfandegárias - ainda que em grande parte de inspiração 
				fiscalista - acabaram com os privilégios que os ingleses 
				detinham desde 1810 e constituíram-se em uma proteção para a 
				criação de indústrias no país. Mas este incentivo à 
				industrialização pouco significado teria sem a abolição do 
				tráfico negreiro em 1850, liberando enormes quantidades de 
				capitais, até então aplicados nesse lucrativo negócio. Portanto, 
				é a conjunção dessas duas circunstâncias que irá – apesar do 
				meio escravista desfavorável ao desenvolvimento das forças 
				produtivas – propiciar a ação de Irineu Evangelista de Sousa e 
				alguns outros poucos pioneiros, em geral influenciados pelo 
				exemplo da industrialização inglesa, no sentido do 
				desenvolvimento de atividades industriais e bancárias no Brasil:
				
				 O fenômeno Mauá teria sido 
				impossível se já não houvesse capitais acumulados dentro do 
				Brasil e cuja disponibilidade aumentou após a cessação do 
				tráfico de escravos africanos. Mas o próprio Visconde não foi 
				mais do que um tipo de transição, ainda um capitalista inserido 
				na formação escravista, embora se chocasse com a estreiteza dos 
				seus limites para a realização de empreendimentos modernos que, 
				sob outro aspecto, não deixavam de prenunciar o advento do 
				capitalismo.[39]
				
				            É importante notar 
				que essa industrialização inicial não se dá contra ou em 
				confronto com a sociedade escravista de então[40], 
				apesar das contradições latentes que iriam se manifestar mais 
				adiante. Ao contrário, se dá em estreita aliança com suas 
				classes dominantes – os grandes proprietários escravistas e os 
				grandes comerciantes exportadores/importadores – e alavancada 
				pela oligarquia governante. Pois, estas novas oportunidades de 
				negócios que surgem, são alternativas de aplicações rentáveis 
				para os capitais ociosos nas mãos destas oligarquias. E, 
				inclusive, através da modernização dos meios de transporte e de 
				mecanismos mais ágeis e menos onerosos de financiamento, uma 
				forma de diminuir os custos da produção agrícola escravista 
				(especialmente cafeeira), dando-lhe uma sobrevida.
				
				            Assim, observamos 
				que esta burguesia - que nasce das entranhas da sociedade 
				escravista - está desde o seu início atrelada à classe dominante 
				escravista e ao seu governo, dele dependendo em tudo: da 
				proteção alfandegária, da garantia de fornecimento de produtos 
				ou serviços ao governo (único grande comprador neste mercado 
				quase inexistente)[41], 
				e da concessão de empréstimos do Tesouro, autorizados 
				diretamente pelo poder legislativo. Como nos diz Faoro, “A 
				indústria vivia, como tudo o mais, ao arbítrio do governo, maior 
				fornecedor de capitais e maior comprador de mercadorias. Fora do 
				seu calor, a atividade econômica murchava e morria.”[42]
				
				            Outra característica 
				desta burguesia nascente, é sua estreita vinculação e associação 
				com os capitais estrangeiros, no caso o capital inglês, que dava 
				os seus primeiros passos rumo à sua fase imperialista:
				
				Notemos que Mauá foi banqueiro e 
				quase todas suas iniciativas empresariais visaram suprir 
				serviços públicos, como concessões do Estado em condições de 
				monopólio e, em vários casos, com subvenções ou empréstimos do 
				Estado. Foi assim que organizou empresas de transportes urbanos 
				e de iluminação pública a gás, companhias de navegação fluvial a 
				vapor, várias estradas de ferro e a comunicação por meio de cabo 
				submarino. Entre suas numerosas empresas, quase a única de 
				transformação industrial direta - o Estaleiro e Fundação Ponta 
				de Areia, que chegou a reunir cerca de mil trabalhadores -, 
				mesmo esta surgiu do projeto de fornecimento de tubos de ferro 
				ao Governo, com vistas à canalização das águas do rio Maracanã. 
				Por conseguinte, os empreendimentos de Mauá eram compatíveis com 
				o regime escravista e contribuíram para tornar viável seu 
				funcionamento, num período já de declínio. Ademais, uma vez que 
				dependia do Estado, empenhou-se em intensa atividade política e 
				teve bom relacionamento com vários gabinetes ministeriais do 
				Império, que o nobilitou com os títulos de barão e visconde. 
				Quando o Império se recusou a cobrir os débitos do Banco Mauá, 
				faliu. E faliu também porque, na construção da Estrada de Ferro 
				Santos a Jundiaí (que veio chamar-se São Paulo Railway), recebeu 
				uma rasteira do capital inglês, ao qual diversas vezes recorreu, 
				antecipando um comportamento comum à burguesia brasileira 
				posterior.[43]
				
				            É neste contexto que 
				devemos situar a intensa e contraditória atividade empresarial 
				de Mauá - comerciante, industrial, banqueiro, financista, 
				político - sua vertiginosa ascensão e sua rocambolesca queda. 
				Nem anjo, nem diabo: um capitalista em uma sociedade escravista, 
				dominada pela Inglaterra, onde, como hoje, as oligarquias 
				governantes concediam maiores facilidades aos capitais 
				estrangeiros do que aos capitais nacionais. Manipulando suas 
				influências no governo, ao mesmo tempo que por este era usado em 
				inúmeras jogadas geopolíticas. Associado aos ingleses, ao mesmo 
				tempo que em conflito com eles à medida que crescia e se 
				expandia. Adiantando-se ao seu tempo e à realidade do seu país, 
				Mauá aproveitou-se das circunstâncias favoráveis e construiu, em 
				menos de 10 anos, uma grande império empresarial e uma grande 
				fortuna.
				
				            Mas suas bases, 
				assentes em uma sociedade escravista e dependente, não eram 
				sólidas. Logo as oligarquias dominantes trataram de colocar um 
				freio a essas atividades “subversivas” ou enquadrá-las 
				rigidamente. O relatório da Comissão de Inquérito sobre a 
				situação financeira do país, criada pelo ministro Ângelo Ferraz 
				em 1859 – o mesmo que iniciou o desmonte das proteções 
				alfandegárias em 1857 – é eloqüente:
				
				a história do mundo [...] não 
				apresenta outro exemplo de uma desmoralização social tão 
				repentina, de uma corrupção de hábitos santificados por séculos 
				de duração, tão assustadora como temos presenciado no Brasil de 
				1854 para cá [...] Antes bons negros da costa da África para 
				felicidade sua e nossa [...] do que finalmente empresas 
				mal-avisadas, muito além das legítimas forças do país, as quais 
				perturbando as relações da sociedade produzindo uma deslocação 
				de trabalho, têm promovido, mais que tudo a escassez e alto 
				preço de todos os víveres.[...] quanto mais não é de 
				lastimar que o nosso povo fosse ainda envenenado moralmente pela 
				introdução do detestável sistema de bancos de emissão, criaturas 
				do monstro - cobiça comercial! Não vimos sem grande receio a 
				facilidade com que os governos, Imperial e provincial, prestam 
				nestes últimos anos a sua garantia a várias empresas.[44]
				
				            A pressão dos 
				setores escravistas e dos ingleses pelo fim das tarifas 
				alfandegárias[45] 
				- que oneravam suas importações - pelo fim dos “privilégios” 
				para as indústrias; a transformação do Banco do Brasil - agora 
				sob o controle da oligarquia governante - em uma alternativa 
				para a aplicação rentável dos capitais parasitários, a crescente 
				má vontade contra essas “inovações” - que contrariavam a 
				tradicional “vocação agrícola” do Brasil; a falta de um mercado 
				de trabalho livre; tudo isso foi vulnerabilizando as posições de 
				Mauá e outros pioneiros:
				
				a maioria esmagadora das 
				empresas criadas depois da reforma de tarifas de 1844 não 
				conseguiu sobreviver devido à falta de mão-de-obra qualificada, 
				concorrência por parte das esferas mais lucrativas de aplicação 
				do capital e, especialmente, devido ao enfraquecimento do 
				protecionismo alfandegário iniciado a partir de 1857. Em 
				particular, em 1858 decaíram ou foram fechadas fábricas têxteis 
				da capital, mesmo as que recebiam ajuda por parte do governo. 
				Depois da diminuição de impostos sobre a importação de navios a 
				vapor, de alguns tipos de veleiros e de máquinas a vapor, o 
				estaleiro de Mauá viu-se forçado ao conserto de navios pequenos 
				e em 1861 foi fechado.[46]
				
				            É nesse contexto que 
				inicia a derrocada de Mauá e de seu império empresarial. Dele se 
				conservarão inúmeras obras pioneiras – a maioria delas agora sob 
				controle dos capitais ingleses[47] 
				- e as primeiras experiências capitalistas em um solo pouco 
				propício. Experiências que só serão retomadas, em um novo nível, 
				após a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, que 
				abrem de fato o caminho para o desenvolvimento do capitalismo no 
				Brasil.
				
				            Amancebada desde o 
				seu início com o capital estrangeiro, subordinada à grande 
				propriedade da terra, dependente do governo, temerosa do povo[48], 
				a burguesia brasileira estará marcada desde a sua origem pela 
				pusilanimidade e a falta de um verdadeiro projeto nacional. Tal 
				qual o é hoje.
				
					NOTAS
					
						
						
						
						
						[1] “Irineu Evangelista de Souza - 
						Barão e depois Visconde de Mauá - domina a década com 
						trabalhos de industrial ousado, banqueiro, construtor de 
						ferrovias, empresário de navegação, introdutor de 
						inovações tecnológicas, político, diplomata. Sua ação 
						estende-se por todo o Brasil e mesmo áreas vizinhas, 
						como o Uruguai, sem falar em participações bancárias, 
						como as de Montevidéu, Buenos Aires, Nova Iorque, Paris, 
						Londres, Manchester. Nas condições do Brasil de meados 
						do século XIX, é quase aparição fantasmal, pois mesmo 
						agora seria considerado temerário. Sua biografia é a 
						história de um homem moderno em meio acanhado, de 
						industrial e financista entre agricultores e 
						comerciantes tímidos.” [IGLÉSIAS, Francisco. A 
						industrialização brasileira. São Paulo: Brasiliense, 
						1993., pp. 46-47].
 
					
						
						
						
						
						[2] SODRÉ, Nelson Werneck. História 
						da burguesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização 
						Brasileira, 1967, p. 124.
 
					
						
						
						
						
						[3] GRAHAN, Richard. Grã-Bretanha e 
						o início da modernização no Brasil. São Paulo: 
						Brasiliense, 1973, pp. 210-211.
 
					
						
						
						
						
						[4] VARELA, Alfredo. Revoluções 
						Cisplatinas. Citado por BESOUCHET, Lídia. Mauá e 
						seu tempo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 
						38.
 
					
						
						
						
						
						[5] FARIA, Alberto de. Mauá. 
						São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933, p. 53.
 
					
						
						
						
						
						[6] CALDEIRA, Jorge. Mauá: 
						empresário do Império. São Paulo: Companhia das 
						Letras, 1995, p.172
 
					
						
						
						
						
						[7] GANNS, Cláudio. A Trajetória de 
						um Pioneiro (Em torno da vida de Mauá). In: MAUÁ, 
						Visconde de. Autobiografia – Exposição aos credores e 
						ao público./O meio circulante no Brasil. Rio de 
						Janeiro: TOPBOOKS, 1998, p. 33.
 
					
						
						
						
						
						[8] Relatório do Marquês de 
						Lavradio ao seu sucessor, vice-rei Luís de Vasconcelos e 
						Souza. In: LIMA, Heitor Ferreira. História 
						político-econômica e Industrial do Brasil. São 
						Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, pp. 56-57.
 
					
						
						
						
						
						[9]AZEVEDO, Carlos e ZAGO Jr., 
						Guerino. Do tear ao computador – As lutas pela 
						industrialização do Brasil. São Paulo: Política 
						Editora, 1989, p. 12.
 
					
					
						
						
						
						
						[11] LUZ, Nícia Vilela. A luta pela 
						industrialização do Brasil (1808 a 1930). São Paulo: 
						Difusão Européia do Livro, 1961, p.15
 
					
						
						
						
						
						[12] MANCHESTER, Alan K. 
						Preeminência inglesa no Brasil. São Paulo: 
						Brasiliense, 1973, p. 88.
 
					
						
						
						
						
						[13] BRANCO, Manuel Alves. Proposta 
						e relatório apresentados à Assembléia Geral Legislativa 
						na Primeira Sessão da Sexta Legislatura pelo Ministro e 
						Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de 
						Janeiro: 1845, p. 34.
 
					
						
						
						
						
						[14] “No decênio posterior a 1850 
						observam-se índices dos mais sintomáticos disto: 
						fundam-se no curso dele 62 empresas industriais, 14 
						bancos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação 
						a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8 de 
						mineração, 3 de transporte urbano, 2 de gás e finalmente 
						8 estradas de ferro.” [PRADO JÚNIOR, Caio. História 
						econômica do Brasil. 2ª ed. São Paulo, Brasiliense, 
						1949, p. 202]
 
					
						
						
						
						
						[15] CALDEIRA. Op. Cit., pp. 191-192.
 
					
						
						
						
						
						[16] GUIMARÃES, Alberto Passos. 
						Quatro séculos de latifúndio. São Paulo: Fulgor, 
						1964, pp. 120-121.
 
					
						
						
						
						
						[17] CALDEIRA. Op. 
						Cit., p. 199.
 
					
						
						
						
						
						[18] BESOUCHET. Op. 
						Cit., pp. 40-41.
 
					
						
						
						
						
						[19] CALDEIRA. Op. Cit., p. 233.
 
					
						
						
						
						
						[20] “Foi necessário esperar até a 
						extinção do tráfico, em 1851, para que surgisse 
						oportunidade semelhante à de 1808. Os capitais líquidos 
						retirados abruptamente do negócio permitiram, 
						finalmente, a melhoria nas condições de liquidez. (...) 
						as taxas de juros afinal entraram em queda. (...) A nova 
						realidade pôde ser ensaiada no Rio, com grandes obras de 
						Mauá, financiadas pelos capitais do tráfico captados a 
						juros baixos, e no Nordeste, com a venda de escravos 
						para o Sudeste”. [CALDEIRA, Jorge. A Nação 
						Mercantilista . São Paulo: Editora 34, 1999, 
						p.384-3875]
 
					
						
						
						
						
						[21] MAUÁ. Autobiografia... Op. 
						Cit., p. 116.
 
					
						
						
						
						
						[22] O primeiro Banco do Brasil surge 
						em 1808, com a vinda de D. João VI, mas só passa a 
						funcionar de fato no ano seguinte, sendo liquidado em 
						1829. Em 1833, durante a Regência, foi novamente 
						autorizado a funcionar, mas não conseguiu concretizar a 
						subscrição de ações. Ressurge em 1851, com Mauá a 
						frente, com o caráter de banco privado.
 
					
						
						
						
						
						[23] Em 1849, o tenente Matthew Maury, 
						da marinha norte-americana – ao retornar de uma excursão 
						científica pelo rio Amazonas e tomado pela febre 
						expansionista que dominava o país – lançou uma cruzada 
						pela livre navegação do mesmo, argumentando que a 
						riquíssima bacia amazônica não passava de uma 
						continuidade da do Mississipi, que a direção dos ventos 
						levava todos os navios que passavam pela foz do Amazonas 
						diretamente aos portos do sul da União, que esse imenso 
						tesouro era desconhecido do Brasil e que o primitivo 
						governo daquele país, com sua política “japonesa”, 
						impedia o acesso a tais riquezas; enfim, que os bens da 
						terra pertenciam àqueles que fossem capazes de 
						aproveitá-los e a abertura do Amazonas significava para 
						os EUA o mesmo que a compra da Louisiana, não havendo 
						tempo a perder. A cruzada de Maury encontrou eco no 
						Brasil através das Cartas do Solitário de Tavares 
						Bastos. As diplomacias norte-americana e brasileira 
						apressaram-se em estabelecer acordos com os países 
						banhados pelo rio: no Peru e na Colômbia, os brasileiros 
						chegaram antes dos norte-americanos e negociaram acordos 
						de navegação pelos quais o rio só ficaria aberto à 
						navegação dos países ribeirinhos; na Bolívia e Equador 
						os emissários brasileiro chegaram atrasados, e esses 
						países estabeleceram acordos com os EUA, pelos quais 
						seus rios amazônicos ficavam abertos à navegação de 
						navios de quaisquer países; por fim, os representantes 
						de ambos países chegaram a Venezuela antes que qualquer 
						acordo estivesse fechado e este país não tomou nenhuma 
						posição. Esse quadro de disputa pela Amazônia impôs ao 
						Brasil a busca da sua rápida integração ao país, sob 
						pena de perdê-la. [FARIA. Op. Cit., pp. 197-198; 
						CALDEIRA. Mauá... Op. Cit., pp. 237-240]
 
					
						
						
						
						
						[24] “Nesta empresa, construída de 
						acordo com modelos ingleses e sob a direção de 
						engenheiros ingleses, trabalhavam mais de mil pessoas.” 
						[KARAVAEV, A. Brasil, passado e presente do 
						“capitalismo periférico”. Moscou: Progresso, 1987, 
						p. 70]
 
					
						
						
						
						
						[25] CALDEIRA. Mauá... Op. 
						Cit., pp. 260-261.
 
					
						
						
						
						
						[26] “Encarava-se o Banco do Brasil 
						como uma grande caixa de descontos local que 
						devia realizar essas operações pela taxa mais alta 
						que fosse possível obter (...) qualquer operação de
						finanças nem era compreendida. [MAUÁ. 
						Autobiografia... Op. Cit., p. 214-215]
 
					
						
						
						
						
						[27] MAUÁ. Autobiografia... Op. 
						Cit., pp. 219-220.
 
					
						
						
						
						
						[28] CALDEIRA. Mauá... Op. 
						Cit., p. 417.
 
					
						
						
						
						
						[29] A estrada de rodagem União e 
						Industria devia alimentar e tornar rentável a estrada de 
						ferro Petrópolis, trazendo-lhe as cargas da província de 
						Minas; forçado a abrir mão dessas cargas para a estrada 
						de ferro D. Pedro II, Mauá afirmou: “a estrada de ferro 
						de Petrópolis (...) era entregue ao extermínio! Minha 
						opinião naquele transe doloroso na vida dessa companhia, 
						achando-me fora do Brasil, foi que se levantassem os 
						trilhos e se vendesse em hasta pública o material da 
						empresa”. [MAUÁ. Autobiografia... Op. Cit., p. 
						1127-128]
 
					
						
						
						
						
						[30] ACEVEDO, Eduardo. Manual de 
						História Uruguaya. In: BESOUCHET. 
						Op. Cit., p. 102.
 
					
						
						
						
						
						[31] FARIA. Op. Cit., p. 287.
 
					
						
						
						
						
						[32] SODRÉ. História da... Op. 
						Cit., p. 115.
 
					
						
						
						
						
						[33] MAUÁ. Autobiografia... Op. 
						Cit., p. 102-104.
 
					
						
						
						
						
						[34]  “daquele estabelecimento saíram 
						fabricados tubos de ferro para o encanamento das águas 
						do Maracanã. Tubos de ferro para o encanamento do 
						Andaraí Grande. Lampiões de ferro, canos destinados ao 
						fornecimento de gás para a cidade do Rio de Janeiro. 
						Navios utilizados pelo país nas lutas contra Oribe, 
						Rosas e Solano López. Navios para a navegação no Rio 
						Amazonas. Rebocadores a vapor para a Barra do Rio 
						Grande. Navios costeiros, que franqueavam toda a costa 
						brasileira de Manaus ao Rio Grande do Sul, concorrendo 
						com navios ingleses e franceses. A ponte de ferro de 
						Santo Amaro na Estrada de Jericó. A ponte de ferro sobre 
						o Rio Alcântara (...) na Província do Rio de Janeiro. A 
						ponte de ferro sobre o Rio Paraíba. O portão de ferro da 
						Quinta Imperial da Boa Vista. O navio Presidente 
						Dantas, que inaugurou a linha fluvial do São 
						Francisco, de Juazeiro até Salgado, na Província de 
						Minas Gerais. Máquinas para a Imprensa Nacional, 
						enxadas, martelos, pregos, trilhos, etc.” [BESOUCHET. 
						Op. Cit., p. 95]
 
					
						
						
						
						
						[35] “o período de desenvolvimento 
						máximo do capitalismo pré-monopolista, o capitalismo em 
						que predomina a livre concorrência, vai de 1860 a 1870. 
						(...) é exatamente depois desse período que 
						começa o enorme ‘ascenso’ de conquistas coloniais, que 
						se exacerba (...) a luta pela partilha territorial do 
						mundo.” [LENIN. Obras Escolhidas. São Paulo: 
						Alfa-Ômega, 1982, v.1, p. 633]
 
					
						
						
						
						
						[36] MAUÁ, Visconde de. Citado por 
						CALDEIRA, Mauá... Op. Cit., p. 430.
 
					
						
						
						
						
						[37] CALDEIRA. Mauá... Op. 
						Cit., p. 17.
 
					
						
						
						
						
						[38] “A figura de Mauá aparece, nestes 
						estudos, não para ser posta em uma evidência ímpar (...) 
						Mas para caracterizar uma época. Para mostrar como foi 
						ele, não o criador de um ambiente, mas o produto do meio 
						em que viveu. (...) Tivesse sido ele uma culminância 
						individual e soberba única, nada teria aqui a lembrá-lo, 
						porque os estudos que vimos fazendo não giram em torno 
						de pessoas, ainda que heróicas ou sobre-humanas, para se 
						dirigirem aos traços da sociedade, às características da 
						sua formação, ao seu processo de desenvolvimento. (...) 
						Mauá não aparece, pois, nestes estudos, como homem 
						notável – que foi – mas como personificação de uma 
						orientação política, numa das suas faces mais 
						expressivas, a das iniciativas econômico-financeiras. 
						Ele foi, sem dúvida, o grande homem que um de seus 
						biógrafos admirou. Mas condicionado às peculiaridades da 
						sua época, que lhe foi propícia e que ele representou, 
						como poucos a representaram.” [SODRÉ, Nelson Werneck. 
						Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro: 
						GRAPHIA, 1998, pp. 236, 237, 240]
 
					
						
						
						
						
						[39] GORENDER, Jacob. A burguesia
						brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 13.
 
					
						
						
						
						
						[40] Muito se tem falado de uma 
						postura abolicionista de Mauá. Na verdade, sua posição 
						sobre a questão era contraditória. Por um lado, colocava 
						em seus contratos de prestação de serviços público 
						cláusulas onde se obrigava a “não empregar o braço 
						escravo” e desde 1853 pregou a utilização de imigração 
						branca para substituir o braço escravo; nessa mesma 
						década, fundou colônias agrícolas no Amazonas com 600 
						açorianos e 500 algarvianos; nas suas estâncias do sul 
						colocou 500 açorianos e trouxe chineses que plantavam 
						chá, arroz, alfafa para suas propriedades no Uruguai; em 
						1872, estabeleceu 200 hindus em suas fazendas em Macaé e 
						outros 100 em Sapopemba. Ao mesmo tempo, era incapaz de 
						visualizar a incorporação dos escravos na nova ordem 
						social e temia uma abolição prematura, pois “a única 
						fonte ou mercado de trabalho que o Brasil tinha 
						até então conhecido era o braço africano” e “mais 
						dez a quinze anos de inércia e a grande lavoura, já em
						decadência, se arruina à míngua de braços”. 
						Defendia, antes de qualquer emancipação dos escravos, a 
						viabilização de um substituto ao braço servil, assumindo 
						uma postura pragmática frente à abolição. [MAUÁ. 
						Autobiografia.... Op. Cit., p. 202]
 
					
						
						
						
						
						[41] O próprio Mauá mostra ter 
						consciência disso quando – referindo-se à sua fábrica da 
						Ponta da Areia – afirma: “Desde que o estabelecimento 
						ficou montado para produzir em grande escala, 
						havia-me eu aproximado dos homens de governo do país em 
						demanda de TRABALHO para o estabelecimento industrial, 
						cônscio de que essa proteção era devida, mormente
						precisando o Estado dos serviços que eram 
						solicitados, em concorrência com encomendas que 
						da Europa tinham que ser enviadas, e já foi dito 
						quanto o estabelecimento prosperou no período em que 
						essa proteção lhe foi dada.” [MAUÁ. Autobiografia... 
						Op. Cit., p. 108-109]
 
					
						
						
						
						
						[42] FAORO, Raymundo. Os donos do 
						poder. Porto Alegre: Editora Globo, 1958, p. 219.
 
					
						
						
						
						
						[43] GORENDER. Op. Cit., pp. 12-13
 
					
						
						
						
						
						[44] Relatório da Comissão de 
						Inquérito sobre a situação financeira do país (1859). 
						Citado por PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução Política do 
						Brasil e Outros Estudos. São Paulo: Editora 
						Brasiliense, 1971, p. 83-85.
 
					
						
						
						
						
						[45] “Se, a princípio, foram os 
						interesses britânicos o grande obstáculo ao 
						estabelecimento de um protecionismo alfandegário, a 
						partir de meados do século XIX os seus maiores 
						adversários foram, dentro do próprio país, as hostes 
						liberais cujas doutrinas eram tão convenientes aos 
						interesses da lavoura monocultora que, juntamente com a 
						organização comercial que apoiava, dirigiam, então, os 
						destinos do Império.” [LUZ. Op. Cit., p.45]
 
					
						
						
						
						
						[46] KARAVAEV. Op. Cit., pp. 70-71
						[a data correta do fechamento da Ponta da Areia é 
						1863 – R.C.]
 
					
						
						
						
						
						[47] Adquiridas pelos ingleses, a 
						Companhia de Navegação da Amazônia transformou-se na 
						Amazon Stean Navigation Company, a Estrada de Ferro 
						Petrópolis virou Leopoldina Railway, a companhia 
						de gás tornou-se The Rio da Janeiro Gás Company Ltd., 
						a estrada de ferro Santos-Jundiaí foi absorvida pela 
						São Paulo Railway Co. Ltd.; já a Cia. Carris de 
						Ferro do Jardim Botânico transformou-se a Botanical 
						Garden Rail Road, primeira empresa dos EUA a 
						instalar-se no Brasil.
 
					
						
						
						
						
						[48] Nesse sentido, a posição de Mauá, 
						contrária à República, é esclarecedora dos limites 
						políticos do “liberalismo” da nascente burguesia 
						brasileira: “Não desejo para meu país a liberdade e as 
						instituições dos outros Estados da América (...) basta a 
						livre manifestação e desenvolvimento do princípio legal 
						na esfera de ação que a Constituição lhe garantiu. Até 
						aí acompanho a idéia liberal; fora desse terreno, nem 
						uma linha. Essa causa da liberdade que se liga ao futuro 
						da democracia e que é a causa da América, repito, 
						eu não a quero para nosso país (...) se a desgraça 
						permitir que a negra nuvem que apenas aponta em nosso 
						horizonte político, sem que por hora nos inquiete, 
						chegasse a tomar aspecto ameaçador (...) espero e confio 
						que qualquer que seja a opinião que tenha na ocasião as 
						rédeas do poder – esteja a opinião conservadora ou a 
						idéia liberal representada no Governo – há de possuir a 
						energia e vigor precisos para em tal momento sufocar os 
						elementos que queiram transformar a nossa ordem social.” 
						[MAUÁ. Anais da Câmara, sessão de 26.01.1874. In: 
						FARIA, Alberto de. Mauá. São Paulo: Companhia 
						Editora Nacional, 1933, pp. 470-475]