O Projeto de Lei 156/09 – que determinou a tradução das palavras
estrangeiras utilizadas em publicidade, propaganda, documentos e
informativos, dirigidos ao grande público –, foi aprovado pela
Assembleia Legislativa em 19 de abril de 2011 e sancionado pelo
governador Tarso Genro, com alguns vetos, em 18 de maio de 2011.
Em um primeiro momento, setores da mídia tentaram desqualificar
o projeto, o seu autor e o debate em torno dele, em uma atitude
de claro patrulhamento ideológico. Em uma atitude raivosa,
desrespeitosa e sem qualquer compromisso com a verdade,
deturparam o seu conteúdo, desinformando a cidadania acerca do
seu real significado.
Diferentemente, o Governador Tarso Genro repôs a seriedade do
debate, criou uma Comissão de Alto Nível para estudar o referido
projeto e dedicou a segunda edição de “O Governo Escuta”
ao seu exame. Em manifestação à imprensa, afirmou que “se
trata de uma questão ‘séria’, que não deve ser alçada ao ‘nível
de desclassificação’. (...) somente as pessoas ‘muito caipiras’
podem se opor às tentativas de defesa da língua pátria (...) é
natural que os ‘países civilizados’ proponham movimentos de
proteção à sua língua, como já ocorreu na França.” (CORREIO
DO POVO, 21.04.11)
Em entrevista à Cláudio Leal, da TERRA MAGAZINE, o nosso
grande escritor Luís Fernando Veríssimo afirmou: “admiro o
deputado Raul Carrion e compartilho da sua preocupação com a
invasão de estrangeirismos na nossa língua, essa evidência
especialmente ridícula de colonialismo cultural.” Ainda que
um tanto cético em relação à eficácia da lei, arrematou: “A
única maneira de defender a língua portuguesa dos
estrangeirismos é confiar que as pessoas eventualmente se deem
conta do ridículo.”
Em sua crônica na ZERO HORA, intitulada “Quem escolhe
o nome das coisas é quem tem o poder para isso, não
necessariamente o direito”, Veríssimo, com a agudeza que o
caracteriza, mostrou as relações de poder na imposição de
palavras estrangeiras aos outros idiomas:
Dar nomes às coisas é possuí-las. A colonização começa pela
linguagem. Os estrangeirismos na nossa língua mostram quem tinha
poder sobre nossas vidas, combatê-los é uma maneira de dizer que
o domínio acabou, ou deve acabar. Tem gente demais que confunde
colonizado não com submisso, mas com moderno. E dê-lhe “sale” em
vez de liquidação e “delivery” em vez de entrega. A única coisa
a fazer é esperar que, em algum momento, deem-se conta do
ridículo.
Também é esclarecedora a crônica “Histeria coletiva”, da
jornalista Beatriz Fagundes (O SUL, 21.04.11), da qual
selecionamos alguns trechos:
O que surpreendeu foi mesmo a reação quase histérica dos
contrários ao projeto. A simples menção de que o uso de palavras
em outros idiomas deve ser contido ou pelo menos organizado,
causou um verdadeiro furor nos colonizados de plantão. Incrível!
A simples leitura do texto deixa claro que não estão proibidas
as expressões – a exigência é que se garanta a tradução. (...)
Pois então não existe motivo para histeria coletiva: palavras
estrangeiras devidamente traduzidas serão assimiladas com
facilidade pelo povo que, com a tradução garantida, não ficará
repetindo expressões desconhecidas apenas para parecer fashion!
(...) O deputado quer apenas que, quando o uso for público, se
traduza para o velho português. O mais é histeria de cabeça
colonizada!
Dom Dadeus Grings, Arcebispo de Porto Alegre, também manifestou
a sua opinião (O SUL, 03.07.11):
O
deputado Carrion apresentou, no parlamento gaúcho, um projeto em
prol da pureza da língua pátria. [...] vemos nossa língua
vilipendiada com estrangeirismos cada vez mais numerosos e
agressivos, como a demonstrar uma pobreza endêmica de nossa
língua pátria. Somos invadidos e violentados. Nossa língua é
declarada incapaz de expressar a cultura dos modernos meios de
comunicação. [...] Hipotecando solidariedade à iniciativa do
deputado Carrion, de depurar nossa língua dos estrangeirismos.
Concluo essa breve introdução relatando um fato hilário, que
comprova o desconhecimento da riqueza da nossa língua por parte
dos defensores do uso indiscriminado de estrangeirismos. Por
ocasião da segunda edição de “O Governo Escuta” –
promovido pelo governador Tarso Genro para avaliar o referido
projeto –, uma “renomada” linguista convidada perguntou, em tom
de vitória, como pretender substituir a palavra “tsunani”, ao
que lhe respondi que na escola primária havia aprendido que em
língua portuguesa se diz “maremoto”. Ao que a “brilhante”
linguista, desconhecedora de sua língua materna, nada pode
objetar...
I – O CONTEÚDO DO PROJETO
Tendo em vista o relativo grau de desinformação acerca do
referido projeto, a minha primeira colocação tem o objetivo de
esclarecê-lo:
-
O Projeto não proíbe nem impede o uso de palavras
estrangeiras, unicamente determina que, nesse caso, a
palavra estrangeira deve ser traduzida, para que o cidadão
tenha, em seu país, o direito de receber as informações em
sua língua pátria. Se a palavra ou expressão estrangeira não
possuir equivalente em português, deverá ter o seu
significado explicado.
-
A exigência de tradução só se aplica a propaganda,
publicidade, documentos ou informativos dirigidos ao grande
público, através da palavra escrita;
3.
O Projeto, não se aplica à linguagem falada;
-
O Projeto não se aplica a nomes próprios;
-
O Projeto não se aplica a obras científicas, a obras de arte
ou literárias, a comunicação privada;
-
As palavras de origem estrangeiras já aportuguesadas ou
dicionarizadas estão excluídas da necessidade de serem
traduzidas.
-
O Projeto tem caráter essencialmente educativo e não cria
penalidades. Estas poderão ser impostas pelo Executivo, mas
somente no âmbito administrativo (por exemplo,
obrigatoriedade de substituir a propaganda ou publicidade em
desacordo com a lei; perda de eventuais benefícios do Poder
Público no caso de desobediência a essa determinação; etc.).
II – OS OBJETIVOS DO PROJETO
O Projeto de Lei 156/09 tem três objetivos principais:
1) valorizar o uso do português na linguagem escrita, evitando a
sua descaracterização pela utilização indiscriminada, abusiva e
desnecessária de vocábulos estrangeiros;
2) garantir ao cidadão brasileiro que todo documento público,
propaganda, publicidade ou informação sejam escritas em sua
língua pátria, de forma a facilitar-lhe a compreensão;
3) educar a população no correto uso da língua portuguesa.
1.
VALORIZAR O IDIOMA PORTUGUÊS E EVITAR SUA DESCARACTERIZAÇÃO
Esse objetivo decorre do singelo fato – esquecido por tantos –
de que o português é o idioma oficial do Brasil, de acordo com o
artigo 13 da Constituição Federal, e um dos maiores patrimônios
culturais do povo brasileiro. Sua obrigatoriedade é tão óbvia
que a legislação eleitoral considera crime eleitoral o uso de
outro idioma que não o português nas campanhas.
Penso ser desnecessário alongar-me sobre a importância da
valorização do nosso idioma. A própria palavra “idioma” –
originária do grego – significa “caráter próprio de alguém”.
Portanto, a língua caracteriza e identifica um povo, sendo um
dos principais elementos integradores de uma nação. É impossível
imaginar a manutenção da unidade de um país gigantesco como o
Brasil sem a existência de um idioma comum a todos os
brasileiros que, com pequenas variações regionais, é
compreensível para todos, de norte a sul.
Diferentemente da ideia que alguns querem passar, de que os
linguistas são favoráveis a esse uso indiscriminado e abusivo de
estrangeirismos, inúmeros linguistas – no Brasil e no exterior –
têm mostrado o quanto isso é prejudicial ao desenvolvimento
virtuoso das línguas e têm proposto medidas contra esse
empobrecimento e desvirtuamento da nossa língua.
A Professora e Linguista Vera Lúcia Menezes, em sua tese de
doutorado na UFMG “A Língua Inglesa enquanto Signo da Cultura
Brasileira”, já em 1991 afirmava: “A língua estrangeira
se torna muito mais um instrumento de dominação do que de
comunicação, no momento em que a maioria da população não tem
acesso a essa língua, nem como produtora, nem como receptora.”
E a Professora Éda Heloísa Teixeira Pilla da UFRGS – Mestra em
Linguística Aplicada pela PUC/RS e Doutora em Semiótica e
Linguística Geral pela USP – em seu artigo “Diversidade
Linguística no Mundo Globalizado”, publicado em 2008, no Jornal
da Universidade, complementa:
A língua é o repositório da cultura e da identidade individual e
coletiva de uma comunidade. [...] Ao aprender a língua de sua
comunidade, portanto, o falante, já estará absorvendo a cultura
subjacente a ela, e com ela uma visão-de-mundo complexa que
reflete o modo como essa comunidade lida com seus problemas,
formula seu pensamento e sua filosofia, e organiza sua vida
social. [...]
Muitas (e cada vez mais) palavras do inglês estão sendo,
indiscriminadamente, incorporadas ao português. Em alguns casos,
a desculpa é a de que elas nomeiam conceitos novos para os quais
ainda não possuímos equivalentes, no entanto isso também
acontece em inúmeros casos onde elas poderiam ser facilmente
traduzidas, e não o são. (…) além de não facilitar a
comunicação, elas excluem a maioria dos usuários de língua
portuguesa desse processo. Quantos brasileiros entendem inglês?
E porque deveriam ser obrigados a usar outra língua em sua terra
natal (...). Do ponto de vista social, além de não facilitar a
comunicação elas excluem a maioria dos usuários de língua
portuguesa desse processo. Quantos brasileiros entendem inglês?
E porque deveriam ser obrigados a usar outra língua em sua terra
natal? Quanto à fonética, as palavras em inglês não se adaptam
ao nosso sistema fonológico e não podem ser pronunciadas de
acordo com as nossas normas fonéticas. Criamos palavras
anômalas: com a grafia do inglês e a pronúncia do português
(...). Elas também empobrecem a nossa língua, por não permitir
que o nosso léxico se expanda explorando seus próprios recursos.
Por fim, elas comprometem a identidade da língua, e isso em nada
contribui para a preservação da diversidade linguística.
Em sua comunicação “Criação de palavras como forma de
resistência política”, apresentada no 10º Simpósio Simpósio
Ibero-americano de Terminologia,
em Montevideo, no ano de 2006, a Prof. Dra. Éda Heloísa Teixeira
Pilla ensina:
A palavra estrangeira, ao preencher um nicho referencial e
linguístico que, por natureza, não lhe pertence, estará tomando
o lugar de uma palavra nacional (já existente ou que venha a ser
criada) e, portanto, virtualmente harmônica com o seu contexto
cultural e linguístico, o que significa dizer que ela, a palavra
estrangeira, concorre para o empobrecimento e enfraquecimento da
língua nacional receptora que, por sua vez, perde a capacidade
de expandir-se uma vez que seus recursos linguísticos não são
explorados. (...) De outra parte, a incorporação de uma palavra
estranha às normas morfossemânticas (e também fonológicas) da
língua receptora, perturba/quebra a coerência linguística do
sistema onde se instala.
Como historiador, não posso deixar de referir que um dos
principais mecanismos de dominação de um povo sobre outro é a
imposição da língua, caminho para transmitir seus valores,
tradições e costumes. Assim ocorreu no antigo Oriente, no mundo
grego, no império romano, nas conquistas portuguesas e
espanholas, na colonização inglesa, e assim por diante. Mais
recentemente, quando a Indonésia impôs sua dominação ao Timor
Leste, uma de suas primeiras medidas foi a proibição do uso do
português aos timorenses. Reconquistada a independência, uma das
primeiras medidas foi recolocar o português como língua oficial
do Timor Leste.
Aos que ingenuamente afirmam que os idiomas não precisam de
cuidados frente às línguas dominantes, que faz parte da sua
evolução a absorção das palavras dessas línguas mais poderosas,
sem qualquer risco de descaracterização, cito o crítico
literário da Revista VEJA, Jerônimo Teixeira, insuspeito de
qualquer radicalismo:
Em um momento em que os idiomas nacionais sofrem todo tipo de
pressão desestabilizadora (...) a globalização e a revolução
tecnológica da internet estão dando origem a um ‘novo mundo
linguístico’. Entre os fenômenos desse novo mundo estão as
subversões da ortografia, presentes nos blogs e na troca de
e-mails e o aumento no ritmo de extinção de idiomas. Estima-se
que um deles desapareça a cada duas semanas. Cresce a
consciência de que as línguas bem faladas, protegidas por normas
cultas, são ferramentas da cultura e também armas da política,
além de ser riquezas econômicas. (...) Calcula-se que hoje se
falem de 6.000 a 7.000 línguas no mundo todo. Quase metade delas
deve desaparecer nos próximos 100 anos. A última edição do
Ethnologue – o mais abrangente estudo sobre as línguas mundiais
–, de 2005, listava 516 línguas em risco de extinção.
(VEJA, 12.09.07)
E o Professor de Linguística da Universidade do País de Gales,
David Cristal, ao ser perguntado “porque tantas línguas estão
desaparecendo?”, respondeu: “O principal motivo é a
assimilação cultural por causa da globalização. O crescimento
das grandes línguas do mundo funciona como um trator, esmagando
os idiomas que se põem no caminho.”
Em recente artigo à ZERO HORA, o conhecido escritor gaúcho
Franklin Cunha cita o Professor René Étiemble, da Universidade
da Sorbonne, que diante da descaracterização do francês
pela invasão de vocábulos ingleses, afirmou que “não são
apenas palavras de empréstimo que se insinuam no francês mas, na
verdade, trata-se de uma doença metástica que corrói a
pronúncia, o léxico, a morfologia, a sintaxe e o estilo.”
Nesse mesmo artigo, Franklin Cunha chama a atenção de que:
A admissão indiscriminada de catadupas de palavras com grafia,
pronúncia, forma e flexão diversas da língua original pode
seriamente prejudicá-la, embotando a criatividade linguística e
obstruindo as fontes genuínas de enriquecimento e renovação.
(...) a luta pela manutenção de variados idiomas e culturas
talvez seja decisiva para a resistência dos povos à
uniformização totalitária, não apenas linguística, mas de
estilos de vida, de condutas éticas, estéticas e, certamente,
das liberdades de expressão e de pensamento.
Todos sabemos que o português, como qualquer idioma, evoluiu
incorporando vocábulos das mais variadas línguas, principalmente
quando essas palavras não têm equivalente em português. Mas,
quando o fez, adaptou sua grafia, sua fonética, sua flexão, sua
sintaxe, assimilando-as e aportuguesando-as. Assim, football
virou “futebol”; black-out transformou-se em “blecaute”
(apesar de já existir a palavra “apagão”); computer
passou a ser “computador”, só para citar alguns exemplos.
Diferentemente da invasão indiscriminada e desnecessária de
palavras e expressões estrangeiras que possuem equivalente em
português. E, o que é pior, sem qualquer adaptação à nossa
fonética, grafia ou flexão. Tal uso abusivo de “estrangeirismos”
– muito mais por modismo e subserviência cultural do que por
necessidade – em nada contribui para o enriquecimento da nossa
língua, descaracterizando-a e dificultando o seu entendimento
pela maioria da população.
Pode-se perguntar: em que se enriquece a nossa língua ao
substituir “pausa para o café” por coffee-break;
“auto-serviço” por self-service; “entrega” por
delivery; “moda” por fashion; “franquia” por
franchise; “tempo” por time; “risco” por spread;
“liquidação” por sale; “desconto” por off; e assim
por diante? A resposta é: EM NADA! Será que chamar a premiação
das marcas “Mais Lembradas” de Top of Mind, ou a disputa
do “Melhor Salto” de Best Jump enriquece a nossa língua?
Ao contrário, desvaloriza e deturpa a nossa língua e dificulta o
entendimento para a maioria da população.
Como disse nosso brilhante cronista Juremir Machado da Silva, na
segunda edição de “O Governo Escuta”, em uma crítica mordaz à
subserviência cultural dos que se ufanam de usar palavras
estrangeiras ao invés do nosso belo português: “são pessoas
que passam dois meses no exterior e voltam com “dificuldade” de
falar português...” E acrescentou: “Se ‘mouse’ é ‘rato’
em todos os países de fala inglesa, é ‘rato’ (‘souris’) onde se
fala francês, é ‘rato (‘raton’) nas nações de idioma espanhol, é
‘rato’ em Portugal, porque não pode ser ‘rato’ no Brasil?”
Mas, se o português pode, eventualmente, enriquecer-se com algum
vocábulo estrangeiro que não exista na nossa língua,
assimilando-o, o caminho fundamental para o seu desenvolvimento
é a criação de novas palavras através dos neologismos. Como
ensina a Prof. e Linguista Éda Heloísa Pilla no seu livro “Os
Neologismos do Português e a Face Social da Língua” ( AGE
Editora, 2002):
O neologismo formal representa quase a totalidade da criação
lexical pesquisada, presente em palavras como somatizar,
sucatear, rotinizar, mimetizar, achismo, salvacionismo,
aberturismo, reindexação, desinvestimento, praticidade,
perfomático, terceirização, multirrelacional, antidroga,
apart-hotel, infovia, agrovila, desimportância, eurozona,
ineditizar, degravação, espontaneísta, urgenciar, burocratismo,
intransparência, evidenciação, etc., indica mudanças toleradas
pelo léxico (e até mesmo necessárias) e que atualizam este
último. Os empréstimos estrangeiros são alheios a essa
organização. As primeiras se criam em relação e de acordo com o
sistema; os últimos não envolvem criatividade morfológica ou
gramatical, mas apenas a transferência de um elemento totalmente
formado, de um outro código para o nosso.
2.
GARANTIR O DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO EM PORTUGUÊS
Além de ser necessário valorizar o idioma português e evitar sua
descaracterização e conspurcação – pois a questão em tela não é
o “desaparecimento” do português, como alguns, comicamente,
tentam reduzir de forma caricata – também é preciso respeitar os
Direitos do Consumidor e da maioria da população, que não fala
nem entende o inglês. Pois bem, o Código do Consumidor em seu
artigo 31 determina de forma explícita:
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre suas características, qualidades,
quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e
origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que
apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Ou seja, o cidadão brasileiro tem o direito de receber todas as
informações acerca de produtos ou serviços que lhe sejam
oferecidos, na língua pátria. Em função disso, em 2007 o
Desembargador Federal Mairan Maria, da 1ª Vara Federal de
Guarulhos, em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério
Público Federal, proferiu decisão liminar determinando à União –
sob pena de multa diária de R$ 5 mil – que fiscalizasse o
emprego da língua portuguesa (exclusivamente ou mediante
tradução) na oferta e apresentação de produtos ou serviços por
fornecedores, inclusive na oferta publicitária em vitrinas,
prateleiras, balcões ou anúncios, inclusive preço, condições de
pagamento, descontos, origem e riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores.
Da mesma forma, o Ministério Público do Estado do Acre convocou
a Associação Comercial e a Federação Comercial do Acre,
determinando-lhe a fiscalização do uso das expressões
estrangeiras na oferta e apresentação dos produtos e serviços
oferecidos.
A importância da correta informação, em português acerca das
características de um produto ou serviço poder ser aquilatada
por um simples exemplo: suponhamos um cidadão que não pode
consumir açúcar, por ser diabético, e que deseje beber um
refrigerante. Deverá pedir um refrigerante “diet” ou “light”?
Disso pode depender sua vida ou sua morte. No caso em pauta a
resposta correta é um refrigerante “diet” (dietético ou
sem açúcar). É fundamental que isso seja informado em português
cristalino!
Tratando da relação entre o uso de estrangeirismos e os direitos
do consumidor, o Juiz de Direito José Ricardo Coutinho Silva em
seu artigo “Os Estrangeirismos” (CORREIO DO POVO,
07.05.11) afirmou:
nessa avalanche que vivemos pela globalização e pelo uso de
palavras em inglês, cotidianamente, por um número cada vez maior
de pessoas no Brasil, tem havido um exagero nesse uso, que
atinge pessoas não versadas em inglês, que não desejam se
comunicar através dele e que nem sabem o significado das
palavras empregadas. (...) Evidente que boa parte das pessoas
que vão a shopping centers sabem inglês ou o suficiente para
identificar que “50% off” quer dizer 50% de desconto. Mas será
que todos sabem? Claro que não. (...) Portanto, deixando de lado
ideologias, é fundamental não ser esquecido, mesmo que os
produtos sejam importados e mesmo que muitas pessoas falem ou
utilizem expressões em língua estrangeira, que estamos no
Brasil, que o idioma oficial é o português e que os produtos e
os serviços têm de ser oferecidos com informações e instruções
claras, também em português, permitindo sua compreensão pela
integralidade da população.
3.
EDUCAR OS CIDADÃOS NO CORRETO USO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Não é segredo para ninguém que o ensino formal do português é
desconstituído cotidianamente pelo bombardeio avassalador de uma
escrita corrompida pelo uso indiscriminado de palavras
estrangeiras, impostas pela propaganda, pela publicidade e por
certos meios de comunicação de massas.
A exigência da tradução das palavras estrangeiras (não a
proibição do seu uso) tornará esses textos mais compreensíveis
ao conjunto dos cidadãos e reforçará a correta escrita da
língua. Ao mesmo tempo, forçará àqueles que abusam dos
estrangeirismos a consultar os dicionários e a melhor conhecer a
sua própria língua. Dessa forma, ganharão todos. Tanto os que
usam desnecessariamente palavras estrangeiras – que talvez o
façam por desconhecer os amplos recursos de que dispõe a língua
portuguesa –, quanto os que tinham dificuldade de entender o
português conspurcado pelo inglês.
III – O IDIOMA É ASSUNTO DE ESTADO SIM
É preciso, também, examinar a opinião daqueles que afirmam que a
questão da língua é um assunto privado, no qual o Estado não
deve interferir e sobre o qual não cabe legislar. Alguns –
principalmente publicistas e marqueteiros – defendem que a
evolução da língua e a incorporação a ela, ou não, de palavras
estrangeiras será decidida pela sua aceitação ou não pelo
“mercado”. Outros afirmam que a evolução do idioma se dá de
forma totalmente espontânea, “pelo voo das palavras”, sem
qualquer regramento. O que, de partida, já se choca com o fato
de que todos os países definem regras para suas línguas!...
Além disso, ignoram, ingenuamente, a enorme influência, nos dias
de hoje, dos meios de comunicação de massas e da indústria
cultural (cinema, televisão, vídeo, música, etc.) – amplamente
dominada pelas grandes produtoras e distribuidoras estrangeiras
– em impor sua visão de mundo, cultura, costumes e língua.
Como afirma a reportagem “Linguagem - cultura e transformação”,
da revista eletrônica “Com Ciência”, da
SBPC:
“Diferentes nações escolhem diferentes soluções para o
problema da penetração do idioma estrangeiro, dependendo, entre
outras coisas, da realidade social do país. Mas, em todas elas,
a linguagem é tratada como questão de Estado. As nações procuram
normatizar e regular os idiomas que utilizam, visando o processo
de identidade nacional. (...) Há, na França, várias organizações
dedicadas à língua francesa – incluindo a sua defesa contra os
‘estrangeirismos’ – como a Délégation générale à la langue
française. A legislação sobre o idioma francês é bastante
detalhada. A defesa da língua baseia-se na lei Toubon, de
1994. Essa lei estende o campo de aplicação da lei anterior, de
1975. Segundo a lei atual, o emprego do francês é obrigatório na
designação, apresentação e publicidade de bens, produtos e
serviços, com exceções para as denominações de produtos típicos
de países estrangeiros que sejam vastamente conhecidos. A lei
permite traduções em línguas estrangeiras desses textos, desde
que com a presença da versão em francês. Essas regras não se
aplicam a razões sociais, marcas de fábrica, de comércio e de
serviços. Tudo isso vale também para o caso da difusão por
televisão ou rádio. A lei Toubon afirma o caráter obrigatório do
ensino em francês e de seu emprego em exames, concurso, teses e
memórias, em estabelecimentos públicos e privados.”
A Lei Toubon – proposta e promulgada pelo governo socialista de
Miterrand – determina:
Artigo 1º - Língua da República, em virtude da Constituição, a
língua francesa é um elemento fundamental da personalidade e do
patrimônio da França. Ela é a língua do ensino, do trabalho, do
comércio e dos serviços públicos. Ela é o vínculo privilegiado
entre os Estados que constituem a comunidade francófona.
Artigo 2 – Na designação, oferta, apresentação, modo de uso ou
utilização, descrição quanto à duração e condições de garantia
de um bem, um produto ou um serviço, assim como nas notas e
recibos, o emprego da língua francesa é obrigatório. As mesmas
disposições se aplicam a toda publicidade escrita, falada ou
audiovisual. As disposições do presente artigo não são
aplicáveis aos nomes dos produtos típicos e especialidades de
denominação estrangeira de conhecimento geral [...].
Artigo 3 – Toda inscrição ou anúncio colocado ou feito em uma
via pública, em um lugar aberto ao público ou em um meio de
transporte comum e destinado à informação pública deve ser
formulada em língua francesa.
Temos conhecimento de que já adotaram normas para proteger a sua
língua da invasão de palavras estrangeiras, além da França, a
Espanha – incluída a Catalunha –, o Canadá e a Islândia. E a
União Europeia aprovou a “Carta Europeia para Línguas
Regionais ou Minoritárias”, como uma forma de protegê-las do
avassalamento pelas línguas mais fortes. O que deita por terra a
tese ingênua de que as línguas não precisam de proteção nem de
regramentos que as impeçam de ser degradadas por outras línguas
mais poderosas.
E é bom lembrar que, tanto na França como nos Estados Unidos,
entre as exigências legais para que estrangeiros se naturalizem
está a fluência verbal e escrita no idioma pátrio.
No Brasil, já foram aprovadas leis similares no Paraná – Lei
Estadual 272/09, proposta pelo ex-Governador Roberto Requião,
mas questionada na Justiça – e na cidade do Rio de Janeiro – Lei
5.033/09, proposta pelo vereador Roberto Monteiro. No Congresso
Nacional, o Projeto de Lei 1.676/99, proposto de pelo deputado
Aldo Rebelo, já foi aprovado de forma terminativa na Câmara dos
Deputados e no Senado já está com sua tramitação concluída,
estando pronto para ser votado.
Por tudo isso, reafirmamos o nosso entendimento de que cabe sim,
ao Estado, dispor de uma legislação que, sem engessar a língua,
a proteja de descaracterização e degradação. Como afirma a Prof.
Dra Éda Heloísa Teixeira Pilla: “Para o fortalecimento e
preservação do português seria importante, quase indispensável,
a criação de políticas públicas que incentivem representações
positivas sobre a nossa língua”.
É o que procuramos fazer através desse projeto de lei.