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LENIN E O “DESENVOLVIMENTO DESIGUAL
DO CAPITALISMO”
Em 1915, no seu artigo “Sobre a
consigna dos Estados Unidos da Europa”, Lenin afirmou: “A
desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei
absoluta do capitalismo. Daí decorre que é possível a vitória do
socialismo primeiramente em poucos países ou mesmo num só país
capitalista, tomado por separado.”
Na sua obra “O Imperialismo,
fase superior do Capitalismo”, de 1916, Lenin observou: “sob
o capitalismo não se concebe outro fundamento para a partilha das
esferas de influência, dos interesses, das colônias, etc., além da
força de quem participa na divisão [...]. E a força dos que
participam na divisão não se modifica de forma idêntica, visto que
sob no capitalismo é impossível o desenvolvimento igual, das
diferentes empresas, trusts, ramos industriais e países.”
Também em 1916, no artigo “O
Programa Militar da Revolução Proletária”, Lenin disse: “o
desenvolvimento do capitalismo realiza-se de modo extremamente
desigual nos diferentes países. Nem pode ser de outra forma
na produção mercantil.”
Em “Uma caricatura do marxismo e
o economicismo imperialista” (1916), Lenin constatou: “o
capitalismo se desenvolve de forma desigual e a realidade objetiva
nos mostra, junto a nações capitalistas altamente
desenvolvidas, uma série de nações economicamente pouco
desenvolvidas ou não totalmente desenvolvidas.”
Já em 1919, em “A Terceira
Internacional e o seu lugar na História”, Lenin reafirmou: “No
mundo do capitalismo não houve nem pode jamais haver nada uniforme,
nem harmônico, nem proporcional. [...] O processo de
desenvolvimento teve lugar de forma desigual.”
As breves menções de Lenin ao
“desenvolvimento desigual” sempre se referem aos países capitalistas
– seja na época do capitalismo concorrencial, seja na sua etapa
imperialista. Parece-me que tentar explicar a atual transição
geopolítica mundial – que tem causas bem concretas – através dessas
observações sumárias de Lenin é uma extrapolação temerária.
CAUSAS ESSENCIAS DO ADVENTO DA
MULTIPOLARIDADE NOS DIAS DE HOJE
Três acontecimentos fundamentais
explicam o mundo multipolar que emerge após décadas de domínio
inconteste dos EUA:
1)
O desenvolvimento
impetuoso da China socialista,
que não se explica pelo “desenvolvimento desigual do capitalismo” e
sim pelo seu caráter socialista, que já é a maior e mais dinâmica
economia do planeta – e não “a segunda maior economia do mundo”
(ponto 20) –, líder na maioria das tecnologias de ponta, maior
parceira comercial de 75% dos países e uma grande potência militar e
nuclear.
A China é hoje o principal polo
anti-hegemônico, que cria alternativas para o Sul Global em
todos os âmbitos e limita a dominação imperialista. Através da
Nova Rota da Seda, do BRICS e do seu Banco, da Organização de
Cooperação Xangai, da Parceria Econômica Regional Abrangente
e outras organizações multilaterais, a China vem criando uma
globalização alternativa à globalização neoliberal.
2)
O renascimento da
Rússia que – após ter
sido devastada pela restauração capitalista, ter tido sua indústria
e sua economia destruídas, o seu desenvolvimento tecnológico
bloqueado e os seus avanços sociais aniquilados –, voltou a ser uma
potência econômica (é hoje a quarta maior economia do mundo),
tecnológica, militar e nuclear, que impõe uma derrota estratégica
aos EUA e à OTAN na Ucrânia.
O desenvolvimento do capitalismo na
Rússia, ao invés de dinamizar a sua economia, a destruiu, tornando-a
uma nação empobrecida e irrelevante. A sua recuperação não decorreu
do “desenvolvimento do capitalismo” (apesar de haver permanecido
capitalista), mas de uma ampla intervenção do Estado a partir de
2000, quando Putin assumiu a Presidência da Rússia em substituição a
Yeltsin.
Putin desmontou o “capitalismo
oligarca” existente, desprivatizou e restaurou o Estado nacional,
reassumiu o controle estatal do petróleo e do gás (através da
Gazprom e da Treansneft) e impediu a sua desnacionalização. Em
seguida, retomou o controle das indústrias estratégicas (armamentos,
nuclear, espacial, geração de energia, etc.), resgatou e fomentou as
conquistas científicas e tecnológicas herdadas da era soviética,
investiu em educação e melhorou as condições de vida da população,
implantando o que muitos definem como um “capitalismo de estado”,
que coexiste com o capitalismo privado e o livre mercado.
Por tudo isso, é insustentável
afirmar que o renascimento da Rússia se deu pelo “desenvolvimento
desigual do capitalismo”.
3)
A aliança
estratégica entre essas duas potências econômicas, tecnológicas e
militares – com
capacidade para resistir e enfrentar as agressões dos EUA e da OTAN
–, em torno da qual passou a gravitar a maioria dos países do
chamado Sul Global.
É mais do que evidente que as
causas fundamentais das profundas mudanças geopolíticas por que
passa o mundo não decorrem do “desenvolvimento desigual do
capitalismo”.
Aliás, é importante lembrar que o
“desenvolvimento desigual do capitalismo” – que durante certo tempo
fez do Japão a segunda maior economia do mundo e da Alemanha uma
potência econômica e tecnológica, e que hoje faz da Índia o terceiro
maior PIB do planeta – foi incapaz de sequer “arranhar” a hegemonia
estadunidense.
SUBESTIMAR O PAPEL DOS PAÍSES
SOCIALISTAS OBSCURECE A CONTRADIÇÃO CAPITALISMO x SOCIALISMO
Não enxergar o protagonismo dos
países socialistas, em especial da China, no mundo de hoje e
subestimar o seu papel no surgimento de um mundo multipolar –
debitando isso ao “desenvolvimento desigual do capitalismo” – leva o
nosso PR a ignorar a contradição entre o capitalismo e socialismo,
que surgiu com a vitória da revolução socialista na Rússia e que
persistirá enquanto existir o socialismo.
O ponto 3 do PR afirma: “O
contexto atual é marcado pelo desenvolvimento da crise sistêmica
do capitalismo – especialmente com a perda de dinamismo das
economias dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão [...]
em contraste com o dinamismo da Ásia, notadamente de China,
Vietnã e Índia”. Aqui, dois países socialistas – China e
Vietnã – são colocados no “bloco” do capitalismo asiático, “mais
dinâmico”, lado a lado com a Índia capitalista. Ora, o dinamismo da
China e do Vietnã, não decorre da sua posição geográfica e sim do
seu caráter socialista!
No ponto 16 do PR é dito que existe
uma “tendência estrutural à perda de dinamismo econômico e de
poder relativo dos países capitalistas centrais [...] e da
ascensão de novos polos mais dinâmicos em países de
desenvolvimento capitalista tardio [...]. Isso se comprova
pelos exemplos do dinamismo da China e do Vietnã [...].”
Alguém pode alegar que em seguida é feita a ressalva de que esses
dois países têm um “desenvolvimento socialista”. Mas essa
“ressalva” é incapaz de anular a afirmação principal de que a China
e o Vietnã comprovam o maior dinamismo “de países de
desenvolvimento capitalista tardio”.
Se considerarmos as quatro
contradições fundamentais de nossa época – capital x trabalho,
nações imperialistas x nações oprimidas, capitalismo x socialismo e
as contradições interimperialistas – veremos que a contradição entre
o capitalismo e o socialismo não é analisada em nenhum ponto do
nosso PR, enquanto as demais o são.
Quando o Secretário de Estado dos
EUA, Marco Rúbio, afirma que o Partido Comunista da China é o grande
inimigo, quando os EUA fazem de tudo para estrangular Cuba
socialista – que não é um adversário geopolítico –, quando ameaçam
permanentemente destruir a Coreia do Norte, quando atacam o BRICS –
hegemonizado pela China e que inclui outros dois países socialistas,
Vietnã e Cuba – é a contradição entre o capitalismo e o socialismo
que está se manifestando e é percebida pelos EUA como fundamental!
Impõe-se corrigir estas lacunas no
nosso Projeto de Resolução, que acerta nas demais questões na sua
análise sobre a situação internacional.
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