O Brasil
vive momentos de grande acirramento da luta de classes, o que
faz com que novos contingentes de homens e mulheres se integrem
ao combate, muitas vezes carentes de uma maior experiência
política. Ao mesmo tempo, as circunstâncias altamente mutáveis e
a correlação de forças momentaneamente desfavorável exigem de
todos nós grande argúcia e habilidade tática, para enfrentar a
ofensiva das forças conservadoras e de direita.
Frente a
essa difícil situação – que exige manobras, recuos, concessões,
busca de aliados (mesmo que instáveis) para enfrentar os ataques
dos inimigos e passar à contra-ofensiva – observa-se o
surgimento de opiniões estreitas e sectárias que, caso
prevaleçam, podem nos levar à derrota nesse difícil
enfrentamento. “Nenhum compromisso!”, “Nenhum acordo!”, “Nenhuma
tratativa com os que vacilam!” são algumas das “frases
altissonantes” que surgem freqüentemente e se apresentam como a
expressão mais avançada e conseqüente da luta...
Nesse
contexto, impõe-se relembrar os ensinamentos do grande
revolucionário russo Vladimir Ilich Ulyanov LENIN, que em
diversos momentos examinou os inevitáveis “compromissos” no
processo da luta de classes. Em 1918, respondendo aos
auto-proclamados “comunistas de esquerda”, que criticavam os
bolcheviques por terem assinado com a Alemanha a Paz de
Brest-Litovsk, imposta pela superioridade militar alemã, LENIN
afirmou: “nossos comunistas ‘de esquerda’ (...) não sabem
pensar na correlação de forças, não sabem ter em consideração a
correlação de forças. Nisso reside o cerne do marxismo e da
tática marxista.” (1) “Aceitar o combate, quando ele é
manifestamente vantajoso ao inimigo e não a nós, constitui um
crime e para nada servem os políticos da classe revolucionária
que não sabem ‘manobrar’, que não sabem concertar ‘acordos e
compromissos’ a fim de evitar um combate com toda certeza
desfavorável.” (2) Nesse mesmo ano, criticando a
“fraseologia esquerdista”, arrematou:
“A
frase revolucionária costuma ser freqüentemente o mal de que
sofrem os partidos revolucionários nas circunstâncias em que
fazem a ligação, a associação e o entrelaçamento dos elementos
proletários e pequeno-burgueses e quando o curso dos
acontecimentos revolucionários mostra importantes e bruscas
mudanças. A frase revolucionária é a repetição das consignas
revolucionárias sem ter em conta as circunstâncias objetivas da
virada nos acontecimentos, que ocorrem na situação do momento.
Consignas magníficas, atraentes e embriagadoras, mas desprovidas
de base: essa a essência da frase revolucionária.” (3)
Em 1920,
fazendo um balanço de mais de dois anos e meio de poder
proletário na Rússia e visando combater as posições
“esquerdistas” que proliferavam no nascente movimento comunista
internacional, LENIN escreveu “A doença infantil do
‘esquerdismo’ no comunismo”, onde analisa, primeiramente, as
causas do surgimento do esquerdismo: “os revolucionários
muito jovens e inexperientes, assim como os revolucionários
pequeno-burgueses, inclusive de idade muitos respeitável e de
grande experiência, consideram extraordinariamente ‘perigoso’,
incompreensível e errôneo ‘autorizar os compromissos’.” (4)
A seguir,
LENIN distingue entre “compromissos” necessários – impostos
pelas condições objetivas e por uma correlação de forças
desfavorável – e “compromissos” que significam traição:
“Todo
proletário conhece greves, conhece ‘compromissos’ com os odiados
opressores e exploradores, depois dos quais os operários tiveram
que voltar ao trabalho sem haver conseguido nada ou obtendo a
satisfação parcial de suas reivindicações. Todo proletário,
graças ao ambiente de luta de massas e de acentuado aguçamento
dos antagonismos de classe em que vive, observa a diferença
existente entre um compromisso imposto por condições objetivas
(...) – compromisso que em nada diminui a abnegação
revolucionária nem a disposição em continuar a luta dos
operários que o contraíram – e, de outra parte, um compromisso
de traidores que atribuem a causas objetivas o seu vil egoísmo
(...) sua covardia, seu desejo de ganhar a boa vontade dos
capitalistas, sua falta de firmeza ante as ameaças e, as vezes,
ante as exortações, as esmolas e os afagos dos capitalistas”.
(5)
Ou seja,
LENIN não justifica todo o tipo de “compromissos”, mas indica o
equívoco de rejeitar os “compromissos” em todas as
circunstâncias, colocando a necessidade de analisá-los de forma
concreta, caso a caso, examinando se contribuem ou prejudicam a
luta:
“A
conclusão é clara: rechaçar os compromissos ‘por princípio’,
negar a legitimidade de todo compromisso em geral, qualquer que
seja, constitui uma puerilidade que inclusive é difícil levar a
sério. O político que queira ser útil ao proletariado
revolucionário deve saber distinguir os casos concretos de
compromissos que são precisamente inadmissíveis, que são uma
expressão de oportunismo e de traição, e dirigir contra
tais compromissos concretos toda a força da crítica, todo
o fio de um desmascaramento implacável e de uma guerra sem
quartel. (...) Há compromissos e compromissos. É preciso saber
analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada
compromisso ou de cada variedade de compromisso. Deve-se saber
distinguir o homem que entrega aos bandidos a sua bolsa e as
suas armas, para diminuir o mal causado por eles e facilitar a
sua captura e execução, do que dá aos bandidos a sua bolsa e as
suas armas, para participar na divisão do botim.” (6)
E conclui
com a necessidade de utilizar todo o tipo de contradições no
seio das classes dominantes e o absurdo de renunciar a qualquer
acordo ou compromisso no processo da luta:
“toda a
história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de Outubro,
está cheia de casos de manobra, de acordos e de compromissos com
outros partidos, incluídos os partidos burgueses! Fazer a guerra
para derrotar a burguesia internacional – uma guerra cem vezes
mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das
guerras correntes entre Estados – e renunciar de antemão a toda
manobra, a explorar os antagonismos de interesses (ainda que só
sejam temporários) que dividem nossos inimigos, renunciar a
acordos e compromissos com possíveis aliados (ainda que sejam
provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais) não é,
por acaso, algo indizivelmente ridículo? (...) A tática acertada
(...) deve consistir em utilizar essas vacilações e não, de modo
algum, em desdenhá-las; para utilizá-las há que fazer concessões
aos elementos que se inclinam em direção ao proletariado – no
caso e na medida exata em que o fazem – e, ao mesmo tempo, lutar
contra os elementos que se inclinam em direção à burguesia.
(...) Quem não compreende isso, não compreende nem uma palavra
de marxismo nem de socialismo científico contemporâneo, em
geral.”
(7)
Trazendo
esse debate para os dias de hoje, ressalta a necessidade de
termos em conta e sabermos explorar as contradições existentes
entre o capital produtivo brasileiro – na indústria, nos
serviços e na agricultura, interessado na ampliação do mercado
interno e no desenvolvimento da economia nacional – e o grande
capital especulativo e usurário – estreitamente vinculado ao
capital internacional, fictício e produtor de juros –, que
extrai a sua “mais-valia” mediante juros extorsivos e através
dos mecanismos da dívida pública. Os primeiros não desejam o
retorno ao projeto neoliberal – agora em uma versão ainda mais
exacerbada –, situação que abre a possibilidade de pontos de
convergência com o campo popular. Essas contradições também se
expressam nos diferentes partidos, principalmente de centro, do
que o PMDB é a expressão mais evidente.
Daí a
miopia de considerar que “Cunha, Temer, Padilha, Renan
Calheiros, são tudo farinha do mesmo saco”, confundindo inimigos
jurados – como Eduardo Cunha, o PSDB, o DEM – com setores
vacilantes do PMDB e das próprias classes dominantes, negando a
possibilidade de qualquer aliança ou compromisso com eles. O que
condenaria, de antemão o campo democrático e popular a uma
derrota diante da raivosa ofensiva da direita neoliberal. Pois
“só se pode vencer um inimigo mais poderoso tensionando todas as
forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior zelo,
minuciosidade, prudência e habilidade toda fratura entre os
inimigos, toda contradição de interesses entre a burguesia dos
distintos países, entre os diferentes grupos ou categorias da
burguesia no interior da cada país; é preciso aproveitar também
as menores possibilidades de obter um aliado de massas, ainda
que seja temporário, vacilante, instável, pouco seguro,
condicional.” (8)
Para
enfrentar o golpe em andamento e retomar as mudanças
progressistas no Brasil, não se pode pretender voltar para traz,
pois o ciclo iniciado em 2003 cumpriu o seu papel e esgotou-se.
É preciso olhar para frente! Impõe-se a construção um novo
consenso, capaz de unificar o conjunto das forças
anti-neoliberais, apontar para a retomada do desenvolvimento do
país, fortalecer a soberania nacional, aprofundar a democracia e
garantir os direitos dos trabalhadores e do povo. O que nunca
será alcançado com posturas “esquerdistas”, sectárias e pueris
que repudiam qualquer “compromisso” no processo da luta de
classes.
NOTAS
(1) LENIN, V.I. El infantilismo “izquierdista”y el espíritu
pequeñoburgues (1918).
In: LENIN,
V. I. Obras Escogidas, Vol. 2. Moscou: Editorial
Progresso, 1960, p. 745.
(2) LENIN, V.I. La enfermedad infantil del “izquierdismo” en
el comunismo (1920).
In: LENIN,
V. I. Obras Escogidas, Vol. 3. Moscou: Editorial
Progresso, 1961, p. 420.
(3) LENIN, V.I. Acerca de la frase revolucionaria (1918).
Moscou:
Editorial Progresso, 1976, p. 18.
(4) LENIN,
V.I. La enfermedad infantil…, Idem, p. 411.
(5) LENIN,
V.I., Idem, p. 412.
(6) LENIN,
V.I., Idem, pp. 385-386.
(7) LENIN,
V.I., Idem, pp. 414-418.
(8) LENIN,
V.I., Idem, pp. 414-415.