Em 25 de abril de 1974 – 48 anos após a instauração de uma
ditadura fascista em Portugal e depois de décadas de luta do
povo português –, eclodiu a chamada Revolução dos Cravos,
que abriu caminho para a redemocratização do país e acelerou
a libertação das colônias portuguesas.
Os
cravos se tornaram o símbolo da Revolução de Abril de 1974
porque alguém que trazia nas mãos um ramo de cravos
vermelhos, os distribuiu aos soldados, que os colocaram nos
canos de suas armas. Logo, as floristas da Baixa
repetiram esse gesto, que se generalizou. Por isso, essa
revolta militar tornou-se conhecida como a Revolução dos
Cravos...
O
levantamento foi liderado pelo Movimento das Forças
Armadas (MFA)– criado em 1973 e formado na sua
maior parte por capitães, que através de sua participação na
guerra colonial compreenderam o caráter opressor dessa
guerra e do seu governo. O Programa de Ação do MFA
pode ser sintetizado em três palavras: “Democratizar,
Descolonizar, Desenvolver”.
A
senha para o início da rebelião foi a transmissão pela
rádio
Renascença, às 0h20 do dia 25 de abril, da
canção Grândola, Vila Morena,
que estava proibida pela ditadura, sob a alegação de que
fazia alusão ao comunismo...
A
adesão massiva da população à rebelião – selando a aliança
Povo-MFA – transformou o levantamento militar em Revolução e
foi decisiva para a derrubada do regime, que algumas horas
depois capitulou. Ao
render-se no final do dia,
o chefe do governo fascista,
Marcello Caetano, colocou
como condição que o poder fosse entregue ao General
António de Spínola,
ex-governador militar de
Guiné-Bissau, que em março de 1974 havia sido afastado do
Estado-Maior das Forças Armadas,
por defender uma solução negociada para a luta de libertação
das colônias portuguesas.
As únicas vítimas do levantamento militar foram 4
mortos e 45 feridos, baleados por agentes da Direção Geral
de Segurança (DGS) em Lisboa.
A JUNTA DE SALVAÇÃO NACIONAL
Uma
vez derrubado o regime fascista, os capitães vitoriosos
entregaram o poder à uma Junta de Salvação Nacional,
formada por três generais do Exército, um general e um
coronel da Força Aérea, um capitão-de-mar-e-guerra e um
capitão-de-fragata da Marinha, tendo como Presidente o
General António Spíndola.
Foram a extintas a polícia
política (PIDE/DGS) e a censura. Foi estabelecido um cessar
fogo nas colônias e iniciado o processo de negociações com
os movimentos insurgentes, visando pôr fim à guerra
colonial. Os sindicatos e os partidos foram legalizados. Os
presos políticos foram libertados e os líderes da oposição
que se estavam no exílio puderam retornar.
Dias depois, pela primeira vez em muitos anos, o
1º de Maio foi celebrado
nas ruas, em plena liberdade. Em
Lisboa, participaram cerca de 500 mil pessoas.
Em 15 de maio de 1974, o General Spíndola assumiu
formalmente a presidência do governo provisório e nomeou
Adelino da Palma Carlos,
político de sua confiança,
como 1º Ministro, o que desagradou o MFA.
Em 8 de julho, as propostas de Palma Carlos de reforçar
os poderes presidenciais e de adiar as eleições foram
derrotadas no Conselho de Estado e ele optou pela renúncia,
sendo substituído pelo Coronel Vasco Gonçalves, próximo ao
PCP.
Na questão colonial, o General Spíndola defendia uma
espécie de Commonwealth
(Comunidade) portuguesa, mas a sua proposta foi derrotada e
em 27 de julho ele foi obrigado a proclamar o direito das
colónias à autodeterminação e à independência.
Crescentemente isolado, em setembro Spíndola foi à
televisão e apelou para que a “maioria silenciosa do povo
português reaja contra o comunismo”, convocando os seus
adeptos para uma grande manifestação em Lisboa, no dia 28 de
setembro, com o objetivo de decretar o estado de sítio e
concentrar o poder em suas mãos.
Diante dessa clara tentativa de golpe, as forças
populares e de esquerda – sob a liderança do PCP e do PS e
com o apoio dos militares progressistas – montaram
barricadas nos principais acessos de Lisboa e impediram a
chegada dos apoiadores de Spindola, frustrando o golpe.
Centenas de conspiradores foram presos e Spíndola renunciou,
sendo substituído pelo General Francisco da Costa Gomes que
manteve o Coronel Vasco Gonçalves como 1º Ministro.
Em 11 de março de 1975, com a ingerência direta da CIA,
foi articulado um novo golpe contra o governo
revolucionário, liderado por militares conservadores.
Novamente o povo ergueu barricadas e com o apoio de
militares progressistas derrotou o golpe. Spínola e outros
golpistas militares e civis fugiram para a Espanha, onde
foram acolhidos por Franco.
Com a derrota da contrarrevolução, abriu-se um período
de radicalização e de avanços.
Foi
criado o Conselho da Revolução e decretada a
nacionalização dos sete mais importantes grupos bancários de
Portugal. Seguiu-se a nacionalização de seguradoras,
siderúrgicas, fábricas de cimentos, a Companhia União Fabril
(186 fábricas), a Lisnave, etc.
Comissões de fábricas se espalharam por toda parte e os
trabalhadores ocuparam grande número de empresas. Em torno
de mil empresas foram nacionalizadas, sofreram intervenção
ou passaram a ser geridas pelos trabalhadores.
A reforma agrária se aprofundou e foi criada uma nova
legislação para viabilizar a ocupação das grandes
propriedades, o que ocorreu principalmente no Alentejo, onde
o PC era mais forte.
A Revolução dos Cravos também trouxe grandes avanços
sociais e econômicos, como o salário mínimo nacional, os
subsídios de férias, o salário-desemprego, a licença
maternidade, o Serviço Nacional de Saúde, geral e gratuito.
Em 1975, o salário mínimo subiu de 3.300 para 4.000
escudos, um aumento de mais de 20%. A parcela dos salários
na renda nacional – que em 1974 havia alcançado 48% – passou
em 1975 a representar 57%.
Também nesse período foi reconhecida a independência das
colônias portuguesas, a começar por Guiné-Bissau (24.09.74),
seguida por Moçambique (25.06.75), Cabo Verde (05.07.75),
São Tomé e Príncipe (12.07.75), Angola (11.11.75) e Timor
Leste (28.11.75). Esta última – invadida pela Indonésia logo
após a sua independência, com o apoio aberto dos Estados
Unidos – só conquistou a sua independência definitiva em
2002.
UMA CONSTITUIÇÃO ANTIFASCISTA, ANTIIMPERIALISTA E SOCIALISTA
Foi
nesse contexto que ocorreram, em 25 de abril de 1975, as
eleições para a Assembleia Constituinte, tendo o
PS sido o mais votado
(37,9%), seguido pelo PPD (26,4%), PCP (12,5%), CDS (7,6%) e
MDP (4,1%). Os demais partidos obtiveram pequenas votações.
Refletindo o ascenso revolucionário, apesar das divisões que
começavam a aparecer entre as forças populares, foi aprovada
uma Constituição avançada, antifascista, anti-imperialista e
declaradamente socialista.
No
seu preâmbulo ela declarava: “A Assembleia Constituinte
afirma a decisão do povo português (...) de estabelecer os
princípios basilares da democracia (...) e de abrir caminho
para uma sociedade socialista”.
O
que é reafirmado nos seus artigos 1º, 2º e 9º: “(...)
empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes
(...) tem por objetivo assegurar a transição para o
socialismo mediante (...) o exercício democrático do poder
pelas classes trabalhadoras. (...) São tarefas fundamentais
do Estado: (...) c) Socializar os meios de produção e a
riqueza (...) e abolir a exploração e a opressão do homem
pelo homem.”
Ao
mesmo tempo que garantia as mais amplas liberdades
democráticas, ela afirmava: “Não são consentidas (...)
organizações que perfilhem a ideologia fascista” (art.
46). E o seu artigo 163, fulminava o fascismo: “perdem o
mandato os Deputados que (...) sejam judicialmente
condenados por participação em organizações de ideologia
fascista.”
O
seu artigo 81 explicitava as principais tarefas do movimento
revolucionário: “Incumbe prioritariamente ao Estado:
(...) Eliminar e impedir a formação de monopólios privados,
através de nacionalizações ou de outras formas (...)
Realizar a reforma agrária; (...) instauração de um sistema
de planeamento democrático; (...) Impulsionar o
desenvolvimento das relações de produção socialistas”.
No
que se refere às Relações Internacionais, o texto
constitucional, em seu artigo 7º, proclamava: “Portugal
preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo,
colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e
controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o
estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com
vista à criação de uma ordem internacional capaz de
assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
(...) Portugal reconhece o direito dos povos à insurreição
contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o
colonialismo e o imperialismo”.
O GOLPE CONTRARREVOLUCIONÁRIO
Essa radicalização da Revolução dos Cravos era inaceitável
para os Estados Unidos e para os seus aliados europeus. Isso
fez os EUA cogitarem a expulsão de Portugal da OTAN e a
apoiar uma eventual independência dos Açores, onde tinham
importantes instalações militares.
Da
mesma forma, os sociais-democratas alemães e franceses
passaram a trabalhar para fortalecer o PS – inclusive lhe
repassando importantes recursos financeiros –,
pressionando-o a se afastar do PCP, para evitar o
aprofundamento do processo revolucionário.
Frente à fragilidade da direita em Portugal, essa tática da
social-democracia europeia também foi adotada pelos EUA, que
passaram a ver o PS como “um mal menor”, mais moderado e
mais confiável. Como resultado, o PS aproximou-se das forças
políticas de centro e assumiu uma postura cada vez mais
anticomunista, buscando tornar-se palatável ao imperialismo
e à direita.
Assim, a unidade do campo revolucionário fraturou-se, seja
entre o PS e o PCP, seja entre as lideranças militares – com
o rompimento entre Vasco Gonçalves e
Otelo Saraiva de Carvalho –,
seja entre o Movimento das Forças Armadas e os
líderes civis.
Esta
divisão no campo revolucionário propiciou as condições para
uma articulação entre os setores “moderados” das Forças
Armadas e setores civis – com a participação proeminente do
PS e partidos de centro e de direita –, com o objetivo de
realizar um golpe para, no linguajar de então, encerrar o “Processo
Revolucionário em Curso”, e substituí-lo por um
"Processo Constitucional em Curso".
Assim, em 25 de novembro de 1975, chefiados pelo então
Tenente Coronel Antônio Ramalho Eanes, ocorreu um golpe
militar, sob o pretexto de “impedir um golpe de esquerda” e
Portugal ingressou em uma fase de
consolidação de um regime
democrático-liberal.
Em
abril de 1976 – com o apoio do PS, do PPD e do CDS –, o
agora General de quatro estrelas Antônio Ramalho Eanes foi
eleito presidente da República. Para 1º Ministro, ele
indicou o líder do Partido Socialista, Mário Soares...
Com isso, encerrou-se em
Portugal a Revolução do Cravos e o país entrou em um
período de estabilidade conservadora, enterrando os sonhos
dos que esperavam que ela pudesse levar a transformações
sociais mais profundas.
Pouco a pouco, sucessivas revisões constitucionais –
sob governos do Partido “Socialista” ou de direita –
desfiguraram a Constituição Portuguesa, retirando os seus
enunciados mais avançados, de caráter anti-imperialista,
antimonopolista, anti-latifundiário e socialista. As poucas
referências ao socialismo que nela restaram – basicamente no
seu preâmbulo – tornaram-se “letra morta” ou mero adereço
decorativo...
O LEGADO DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
Apesar do paulatino desmonte dos avanços da Revolução dos
Cravos, após o golpe de 25 de novembro de 1975, o empuxe
revolucionário das massas populares foi de tal monta que o
fim do regime fascista levou a uma ampla democratização de
Portugal, que as forças reacionárias não conseguiram
reverter.
Da
mesma forma, à direita não pôde acabar com os avanços
sociais e as conquistas dos trabalhadores portugueses, seja
em relação à liberdade de organização e de luta, seja quanto
aos seus direitos trabalhistas e suas melhorias econômicas.
Por
fim, mas não menos importante, o processo revolucionário de
abril de 1974 acelerou o fim da guerra colonial e a
conquista da independência pelas colônias portuguesas,
poupando a seus povos enormes sacrifícios e livrando o povo
português do peso da opressão de outros povos.
No
Brasil, vivíamos nessa época sob uma ditadura militar
terrorista que – enfraquecida por uma persistente
resistência popular – começava a dar sinais de esgotamento e
tentava prolongar a sua vida através de uma “abertura lenta
e gradual”, que na verdade era uma tentativa de se
institucionalizar.
Não
tenho dúvidas de que a Revolução dos Cravos
repercutiu no Brasil e contribui para a grande derrota que o
povo brasileiro impôs aos generais, nas eleições de 1974.
Por
tudo isso, a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, é
festejada pelo povo português e pelos povos de todo o mundo!