“Antigamente, as metrópoles colonialistas ocupavam países
inteiros e assumiam diretamente a sua administração. Hoje,
as potências imperialistas preferem dominar os países
através da subordinação econômica, cultural e militar,
evitando o altíssimo custo de uma ocupação direta. No
terreno militar, os seus instrumentos mais poderosos são as
bases militares.”
[4ª Assembleia Nacional do CEBRAPAZ]
Com enorme preocupação os patriotas brasileiros tomaram
conhecimento do acordo assinado por Jair Bolsonaro em
Washington, em março de 2019, cedendo aos Estados Unidos a
Base de Alcântara, para o lançamento de foguetes e
espaçonaves. Ressalte-se que a assinatura desse acordo se
deu sem qualquer debate com a comunidade científica
brasileira ou com o Congresso Nacional.
Acordo similar já havia sido assinado por Fernando Henrique
Cardoso em 2000 – mas foi rejeitado pelo Congresso Nacional,
que o considerou atentatório à Soberania nacional. Nessa
ocasião, o então deputado Jair Bolsonaro votou
contrariamente ao acordo.
Em
2006, o Brasil criou junto com a Ucrânia – que dominava a
tecnologia de Veículos Lançadores de Satélites (VLS)
–, a empresa pública binacional Alcântara Cyclone Space,
com o objetivo de comercializar o lançamento de satélites
desde a Base de Alcântara, através do foguete ucraniano
Cyclone-4.
Essa
parceria não prosperou, seja pelos problemas entre a Ucrânia
e a Rússia, seja porque os EUA – como revelou o
WikiLeaks, em 2011 – coagiu a Ucrânia a não transferir
ao Brasil a tecnologia de construção de foguetes. O que
deixa claro, até para os ingênuos, que os EUA não têm a
menor intenção de fazer qualquer transferência ao Brasil de
tecnologia, nessa área.
Mais
recentemente, o governo Temer retomou as tratativas para
entregar a Base de Alcântara aos EUA, mas não teve tempo
suficiente para concretizá-las.
Como
é sabido, o Centro de Lançamentos de Alcântara –
situado no município de Alcântara, no Estado do Maranhão –
tem a melhor localização do mundo para o lançamento de
satélites, por encontrar-se quase na Linha do Equador, o que
– devido à maior velocidade de rotação de superfície –
permite poupar até 30% do combustível necessário para
colocar em órbita, ao redor da terra, um satélite. Enquanto
a velocidade de rotação da superfície no Kennedy Space
Center/Cape Canaveral é de 408 m/s, em Alcântara chega a 465
m/s. Soma-se a isso o clima favorável da região e a
inexistência de vulcões, terremotos, tornados, furacões ou
outros fenômenos naturais perturbadores.
INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
O
próprio título do acordo já é humilhante para o Brasil: “Acordo
(...) sobre salvaguardas tecnológicas relacionadas à
participação dos Estados Unidos da América em lançamento a
partir do Centro Espacial de Alcântara.”
Ou
seja, não se trata de nenhuma “parceria” entre dois países
para o lançamento de satélites ou para a exploração do
espaço, mas para evitar que o Brasil “roube” os segredos
tecnológicos dos EUA. Já no artigo I, isso é deixado claro:
“Artigo
I (...) Este acordo tem como objetivo evitar o acesso ou
a transferência não autorizada de tecnologias
relacionadas com o lançamento (...) de Veículos de
Lançamento dos EUA e de Espaçonaves dos EUA (...)”
Esclareça-se que em nenhum artigo, alínea ou item desse
acordo há qualquer menção quanto à transferência de
tecnologia, por parte dos EUA, para o Brasil. Ao contrário,
o item 2 do artigo III, determina que o “Brasil (...)
não poderá usar tais recursos [decorrentes do
arrendamento da Base de Alcântara] para a aquisição,
desenvolvimento, produção, teste, emprego ou utilização de
sistemas da Categoria I do MTCR (seja na República
Federativa do Brasil ou em outros países)”
O
MTCR é o “Regime de
Controle de Tecnologia de Mísseis”
– grupo informal criado pelo G-7, que congrega 35 dos quase
200 países que fazem parte da ONU –, que tem o objetivo de
impedir que um número maior de países obtenha a tecnologia
de lançamento de foguetes.
NENHUMA RESTRIÇÃO EM RELAÇÃO ÀS CARGAS E OBJETIVOS DOS
LANÇAMENTOS
No
item 1do artigo II, os “Veículos de Lançamento dos EUA” são
definidos como:
“(...)
quaisquer veículos lançadores (...) que tenham sido
autorizados para exportação (...) pelo Governo dos
EUA (...).”
Não
há qualquer restrição quanto a serem veículos lançadores de
uso militar, transportarem cargas radioativas, químicas ou
bacteriológicas. Tanto é assim que o item 4 do artigo V
afirma que “O Governo dos EUA deverá (...)
fornecer (...) informações relacionadas à presença,
em Veículos de Lançamento dos EUA (...) de material
radioativo ou de quaisquer substâncias definidas como
potencialmente danosas ao meio ambiente ou à saúde humana.”
Deixando claro possíveis aspectos militares dos lançamentos,
o item 6 do artigo V determina que “Cada Parte deverá
(...) salvaguardar quaisquer informações militares
classificadas da outra Parte, obtidas em conseqüência de
atividades executadas segundo os dispositivos deste Acordo
(...) em conformidade com o Acordo Relativo a Medidas de
Segurança para a Proteção de Informações Militares Sigilosas
(...)’
Chama a atenção, também, ser desnecessária qualquer
autorização de importação e ingresso por parte do governo
brasileiro. O poder aduaneiro é repassado inteiramente aos
EUA...
ÁREAS RESTRITAS, ÁREAS CONTROLADAS, ÁREA DE RECUPERAÇÃO DE
DESTROÇOS
No
item 14 do artigo II, os Estados Unidos impuseram a criação
de “Áreas Restritas (...) às quais o
Governo (...) do Brasil somente permitirá acesso a
pessoas autorizadas pelo Governo dos EUA, a fim de assegurar
que de maneira ininterrupta, possam monitorar, inspecionar,
acessar e controlar o acesso (...).”
O
item 4 do artigo VI e o item 6 do artigo VI deixam claro que
esse controle do acesso às “Áreas Restritas” será feito
unicamente por norte-americanos:
“Brasil
deverá assegurar que a Licenciados Norte-americanos seja
permitido, de maneira ininterrupta monitorar, acessar e
acompanhar Veículos de Lançamento dos EUA (...) e
controlar o acesso às Áreas Restritas.”
“O
acesso às áreas Restritas deverá ser controlado pelo Governo
dos EUA (...) pelos Licenciados Norte-americanos, por meio
de crachás a serem elaborados (...) pelo Governo dos EUA
(...).”
E
quem serão esses “agentes”? Segundo o item 11 do artigo II,
são “quaisquer pessoas licenciadas pelo Governo dos
EUA, seus contratados, subcontratados, empregados ou agentes,
quer sejam cidadãos dos EUA ou de outros países, ou
quaisquer servidores do Governo dos EUA (...)”
É
obvio que tais agentes serão militares norte-americanos,
visto não haver qualquer restrição nesse sentido. Por outro
lado, não há qualquer limitação quanto ao seu numero. Dito
em outras palavras, fica autorizada a presença de tropas
militares estadunidenses na Amazônia, com o “nobre” objetivo
de cuidar dos equipamentos e instalações estadunidenses de
lançamento e controlar o acesso às áreas que lhes serão
entregues...
Ou
seja, haverá áreas do território nacional onde sequer o
Presidente do Brasil ingressará sem autorização
norte-americana, sob controle permanente (“ininterrupto”) de
militares dos EUA.
O
item 15 do artigo II determina a criação, além das “Áreas
Restritas”, de “Áreas Controladas (...) nas
quais permitirá o acesso apenas a pessoas autorizadas
pelo Governo (...) do Brasil, pelo Governo dos
EUA ou por Governos de outros países (...)
onde (...) pessoas autorizadas pelo Governo dos EUA
possam, de maneira ininterrupta, monitorar, inspecionar,
acessar, acompanhar e controlar o acesso (...).”
Ou
seja, igualmente as “Áreas Controladas” terão todo o acesso
controlado pelos EUA!
Em
um verdadeiro achincalhe à Soberania brasileira, o item 3 do
artigo VI impõe que o “Brasil deverá permitir que
servidores do Governo dos EUA (...) tenham
livre acesso, a qualquer tempo, para inspecionar, nas Áreas
Controladas, Áreas Restritas ou em outros locais (...)
tais inspeções ou verificações poderão ocorrer sem aviso
prévio ao Governo (...) do Brasil ou a Representantes
brasileiros”. (...) Norte-americanos
autorizados para tanto pelo Governo dos EUA deverão
ter o direito e inspecionar e/ou monitorar, inclusive
eletronicamente (...) as Áreas Restritas e/ou Áreas
Controladas (...).”
Já o
item 3 do artigo IV determina que o “Brasil
deverá deixar disponíveis Áreas Restritas e Áreas
Controladas, cujos limites deverão ser claramente definidos.”
Apesar disso, o documento silencia completamente sobre a
dimensão e as coordenadas da área a ser entregue aos EUA. O
que significa dar um “cheque em branco” a Jair Bolsonaro,
para que repasse ao controle dos EUA o território que bem
entender. Segundo algumas notícias, seriam 62 mil hectares,
uma área imensa, muito superior à área da imensa maioria das
mais de 800 bases militares que os EUA detêm ao redor do
mundo...
O
item 3, alínea B do artigo VIII, dispõe ainda que “O
Governo (...) do Brasil deverá assegurar que uma área de
recuperação de destroços (...) seja
estabelecida no Centro Espacial de Alcântara e/ou em outra
localidade, acordada pelas Partes. O acesso à(s) referida(s)
área(s) será controlado da mesma forma que o acesso a uma
Área Restrita (...).”
Ou
seja, o Brasil além dos 62 mil hectares cedidos para as
áreas “Restritas” e “Controladas”, ainda precisará entregar
outra área – na Base de Alcântara ou fora dela – controlada
por militares norte-americanos, para a colocação dos
destroços de seus veículos lançadores...
OS EQUIPAMENTOS DOS EUA TRANSITARÃO EM CONTÊINERES LACRADOS
O
artigo VII dispõe que os equipamentos de lançamentos dos EUA
serão transportados e ingressarão no Centro de Lançamentos
de Alcântara em contêineres lacrados e que “as
autoridades brasileiras competentes deverão receber
(...) declaração por escrito sobre o conteúdo dos
referidos contêineres lacrados”.
Excepcionalmente, “Caso assim requisitado pelo Governo
(...) do Brasil, quaisquer Veículos de
Lançamentos dos EUA (...) acondicionados em
contêineres devidamente lacrados somente deverão ser abertos
para inspeção por participantes Norte-Americanos (...).
Essas atividades não deverão autorizar exame técnico,
documentação (através de registro visual ou por outros
meios)”.
Ou
seja, na excepcionalidade de um pedido de inspeção – que
deverá ser feito diretamente pelo Governo do Brasil, e não
por um “participante brasileiro” –, os contêineres só
poderão ser abertos por norte-americanos e não serão
autorizados “exames técnicos” ou “inspeção visual”...
Afinal, o que é possível fiscalizar dessa forma? Digamos que
haja a suspeita de transporte de uma carga nuclear, como
detectá-la sem uma medição de radioatividade, que é
evidentemente um “exame técnico”? Ou cargas químicas? Ou se
houver a suspeita de ingresso de ogivas explosivas, como
detectá-las sem uma inspeção técnica ou visual?
Na
verdade o “acordo” cria uma situação de total
discricionariedade dos EUA em relação ao que sucederá no
interior das áreas “Restrita” e “Controlada”, onde o Brasil
abre mão totalmente da sua Soberania!
RESTRIÇÕES QUANTO AOS PARCEIROS DO BRASIL NA BASE DE
ALCÂNTARA
Em
uma clara interferência na autonomia da nação brasileira
quanto ao uso do seu território e no seu desenvolvimento
tecnológico na área espacial, o artigo III imposto pelos EUA
restringe os parceiros que o Brasil poderá ter na Base de
Alcântara:
“Brasil
compromete-se a: A) (...) não permitir o
lançamento, a partir do Centro Espacial de Alcântara,
de Espaçonaves Estrangeiras ou Veículos de Lançamento
Estrangeiros de propriedade ou sob controle de países
os quais, na ocasião do lançamento: (...) ii) tenham
governos designados por uma das partes como havendo
repetidamente provido apoio a atos de terrorismo
internacional. (...) B) (...) não permitir o ingresso
significativo, quantitativo ou qualitativamente, de
equipamentos, tecnologias, mão de obra ou recursos
financeiros no Centro Espacial de Alcântara, oriundos
de países que não sejam Parceiros (membros) do MTCR,
exceto se de outro modo acordado entre as partes.”
Pela
alínea “A”, o Brasil fica proibido de realizar “parcerias”
tecnológicas em Alcântara com os países que os EUA acusarem
de “apoio ao terrorismo internacional”... Ora, sabemos o
quanto os EUA usam essa acusação, de forma leviana, contra
seus desafetos e adversários geopolíticos.
Basta lembrar que até bem pouco os EUA acusavam Cuba e a RDP
da Coréia de serem “Estados Terroristas” – e continuam
acusando de “terroristas” o Irã e a Palestina – sem qualquer
prova concreta. Da mesma forma que acusavam o Iraque de
possuir ”armas de destruição em massa”, para justificar sua
invasão e saque. Mas sustentam Israel – que pratica
terrorismo de Estado contra o povo Palestino e contra os
países que os apóiam.
Já
pela alínea “B”, o Brasil abre mão de parcerias com mais de
160 países que não participam do MTCR, entre os quais China,
Paquistão e Irã. E a frase “exceto se de outro modo
acordado entre as partes” tem destinação certa: a
possibilidade de parcerias com Israel – aliado dos EUA – que
tampouco participa do MTCR.
AS LEIS, REGULAMENTOS E POLÍTICAS DOS EUA ESTÃO ACIMA DESSE
ACORDO
Para
não deixar dúvidas, os EUA esclarecem no item 4 do artigo
III que “nada neste acordo restringirá a autoridade do
Governo dos EUA para tomar qualquer ação com respeito ao
licenciamento, em conformidade com as leis, regulamentos e
políticas norte-americanas.”
CONCLUSÃO
Pelo
acima exposto – a partir de um exame cuidadoso do texto do
acordo firmado pelo “Capitão-Presidente” em Washington –
creio ser inarredável a conclusão de que se trata de um
acordo de “lesa-pátria”, que achincalha a Soberania
nacional, não traz qualquer benefício tecnológico ao Brasil
e abre as portas para a instalação “de fato” de uma Base
Militar norte-americana, na entrada da Amazônia brasileira.
Afora o já dito, chamo a atenção para o fato de que na área
cedida aos Estados Unidos, além de soldados estadunidenses,
deverá ser instalado um poderoso Centro de Rastreamento e
Comunicações – em relação ao qual o Brasil não terá qualquer
conhecimento ou incidência – capaz de controlar o espaço
aéreo brasileiro e, se for preciso, interferir em nossas
comunicações ou nos submeter a ataques cibernéticos a partir
do nosso próprio território.
Por
essas razões, esse acordo antinacional não pode ser avaliado
de um ponto de vista meramente “comercial” e pragmático
(vantagens econômicas que possa trazer a curto prazo), ou se
os direitos dos quilombolas da região serão atendidos ou não
(por mais relevante que isso seja). Ao contrário, ele
precisa ser examinado a partir dos interesses da nação
brasileira.
Desse ponto de vista, o repúdio a esse acordo é a única
alternativa possível.
Urge
denunciá-lo ao povo brasileiro e às forças políticas
patrióticas e progressistas!