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No seu 16º Congresso, o Partido Comunista do Brasil comemorou 103
anos de luta em defesa da soberania nacional, da democracia, dos
direitos dos trabalhadores e pelo socialismo.
Em sua
longa e árdua trajetória – durante a qual o PC do Brasil foi
duramente perseguido por mais de 60 anos –, milhares de seus
militantes foram presos, torturados, “desaparecidos” e assassinados,
inclusive em períodos de “democracia liberal”.
Foi,
porém, durante a ditadura militar – imposta em 1964, com o apoio
aberto do imperialismo estadunidense e a adesão da maioria das
classes dominantes brasileiras –, que a repressão política se abateu
com mais fúria sobre o nosso povo, causando dezenas de milhares de
presos e de torturados e centenas de mortos e desaparecidos.
O PCdoB –
ombreando com as demais forças antiditatoriais – teve quase uma
centena de vítimas na luta contra a tirania. A luta guerrilheira do
Araguaia, dirigida pelos comunistas, destaca-se nesse enfrentamento
ao regime militar. Apesar de vencida, foi fundamental na resistência
ao regime dos generais e contribuiu para o seu fim.
A crise do
badalado “Milagre Brasileiro”, as lutas operárias, estudantis e
populares que se seguiram a ela e as grandes jornadas pelas
DIRETAS JÁ acabaram por derrotar a ditadura. Mas, devido à
correlação de forças desfavorável, a oposição democrática não
conseguiu fazer um acerto de contas cabal com os seus crimes.
A anistia
de 1979, em plena ditadura – foi sem dúvida uma conquista das forças
de oposição –, mas acabou sendo transformada em perdão para os
agentes da ditadura que cometeram crimes como sequestro, tortura,
assassinato e ocultação de cadáveres. Os arquivos da ditadura nunca
foram abertos, parte do entulho autoritário permanece vigente e a
questão dos desaparecidos políticos continua até hoje sem solução.
A
Constituição de 1988 e a Lei de Anistia de 2002 não recepcionaram o
perdão aos agentes da ditadura que cometeram crimes de
lesa-humanidade, mas até hoje o STF considera que a lei da anistia
de 1979 perdoou os agentes da ditadura que cometeram os crimes de
sequestro, tortura, assassinato e desaparecimento, lhes garantindo a
impunidade. Isso e a falta de memória coletiva sobre os crimes do
regime militar geram acontecimentos como o 8 de janeiro de 2023 e
alimentam o crescimento de uma ultradireita neofascista. Por isso,
esta não é uma “luta do passado”, mas uma “luta do presente”!
Parte dos
avanços democráticos conquistados nos governos pós-ditadura foram
revertidos com o golpe de 2016 contra Dilma e com a vitória do
“bolsonarismo” em 2018 – com o apoio de significativas parcelas do
grande capital, da mídia, do judiciário e das forças armadas.
Derrotadas quatro vezes, as classes dominantes brasileiras decidiram
impedir, por qualquer meio, a continuidade de governos populares e
de esquerda e abriram as portas para a ultradireita bolsonarista.
No governo
Bolsonaro, a Comissão Nacional da Anistia foi desmontada e, faltando
apenas 15 dias para a posse de Lula, foi extinta a Comissão Especial
de Mortos e Desaparecidos Políticos, tendo Bolsonaro afirmado, em
forma de deboche, que “quem procura osso é cachorro”.
Quatro
anos depois, com grande amplitude e através de uma “Frente Ampla” –
defendida desde o primeiro momento pelo PCdoB –, conseguimos
derrotar Bolsonaro e os seus aliados. A tentativa de golpe em 8 de
janeiro mostrou o caráter neofascista do bolsonarismo e o quanto a
impunidade dos crimes da ditadura continua alimentando o golpismo
nos dias de hoje.
Em
resposta a essa ofensiva antidemocrática da ultradireita, têm
crescido em todo o país as denúncias dos crimes da ditadura; a luta
pela punição dos agentes do Estado responsáveis por crimes de
sequestro, tortura, assassinato e desaparecimento de opositores
políticos; e pela criação de Centros de Memória, alguns já
concretizados – como o “Memorial da Democracia”, em Recife/PE, e o
“Memorial da Resistência”, em SP – ou por criar – como a “Casa da
Morte”, em Petrópolis/RJ, a “Casa Azul”, em Marabá/PA, o “Dopinha”,
em Porto Alegre/RS, o antigo DOPS, em Belo Horizonte/MG, e tantos
outros. São espaços essenciais para dar a conhecer às novas gerações
os 21 anos de resistência democrática e a bárbara repressão que se
abateu sobre os que enfrentaram a ditadura militar.
O ano de
2024 também foi pródigo em atividades de “des-comemoração” dos 60
anos do golpe militar e de denúncia dos seus crimes e foi marcado
pela retomada – por decisão do Presidente Luiz Inácio LULA da Silva
– da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.
A
emocionante película “AINDA ESTOU AQUI” – que denuncia a
prisão, tortura, desaparecimento e assassinato do ex-deputado
federal Rubens Paiva – recebeu em março de 2025 o “Oscar” de melhor
película estrangeira, colocando a denúncia dos crimes da ditadura em
um novo patamar e levando este debate para amplos setores da
sociedade, inclusive internacionalmente. Expressão da sua grande
repercussão é o fato que a referida película já obteve mais de 40
prêmios nacionais e internacionais.
A anistia
à ex-Presidenta Dilma Rousseff, em maio de 2025 – que lhe fora
negada durante o governo bolsonarista –, foi outra importante
vitória do povo brasileiro na sua luta por Memória, Verdade e
Justiça. Da mesma forma, a recente condenação do ex-presidente Jair
Bolsonaro, três generais, um almirante e um tenente-coronel a
pesadas penas de prisão, pelo crime de golpe de Estado, tem um
importante significado e aponta para um ajuste de contas – mesmo que
tardio – com os golpistas do passado e do presente, superando fortes
pressões do imperialismo estadunidense.
Merece
destaque, ainda, a recente visita ao Brasil do “Relator Especial da
ONU para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de
Não-Repetição”, Bernard Duhaime, que defendeu a revisão da Lei da
Anistia de 1979 e declarou: “Enquanto os direitos à verdade, à
justiça, à reparação e à memória não forem assegurados a todas as
vítimas da ditadura, essa divisão irá persistir e a história pode se
repetir.”
A tudo
isso se soma a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), pela não entrega aos familiares dos restos
mortais dos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, por não
ter tornado públicos os arquivos da ditadura sobre a Guerrilha do
Araguaia e por não punir os responsáveis por esses crimes de
lesa-humanidade. São esperadas, para breve, novas condenações do
Brasil na Corte Interamericana de DH, devido aos vários processos
que lá tramitam. A CIDH também defende a revisão do atual
entendimento do STF sobre a Lei de Anistia de 1979.
Foi nesse
contexto que o Ministro Flávio Dino obteve a aprovação pelo STF da
repercussão geral do “Recurso Extraordinário com Agravo”, interposto
pelo Ministério Público Federal, sobre a “possibilidade, ou não,
de reconhecimento de anistia a crime de ocultação de cadáver (crime
permanente), cujo início da execução ocorreu antes da vigência da
Lei da Anistia, mas continuou de modo ininterrupto a ser executado
após a sua vigência, à luz da Emenda Constitucional 26/85 e da Lei
nº 6683/79”. Em breve, esse Recurso Extraordinário será pautado
no STF.
Fruto
dessa nova realidade, os Embargos à ADPF153 (“Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental”) e a ADPF 320 – que dormitam
há mais de dez anos no STF e que questionam a impunidade para os
agentes do Estado que cometeram crimes de lesa-humanidade – poderão
ser pautadas logo adiante e o seu julgamento poderá alterar a atual
interpretação do STF (equivocada) sobre a anistia. Mas, para isso, é
necessária uma forte pressão das entidades de Direitos Humanos e da
sociedade brasileira.
Em
sintonia com esta realidade e com este momento, o PCdoB – a força
política com o maior número de mortos e desaparecidos políticos
durante o regime militar, fortalecido com a incorporação do PPL,
herdeiro do Movimento Revolucionário 8 de Outubro – criou a sua “COMISSÃO
NACIONAL DE MEMÓRIA E JUSTIÇA”, para melhor integrar as inúmeras
atividades que a sua militância vem realizando neste terreno. e
colocou como uma de suas tarefas prioritárias a elaboração de uma
relação dos(as) militantes do PCdoB e do MR-8 mortos(as) e
desaparecidos(as) na luta contra a ditadura – no que contou
com a
inestimável contribuição do Centro de Documentação e Memória da
Fundação Maurício Grabois.
Com enorme
reverência, homenageamos os nossos mártires e heróis.
Que a sua dedicação sem limites ao povo brasileiro, à
liberdade, à justiça e à fraternidade nos inspire a seguir em
frente, sem titubear, na luta por um Brasil soberano, democrático,
mais justo e um dia socialista!
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Raul Carrion é Coordenador da Comissão Nacional
de Memória e Justiça do PCdoB. |